sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Luís Nassif: Como a Fitch manipulou o desinformação no caso Master

A luz verde, para que fundos públicos de previdência aplicassem no Banco Master, foi dada pela Agência de Risco Fitch.

Em 2023/2024, a Fitch classificou o Banco Master com grau de investimento na escala nacional – A-(bra), depois de um upgrade a partir de BBB(bra).

Em pareceres técnicos de RPPS (Regime Próprio de Previdência Social), a nota da Fitch (“BBB” ou “A-(bra)”) aparece explicitamente como justificativa para enquadrar as aplicações nas regras de investimento, que exigem rating mínimo de agência reconhecida.

Esse rating em grau de investimento foi a “senha” para que fundos de previdência aplicassem em massa nas letras do Master – por exemplo, o RioPrevidência cita exatamente a nota da Fitch na sua defesa pública.

Ou seja: sem o selo da Fitch, boa parte desses investimentos provavelmente nem passaria pelos comitês de investimento.

A responsabilidade do rating

Relatórios da Fitch deixam claro que os ratings vêm acompanhados de disclaimers (avisos legais para limitar responsabilidades) severos, afirmando que são “opiniões”, não recomendações de investimento, e que a agência não assume responsabilidade por perdas dos investidores.

Em vários casos internacionais, agências de rating respondem, quando muito, por uma fração pequena das perdas, geralmente via acordo extrajudicial, muitas vezes sem admissão de culpa.

Isso coloca um “teto político-jurídico” na conversa: é raro um tribunal imputar a uma agência algo como 100% do prejuízo.

Por outro lado, é total a responsabilidade da Fitch no liberou geral dos fundos de Previdência. E o histórico de avaliações do Master colocam suas impressões digitais no centro do crime.

O manual de manipulação dos Ratings – 1

•        Em outubro de 2022, o Banco Master tinha seus Issuer Default Ratings (IDRs) de longo prazo em moedas estrangeira e local como “B”, e sua Viability Rating (VR) estava em “b”. Isso refletia um perfil de crédito modesto, mas usual para um banco médio.

•        Em 13 de outubro de 2023, a Fitch melhorou seu rating para global “B+” e local “BBB(bra)” (ante “B” e “BBB-(bra)”). A perspectiva local passou a ser positiva. A agência justificou com a melhora na liquidez, capitalização e diversificação de receitas.

Nesse período, a situação do banco era a seguinte (apontado pela própria Fitch):

1) Carteira baseada em precatórios: 54%

•        Precatório = ativo com enorme risco jurídico e baixa liquidez.

•        Banco dependente de uma classe de crédito politicamente instável.

Quando alguém tem 54% da carteira num único tipo de ativo, é sinal claro de fragilidade estrutural.

2) Estrutura complexa via FIDCs e FIPs

•        “Menor visibilidade sobre os ativos detidos por tais fundos.”

•        Liquidez inferior a títulos públicos.

•        Quando há baixa transparência, aumenta o risco de marêêo artificial de ativos, avaliações enganosas e operações cruzadas entre partes relacionadas.

Tradução jornalística: caixa-preta elegante.

3) Concentração de clientes

•        Top 20 clientes = 41,5% da carteira, excluindo precatórios.

•        Bancos grandes querem concentração <10%.

•        Bancos médios toleram 20–25%.

•        41,5% é nível extremo.

Como foi possível, então, melhorar seu rating?

“A Fitch acredita que o Master priorizará maior consistência em seu modelo de negócios a médio prazo.” Se uma agência precisa acreditar que um banco será consistente, é porque ele ainda não era.

Ou seja: o rating subiu não por performance comprovada, mas pela expectativa de que ele mudaria o modelo de negócios.

<><> O manual de manipulação dos Ratings – 2

Em outubro de 2024, a avaliação nacional de longo prazo foi elevada para “A-(bra)”, mantendo global “B+” com perspectiva estável. Isso indica que o banco chegava ao nível de “grau de investimento” no Brasil — uma conquista para os seus investidores e credores.

Confira os motivos elagdos e o que não foi dito.

1) “Aquisições bem-sucedidas” + “injeções de capital”

O texto afirma que o rating subiu porque o banco fez aquisições e recebeu capital.

>>> O que não está dito:

•        A maior parte das aquisições do Master envolvia carteiras e empresas com ativos difíceis de auditar, especialmente ligadas a crédito consignado, precatórios, securitizado e FIDCs.

•        As “injeções de capital” (que a Fitch realmente contabilizou como positivas) continham elementos controversos: parte vinha de fundos ligados aos próprios controladores, o que levanta dúvidas sobre capital fictício ou circular.

Pressuposto enganoso: Crescer comprando ativos opacos aumenta risco — não solidez.

2) “Crescimento de 29% na receita operacional”

Sim, houve crescimento. Mas:

O que isso indica de fato?

•        Crescimento acelerado em bancos médios costuma vir de expansão de risco, especialmente quando:

o        há dependência de consignado,

o        compras de carteiras problemáticas,

o        secutização  constante para gerar receita.

Ou seja: o banco crescia, mas pressionava liquidez e risco de crédito simultaneamente.

É como correr com o carro a 200 km/h enquanto troca as rodas.

3) O texto não menciona a maior fragilidade do Master

Mesmo em 2024, quando subiu para A-(bra), a Fitch não mexeu nas notas internacionais (ficaram  em B+).

<><> Por que isso é crucial?

•        No Brasil, o banco era promovido como quase grau de investimento.

•        No cenário global, era considerado alto risco de default.

A-(bra) não significa “banco seguro”; significa “seguro comparado ao resto do Brasil”.

Isso pôs RPPS, fundos de previdência e empresas públicas  em armadilha de interpretação.

4) “Score b para Perfil de Risco”

O próprio texto admite o risco:

“score ‘b’ para Perfil de Risco”

>>>> Tradução:

Mesmo após a melhora do rating, o perfil de risco era elevado.

Mas o texto “vende” isso como virtude por causa do crescimento rápido. Na verdade, era alerta disfarçado.

“Cresce demais” na linguagem bancária pode significar:  cresce sem base real.

5) Tudo depende dos produtos certos: consignado, precatórios, FIDCs…

Áreas citadas:

•        Credcesta (consignado)

•        crédito corporativo

•        FIDCs

•        seguros

•        câmbio

<><> Omissões críticas:

•        Muitos FIDCs do Master eram lastreados em ativos de difícil mensuração, com baixa transparência.

•        Parte dos empréstimos consignados tinha risco político, dependente de prefeituras/estados e de aportes que muitas vezes estavam “emprestados a futuro”.

•        Havia operações estruturadas internamente, entre empresas do grupo, com possível superavaliação de ativos.

A diversificação parecia ampla, mas em muitos casos era a mesma fragilidade distribuída em embalagens diferentes.

6) Citações de Vorcaro e Augusto Lima: discurso típico de “crescimento contínuo”

Repare no tom:

“modelo de negócios diferenciado”, “soluções personalizadas”, “confiança dos investidores”.

Esse vocabulário é comum em bancos de alto risco com estratégia agressiva. O foco em:

•        crescimento constante

•        diversificação

•        modelo diferenciado

… geralmente aparece quando o banco não consegue demonstrar estabilidade pelos números recorrentes.

Quando o balanço fala pouco, o discurso fala muito.

O retorno, depois do golpe aplicado

•        Em abril de 2025, ao anunciar a intenção de aquisição de parte do Master pelo BRB – Banco de Brasília S.A., a Fitch colocou os ratings do Master sob “Rating Watch Evolving (RWE)”, sinalizando que uma mudança significativa  estava sendo avaliada diante da reestruturação societária.

•        Em setembro de 2025, a agência rebaixou os IDRs de longo prazo para “B-” (de “B+”), a VR para “b-”, e a nota nacional para “BB-(bra)” (de “A-(bra)”). A justificativa apontava deterioração na liquidez e incertezas na estrutura de financiamento.

•        Finalmente, em novembro de 2025, com a liquidação extrajudicial decretada pelo Banco Central do Brasil (Bacen), a Fitch rebaixou os ratings de curto e longo prazo para “D” / “D(bra)”, retirando a nota formal (“withdraws ratings”), o que, na prática, significava default — ou seja, falência ou incapacidade de honrar compromissos.

Quando a Fitch elevou a nota do banco, vários RPPS interpretaram o rating como garantia indireta de segurança e compraram Letras Financeiras sem FGC, acreditando que o risco era baixo.

Ao ser liquidado em 2025:

•        Os RPPS ficaram sem cobertura

•        Os títulos não tinham mercado secundário para venda

•        Parte dos recursos estava vinculada a FIDCs ilíquidos

•        Não houve resgate

Resultado: risco de perda integral, mesmo sendo dinheiro de aposentadoria pública.

<><> As multas na Fitch

Se tomarmos como base a perda bruta potencial ≈ R$ 1,86 bi dos RPPS, dá pra montar cenários teóricos de quanto poderia ser uma indenização da Fitch, caso um juiz ou acordo atribua parte da culpa à agência:

– Cenário conservador – 1% das perdas

– Responsabilidade da Fitch tratada como acessória, com 99% jogado em gestores, plataforma, banco, BC etc.

– 1% de R$ 1,86 bi ≈ R$ 18,6 milhões

– Cenário intermediário – 5% das perdas

– Tribunal reconhece falha relevante na classificação, mas entende que a maior parte da culpa é de quem estruturou/vendeu os papéis.

– 5% de R$ 1,86 bi ≈ R$ 93 milhões

– Cenário agressivo – 20% das perdas

– Interpretação de que o rating “A-(bra)” foi elemento central para destravar as aplicações de entes públicos, puxando uma parcela alta de responsabilidade.

– 20% de R$ 1,86 bi ≈ R$ 372 milhões

Mesmo o cenário “agressivo” ainda coloca a Fitch muito abaixo da perda total dos fundos, em linha com a prática internacional em casos parecidos.

 

Fonte: Jornal GGN

 

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