sábado, 22 de novembro de 2025


 

Terra e Liberdade: 42 anos do Exército Zapatista de Libertação Nacional

Há 42 anos, em 17 de novembro de 1983, era fundado no México o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN).

Integrado por indígenas e camponeses de Chiapas, o EZLN se destaca como uma das mais importantes organizações revolucionárias em atividade no mundo. Sua atuação é norteada pelo neozapatismo e inspirada em princípios do anarquismo e do socialismo libertário.

O EZLN ganhou projeção internacional em janeiro de 1994, quando realizou um levante armado contra o governo mexicano, coincidindo com a entrada em vigor do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA).

Desde então, o movimento consolidou sua atuação junto às comunidades camponesas de Chiapas, estabelecendo zonas autônomas que funcionam sob princípios de autogestão e controlam seus próprios serviços e estruturas produtivas.

<><> O PRI e as guerrilhas

Durante a maior parte do século 20, o México foi governado pelo Partido Revolucionário Institucional (PRI) — agremiação fundada por lideranças egressas da Revolução Mexicana, que tentavam impedir a fragmentação política do país após o assassinato do presidente Álvaro Obregón.

Embora se apresentasse como herdeiro dos princípios da Revolução Mexicana, o PRI se tornou cada vez mais distante das lutas sociais e das reivindicações camponesas do início do século 20, operando um giro gradual rumo ao conservadorismo e encampando a defesa dos interesses das elites mexicanas como a prioridade de sua ação política.

Visando consolidar sua hegemonia, o PRI instituiu um modelo de gestão centralizador e autoritário, impondo o controle sobre os movimentos sociais e sindicatos e restringindo as liberdades civis, ao mesmo tempo em que reprimia violentamente as dissidências que escapavam do domínio institucional do partido.

O modelo de governança autoritária do PRI alimentou um crescente descontentamento popular, levando à intensificação das lutas sociais. Esse processo se intensificou ao longo das décadas de 1950 e 1960 — a fase do chamado “milagre econômico”, marcada ao mesmo tempo pelo crescimento econômico acelerado e pelo aumento das desigualdades sociais, sobretudo no meio rural.

A situação era particularmente grave em Chiapas, o estado mais pobre e negligenciado do México, onde se concentra parte substancial da população indígena do país. As comunidades camponesas e indígenas sofriam com a crescente concentração fundiária e eram submetidas massacres derivados da disputa por terras.

Reagindo ao ambiente de opressão e inércia governamental, grupos de esquerda inspirados pela Revolução Cubana e pelas guerrilhas latino-americanas iniciaram a criação de organizações revolucionárias devotadas à luta armada. É o caso do Exército Insurgente Mexicano (EIM), que operou por um curto período na região da Selva Lacandona, em Chiapas.

Em 1969, um grupo de guerrilheiros provenientes do EIM fundou as Forças de Libertação Nacional (FLN). A organização estabeleceu seu quartel general em Ocosingo, também em Chiapas, e expandiu suas operações por outros estados nos anos seguintes.

Traídas por um membro do grupo, as FLN foram dizimadas pelo Exército Mexicano durante Massacre de El Chilar, em 1974. O massacre desarticulou a guerrilha, mas um pequeno de grupo sobreviventes seguiu atuando clandestinamente e tentou recompor a luta no campo.

<><> O EZLN

Em paralelo às criação de organizações guerrilheiras, o estado de Chiapas também abrigava outras iniciativas de articulação política das comunidades indígenas e camponesas.

Na Diocese de San Cristóbal de Las Casas, o bispo Samuel Ruiz García iniciou um importante trabalho social inspirado pela teologia da libertação, que culminaria na criação da Associação Rural de Interesse Coletivo — União de Sindicatos (ARIC-UU), uma organização combativa da luta camponesa.

Em 17 de novembro de 1983, um grupo de militantes das FLN e lideranças indígenas e camponesas ligada à ARIC-UU se uniram para fundar o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN). O nome do grupo evocava como inspiração a luta de Emiliano Zapata, cujas tropas ajudaram a derrubar o governo autocrático de Porfírio Díaz durante a Revolução Mexicana.

Brandindo o lema “Terra e Liberdade”, Zapata mobilizou as massas na luta pela reforma agrária e defendeu o direitos das comunidades rurais se autogovernarem e controlarem seus próprios recursos. Sua resistência implacável aos desmandos do autocratas o converteram em um dos heróis nacionais do México.

Inicialmente diminuto, o EZLN se expandiu organicamente por Chiapas, congregando milhares de membros e instalando acampamentos e núcleos por toda Selva Lacandona. A maior parte de seus militantes são indígenas, oriundos sobretudo povos do tronco Maia — etnias como os Tzotzil, Tzeltal, Tojolabal, Chol, Mam e Zoque.

O ELZN não proclamou adesão aos princípios de uma doutrina específica, congregando diversas correntes de pensamento político de esquerda. As ações do movimento têm como base o neozapatismo, uma filosofia fortemente influenciada pelo anarquismo e pelo socialismo libertário, voltada à construção de alternativas aos modelos econômicos dominantes.

O movimento defende a insurreição revolucionária e a superação do atual sistema político por um modelo de gestão autônoma e democrática do território mexicano. Assim, nas comunidades onde atua, o ELZN tem como prioridade a construção de seus próprios sistemas de saúde e educação e de modelos comunais de organização econômica.

A gestão interna do movimento é horizontal e descentralizada, com a participação ativa dos membros através de assembleias comunitárias. As decisões militares e assuntos estratégicos ficam a cargo do Comitê Indígena Revolucionário Clandestino – Comandância Geral, composto por 23 comandantes e um subcomandante, que também atua como porta-voz da organização.

<><> O Levante Zapatista

O EZLN permaneceu secreto durante sua primeira década de existência, ampliando suas bases junto às comunidades indígenas, adquirindo armamentos e desenvolvendo suas estruturas militares para uma futura insurreição armada.

A revelação pública do movimento ocorreu da forma mais enfática possível. No dia 1º de janeiro de 1994, o Exército Zapatista publicou a Primeira Declaração da Selva Lacandona. O documento era uma declaração de guerra ao governo mexicano, então presidido por Carlos Salinas de Gortari, em que o grupo afirmava não reconhecer a legitimidade dos poderes institucionais mexicanos e conclamava o povo a se sublevar e se juntar aos rebeldes para “restaurar a legalidade e estabilidade da Nação”.

A data coincidia com a entrada em vigor do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) — um acordo comercial extremamente impopular, que determinava a abolição das barreiras comerciais entre Estados Unidos, México e Canadá, consolidando o avanço de uma agenda neoliberal nociva aos interesses dos trabalhadores locais. Porta-voz dos zapatistas, o Subcomandante Marcos se referiu ao NAFTA como “a sentença de morte para os pobres mexicanos”.

Ainda no dia 1º de janeiro, o Exército Zapatista iniciou um levante armado em Chiapas. A revolta se iniciou com a tomada do município de San Cristóbal de Las Casas pelos revolucionários, seguida pela ocupação de várias outras cidades, tais como Ocosingo, Las Margaritas, Altamirano, Comitan, etc. O general Absalón Castellanos Domínguez, ex-governador de Chiapas, foi capturado pelos guerrilheiros como prisioneiro de guerra.

A revolta foi violentamente reprimida pelas forças armadas. Após duas semanas de combates intensos, com centenas de mortes, o governo mexicano conseguiu reestabelecer o controle sobre as cidades ocupadas pelos insurgentes. Os guerrilheiros recuaram para a selva, mas seguiram realizando ataques, ocupações, sabotagens e ações de resistência ao longo dos meses subsequentes.

O levante dos zapatistas atraiu atenção internacional e angariou expressivo apoio doméstico às suas demandas — fenômeno visível, por exemplo, na grande passeata que reuniu mais de 100 mil pessoas na Cidade do México, exigindo que o governo federal interrompesse as hostilidades contra os revolucionários.

<><> A luta pelas Zonas Autônomas

Pressionado, o governo mexicano decretou um cessar-fogo unilateral. Em março de 1994, o bispo Samuel Ruiz, mediador respeitado pelas comunidades indígenas, mediou as negociações entre os zapatistas e as autoridades mexicanas.

Em fevereiro de 1996, após uma série de interrupções e novas revoltas, representantes dos insurgentes e do governo federal (já sob gestão de Ernesto Zedillo) firmaram os Acordos de San Andrés, estabelecendo a criação de zonas autônomas controladas pelo Exército Zapatista em Chiapas.

Os acordos, entretanto, não foram cumpridos, levando à estagnação do processo de paz. As tensões sociais entre grupos favoráveis e contrários às demandas dos zapatistas se intensificaram nos meses seguinte. Grupos paramilitares apoiados por latifundiários iniciaram uma onda de ataques contra as comunidades zapatistas.

A violência atingiu novos patamares em dezembro de 1997, quando ocorreu o Massacre de Acteal. Quarenta e cinco indígenas tzotziles, apoiadores do EZLN, foram chacinados por grupos paramilitares, com anuência do Exército Mexicano. Entre as vítimas, havia 20 mulheres e 16 crianças.

Novos ataques ocorreram 1998. Nesse mesmo ano, o governo de Chiapas começou a realizar ofensivas sobre os territórios controlados por zapatistas. Em resposta, o EZLN retomou a resistência armada e articulou ações de mobilização da sociedade civil.

Em 1999, os zapatistas realizaram uma ampla consulta nacional, angariando milhões de votos a favor do cumprimento dos Acordos de San Andrés. Dois anos depois, em 2001, uma marcha de zapatistas levou uma multidão às ruas da Cidade do México e os líderes do movimento realizaram um discurso histórico no Congresso. Apesar da pressão, os parlamentares aprovaram uma versão atenuada dos Acordos de San Andrés, rejeitando várias das reivindicações dos insurgentes.

Os conflitos seguiram inalterados até a eleição de Vicente Fox. Em sua campanha, Fox havia se comprometido a retomar os acordos de paz com o Exército Zapatista. Em 2004, o mandatário mexicano ordenou o fim a ocupação militar da comunidade de Cuxujal, em Ocosingo, um dos territórios autônomos que foram cedidos à gestão do EZLN.

Em contrapartida, os zapatistas publicaram a Sexta Declaração da Selva Lacandona, onde anunciavam o compromisso de “lutar pacificamente” em prol de seus objetivos e ampliar sua atuação na política institucional — uma resolução que dividiu suas bases.

Durante a fase de diálogos, o EZLN deu início à criação dos “Aguascalientes”, espaços de encontro, diálogo e articulação com a sociedade civil. Esses centros sediavam debates políticos, encontros internacionais, reuniões e mobilizações com os movimentos sociais. Foram criados cinco “Aguascalientes”, cobrindo todo o território zapatista: La Realidad, Oventic, La Garrucha, Morelia e Roberto Barrios.

A partir dos anos 2000, diante dos reveses nas negociações com o governo mexicano, o EZLN se convenceu sobre a necessidade de consolidar seus territórios. Assim, os “Aguascalientes” passaram a ser substituídos pelos “Caracoles” — comunidades autônomas com estruturas internas de autogestão (Juntas de Bom Governo), que coordenam a saúde, a educação, a justiça, a produção cooperativa e as relações entre as comunidades indígenas.

 

Fonte: Por Estevam Slva, em Opera Mundi


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