De
Monroe a Trump: como EUA pressionam a América Latina
Ao
chegar no Caribe em meados de novembro, o porta-aviões americano USS Gerald R.
Ford carregava consigo dois séculos de história de pressão dos Estados Unidos
sobre a América Latina.
O
movimento não é estranho às águas latino-americanas, que nesse período
testemunharam inúmeras embarcações militares zarparem dos EUA para intervir em
crises políticas, como na Nicarágua, no Haiti e em Honduras, apoiar golpes de
Estado, como no Brasil, ou projetar força militar contra governos considerados
indesejáveis por Washington, como em Cuba.
Da
Doutrina Monroe, de 1823, até a Operação Lança do Sul, de 2025, a postura
intervencionista americana mudou de roupagem. Antes, a chamada diplomacia das
canhoneiras buscava deixar evidente que uma guerra poderia ser desencadeada
diante do menor gesto de resistência. O périplo dos navios americanos obedecia
a um propósito claro: provocar e intimidar alvos ao alcance de seus canhões.
Hoje, o
deslocamento do porta-aviões – e de milhares de soldados a bordo – se dá em
meio a uma zona cinzenta, na qual o poder naval tradicional é incorporado a uma
mistura mais ampla de ferramentas, lembra o historiador Stefan Rinke, do
Instituto Latino-Americano da Universidade Livre de Berlim. Trata-se de uma
forma mais indireta e juridicamente enquadrada de pressão.
"Os
Estados Unidos enquadram cada vez mais seus deslocamentos como combate às
drogas, ao crime organizado, ao terrorismo e à proteção de rotas marítimas,
combinando essas operações com sanções, pressão financeira, isolamento
diplomático e campanhas de informação que deslegitimam regimes adversários,
como o da Venezuela", afirma Rinke.
Não por
acaso, quando o USS Gerald R. Ford chegou à região, Washington já havia
atingido 20 embarcações no Caribe, causando mais de 70 mortes sob a
justificativa de combater o narcotráfico nas últimas semanas. Os ataques de
mísseis ocorreram sem que o porta-aviões fosse necessário. Sua chegada,
portanto, é interpretada como um gesto político exibido em meio à inédita
escalada de tensão com a Venezuela.
"Envia
uma mensagem a Caracas e ao restante da região: a de que os Estados Unidos,
mais uma vez, estão dispostos a utilizar todo o poder de sua força militar para
garantir que prevaleça a sua vontade em todo o continente", afirma
Elizabeth Dickinson, analista sênior do Crisis Group, com base na Colômbia.
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A Doutrina Monroe repaginada
Apesar
de recente, a abordagem remonta às diversas ferramentas do poder americano
empregadas na região ao longo do tempo. Ao avançar sobre o Golfo do México, o
Mar do Caribe e o Canal do Panamá, Donald Trump renova a ideia de "América
para os Americanos”, célebre síntese da Doutrina Monroe que orientou a política
externa do presidente americano James Monroe (1817-1825).
No
século 19, porém, o objetivo anunciado de Monroe era libertar o continente da
Europa. Agora, segundo o secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, o perigo
declarado é a China. Em uma entrevista em abril, disse que Washington irá
recuperar o seu "quintal", a América Latina, da influência de Pequim.
"É um momento de uma espécie de
redescobrimento da própria região. E acho que essa é uma forma interessante de
pensar nas várias versões da política dos Estados Unidos para a América Latina,
que vão desde a Doutrina Monroe – que estipulava especificamente que os EUA
seriam a grande potência nesta parte do mundo – até operações mais encobertas e
de outros tipos ao longo do último século", diz Elizabeth Dickinson.
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Da Guerra das Bananas à Política da Boa Vizinhança
Nestes
dois séculos, esses episódios assumiram diversas formas, variando desde
operações de inteligência até o uso de tropas terrestres. O ponto de partida
foi disparado em 1823 pela política externa de Monroe, cujo governo passou a
ver o Caribe do ponto de vista estratégico.
Em
1898, com a guerra Hispano-Americana, a perspectiva da "América Latina
vista de cima" é colocada em prática de forma mais incisiva. A vitória dos
EUA no conflito obrigou a Espanha a renunciar às suas reivindicações sobre Cuba
e a ceder a soberania de Porto Rico aos americanos. A vitória deu prestígio a
Washington. Segundo o departamento de Estado americano, a guerra "consolidou a posição dos Estados Unidos
como uma potência no Pacífico".
Estava
lançada uma onda de ocupações e intervenções militares para controlar governos
e rotas marítimas caribenhas, que se estenderam até 1934 e atingiram países
como Cuba, Nicarágua, Haiti, República Dominicana e Honduras.
No
período que ficou conhecido como "Guerra das Bananas", os americanos
passaram a controlar alfândegas, bancos nacionais e governos inteiros sob o
pretexto de garantir pagamento de dívidas externas e proteger empresas
americanas, como a United Fruit Company. Batalhas mortais contra insurgentes
foram registradas em diversos protetorados. Para isso, o emprego de forças
navais se tornou tão comum que, ao final do período, a Marinha americana lançou
o próprio "Manual das Pequenas Guerras", onde afirma que o conflito
não é apenas militar, mas também social e político.
Tais
ações tiveram forte raiz no chamado Corolário Roosevelt, uma revisão da
Doutrina Monroe lançada em 1904 pelo presidente republicano Theodore Roosevelt
(1901-1909). O objetivo era justificar a intervenção. Em um histórico discurso
ao Congresso, negou que os EUA tivessem "fome de terra". "Tudo o
que este país deseja é ver os países vizinhos estáveis, ordeiros e
prósperos", afirmou, mas o "afrouxamento geral dos laços da sociedade
civilizada" poderia forçar os Estados Unidos, "ainda que com
relutância", a exercer um "poder de polícia internacional”.
Roosevelt
resgatava com frequência a orientação de "falar suavemente e carregar um
grande porrete" nas mãos. Em 1903, quando já chefiava a Casa Branca,
aplicou esta lógica ao patrocinar a separação do Panamá da Colômbia. Navios
militares americanos atracaram em portos panamenhos para garantir a secessão. O
novo país independente já nascia, assim, sob tutela americana, e viu tropas dos
EUA intervirem em seu território dezenas de vezes nos anos seguintes.
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Guerra Fria e operações encobertas
Em
1933, outro presidente americano, Franklin Roosevelt (1933-1945), assume o
poder e lança a Política da Boa Vizinhança, dando um fim formal à diplomacia
das canhoneiras e renunciando à ocupação direta. A atuação na região ganha
status de apoio logístico e patrulhamento, com Washington instituindo bases
avançadas em países latino-americanos, como no Brasil, durante a Segunda
Guerra.
Já na
Guerra Fria, os ativos navais foram reorientados para conter o comunismo,
oferecendo apoio e cobertura para golpes, bloqueios e ações de
contrainsurgência, explica o historiador Stefan Rinke. O conhecido auge se deu
em 1962, na Crise dos Mísseis, quando os EUA formaram uma quarentena de navios
ao redor de Cuba como demonstração de força diante da ameaça nuclear russa na
região.
Operações
de caráter encoberto da agência de inteligência americana, a CIA, também se
distribuíram na América Latina, chancelando golpes de Estado na Guatemala e no
Chile.
O
Brasil também foi alvo de uma destas ações, ainda que "silenciosa".
Na chamada Brother Sam, os EUA enviaram seu mais moderno porta-aviões da época,
o USS Forrestal, para apoiar o golpe de 1964 e forçar a dissuasão. Como não
houve resistência, o aparato naval americano não aportou no país.
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EUA voltam a patrulhar o Caribe
"O
fim da Guerra Fria deslocou o foco da mudança direta de regimes para mercados,
democratização e, sobretudo, combate às drogas, com o poder naval
concentrando-se mais em patrulhas, interdição e cooperação de segurança",
afirma Rinke.
Uma
nova inflexão se criou com o novo modelo: a reativação da Quarta Frota
americana, em 2008, para patrulhar os mares da América Latina. A notícia foi
mal recebida por lideranças de diversos espectros políticos no Brasil e no
Mercosul.
"Governos
latino-americanos perceberam um renovado ativismo naval dos EUA no Atlântico
Sul e no Caribe, justamente quando recursos offshore e governos de
centro-esquerda ganhavam importância", pontua Rinke.
Em
resposta às críticas, cinco anos depois, o secretário de Estado de Barack
Obama, John Kerry, afirmou à Organização dos Estados Americanos (OEA) que a
"era da Doutrina Monroe acabou". No caso do narcotráfico, o objetivo
passou a ser interceptar embarcações e julgar seus tripulantes dentro do devido
processo legal, e os EUA promoveram acordos de cooperação com países da região.
"O
relacionamento não se trata de uma declaração sobre como e quando intervirá nos
assuntos de outros Estados americanos. Trata-se de todos os nossos países se
verem como iguais, compartilharem responsabilidades, cooperarem em questões de
segurança e respeitarem", disse Kerry na ocasião.
A
proposta não teve vida longa, já que o novo governo Trump repaginou a
"América para os Americanos" de Monroe, no que foi apelidado pelo New
York Post de "Doutrina Donroe".
A
chamada Operação Lança do Sul posicionou 8% de sua frota de guerra no Caribe,
além de destróieres, caças, drones, grupos de assalto e um submarino de
propulsão nuclear. Os ataques a embarcações que deixaram dezenas de mortos,
lembra Elizabeth Dickinson, são realizados sob intenso aparato tecnológico. Uma
nova fórmula de pressão estava instituída.
Para
Dickinson, do Crisis Group, a magnitude da nova mobilização americana causou um
choque em toda a região. "Estamos em um momento de pressão máxima.
Trata-se de um tipo de implantação e de uma presença militar americana visível
que a região não via há algumas décadas, desde que escapou de muitas das
ditaduras militares instauradas nas décadas de 1970 e 1980", argumenta.
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Nova lógica de segurança na AL
A nova
lógica difere de uma guerra híbrida marítima, mas seu resultado é similar:
"O uso de plataformas navais e narrativas jurídicas para coagir e moldar
comportamentos, sem ultrapassar o limiar de uma guerra formal e mantendo a
opção de escalada em aberto", completa Stefan Rinke.
Para o
pesquisador, isso reforça o status da América Latina como um espaço de
segurança distinto, subordinado ao poder americano e cada vez mais contestado.
"A
Quarta Frota e deslocamentos episódicos de porta-aviões 'recentralizam' o
Caribe e o Atlântico Sul como espaços militarizados, levando atores regionais –
especialmente Brasil e outras potências médias sul-americanas – a articular
suas próprias visões de segurança no Atlântico Sul e a reavivar normas de não
intervenção", diz.
Tais
práticas fazem com que ameaças não tradicionais, ou seja, não militarizadas,
como drogas, pesca ilegal e migração, sejam tratadas como um problema militar.
"Ao
mesmo tempo, governos que se percebem como alvo (Venezuela, Cuba, Nicarágua)
interpretam os movimentos navais dos EUA como ameaças existenciais, reforçando
tendências autoritárias, aproximando-se de parceiros extra-hemisféricos como
Rússia, Irã e China, e intensificando divisões ideológicas dentro do complexo
regional."
O
resultado, defende Rinke, é um ambiente de segurança mais fragmentado e
desconfiado, com a presença naval dos EUA ao mesmo tempo estabilizando e
desestabilizando a ordem regional.
• Líderes da América Latina diferem na
reação a Trump
A
América Latina tem navegado por um campo minado de coerção econômica e militar
desde o retorno de Donald Trump à Casa Branca. Alguns líderes reagiram, outros
cederam. Alguns fingiram-se de mortos.
Nenhum
país saiu ileso do que muitos consideram um retorno ao intervencionismo
americano no que o governo Trump passou a chamar de "nosso
hemisfério".
"Todos
os países latino-americanos têm uma posição de assimetria em relação aos
Estados Unidos. Essa é uma posição fundamental", disse Alejandro Frenkel,
professor de relações internacionais da Universidade San Martín, na Argentina.
Abaixo,
um breve panorama da turbulência e das diferentes respostas dos líderes na
região.
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Milei: "O que Trump quiser"
Em um
extremo, o aliado ideológico argentino Javier Milei "faz tudo o que Trump
faz e tudo o que Trump quer", afirmou à agência de notícias AFP o analista
Michael Shifter, do think tank Diálogo Interamericano, em Washington.
Precisando
desesperadamente de um apoiador poderoso em seus esforços para reanimar uma
economia debilitada há muito tempo, Milei tem sido um defensor declarado de
Trump e ofereceu aos fabricantes americanos acesso preferencial ao mercado
argentino.
Trump
suspendeu as restrições às importações de carne bovina argentina em um acordo
recíproco e deu ao país uma bilionária ajuda financeira .
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Alinhamento de Bukele e Noboa
Também
firmemente alinhado com Trump está o presidente Nayib Bukele , de El Salvador,
conhecido por sua política de combate às gangues – o primeiro país a aceitar
centenas de migrantes expulsos durante o segundo mandato de Trump.
Grupos
de direitos humanos afirmaram que os homens foram torturados , mas Bukele
obteve concessões, incluindo um alívio temporário para mais de 200 mil
salvadorenhos viverem e trabalharem nos Estados Unidos e enviarem para casa
remessas de dólares, que são tão necessárias para o país.
No
Equador, o presidente Daniel Noboa concordou em receber migrantes deportados e
elogiou o envio de tropas por Trump e o bombardeio de supostos barcos de
narcotráfico no Caribe e no Pacífico.
Noboa
obteve uma cooperação mais estreita dos EUA em sua própria luta contra as
gangues.
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Petro compara Trump a Hitler
O
presidente colombiano Gustavo Petro entrou em conflito aberto com Trump,
chamando-o de "rude e ignorante" e comparando-o a Adolf Hitler.
Petro
denunciou repetidamente o tratamento dado pelo governo Trump aos migrantes e as
"execuções extrajudiciais" de mais de 80 pessoas em ataques a
supostos barcos de narcotráfico .
O
esquerdista aderiu à Iniciativa Cinturão e Rota da China, aproximando a
Colômbia de Pequim. E o governo Trump respondeu acusando Petro de narcotráfico
e impondo sanções.
Em
entrevista à rede de televisão americana CNN, Petro disse acreditar que a
campanha de pressão militar do governo dos EUA no Caribe está mais focada em
obter acesso ao petróleo venezuelano do que em combater o narcotráfico. "O
petróleo é o cerne da questão", afirmou. "Então, trata-se de uma
negociação sobre petróleo. Creio que essa é a lógica de Trump. Não está
pensando na democratização da Venezuela e, muito menos, no narcotráfico",
acrescentou.
Trump
removeu Bogotá da lista de aliados na luta contra o narcotráfico, mas o país
escapou de punições mais severas – possivelmente porque Washington aguarda o
provável retorno da direita nas eleições do ano que vem.
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Pragmatismo de Lula
Já Luiz
Inácio Lula da Silva, também entrou em conflito com Trump . Só que ele é mais
"pragmático e firme", afirma Oliver Stuenkel, professor de relações
internacionais da Fundação Getulio Vargas, em São Paulo.
Lula
denunciou a "interferência" estrangeira depois que Trump impôs
tarifas de importação punitivas ao Brasil em retaliação ao julgamento por
tentativa de golpe contra Jair Bolsonaro .
Vinte e
cinco anos atrás, quando os Estados Unidos eram seu principal parceiro
comercial, "o Brasil teria que fazer concessões significativas",
disse Stuenkel. "Mas o Brasil agora exporta mais para a China do que para
os Estados Unidos e a Europa juntos", acrescentou o analista.
<><> Diplomacia silenciosa de México e Panamá
A
presidente do México, Claudia Sheinbaum, tem menos opções. Seu país envia mais
de 80% de suas exportações para os Estados Unidos, com quem ela está
renegociando um acordo comercial.
Sheinbaum
respondeu à retórica frequentemente dura de Trump sobre os cartéis de drogas
mexicanos e a imigração com o que os analistas chamam de "diplomacia
silenciosa" – resolvendo questões a portas fechadas.
A
presidente aumentou o compartilhamento de informações de inteligência, as
apreensões de drogas e as prisões de líderes de cartéis, e escapou do pior da
ira tarifária de Trump. Mas ela se manteve firme, insistindo que não pode haver
"subordinação", depois que Trump cogitou ataques militares contra
locais de tráfico de drogas no México.
Quem
também caminha na corda bamba é o presidente do Panamá, José Raúl Mulino, que,
sob pressão dos EUA, retirou seu país da Iniciativa Cinturão e Rota da China.
Ele também permitiu a venda de portos pertencentes a um conglomerado com sede
em Hong Kong no Canal do Panamá, o qual Trump havia ameaçado que os Estados
Unidos "retomariam".
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Venezuela sob pressão
Em uma
categoria à parte está a Venezuela, que teme que um grande destacamento naval
dos EUA no Caribe tenha como objetivo derrubar o presidente Nicolás Maduro.
O líder
venezuelano é amplamente considerado como tendo fraudado duas reeleições e tem
poucos aliados ou apoiadores econômicos.
Sob
pressão, Caracas concordou em libertar prisioneiros americanos, enquanto
Washington permitiu que a Chevron continuasse suas operações no país, que
possui as maiores reservas de petróleo conhecidas do mundo.
A
Venezuela entrou em estado de alerta diante do aumento da presença militar. Mas
os venezuelanos estão "se esforçando para não provocar os EUA", disse
Guillaume Long, pesquisador sênior do Centro de Pesquisa Econômica e Política,
com sede em Washington, e ex-ministro das Relações Exteriores do Equador.
Trump
se mostrou aberto a negociações com Maduro que, por sua vez tem lutado para
atrair
investimentos estrangeiros para os campos de petróleo do país em meio às
sanções dos EUA.
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Aviação civil em alerta
A
tensão se tornou ainda mais palpável na Venezuela após a autoridade de aviação
civil dos EUA emitir um alerta e recomendar "extrema cautela" em
sobrevoos sobre território venezuelano em meio ao aumento da presença militar
americana no Caribe. Como consequência, diversas companhias aéreas
internacionais cancelaram seus voos, alimentando temores de ataques iminentes
de Washington contra o país sul-americano.
Nesta
segunda-feira, a escalada com a Venezuela tomou um novo rumo com a designação
oficial do Cartel de los Soles como
organização terrorista estrangeira por Washington. O governo Trump afirma que o
presidente venezuelano Maduro e sua liderança militar controlam o cartel.
Caracas,
por sua vez, rejeita as acusações, classificando-as como "fabricação"
e "mentira para justificar uma intervenção ilegítima e ilegal contra a
Venezuela".
• Alexander Busch: Avanço de Trump na
América Latina deixa UE sob pressão
Há
cerca de um ano, Trump foi eleito. Desde então, os EUA têm agido na América
Latina com um dinamismo que não se via há meio século. No Caribe, o país
concentrou uma presença militar maciça . Em toda a região, Trump apoia
presidentes ideologicamente próximos a ele. E está garantindo acesso
privilegiado ao mercado para as corporações americanas.
O
melhor exemplo é a Argentina: Trump acaba de assinar um acordo bilateral de
livre comércio com Buenos Aires. Em alguns aspectos, assemelha-se ao que a
União Europeia (UE) vem tentando alcançar com o Mercosul nos últimos 25 anos.
Antes,
Washington apoiou o governo de Javier Milei com empréstimos que totalizaram 40
bilhões de euros. Agora, os EUA estão garantindo o acesso da Argentina a
diversos produtos industriais e, em contrapartida, abrem seu próprio mercado
para produtos agrícolas do sul.
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Situação inédita
Para a
economia e a política europeias, esta é uma situação inédita. Empresas e
governos na Europa acabaram de perceber que a China está avançando rapidamente
na América do Sul e se faz presente em todo o continente como concorrente.
Agora, a Europa corre o risco de ficar no fogo cruzado entre duas grandes
potências na América Latina.
Para
Trump, não se trata apenas de comércio e investimento: as negociações também
visam impor padrões, leis de patentes e regulamentações de segurança dos EUA.
Grandes volumes de dados serão trocados. O acesso a terras raras e minerais
essenciais será garantido. Grandes empresas de tecnologia serão isentas de
potenciais impostos. Em resumo, os EUA querem recuperar rapidamente uma posição
estratégica na América Latina. A razão subjacente: Trump quer conter a China.
Para
esse fim, Trump está inicialmente buscando presidentes com proximidade
ideológica, como Javier Milei, na Argentina, Nayib Bukele, em El Salvador, e
Daniel Noboa, no Equador. Dada a atual guinada à direita na política
latino-americana, novos parceiros não faltarão a Trump na região.
Além
disso, o imprevisível Trump acaba de provar na Argentina que se pode contar com
ele quando um aliado está em apuros. Sem os bilhões em empréstimos , Milei
certamente teria perdido as eleições de meio de mandato.
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Estratégia hesitante
Para a
Europa, tudo isso é profundamente preocupante. Pois revela o quão hesitante e
ultrapassada é a estratégia europeia para a América Latina. A UE cede
rapidamente aos ataques tarifários de Trump e oferece amplas concessões. Mas,
no caso do acordo com a América do Sul, debate interminavelmente como mitigar a
resistência dos agricultores e ambientalistas europeus. Diante da avalanche na
produção de fatos em Washington, a estratégia europeia de negociação parece
pertencer a uma era passada.
Portanto,
não é de se admirar que seja agora Lula quem está pressionando os europeus e
acelerando o processo. Ele quer ir direto ao ponto com o acordo UE-Mercosul.
Após reuniões com representantes europeus em Belém (COP30 ) e Joanesburgo (G20
), ele anunciou: "Eu posso lhe garantir que no dia 20 de dezembro estarei
assinando o acordo União Europeia-Mercosul ".
Essa
clareza não foi ouvida dos europeus. E exatamente aí reside o verdadeiro
dilema: quem quiser ter influência na América Latina no futuro precisa de
coragem e decisões claras – qualidades que a Europa demonstrou muito raramente
até agora.
Fonte:
DW Brasil

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