sexta-feira, 28 de novembro de 2025

De Monroe a Trump: como EUA pressionam a América Latina

Ao chegar no Caribe em meados de novembro, o porta-aviões americano USS Gerald R. Ford carregava consigo dois séculos de história de pressão dos Estados Unidos sobre a América Latina.

O movimento não é estranho às águas latino-americanas, que nesse período testemunharam inúmeras embarcações militares zarparem dos EUA para intervir em crises políticas, como na Nicarágua, no Haiti e em Honduras, apoiar golpes de Estado, como no Brasil, ou projetar força militar contra governos considerados indesejáveis por Washington, como em Cuba.

Da Doutrina Monroe, de 1823, até a Operação Lança do Sul, de 2025, a postura intervencionista americana mudou de roupagem. Antes, a chamada diplomacia das canhoneiras buscava deixar evidente que uma guerra poderia ser desencadeada diante do menor gesto de resistência. O périplo dos navios americanos obedecia a um propósito claro: provocar e intimidar alvos ao alcance de seus canhões.

Hoje, o deslocamento do porta-aviões – e de milhares de soldados a bordo – se dá em meio a uma zona cinzenta, na qual o poder naval tradicional é incorporado a uma mistura mais ampla de ferramentas, lembra o historiador Stefan Rinke, do Instituto Latino-Americano da Universidade Livre de Berlim. Trata-se de uma forma mais indireta e juridicamente enquadrada de pressão.

"Os Estados Unidos enquadram cada vez mais seus deslocamentos como combate às drogas, ao crime organizado, ao terrorismo e à proteção de rotas marítimas, combinando essas operações com sanções, pressão financeira, isolamento diplomático e campanhas de informação que deslegitimam regimes adversários, como o da Venezuela", afirma Rinke.

Não por acaso, quando o USS Gerald R. Ford chegou à região, Washington já havia atingido 20 embarcações no Caribe, causando mais de 70 mortes sob a justificativa de combater o narcotráfico nas últimas semanas. Os ataques de mísseis ocorreram sem que o porta-aviões fosse necessário. Sua chegada, portanto, é interpretada como um gesto político exibido em meio à inédita escalada de tensão com a Venezuela.

"Envia uma mensagem a Caracas e ao restante da região: a de que os Estados Unidos, mais uma vez, estão dispostos a utilizar todo o poder de sua força militar para garantir que prevaleça a sua vontade em todo o continente", afirma Elizabeth Dickinson, analista sênior do Crisis Group, com base na Colômbia.

<><> A Doutrina Monroe repaginada

Apesar de recente, a abordagem remonta às diversas ferramentas do poder americano empregadas na região ao longo do tempo. Ao avançar sobre o Golfo do México, o Mar do Caribe e o Canal do Panamá, Donald Trump renova a ideia de "América para os Americanos”, célebre síntese da Doutrina Monroe que orientou a política externa do presidente americano James Monroe (1817-1825).

No século 19, porém, o objetivo anunciado de Monroe era libertar o continente da Europa. Agora, segundo o secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, o perigo declarado é a China. Em uma entrevista em abril, disse que Washington irá recuperar o seu "quintal", a América Latina, da influência de Pequim.

 "É um momento de uma espécie de redescobrimento da própria região. E acho que essa é uma forma interessante de pensar nas várias versões da política dos Estados Unidos para a América Latina, que vão desde a Doutrina Monroe – que estipulava especificamente que os EUA seriam a grande potência nesta parte do mundo – até operações mais encobertas e de outros tipos ao longo do último século", diz Elizabeth Dickinson.

<><> Da Guerra das Bananas à Política da Boa Vizinhança

Nestes dois séculos, esses episódios assumiram diversas formas, variando desde operações de inteligência até o uso de tropas terrestres. O ponto de partida foi disparado em 1823 pela política externa de Monroe, cujo governo passou a ver o Caribe do ponto de vista estratégico.

Em 1898, com a guerra Hispano-Americana, a perspectiva da "América Latina vista de cima" é colocada em prática de forma mais incisiva. A vitória dos EUA no conflito obrigou a Espanha a renunciar às suas reivindicações sobre Cuba e a ceder a soberania de Porto Rico aos americanos. A vitória deu prestígio a Washington. Segundo o departamento de Estado americano, a guerra  "consolidou a posição dos Estados Unidos como uma potência no Pacífico".

Estava lançada uma onda de ocupações e intervenções militares para controlar governos e rotas marítimas caribenhas, que se estenderam até 1934 e atingiram países como Cuba, Nicarágua, Haiti, República Dominicana e Honduras.

No período que ficou conhecido como "Guerra das Bananas", os americanos passaram a controlar alfândegas, bancos nacionais e governos inteiros sob o pretexto de garantir pagamento de dívidas externas e proteger empresas americanas, como a United Fruit Company. Batalhas mortais contra insurgentes foram registradas em diversos protetorados. Para isso, o emprego de forças navais se tornou tão comum que, ao final do período, a Marinha americana lançou o próprio "Manual das Pequenas Guerras", onde afirma que o conflito não é apenas militar, mas também social e político.

Tais ações tiveram forte raiz no chamado Corolário Roosevelt, uma revisão da Doutrina Monroe lançada em 1904 pelo presidente republicano Theodore Roosevelt (1901-1909). O objetivo era justificar a intervenção. Em um histórico discurso ao Congresso, negou que os EUA tivessem "fome de terra". "Tudo o que este país deseja é ver os países vizinhos estáveis, ordeiros e prósperos", afirmou, mas o "afrouxamento geral dos laços da sociedade civilizada" poderia forçar os Estados Unidos, "ainda que com relutância", a exercer um "poder de polícia internacional”.

Roosevelt resgatava com frequência a orientação de "falar suavemente e carregar um grande porrete" nas mãos. Em 1903, quando já chefiava a Casa Branca, aplicou esta lógica ao patrocinar a separação do Panamá da Colômbia. Navios militares americanos atracaram em portos panamenhos para garantir a secessão. O novo país independente já nascia, assim, sob tutela americana, e viu tropas dos EUA intervirem em seu território dezenas de vezes nos anos seguintes.

<><> Guerra Fria e operações encobertas

Em 1933, outro presidente americano, Franklin Roosevelt (1933-1945), assume o poder e lança a Política da Boa Vizinhança, dando um fim formal à diplomacia das canhoneiras e renunciando à ocupação direta. A atuação na região ganha status de apoio logístico e patrulhamento, com Washington instituindo bases avançadas em países latino-americanos, como no Brasil, durante a Segunda Guerra.

Já na Guerra Fria, os ativos navais foram reorientados para conter o comunismo, oferecendo apoio e cobertura para golpes, bloqueios e ações de contrainsurgência, explica o historiador Stefan Rinke. O conhecido auge se deu em 1962, na Crise dos Mísseis, quando os EUA formaram uma quarentena de navios ao redor de Cuba como demonstração de força diante da ameaça nuclear russa na região.

Operações de caráter encoberto da agência de inteligência americana, a CIA, também se distribuíram na América Latina, chancelando golpes de Estado na Guatemala e no Chile.

O Brasil também foi alvo de uma destas ações, ainda que "silenciosa". Na chamada Brother Sam, os EUA enviaram seu mais moderno porta-aviões da época, o USS Forrestal, para apoiar o golpe de 1964 e forçar a dissuasão. Como não houve resistência, o aparato naval americano não aportou no país.

<><> EUA voltam a patrulhar o Caribe

"O fim da Guerra Fria deslocou o foco da mudança direta de regimes para mercados, democratização e, sobretudo, combate às drogas, com o poder naval concentrando-se mais em patrulhas, interdição e cooperação de segurança", afirma Rinke.

Uma nova inflexão se criou com o novo modelo: a reativação da Quarta Frota americana, em 2008, para patrulhar os mares da América Latina. A notícia foi mal recebida por lideranças de diversos espectros políticos no Brasil e no Mercosul.

"Governos latino-americanos perceberam um renovado ativismo naval dos EUA no Atlântico Sul e no Caribe, justamente quando recursos offshore e governos de centro-esquerda ganhavam importância", pontua Rinke.

Em resposta às críticas, cinco anos depois, o secretário de Estado de Barack Obama, John Kerry, afirmou à Organização dos Estados Americanos (OEA) que a "era da Doutrina Monroe acabou". No caso do narcotráfico, o objetivo passou a ser interceptar embarcações e julgar seus tripulantes dentro do devido processo legal, e os EUA promoveram acordos de cooperação com países da região.

"O relacionamento não se trata de uma declaração sobre como e quando intervirá nos assuntos de outros Estados americanos. Trata-se de todos os nossos países se verem como iguais, compartilharem responsabilidades, cooperarem em questões de segurança e respeitarem", disse Kerry na ocasião.

A proposta não teve vida longa, já que o novo governo Trump repaginou a "América para os Americanos" de Monroe, no que foi apelidado pelo New York Post de "Doutrina Donroe".

A chamada Operação Lança do Sul posicionou 8% de sua frota de guerra no Caribe, além de destróieres, caças, drones, grupos de assalto e um submarino de propulsão nuclear. Os ataques a embarcações que deixaram dezenas de mortos, lembra Elizabeth Dickinson, são realizados sob intenso aparato tecnológico. Uma nova fórmula de pressão estava instituída.

Para Dickinson, do Crisis Group, a magnitude da nova mobilização americana causou um choque em toda a região. "Estamos em um momento de pressão máxima. Trata-se de um tipo de implantação e de uma presença militar americana visível que a região não via há algumas décadas, desde que escapou de muitas das ditaduras militares instauradas nas décadas de 1970 e 1980", argumenta.

<><> Nova lógica de segurança na AL

A nova lógica difere de uma guerra híbrida marítima, mas seu resultado é similar: "O uso de plataformas navais e narrativas jurídicas para coagir e moldar comportamentos, sem ultrapassar o limiar de uma guerra formal e mantendo a opção de escalada em aberto", completa Stefan Rinke.

Para o pesquisador, isso reforça o status da América Latina como um espaço de segurança distinto, subordinado ao poder americano e cada vez mais contestado.

"A Quarta Frota e deslocamentos episódicos de porta-aviões 'recentralizam' o Caribe e o Atlântico Sul como espaços militarizados, levando atores regionais – especialmente Brasil e outras potências médias sul-americanas – a articular suas próprias visões de segurança no Atlântico Sul e a reavivar normas de não intervenção", diz.

Tais práticas fazem com que ameaças não tradicionais, ou seja, não militarizadas, como drogas, pesca ilegal e migração, sejam tratadas como um problema militar.

"Ao mesmo tempo, governos que se percebem como alvo (Venezuela, Cuba, Nicarágua) interpretam os movimentos navais dos EUA como ameaças existenciais, reforçando tendências autoritárias, aproximando-se de parceiros extra-hemisféricos como Rússia, Irã e China, e intensificando divisões ideológicas dentro do complexo regional."

O resultado, defende Rinke, é um ambiente de segurança mais fragmentado e desconfiado, com a presença naval dos EUA ao mesmo tempo estabilizando e desestabilizando a ordem regional.

•        Líderes da América Latina diferem na reação a Trump

A América Latina tem navegado por um campo minado de coerção econômica e militar desde o retorno de Donald Trump à Casa Branca. Alguns líderes reagiram, outros cederam. Alguns fingiram-se de mortos.

Nenhum país saiu ileso do que muitos consideram um retorno ao intervencionismo americano no que o governo Trump passou a chamar de "nosso hemisfério".

"Todos os países latino-americanos têm uma posição de assimetria em relação aos Estados Unidos. Essa é uma posição fundamental", disse Alejandro Frenkel, professor de relações internacionais da Universidade San Martín, na Argentina.

Abaixo, um breve panorama da turbulência e das diferentes respostas dos líderes na região.

<><> Milei: "O que Trump quiser"

Em um extremo, o aliado ideológico argentino Javier Milei "faz tudo o que Trump faz e tudo o que Trump quer", afirmou à agência de notícias AFP o analista Michael Shifter, do think tank Diálogo Interamericano, em Washington.

Precisando desesperadamente de um apoiador poderoso em seus esforços para reanimar uma economia debilitada há muito tempo, Milei tem sido um defensor declarado de Trump e ofereceu aos fabricantes americanos acesso preferencial ao mercado argentino.

Trump suspendeu as restrições às importações de carne bovina argentina em um acordo recíproco e deu ao país uma bilionária ajuda financeira .

<><> Alinhamento de Bukele e Noboa

Também firmemente alinhado com Trump está o presidente Nayib Bukele , de El Salvador, conhecido por sua política de combate às gangues – o primeiro país a aceitar centenas de migrantes expulsos durante o segundo mandato de Trump.

Grupos de direitos humanos afirmaram que os homens foram torturados , mas Bukele obteve concessões, incluindo um alívio temporário para mais de 200 mil salvadorenhos viverem e trabalharem nos Estados Unidos e enviarem para casa remessas de dólares, que são tão necessárias para o país.

No Equador, o presidente Daniel Noboa concordou em receber migrantes deportados e elogiou o envio de tropas por Trump e o bombardeio de supostos barcos de narcotráfico no Caribe e no Pacífico.

Noboa obteve uma cooperação mais estreita dos EUA em sua própria luta contra as gangues.

<><> Petro compara Trump a Hitler

O presidente colombiano Gustavo Petro entrou em conflito aberto com Trump, chamando-o de "rude e ignorante" e comparando-o a Adolf Hitler.

Petro denunciou repetidamente o tratamento dado pelo governo Trump aos migrantes e as "execuções extrajudiciais" de mais de 80 pessoas em ataques a supostos barcos de narcotráfico .

O esquerdista aderiu à Iniciativa Cinturão e Rota da China, aproximando a Colômbia de Pequim. E o governo Trump respondeu acusando Petro de narcotráfico e impondo sanções.

Em entrevista à rede de televisão americana CNN, Petro disse acreditar que a campanha de pressão militar do governo dos EUA no Caribe está mais focada em obter acesso ao petróleo venezuelano do que em combater o narcotráfico. "O petróleo é o cerne da questão", afirmou. "Então, trata-se de uma negociação sobre petróleo. Creio que essa é a lógica de Trump. Não está pensando na democratização da Venezuela e, muito menos, no narcotráfico", acrescentou.

Trump removeu Bogotá da lista de aliados na luta contra o narcotráfico, mas o país escapou de punições mais severas – possivelmente porque Washington aguarda o provável retorno da direita nas eleições do ano que vem.

<><> Pragmatismo de Lula

Já Luiz Inácio Lula da Silva, também entrou em conflito com Trump . Só que ele é mais "pragmático e firme", afirma Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da Fundação Getulio Vargas, em São Paulo.

Lula denunciou a "interferência" estrangeira depois que Trump impôs tarifas de importação punitivas ao Brasil em retaliação ao julgamento por tentativa de golpe contra Jair Bolsonaro .

Vinte e cinco anos atrás, quando os Estados Unidos eram seu principal parceiro comercial, "o Brasil teria que fazer concessões significativas", disse Stuenkel. "Mas o Brasil agora exporta mais para a China do que para os Estados Unidos e a Europa juntos", acrescentou o analista.

<><> Diplomacia silenciosa de México e Panamá

A presidente do México, Claudia Sheinbaum, tem menos opções. Seu país envia mais de 80% de suas exportações para os Estados Unidos, com quem ela está renegociando um acordo comercial.

Sheinbaum respondeu à retórica frequentemente dura de Trump sobre os cartéis de drogas mexicanos e a imigração com o que os analistas chamam de "diplomacia silenciosa" – resolvendo questões a portas fechadas.

A presidente aumentou o compartilhamento de informações de inteligência, as apreensões de drogas e as prisões de líderes de cartéis, e escapou do pior da ira tarifária de Trump. Mas ela se manteve firme, insistindo que não pode haver "subordinação", depois que Trump cogitou ataques militares contra locais de tráfico de drogas no México.

Quem também caminha na corda bamba é o presidente do Panamá, José Raúl Mulino, que, sob pressão dos EUA, retirou seu país da Iniciativa Cinturão e Rota da China. Ele também permitiu a venda de portos pertencentes a um conglomerado com sede em Hong Kong no Canal do Panamá, o qual Trump havia ameaçado que os Estados Unidos "retomariam".

<><> Venezuela sob pressão

Em uma categoria à parte está a Venezuela, que teme que um grande destacamento naval dos EUA no Caribe tenha como objetivo derrubar o presidente Nicolás Maduro.

O líder venezuelano é amplamente considerado como tendo fraudado duas reeleições e tem poucos aliados ou apoiadores econômicos.

Sob pressão, Caracas concordou em libertar prisioneiros americanos, enquanto Washington permitiu que a Chevron continuasse suas operações no país, que possui as maiores reservas de petróleo conhecidas do mundo.

A Venezuela entrou em estado de alerta diante do aumento da presença militar. Mas os venezuelanos estão "se esforçando para não provocar os EUA", disse Guillaume Long, pesquisador sênior do Centro de Pesquisa Econômica e Política, com sede em Washington, e ex-ministro das Relações Exteriores do Equador.

Trump se mostrou aberto a negociações com Maduro que, por sua vez tem lutado para

atrair investimentos estrangeiros para os campos de petróleo do país em meio às sanções dos EUA.

<><> Aviação civil em alerta

A tensão se tornou ainda mais palpável na Venezuela após a autoridade de aviação civil dos EUA emitir um alerta e recomendar "extrema cautela" em sobrevoos sobre território venezuelano em meio ao aumento da presença militar americana no Caribe. Como consequência, diversas companhias aéreas internacionais cancelaram seus voos, alimentando temores de ataques iminentes de Washington contra o país sul-americano.

Nesta segunda-feira, a escalada com a Venezuela tomou um novo rumo com a designação oficial do Cartel de los Soles  como organização terrorista estrangeira por Washington. O governo Trump afirma que o presidente venezuelano Maduro e sua liderança militar controlam o cartel.

Caracas, por sua vez, rejeita as acusações, classificando-as como "fabricação" e "mentira para justificar uma intervenção ilegítima e ilegal contra a Venezuela".

•        Alexander Busch: Avanço de Trump na América Latina deixa UE sob pressão

Há cerca de um ano, Trump foi eleito. Desde então, os EUA têm agido na América Latina com um dinamismo que não se via há meio século. No Caribe, o país concentrou uma presença militar maciça . Em toda a região, Trump apoia presidentes ideologicamente próximos a ele. E está garantindo acesso privilegiado ao mercado para as corporações americanas.

O melhor exemplo é a Argentina: Trump acaba de assinar um acordo bilateral de livre comércio com Buenos Aires. Em alguns aspectos, assemelha-se ao que a União Europeia (UE) vem tentando alcançar com o Mercosul nos últimos 25 anos.

Antes, Washington apoiou o governo de Javier Milei com empréstimos que totalizaram 40 bilhões de euros. Agora, os EUA estão garantindo o acesso da Argentina a diversos produtos industriais e, em contrapartida, abrem seu próprio mercado para produtos agrícolas do sul.

<><> Situação inédita

Para a economia e a política europeias, esta é uma situação inédita. Empresas e governos na Europa acabaram de perceber que a China está avançando rapidamente na América do Sul e se faz presente em todo o continente como concorrente. Agora, a Europa corre o risco de ficar no fogo cruzado entre duas grandes potências na América Latina.

Para Trump, não se trata apenas de comércio e investimento: as negociações também visam impor padrões, leis de patentes e regulamentações de segurança dos EUA. Grandes volumes de dados serão trocados. O acesso a terras raras e minerais essenciais será garantido. Grandes empresas de tecnologia serão isentas de potenciais impostos. Em resumo, os EUA querem recuperar rapidamente uma posição estratégica na América Latina. A razão subjacente: Trump quer conter a China.

Para esse fim, Trump está inicialmente buscando presidentes com proximidade ideológica, como Javier Milei, na Argentina, Nayib Bukele, em El Salvador, e Daniel Noboa, no Equador. Dada a atual guinada à direita na política latino-americana, novos parceiros não faltarão a Trump na região.

Além disso, o imprevisível Trump acaba de provar na Argentina que se pode contar com ele quando um aliado está em apuros. Sem os bilhões em empréstimos , Milei certamente teria perdido as eleições de meio de mandato.

<><> Estratégia hesitante

Para a Europa, tudo isso é profundamente preocupante. Pois revela o quão hesitante e ultrapassada é a estratégia europeia para a América Latina. A UE cede rapidamente aos ataques tarifários de Trump e oferece amplas concessões. Mas, no caso do acordo com a América do Sul, debate interminavelmente como mitigar a resistência dos agricultores e ambientalistas europeus. Diante da avalanche na produção de fatos em Washington, a estratégia europeia de negociação parece pertencer a uma era passada.

Portanto, não é de se admirar que seja agora Lula quem está pressionando os europeus e acelerando o processo. Ele quer ir direto ao ponto com o acordo UE-Mercosul. Após reuniões com representantes europeus em Belém (COP30 ) e Joanesburgo (G20 ), ele anunciou: "Eu posso lhe garantir que no dia 20 de dezembro estarei assinando o acordo União Europeia-Mercosul ".

Essa clareza não foi ouvida dos europeus. E exatamente aí reside o verdadeiro dilema: quem quiser ter influência na América Latina no futuro precisa de coragem e decisões claras – qualidades que a Europa demonstrou muito raramente até agora.

 

Fonte: DW Brasil

 

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