Dimensão
social da extração de lítio é negligenciada
Um dos
pontos significativos da COP30, realizada na Amazônia brasileira, foi a
cobrança por mais participação social nas decisões políticas, destaca Elaine
dos Santos, na entrevista a seguir, concedida por e-mail ao Instituto Humanitas
Unisinos – IHU. A demanda evidencia que os empreendimentos relacionados à
transição energética geram impactos socioambientais locais. “Tanto a mineração
quanto os empreendimentos relacionados às energias renováveis são impactantes
e, em geral, não têm trazido grandes benefícios econômicos duradouros para as
comunidades locais ou para o desenvolvimento regional”, afirma. Elaine dos
Santos pesquisou os efeitos da exploração das matérias-primas críticas em
pequenos municípios no Vale do Jequitinhonha, no nordeste de Minas Gerais, e
atualmente estuda a exploração petrolífera na Amazônia e de lítio no Brasil e
em Portugal. As pesquisas realizadas numa perspectiva interdisciplinar, afirma
a entrevistada, constatam que “a dimensão social da utilização do lítio na
transição energética tem sido sistematicamente negligenciada”. O mineral é
considerado estratégico para assegurar a transição energética. Embora não haja
exploração de lítio na Amazônia, os pedidos de pesquisa na região aumentaram.
“Isso já é surpreendente, até para quem acompanha de perto, como eu faço, as
publicações do Serviço Geológico do Brasil, isto porque eles nunca haviam
divulgado a possibilidade de ocorrências significativas de lítio nessa região”,
comenta. No contexto europeu, menciona, o interesse pela exploração do lítio
decorre de uma disputa interna. “A Europa quer se reindustrializar e reduzir
sua dependência da China, mas ainda não consegue lidar com sua própria
burocratização. Com isso, para suprir a demanda de matérias-primas, acaba
recorrendo a parceiros como Chile e Brasil, o que reforça uma continuidade da
periferização da mineração, inclusive daquelas que surgem agora sob a bandeira
da transição energética e da digitalização”, informa. Segundo a pesquisadora,
“estima-se a abertura de cerca de 330 novas minas de minerais críticos até
2030”.
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Confira a entrevista.
• Sua pesquisa analisa a cadeia de valor
do lítio com foco nas dinâmicas da transição energética no Brasil e em
Portugal. O que tem evidenciado a partir desse estudo?
Elaine
dos Santos – Eu pesquiso energia a partir da exploração petrolífera na Amazônia
desde 2007 e o lítio desde 2017, inicialmente muito focada no Brasil e na
América Latina. Então, quando começou o debate sobre a possibilidade de
exploração de lítio em Portugal, puxado pelas políticas europeias, isso
naturalmente chamou a minha atenção. Desde 2019, acompanho de perto o debate
público sobre a abertura de minas de lítio em Portugal, observando tanto os
posicionamentos institucionais quanto as mobilizações sociais. Em 2020, a
Comissão Europeia apresentou um plano de ação para matérias-primas críticas,
essenciais para as chamadas “tecnologias do futuro”. Um dos objetivos do plano
é reforçar a aquisição dessas matérias-primas dentro da Europa, estabelecendo como
ideal uma dependência que não supere 33% em relação a nenhum país. Esse
pressuposto obrigou a revisão da estratégia industrial europeia, detalhando
áreas de risco e conflito por meio do rastreamento da cadeia de suprimentos.
Essa estratégia foi consolidada no Ato para as Matérias-Primas Críticas,
aprovado em 2024. A partir daí, passei a analisar comparativamente Brasil e
Portugal, considerando que o Brasil já tinha uma empresa de lítio que explora
há décadas, a Companhia Brasileira de Lítio, e o Vale do Jequitinhonha
pretendia ampliar seus processos. Em 2023, por exemplo, foi lançado o slogan
“Vale do Lítio” no Brasil como forma de atrair investimentos. Nesse contexto,
tive aprovado o projeto SOLiTEC, que busca aproximar sociologia e geologia. Ele
está sendo desenvolvido no Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG),
em Portugal, um laboratório estatal, o que no Brasil seria um misto do Serviço
Geológico do Brasil com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Essa abordagem
interdisciplinar mostrou-se fundamental, pois constatei ao longo dos últimos
anos que a dimensão social da utilização do lítio na transição energética tem
sido sistematicamente negligenciada. Essa lacuna é particularmente paradoxal no
contexto português, já que o Regulamento Europeu sobre Matérias-Primas
Críticas, aprovado em março de 2024, prevê garantir um fornecimento seguro
dessas matérias-primas para a indústria europeia, estabelecendo explicitamente
requisitos sociais como pilares estratégicos. Inclusive, no âmbito da Unidade
de Economia de Recursos do LNEG, elaboramos o primeiro relatório do LNEG
dedicado à aceitação social da mineração, intitulado Revisão sistemática sobre
a aceitação social da mineração no contexto da transição energética. Esse
estudo analisou 118 publicações científicas internacionais e identificou
diferenças regionais na forma como a aceitação social é tratada na Europa e em
outras regiões. Constatamos que a aceitação social de projetos de mineração é
muito mais do que um requisito técnico, ela envolve dimensões sociais,
culturais e políticas que precisam ser consideradas para evitar conflitos e
garantir legitimidade.
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Periferização da mineração
Embora
meu projeto ainda esteja no primeiro ano, algumas tendências já são claras. A
Europa tenta internalizar cadeias produtivas e enfrenta um debate intenso sobre
os entraves relacionados a sua legislação ambiental. Ao mesmo tempo e no mesmo
período, o Brasil passou a exportar lítio em 2023, com a Sigma. O que observo é
que os projetos europeus, tanto de lítio quanto de outras matérias-primas
críticas, esbarram numa rede complexa de obstáculos que vão muito além da
geologia. Há uma disputa interna: a Europa quer se reindustrializar e reduzir
sua dependência da China, mas ainda não consegue lidar com sua própria
burocratização. Com isso, para suprir a demanda de matérias-primas, acaba
recorrendo a parceiros como Chile e Brasil, o que reforça uma continuidade da
periferização da mineração, inclusive daquelas que surgem agora sob a bandeira
da transição energética e da digitalização.
E o
ritmo é acelerado: estima-se a abertura de cerca de 330 novas minas de minerais
críticos até 2030. É um número que diz muito não só sobre a transição
energética, mas também sobre a digitalização e, principalmente, sobre o quanto
seguimos aumentando o uso de recursos. Acho que esse é um debate que ainda
precisa ganhar espaço.
• Neste sentido, no LNEG temos procurado
discutir a importância da literacia sobre o uso de minerais no nosso cotidiano,
entender o que usamos, por que usamos e quais impactos isso tem. Como parte
desse esforço, desenvolvi o jogo “Corrida pelos Minerais”, que é uma forma
lúdica de aproximar esse debate de públicos diversos e estimular uma reflexão
crítica sobre os materiais que sustentam as tecnologias do dia a dia.
Elaine
dos Santos – Sim, essa parte da pesquisa foi desenvolvida durante meu
pós-doutoramento no IEA-USP. Realizei um trabalho de campo no Vale do
Jequitinhonha e também elaborei um questionário para tentar captar as
percepções de pequenos municípios que passaram a ser mineradores, ou, mais
precisamente, que passaram a receber royalties da mineração. O que encontrei
foi uma adesão muito baixa. Mesmo enviando o questionário várias vezes e
tentando complementar com entrevistas individuais com os municípios que
integram o chamado Vale do Lítio, consegui poucas entrevistas. O que ficou
claro para mim é que, nesses municípios, não há uma visão estruturada sobre
como pretendem transformar suas realidades ou se têm um plano de atuação.
Quando você visita os sites institucionais, não há praticamente nenhuma
informação sobre estratégias de mitigação, nem sobre diálogo com as comunidades
que estão a relatar impactos. No debate público, existe uma cobrança constante
sobre as empresas mineradoras, o que é legítimo, mas os municípios praticamente
não se posicionam. E isso é muito problemático, porque eles também são atores
centrais no que é entendido como a “governança” desses territórios. Eu
enfrentei, portanto, muita dificuldade na coleta de dados locais: pouca transparência,
pouca abertura e uma colaboração muito limitada das prefeituras e dos políticos
de forma geral com a pesquisa científica. Isso acabou transformando o pós-doc,
e o tema do lítio em si, numa lente para pensar uma série de questões que
organizei em quatro eixos interligados. No eixo geopolítico, mostrei como o
Decreto 11.120, hoje revogado, protegeu a indústria brasileira de lítio das
pressões dos EUA. Isso é particularmente revelador para o debate atual sobre
soberania mineral, que é um tema bem presente, principalmente por conta das
terras-raras. Também analisei as políticas europeias e norte-americanas,
mostrando como elas podem, por vezes, mascarar a externalização dos impactos.
No eixo científico-produtivo, reconstruí a trajetória da Companhia Brasileira
de Lítio (CBL), destacando seu papel na cadeia de baterias. Isso é pouco
debatido e, no entanto, é fundamental para entender o lugar do Brasil nessa
cadeia. No eixo socioambiental, consegui documentar de forma inicial como as
comunidades locais têm interpretado essa ampliação da mineração no Vale do
Jequitinhonha suas expectativas, seus receios, suas incertezas relacionadas aos
postos de trabalhos, sua queixas, por exemplo da poeira, de rachaduras em casas
mais próximas onde ocorrem as explosões e os conflitos emergentes no
território.
• Você propõe uma discussão conceitual em
torno das noções “crítico” ou “estratégico” quando se trata de analisar as
matérias-primas e os interesses dos países. Pode explicar como esse
esclarecimento pode auxiliar no debate sobre a exploração de terras raras e
minerais críticos?
Elaine
dos Santos – Sim, eu proponho essa discussão porque há uma diferença importante
entre aquilo que é considerado “crítico” e aquilo que é considerado
“estratégico”, e isso varia de país para país. No caso brasileiro, por exemplo,
a definição de minerais estratégicos está no Plano Nacional de Mineração 2030 e
na Resolução CTAPME 2/2021. Esses documentos dividem os minerais estratégicos
em três categorias:
• primeiro, os bens minerais dos quais o
país depende fortemente da importação para setores vitais da economia;
• segundo, os que têm relevância por serem
fundamentais para produtos de alta tecnologia; e
• terceiro, aqueles nos quais o Brasil tem
vantagens comparativas e que são essenciais para a economia por gerarem
superávit na balança comercial.
Já no
caso europeu, a lógica é outra. Lá, os “minerais críticos” são definidos
principalmente pela sua importância para as transições energética, tecnológica
e de defesa, como lítio, cobre, níquel, cobalto, grafite e terras raras. E essa
definição está diretamente ligada à dependência europeia de importações,
sobretudo da China. Ao longo da história, muitos desses minerais já foram
considerados estratégicos ou críticos em momentos distintos, o que mostra que
essa classificação é profundamente geopolítica e econômica, mudando conforme a
posição de cada país nas cadeias globais de valor. Entender isso ajuda muito no
debate sobre a exploração de terras raras e de outros minerais críticos. No
caso das terras raras, por exemplo, essa clareza conceitual ajuda a desfazer a
ideia de que se pode negociar esses recursos de qualquer forma. Pelo contrário:
entender o que é crítico, o que é estratégico e para quem é estratégico abre
espaço para pensar políticas mais sólidas, inclusive de industrialização e de
fortalecimento das capacidades internas do Brasil. E há um ponto que considero
fundamental: o uso desses conceitos não pode ser aleatório ou esvaziado. Eles
precisam estar ancorados em análises geopolíticas, econômicas e tecnológicas
concretas, porque são essas definições que orientam decisões de Estado, atração
de investimentos, estratégias de soberania mineral e, no limite, o próprio
lugar que cada país ocupa na transição energética e digital.
• O que se pode inferir de uma futura
extração de lítio na Amazônia a partir da experiência no Vale do Jequitinhonha,
em Minas Gerais?
Elaine
dos Santos – Neste momento podemos dizer que não há exploração de lítio na
Amazônia. O que existe, por enquanto, são pedidos de pesquisa, e isso já é
surpreendente, até para quem acompanha de perto, como eu faço, as publicações
do Serviço Geológico do Brasil, isto porque eles nunca haviam divulgado a
possibilidade de ocorrências significativas de lítio nessa região. É importante
destacar que o Brasil ainda não está totalmente prospectado. Na verdade, apenas
cerca de 27% do território nacional foi mapeado geologicamente, o que limita
bastante o conhecimento sobre onde os minerais podem estar. Neste sentido, a
reportagem do Repórter Brasil foi bastante assertiva em chamar atenção para
este tema da mineração de lítio na Amazônia, porém, por enquanto, ainda não há
exploração. E isso dá uma ideia do que pode ocorrer, se compararmos com o Vale
do Jequitinhonha. Claro que em escalas diferentes, como a própria reportagem
mostrou, essas pesquisas podem se sobrepor a unidades de conservação, terras
indígenas e assentamentos. No entanto, a área solicitada para prospecção
geralmente é maior e não coincide exatamente com a área que seria explorada
futuramente. A partir da experiência no Vale do Jequitinhonha, algumas lições
podem servir de alerta para futuras áreas de mineração. Por exemplo, os
impactos sociais, econômicos e ambientais da mineração tendem a se tornar mais
visíveis apenas quando o processo realmente começa. E, normalmente,
principalmente para nós das ciências humanas, as pesquisas começam justamente a
partir desse ponto, o que eu particularmente considero um equívoco, porque nos
tornamos “catalogadores de danos”. Por isso, defendo uma maior participação das
ciências sociais em áreas de predominância técnica, justamente pela importância
de compreender os processos e os empreendimentos energéticos como um todo, no
caso específico da mineração, desde a pesquisa mineral, passando pela
exploração, até o processamento posterior.
• O Brasil tem o décimo maior depósito de
lítio do mundo. Há risco de uma extração desenfreada na Amazônia, dado o
interesse da indústria de tecnologia por este mineral?
Elaine
dos Santos – O Brasil ocupa a décima posição mundial em recursos totais de
lítio e está em oitavo lugar em relação às reservas, com cerca de 0,39 milhão
de toneladas, segundo o Serviço Geológico dos Estados Unidos (2025). Mas não é
só o lítio: outros minerais críticos também despertam interesse da indústria de
tecnologia, como cobre, níquel, cobalto e terras raras. Podemos sim, ter risco
de uma extração desenfreada, mas é importante lembrar que a abertura de uma
mina é um processo que leva anos. Então, ainda estamos em tempo de planejar
melhor e evitar repetir os mesmos erros já observados em outras áreas de
mineração.
• Quais são os interesses dos Estados
Unidos nas terras raras brasileiras?
Elaine
dos Santos – Historicamente, o interesse dos Estados Unidos pelos minerais
críticos no Brasil não é novo. No caso do lítio, por exemplo, já houve um
embate direto, incluindo pressão do próprio governo dos EUA, mostrando que a
disputa pelo controle desses minerais estratégicos tem raízes antigas, como
descrevi no artigo O lítio no Brasil: história, políticas e desafios
industriais. No caso das terras raras, esse interesse se intensifica hoje por
causa da dependência global da China, que concentra cerca de 80% da produção
mundial, isso torna o acesso a fontes alternativas, como os recursos de terras
raras no Brasil, ainda mais relevante para os Estados Unidos, tanto do ponto de
vista estratégico quanto econômico.
• Que outros países têm interesse na
extração mineral no país?
Elaine
dos Santos – Além dos Estados Unidos, outros países também demonstram interesse
na extração mineral no Brasil. A China é um dos principais atores,
principalmente por sua liderança na produção de terras raras. A União Europeia
também busca alternativas para reduzir sua dependência de importações, como
mencionei na questão anterior. Mais recentemente, empresas australianas têm se
interessado pelo Brasil, enxergando o país como uma alternativa estratégica à
China no fornecimento de terras raras e outros minerais críticos.
• Fala-se que o lítio é essencial para a
transição energética, mas, ao mesmo tempo, a extração pode gerar inúmeros
conflitos socioambientais na Amazônia. Ele é, de fato, essencial? Se sim, como
sair desse impasse?
Elaine
dos Santos – O lítio é, de fato, um mineral estratégico para a transição
energética, principalmente por seu papel nas baterias de alta performance, que
alimentam carros elétricos e armazenam energia renovável. Além disso, estamos
cada vez mais digitais, e isso também implica na extração de minerais, seja
para fios de cobre, para armazenamento de dados em data centers ou para
fabricação de baterias. Eu não tenho uma resposta pronta sobre como sair desse
impasse, porque este não é um dilema que se resolva com um simples “sim” ou
“não” à mineração, porque estamos falando de um modo de produção e,
consequentemente, de um modo de consumir e existir. E a mineração está em tudo
o que consumimos. E não estou defendendo voltar às cavernas, isso é apenas uma fantasia,
mas sim olhar para a realidade, que é altamente consumista e perceber como
poderíamos conseguir existir de outra forma, até porque isto torna a vida – a
do planeta e a nossa – insuportável e extremamente desigual.
• Que questões precisam ser sopesadas em
relação à extração desse mineral e à exploração de terras raras?
Elaine
dos Santos – Ao falar da extração de lítio e da exploração de terras raras, é
importante diferenciar mineração, processamento e metalurgia, porque cada etapa
gera impactos distintos. Trabalhando com geólogos, aprendi que cada mina é
única, cada comunidade tem suas próprias dinâmicas, e os impactos precisam ser
analisados considerando a formação geológica, os processos de extração e
processamento, e as legislações aplicáveis. A mineração, diferentemente de
outros empreendimentos extrativos ou energéticos, tem uma rigidez locacional:
não se pode mover a mina. Por isso, cada tipo de mineral exige uma análise
específica. A extração de lítio, por exemplo, varia se for em salmouras ou em
rochas, com impactos diferentes sobre água e comunidades. Já as terras raras
geralmente demandam processos metalúrgicos mais complexos, intensivos em
energia e produtos químicos, com riscos maiores de contaminação do solo e da
água.
• Num artigo recente, você menciona o
texto “O fetichismo da energia. Reflexões sobre o chamado problema energético
brasileiro e o papel dos economistas na sua solução”, de Cristovam Buarque,
publicado em 1982. Que luzes o texto traz para o atual debate sobre transição
energética e exploração mineral?
Elaine
dos Santos – Eu acho o texto de Cristovam Buarque muito interessante justamente
porque traz um debate mais amplo sobre energia, algo que me parece ausente nos
dias atuais. É um texto pensado para discussão, numa época em que, mesmo entre
engenheiros e economistas, refletir sobre sociedade era considerado importante.
O ponto de partida dele é tratar o problema energético como um problema social.
Logo nas primeiras páginas, afirma que o “fetichismo da energia” revela que o
problema energético brasileiro não é nem energético, nem brasileiro. Para
Buarque, a raiz da crise está na racionalidade econômica global, que distorce
as relações entre sociedade, natureza e poder. Ou seja, o problema não é apenas
técnico ou de infraestrutura: é social e político. Ele também destaca que o
desequilíbrio energético se encontra principalmente na demanda. No curto prazo,
o foco recai sobre a oferta, devido à inércia do parque produtivo, mas é na
demanda, nos modos de consumo e nas políticas energéticas, que estão algumas das
medidas mais eficazes. Eu concordo plenamente, e por isso acredito que a
literacia em energia e mineração é fundamental. O desenvolvimento de políticas
energéticas e de mineração precisa caminhar junto com a sociedade. A energia,
sendo um tema tão estratégico que envolve modelos de desenvolvimento, não pode
ser dominada apenas pelo tecnicismo.
• Quais os prós e contras do projeto de
lei que institui a Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos
(PNMCE)?
Elaine
dos Santos – O ponto positivo é que o Brasil finalmente passa a ter uma
política estruturada para minerais críticos e estratégicos, o que ajuda a
orientar investimentos e a organizar a cadeia de suprimentos. Por outro lado,
ainda é cedo para avaliar os contras, porque muito vai depender de como a lei
será implementada. O possível desafio que percebo neste momento é o atraso
histórico: enquanto alguns projetos já estão em fase de pesquisa ou até
exploração, a política chega apenas agora, o que pode gerar sobreposição e
falta de coordenação.
• O contraste entre o discurso do
presidente Lula e as decisões políticas brasileiras na área socioambiental
chamou atenção na COP30. Que balanço faz da conferência?
Elaine
dos Santos – Eu acompanhei principalmente o debate sobre minerais. Foi
anunciada uma nova política para impulsionar investimentos em minerais
estratégicos da transição energética, incluindo a criação de debêntures com
benefícios fiscais para financiar projetos de transformação mineral e
fortalecer a indústria nacional. Que na prática significa dizer que a empresa
apresenta o projeto aprovado pelo governo, emite as debêntures e um investidor
comprar, recebendo juros e benefícios fiscais, e com este capital a empresa
pode investir sem depender de bancos. Esse mecanismo pode ser interessante, mas
também pode gerar uma renúncia fiscal relevante e tende a favorecer grandes
players, porque as empresas maiores têm mais facilidade em acessar estruturas
de projetos complexos e emitir as debêntures. Além disso, essa política por si
só não garante agregação de valor suficiente e precisa de salvaguardas
socioambientais para evitar que a transição energética seja apenas um discurso,
como tem sido. Ao mesmo tempo, na COP30 vi que muitos movimentos cobraram mais
participação social, algo que considero essencial, porque tanto a mineração
quanto os empreendimentos relacionados às energias renováveis são impactantes
e, em geral, não têm trazido grandes benefícios econômicos duradouros para as
comunidades locais ou para o desenvolvimento regional.
Fonte:
Entrevista com Elaine dos Santos, para IHU

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