Fidelidade
ao PT e religião: quem é Jorge Messias, indicado de Lula ao STF
O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicou o
advogado-geral da União, Jorge Messias, a uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta
quinta-feira (20/11).
Jorge
Rodrigo Araújo Messias tem 45 anos, é graduado em Direito e tem mestrado e
doutorado em Desenvolvimento e Cooperação Internacional pela Universidade de
Brasília.
Ele foi
indicado por Lula para substituir o ministro Luís Roberto Barroso, que se aposentou
neste ano.
O nome
ainda tem que ser aprovado na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) do
Senado e depois pelo plenário do Casa, onde precisará da maioria absoluta dos
votos.
Em um
texto nas redes sociais, Messias agradeceu a indicação, dizendo ter recebido-a
"com honra".
"Agradeço
a confiança em meu nome e acolho com afeto todas as orações e manifestações de
apoio recebidas. Uma vez aprovado pelo Senado, comprometo-me a retribuir essa
confiança com dedicação, integridade e zelo institucional", escreveu o
indicado.
Messias
é procurador da Fazenda Nacional desde 2007 e ocupou diversos cargos em gestões
petistas, como subchefe para Assuntos Jurídicos da Presidência da República,
secretário de regulação e supervisão da educação superior do Ministério da
Educação e consultor jurídico dos ministérios da Educação e da Ciência.
Quando
a presidente Dilma Rousseff sofreu impeachment, em 2016, Jorge Messias entendeu
que se tratava de uma "dolorosa derrota" de um projeto político,
conforme escreveu em sua tese de doutorado.
Ele
avaliou no texto que os mandatos petistas, entre 2003 e 2016, tinham sido
"um templo de planos generosos", mas cuja "fantasia logo seria
desfeita".
O
trabalho, apresentado no ano passado na UnB (Universidade de Brasília), é
centrado no papel da instituição por ele dirigida, a Advocacia-Geral da União
(AGU).
O
título do trabalho é "O Centro do Governo e a AGU: estratégias de
desenvolvimento do Brasil na sociedade de risco global", e busca responder
à pergunta como o núcleo do governo e a Advocacia-Geral da União "podem
contribuir para a implementação de uma estratégia de desenvolvimento moderna,
centrada não apenas na convergência econômica, mas também no enfrentamento e
adaptação aos riscos globais".
Segundo
fontes ouvidas pela BBC News Brasil, Messias é alguém de perfil técnico, mas
que soube transitar no mundo político desde cedo.
"Quem
vive em Brasília sabe que existe um abismo gigantesco entre o mundo político e
o dos concursados, mesmo trabalhando ao lado deles. Existem rituais muito
particulares de cada um", diz um servidor que já trabalhou com ele.
"O
Messias faz bem esse trânsito de quem chega em Brasília pela burocracia, mas
entra para o mundo da política", diz outro servidor.
Foi em
um desses cargos que Messias ganhou projeção nacional, justamente em uma
situação que envolvia Lula e a ex-presidente Dilma.
No dia
16 de março de 2016, o então juiz federal Sérgio Moro, responsável por julgar
os casos da Lava Jato na primeira instância da Justiça, tornou pública a
gravação de uma conversa telefônica entre Lula e a então presidente da
República Dilma Rousseff.
Dilma
diz a Lula que o advogado Jorge Messias, então assessor palaciano, levaria a
ele um documento para que Lula pudesse tomar posse como ministro-chefe da Casa
Civil.
Para os
investigadores, tratava-se de uma manobra para dar a Lula foro privilegiado no
Supremo Tribunal Federal (STF), retardando as investigações contra ele - o que
Dilma e Lula sempre negaram.
Mais
tarde, o próprio Moro reconheceu que errou ao aceitar a gravação como prova, já
que a conversa aconteceu fora do horário determinado pelo então juiz para a
interceptação telefônica feita pela PF.
A
gravação ganhou também sua própria sequência de "memes" já que a
pronúncia do nome de Messias soava como "Bessias" na voz da então
presidente — nos bastidores, comentou-se que ela estaria resfriada naquele
momento.
Relembre
o diálogo:
DILMA:
Alô.
LULA:
Alô.
DILMA:
LULA, deixa eu te falar uma coisa.
LULA:
Fala querida.
DILMA:
Seguinte, eu tô mandando o "BESSIAS" junto com o PAPEL pra gente ter
ele, e só usa em caso de necessidade, que é o TERMO DE POSSE, tá?!
LULA:
"Uhum". Tá bom, tá bom.
DILMA:
Só isso, você espera aí que ele tá indo aí.
LULA:
Tá bom, eu tô aqui, eu fico aguardando.
DILMA:
Tá?!
LULA:
Tá bom.
DILMA:
Tchau
LULA:
Tchau, querida.
"Esse
cargo que ele ocupava na época da ligação já era de quem está completamente
inserido no mundo político. É uma demonstração pública da confiança que Lula
tem nele", diz uma pessoa que tem contatos frequentes com o chefe da AGU.
Para
esta fonte, a proximidade com Lula e o PT não significa, necessariamente, que
isso se traduziria em votos favoráveis ao governo no Supremo.
"Ele
seria um ministro que sabe jogar, tomar decisões ponderando questões políticas.
A lealdade, que foi conveniente até o momento, não é necessariamente absoluta e
cega."
"Tem
algo muito positivo a favor dele, que é conhecer a máquina pública", diz a
professora da UNB Magda de Lima Lúcio, que foi sua orientadora no mestrado e no
doutorado.
A
orientadora avalia que Messias "dá respostas rápidas" e costuma
"encontrar alternativas para problemas que conseguem apaziguar o ambiente
e trazer elementos relevantes para uma solução."
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'Eu caminho com Deus há 40 anos'
"Eu
caminho com Deus há quarenta anos. Foi a partir dos ensinamentos que eu tive na
Bíblia, de amar ao próximo, de perdoar, de repartir o pão. Ora, Jesus com cinco
pães e dois peixinhos multiplicou para a multidão e não teve desperdício."
Assim
começa um vídeo com Messias, divulgado pela Fundação Perseu Abramo, no ano
passado, com o objetivo de apresentar pessoas ligadas ao Partido dos
Trabalhadores que são cristãos evangélicos. Messias é ligado à Igreja Batista.
No dia
16/10, o presidente Lula recebeu duas lideranças evangélicas no Palácio do
Planalto, o bispo Samuel Ferreira, da Assembleia de Deus de Madureira, e o
deputado federal Cezinha de Madureira (PSD-SP), e posou para foto. Junto dele
estava Messias.
"Um
encontro especial, de emoção e fé, compartilhado com o advogado-geral da União,
Jorge Messias, e a ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann",
escreveu Lula em suas redes sociais.
Lula
disse que a conversa envolveu o crescimento da igreja e o acolhimento aos
fiéis.
"Pude
reiterar a relação de respeito que tenho pela Assembleia de Deus e o relevante
trabalho espiritual e social promovido pela igreja."
Esse
lado religioso é tido como uma vantagem de indicar Messias, que poderia ser
visto como um aceno de Lula a uma importante parcela do eleitorado.
No
vídeo da Fundação, Messias ressalta que tem formação jurídica, mas que enxerga
valores cristãos ao defender serviços públicos como saúde, educação e moradia
digna.
"O
cristão verdadeiro é o primeiro a defender a família. Eu não consigo, como
cristão que sou, conceber um mundo em que a gente possa ter visão de Justiça
Social, combate à desigualdade, criação de oportunidade...nós vivemos em um
país profundamente desigual. Entre homens e mulheres, entre raças, entre
regiões do país. Não temos como praticar a fé cristã e não olhar pra tudo
isso."
Um
assessor que trabalhou com Messias diz que esse lado religioso não era tão
visto no dia a dia.
"Não
que ele esconda, mas não é algo que se destaca muito. Sabemos mais disso pelo
que a imprensa vem falando."
"Eu
nunca ouvi nada a respeito nem nunca houve nenhum tipo de conversa nesse
sentido. Fiquei sabendo anos depois que ele era evangélico", diz a
professora da UNB Magda de Lima Lúcio, que foi orientadora de Messias no
mestrado e no doutorado. "Nunca houve comentário ou decisão fundamentada
nessa crença."
Messias
também aproveitou o contexto das falas sobre sua religião para sair em defesa
de Lula e Dilma no vídeo da Fundação, ao dizer que são infundadas as ideias de
que o PT fecharia igrejas e que tanto Lula quanto Dilma teriam ajudado a
aumentar a liberdade religiosa no Brasil.
"A
grande verdade é que foi o presidente Lula que criou a lei de liberdade
religiosa, garantindo o pleno acesso às muitas denominações."
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Mensalão e Lava Jato
Messias
também faz menção, no mesmo texto de sua tese de doutorado, a outros momentos
de derrotas ao petismo, como o julgamento do mensalão.
Embora
não faça críticas diretas ao Supremo Tribunal Federal, ele argumenta em sua
tese que "multiplicaram-se críticas da esquerda sobre o conservadorismo e
autoritarismo do judiciário e do STF, que estariam atuando de maneira
partidarizada em detrimento dos interesses do Partido dos Trabalhadores e dos
próprios trabalhadores e movimentos sociais".
Diz
também que "a própria prisão do ex-presidente Lula, bem como a negação do
registro de sua candidatura em 2018, reforçaram as censuras."
Para
Messias, no entanto, a autoridade do STF estava sendo "solapada por
movimentos sociais autoritários e por instâncias inferiores do Judiciário que,
em última instância, buscavam reverter a própria ordem constitucional de
1988".
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Doador em campanhas eleitorais
Messias
foi doador em diversas campanhas petistas pelo menos desde 2010.
Em
2022, doou R$ 3,5 mil a Lula e R$ 2 mil à campanha para deputado federal de
Paulo Teixeira, atual ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura
Familiar de Lula.
Em 2018
foram R$ 500 para Marivaldo Pereira, então candidato ao Senado pelo Distrito
Federal e hoje secretário nacional de assuntos legislativos no Ministério da
Justiça e da Segurança Pública (MJSP).
Também
fez doações à campanha da ex-presidente Dilma, em 2014 (R$ 500), e ao
ex-governador do Distrito Federal Agnelo Queiroz, em 2010 (R$ 500).
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R$ 1 milhão em honorários advocatícios
Messias
foi alvo de críticas por pagamentos que ele recebeu em honorários advocatícios,
verbas que são pagas a integrantes de carreira da AGU.
Esses
valores são pagamentos que a parte vencida de um processo judicial deve fazer
ao advogado da parte vencedora, como compensação pelos custos de atuação
jurídica. Advogados públicos federais têm direito a receber o recurso em
processos em que União, autarquias e fundações federais forem vitoriosas.
Um
levantamento feito pela BBC News Brasil nos dados do Portal de Transparência
identificou cerca de R$ 1 milhão em pagamentos a Messias entre janeiro de 2023
e agosto de 2025 nesta categoria. Os valores são brutos e não consideram
eventuais impostos e outros descontos.
A AGU
lançou, no mês passado, um painel que permite ver informações sobre esses
pagamentos de forma facilitada.
Segundo
o site Jota, Messias disse, em um evento da AGU, que tem feito esforços para
que os pagamentos sejam feitos "em linha com a moralidade e com a
legalidade" e que eles são importantes para "ganhos de
eficiência" da instituição.
A AGU,
em nota, diz que a constitucionalidade desses pagamentos é reconhecida pelo STF
e que os honorários não são custeados com recursos da União.
Afirmou
que "não há individualização, privilégio ou discricionariedade" sobre
esses pagamentos.
"Portanto,
os valores recebidos pelo advogado-geral da União, Jorge Messias, no período
citado, corresponde ao rateio ordinário dos honorários distribuídos a todos os
membros das carreiras da AGU: advogados da União, procuradores federais,
procuradores da Fazenda Nacional e procuradores do Banco Central. Como membro
da carreira de procurador da Fazenda Nacional, Jorge Messias tem, como os
demais advogados públicos federais, direito ao recebimento dos honorários de
sucumbência."
A
instituição destacou ainda que o valor inclui também o pagamento de verbas
indenizatórias (complementação de auxílio-alimentação e de auxílio-saúde) e
pagamento de verbas atrasadas, a exemplo do pagamento de férias.
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Indicado ao STF pode defender interesses do governo na Corte?
Dentre
os requisitos para ocupar uma cadeira no STF está que candidatos devem ter
"notável saber jurídico e reputação ilibada".
Mas o
que se enquadra como notável saber jurídico — e como um indicado ao STF se
encaixa ou não nessa definição?
Embora
tenha vínculos com a academia, Messias e outros nomes que foram cotados para o
Supremo, como o senador Rodrigo Pacheco e o ministro do TCU Bruno Dantas,
"não chegam à candidatura por sua trajetória acadêmica, como ocorreu, por
exemplo, com o ministro Luís Roberto Barroso", afirma Álvaro Palma de
Jorge, professor fundador da FGV Direito Rio.
Segundo
ele, o "notável saber jurídico" exigido para o cargo não deve ser
confundido com títulos acadêmicos e nem tem sido adotado como critério decisivo
nas nomeações.
"O
conceito de notável saber jurídico é analisado de forma discricionária pelo
presidente e pelo Senado. Ambos precisam fazer esse julgamento, e não há regra
objetiva. Há ministros que são doutores e outros que não são. Vinculação
acadêmica e publicações não são critérios definitivos para se reconhecer o
saber jurídico."
Jorge
avalia que os atuais cotados "passam facilmente no teste" em razão
das funções que exercem.
O
professor discorda da ideia de que as indicações visam favorecer o governo na
Corte.
"O
nome precisa da indicação do presidente, mas também da aprovação do Senado.
Isso já impõe um constrangimento à escolha. Um nome que não tenha adesão do
Senado nem adianta indicar, porque não será aprovado."
Ele
lembra o episódio em que o ex-presidente Jair Bolsonaro cogitou nomear o filho Eduardo Bolsonaro para a
embaixada do Brasil em Washington — cargo que também dependia da aprovação do
Senado.
"O
nome não foi nem levado adiante porque o presidente recebeu, de imediato, o
feedback institucional de que não seria aprovado."
Para o
professor, o mesmo princípio vale para o Supremo.
"Não
é qualquer escolha que é palatável. O critério usado pelo presidente precisa
ter adesão do Senado, sob risco de a indicação não prosperar."
Jorge
reconhece que a proximidade pessoal do indicado tem sido apontada como um
critério de Lula.
"Tem
sido muito comentada essa história da proximidade. O presidente Lula teve uma
experiência pessoal. Foi preso, apresentou seguidos recursos, entre eles um
habeas corpus que acabou no Supremo. E ministros de quem se esperava
proximidade simplesmente aplicaram a jurisprudência da Corte contra os
interesses do presidente."
Ele
pondera que essa busca por afinidade é natural.
"Naturalmente
o presidente tenta indicar alguém que tem uma visão de mundo mais próxima à
dele", diz.
E
conclui que a independência tende a prevalecer depois da nomeação.
"Há
muitos exemplos de ministros do Supremo que tomam decisões contrárias aos
interesses do presidente que os indicou. E é bom que isso aconteça. Ministro do
Supremo não é empregado do presidente da República; recebe um conjunto de
prerrogativas justamente para poder julgar de forma independente. No momento da
campanha, seja qual for o critério, o candidato segue um script."
"Mas
depois que senta na cadeira, enfrenta outros constrangimentos institucionais e
passa a conviver com seus pares."
Fonte:
BBC News Brasil

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