Luís
Nassif: Como a Fitch manipulou o desinformação no caso Master
A luz
verde, para que fundos públicos de previdência aplicassem no Banco Master, foi
dada pela Agência de Risco Fitch.
Em
2023/2024, a Fitch classificou o Banco Master com grau de investimento na
escala nacional – A-(bra), depois de um upgrade a partir de BBB(bra).
Em
pareceres técnicos de RPPS (Regime Próprio de Previdência Social), a nota da
Fitch (“BBB” ou “A-(bra)”) aparece explicitamente como justificativa para
enquadrar as aplicações nas regras de investimento, que exigem rating mínimo de
agência reconhecida.
Esse
rating em grau de investimento foi a “senha” para que fundos de previdência
aplicassem em massa nas letras do Master – por exemplo, o RioPrevidência cita
exatamente a nota da Fitch na sua defesa pública.
Ou
seja: sem o selo da Fitch, boa parte desses investimentos provavelmente nem
passaria pelos comitês de investimento.
A
responsabilidade do rating
Relatórios
da Fitch deixam claro que os ratings vêm acompanhados de disclaimers (avisos
legais para limitar responsabilidades) severos, afirmando que são “opiniões”,
não recomendações de investimento, e que a agência não assume responsabilidade
por perdas dos investidores.
Em
vários casos internacionais, agências de rating respondem, quando muito, por
uma fração pequena das perdas, geralmente via acordo extrajudicial, muitas
vezes sem admissão de culpa.
Isso
coloca um “teto político-jurídico” na conversa: é raro um tribunal imputar a
uma agência algo como 100% do prejuízo.
Por
outro lado, é total a responsabilidade da Fitch no liberou geral dos fundos de
Previdência. E o histórico de avaliações do Master colocam suas impressões
digitais no centro do crime.
O
manual de manipulação dos Ratings – 1
• Em outubro de 2022, o Banco Master tinha
seus Issuer Default Ratings (IDRs) de longo prazo em moedas estrangeira e local
como “B”, e sua Viability Rating (VR) estava em “b”. Isso refletia um perfil de
crédito modesto, mas usual para um banco médio.
• Em 13 de outubro de 2023, a Fitch
melhorou seu rating para global “B+” e local “BBB(bra)” (ante “B” e
“BBB-(bra)”). A perspectiva local passou a ser positiva. A agência justificou
com a melhora na liquidez, capitalização e diversificação de receitas.
Nesse
período, a situação do banco era a seguinte (apontado pela própria Fitch):
1)
Carteira baseada em precatórios: 54%
• Precatório = ativo com enorme risco
jurídico e baixa liquidez.
• Banco dependente de uma classe de
crédito politicamente instável.
Quando
alguém tem 54% da carteira num único tipo de ativo, é sinal claro de
fragilidade estrutural.
2)
Estrutura complexa via FIDCs e FIPs
• “Menor visibilidade sobre os ativos
detidos por tais fundos.”
• Liquidez inferior a títulos públicos.
• Quando há baixa transparência, aumenta o
risco de marêêo artificial de ativos, avaliações enganosas e operações cruzadas
entre partes relacionadas.
Tradução
jornalística: caixa-preta elegante.
3)
Concentração de clientes
• Top 20 clientes = 41,5% da carteira,
excluindo precatórios.
• Bancos grandes querem concentração
<10%.
• Bancos médios toleram 20–25%.
• 41,5% é nível extremo.
Como
foi possível, então, melhorar seu rating?
“A
Fitch acredita que o Master priorizará maior consistência em seu modelo de
negócios a médio prazo.” Se uma agência precisa acreditar que um banco será
consistente, é porque ele ainda não era.
Ou
seja: o rating subiu não por performance comprovada, mas pela expectativa de
que ele mudaria o modelo de negócios.
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O manual de manipulação dos Ratings – 2
Em
outubro de 2024, a avaliação nacional de longo prazo foi elevada para
“A-(bra)”, mantendo global “B+” com perspectiva estável. Isso indica que o
banco chegava ao nível de “grau de investimento” no Brasil — uma conquista para
os seus investidores e credores.
Confira
os motivos elagdos e o que não foi dito.
1)
“Aquisições bem-sucedidas” + “injeções de capital”
O texto
afirma que o rating subiu porque o banco fez aquisições e recebeu capital.
>>>
O que não está dito:
• A maior parte das aquisições do Master
envolvia carteiras e empresas com ativos difíceis de auditar, especialmente
ligadas a crédito consignado, precatórios, securitizado e FIDCs.
• As “injeções de capital” (que a Fitch
realmente contabilizou como positivas) continham elementos controversos: parte
vinha de fundos ligados aos próprios controladores, o que levanta dúvidas sobre
capital fictício ou circular.
Pressuposto
enganoso: Crescer comprando ativos opacos aumenta risco — não solidez.
2)
“Crescimento de 29% na receita operacional”
Sim,
houve crescimento. Mas:
O que
isso indica de fato?
• Crescimento acelerado em bancos médios
costuma vir de expansão de risco, especialmente quando:
o há dependência de consignado,
o compras de carteiras problemáticas,
o secutização constante para gerar receita.
Ou
seja: o banco crescia, mas pressionava liquidez e risco de crédito
simultaneamente.
É como
correr com o carro a 200 km/h enquanto troca as rodas.
3) O
texto não menciona a maior fragilidade do Master
Mesmo
em 2024, quando subiu para A-(bra), a Fitch não mexeu nas notas internacionais
(ficaram em B+).
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Por que isso é crucial?
• No Brasil, o banco era promovido como
quase grau de investimento.
• No cenário global, era considerado alto
risco de default.
A-(bra)
não significa “banco seguro”; significa “seguro comparado ao resto do Brasil”.
Isso
pôs RPPS, fundos de previdência e empresas públicas em armadilha de interpretação.
4)
“Score b para Perfil de Risco”
O
próprio texto admite o risco:
“score
‘b’ para Perfil de Risco”
>>>>
Tradução:
Mesmo
após a melhora do rating, o perfil de risco era elevado.
Mas o
texto “vende” isso como virtude por causa do crescimento rápido. Na verdade,
era alerta disfarçado.
“Cresce
demais” na linguagem bancária pode significar:
cresce sem base real.
5) Tudo
depende dos produtos certos: consignado, precatórios, FIDCs…
Áreas
citadas:
• Credcesta (consignado)
• crédito corporativo
• FIDCs
• seguros
• câmbio
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Omissões críticas:
• Muitos FIDCs do Master eram lastreados
em ativos de difícil mensuração, com baixa transparência.
• Parte dos empréstimos consignados tinha
risco político, dependente de prefeituras/estados e de aportes que muitas vezes
estavam “emprestados a futuro”.
• Havia operações estruturadas
internamente, entre empresas do grupo, com possível superavaliação de ativos.
A
diversificação parecia ampla, mas em muitos casos era a mesma fragilidade
distribuída em embalagens diferentes.
6)
Citações de Vorcaro e Augusto Lima: discurso típico de “crescimento contínuo”
Repare
no tom:
“modelo
de negócios diferenciado”, “soluções personalizadas”, “confiança dos
investidores”.
Esse
vocabulário é comum em bancos de alto risco com estratégia agressiva. O foco
em:
• crescimento constante
• diversificação
• modelo diferenciado
…
geralmente aparece quando o banco não consegue demonstrar estabilidade pelos
números recorrentes.
Quando
o balanço fala pouco, o discurso fala muito.
O
retorno, depois do golpe aplicado
• Em abril de 2025, ao anunciar a intenção
de aquisição de parte do Master pelo BRB – Banco de Brasília S.A., a Fitch
colocou os ratings do Master sob “Rating Watch Evolving (RWE)”, sinalizando que
uma mudança significativa estava sendo
avaliada diante da reestruturação societária.
• Em setembro de 2025, a agência rebaixou
os IDRs de longo prazo para “B-” (de “B+”), a VR para “b-”, e a nota nacional
para “BB-(bra)” (de “A-(bra)”). A justificativa apontava deterioração na
liquidez e incertezas na estrutura de financiamento.
• Finalmente, em novembro de 2025, com a
liquidação extrajudicial decretada pelo Banco Central do Brasil (Bacen), a
Fitch rebaixou os ratings de curto e longo prazo para “D” / “D(bra)”, retirando
a nota formal (“withdraws ratings”), o que, na prática, significava default —
ou seja, falência ou incapacidade de honrar compromissos.
Quando
a Fitch elevou a nota do banco, vários RPPS interpretaram o rating como
garantia indireta de segurança e compraram Letras Financeiras sem FGC,
acreditando que o risco era baixo.
Ao ser
liquidado em 2025:
• Os RPPS ficaram sem cobertura
• Os títulos não tinham mercado secundário
para venda
• Parte dos recursos estava vinculada a
FIDCs ilíquidos
• Não houve resgate
Resultado:
risco de perda integral, mesmo sendo dinheiro de aposentadoria pública.
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As multas na Fitch
Se
tomarmos como base a perda bruta potencial ≈ R$ 1,86 bi dos RPPS, dá pra montar
cenários teóricos de quanto poderia ser uma indenização da Fitch, caso um juiz
ou acordo atribua parte da culpa à agência:
–
Cenário conservador – 1% das perdas
–
Responsabilidade da Fitch tratada como acessória, com 99% jogado em gestores,
plataforma, banco, BC etc.
– 1% de
R$ 1,86 bi ≈ R$ 18,6 milhões
–
Cenário intermediário – 5% das perdas
–
Tribunal reconhece falha relevante na classificação, mas entende que a maior
parte da culpa é de quem estruturou/vendeu os papéis.
– 5% de
R$ 1,86 bi ≈ R$ 93 milhões
–
Cenário agressivo – 20% das perdas
–
Interpretação de que o rating “A-(bra)” foi elemento central para destravar as
aplicações de entes públicos, puxando uma parcela alta de responsabilidade.
– 20%
de R$ 1,86 bi ≈ R$ 372 milhões
Mesmo o
cenário “agressivo” ainda coloca a Fitch muito abaixo da perda total dos
fundos, em linha com a prática internacional em casos parecidos.
Fonte:
Jornal GGN

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