Treze
notas sobre o 25 de novembro - As palavras que a Revolução escreveu
Os
dois autores deste texto militaram, na década de 1980, no grupo que publicava a
revista “Versus” e de então ficou um empenhamento comum, que tem aqui uma das
suas expressões. Não se trata, neste texto, de um testemunho, nem de um
trabalho de investigação, e sim da afirmação de alguns pontos que temos por
fundamentais.
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1. O 25 de Novembro não foi uma imitação abortada do “golpe de Praga”. O PCP
não tinha qualquer veleidade de transformar Portugal num país do Leste, e
menos ainda numa “Cuba da Europa”. Ele identificava-se plenamente com a
estratégia soviética de desanuviamento e com a aposta nos Acordos de
Helsínquia. Os mesmos que censuram ao PCP uma incondicional obediência a
Moscovo não podem simultaneamente censurar-lhe uma suposta estratégia
putschista sem caírem em gritante contradição: qualquer tentativa para tomar o
poder em Portugal seria incompatível com o desejado sucesso da política de
Helsínquia. A estratégia do PCP consistia em defender as suas posições no
aparelho de Estado e em estabelecer algum tipo de entendimento com o Grupo dos
Nove, no espírito do Comité Central de Alhandra, de 10 de agosto.
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2. Negar que houvesse uma estratégia do PCP para tomar o poder não implica
negar que o socialismo e o poder popular tenham estado no horizonte da
revolução. Ambos eram vistos como uma possibilidade concreta e palpável no
dia-a-dia das massas e como um perigo credível para as classes possidentes. Uma
alternativa de poder popular tinha começado a desenhar-se quando as massas,
logo em 25 de abril de 1974, teimaram em ignorar as ordens de confinamento
do MFA, e tinha continuado a desenvolver-se em cada greve, em cada ocupação de
casas, de terras e de empresas. Durante mais de um ano e meio, as forças
policiais raramente se atreviam a sair das suas esquadras e as forças militares
enviadas em missões repressivas quase sempre acabavam a confraternizar com os trabalhadores.
A situação era intolerável para a burguesia, que sentia de forma premente a
necessidade de fazer alguma coisa.
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3. Na primeira fase do PREC, os grupos económicos portugueses e as potências
ocidentais tinham apostado em soluções golpistas de tipo chileno, mas a derrota
sofrida no 11 de março desacreditou Spínola como dirigente e forçou esse bloco
social a uma maior prudência. Paralelamente, a configuração de uma maioria
PS-PPD nas eleições de 1975 permitiu-lhes agregar sob a bandeira da
Constituinte um vasto conjunto de forças contra-revolucionárias, do ELP ao
MRPP, passando pelas direitas parlamentares e pela social-democracia. Com essa
bandeira, puderam também romper a precária unidade do MFA, promover a criação
do Grupo dos Nove e conquistar a hegemonia dentro do Conselho da Revolução. Os
partidos e militares “moderados” chegaram às vésperas do 25 de novembro aliados
a forças da contra-revolução mais extrema e armados de uma determinação
inflexível. A invocação táctica da legitimidade eleitoral não os fazia perderem
de vista o objectivo de uma contra-revolução inadiável. Sob a luva de veludo da
Constituinte, escondia-se o punho de ferro da guerra civil que, em caso de
necessidade, já estava preparada e encomendada.
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4. Em todo o caso, instruído pelos fracassos de Spínola, o bloco novembrista
absteve-se de alguma nova aventura golpista e apurou-se principalmente na arte
da provocação. Aquilo que a esquerda sempre soubera, e que sempre a
arredara com naturalidade de tomar alguma iniciativa militar
(exceptuado o próprio 25 de Abril, que não foi a bem dizer uma iniciativa só da
esquerda), tornara-se agora matéria de consenso: “O primeiro a saltar, perde”.
Se a esquerda, remetida à defensiva desde a derrota eleitoral de abril de 1975,
compreendia melhor do que nunca essa verdade de sempre, a direita tinha
urgência em fazer culminar a sua ofensiva num desenlace final, guardando-se
embora de alguma nova precipitação que lhe comprometesse a dinâmica de
vitória.
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5. Durante o verão e outono de 1975, a direita política e militar conspirou,
portanto, mas não saltou. Agitou na praça pública, encheu a Alameda, assaltou
sedes de partidos e sindicatos, manobrou nas secretarias e preparou febrilmente
a guerra civil. Em vésperas do 25 de novembro, foi ao ponto de cortar o país a
meio, em Rio Maior, de iniciar a transferência da capital, deslocando para o
Porto grande parte dos seus quadros políticos – ministros que fariam funcionar
o Governo e deputados que reuniriam como Constituinte. Mário Soares viria
mesmo a admitir mais tarde que preparavam no Porto a marcha sobre a “Comuna de
Lisboa”. Mas a estratégia continuava a consistir em provocar a esquerda para
alguma acção exasperada que pudessem rotular como “golpe”.
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6. A grande provocação para fazer saltar as unidades da esquerda militar e do
COPCON era a substituição de Otelo por Vasco Lourenço à frente da Região
Militar de Lisboa. E, com efeito, essa provocação acertou na mouche e
causou enorme agitação nas unidades de Lisboa. Mesmo assim, o frenesí
assembleário e deliberativo desencadeado pela jogada do Conselho da Revolução
tardava em ocasionar qualquer iniciativa militar. A direita parecia ver
frustradas as suas expectativas de fazer saltar as unidades mais identificadas
com a esquerda, e tudo teria ficado por aí se uma outra provocação, menos
planeada, não tivesse vindo juntar-se à primeira: a do chefe de Estado-Maior da
da Força Aérea, general graduado Morais da Silva, ao determinar a dissolução do
Regimento de Caçadores Páraquedistas, aparentemente sem prévia consulta ao
restante CR. Embora as duas questões coincidissem no tempo, e Costa Martins
tenha dito a certa altura que os páraquedistas também pretendiam impedir a
destituição de Otelo, a verdade é que os páraquedistas saíram para se
defenderem a si próprios contra a ordem de dissolução, surpreendendo tanto a
direita como a esquerda.
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7. A saída dos páraquedistas constitui portanto um equivalente das
“Jornadas de Julho”, típicas dos processos revolucionários, quando até as
cabeças mais disciplinadas e conservadoras, como era maioritariamente o caso
dos páraquedistas, sofrem uma reviravolta e se passam para o lado da revolução
que sempre tinham abominado. De repente, os páraquedistas, saturados por terem
sofrido repetidas manipulações como tropa de choque da contra-revolução,
ultrapassaram as unidades mais amadurecidas politicamente e ignoraram os
cálculos tácticos que impediam a esquerda de cair na armadilha do CR. Lançaram
então uma operação que exigia a demissão da cúpula da Força Aérea e que não
tinha na manga qualquer governo-sombra ou algum outro requisito obrigatório dos
golpes de Estado. Mas o contexto político tornava inevitável que o sentido
dessa acção limitada fosse imediatamente desvirtuado pela direita, tão
impaciente por um golpe da esquerda, que tardava, e tão disposta pegar em
qualquer pretexto para fabricar a aparência desse golpe.
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8. A ausência de uma direcção revolucionária traduziu-se, num primeiro momento,
na incapacidade da esquerda militar e política para refrear a justificada
impaciência dos páraquedistas e para impedi-los de caírem na provocação do
CEMFA. O PCP não tinha posições tais na cadeia de comando que pudesse
determinar ou impedir a saída dos páraquedistas, mas tinha suficiente
influência a todos os níveis da tropa para alertar contra os perigos da
aventura e para ser ouvido. Não o fez inicialmente, tendo, pelo contrário,
emitido sinais ambíguos que cada um interpretaria como entendesse e que
certamente encorajavam os mais afoitos a pegarem em armas para a luta
final.
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9. Quem podia dar aos páraquedistas ordens num ou noutro sentido era o COPCON.
É certo que na situação existente, os páraquedistas se decidiam pela saída e
pediam o aval do COPCON para uma decisão já tomada. Mas Otelo deu a entender a
sua concordância aos oficiais que lhe eram mais próximos e essa luz verde foi
sendo transmitida por todos os escalões da cadeia, de modo que os páraquedistas
ocuparam as bases da Força Aérea, eventualmente acreditando cumprirem uma ordem
do COPCON e, no mínimo, com a convicção de poderem contar com o seu aval.
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10. Apesar de todos os condicionamentos desfavoráveis que deviam ter levado o
PCP e o COPCON a contrariarem o impulso de revolta dos páraquedistas, a verdade
é que quase todas as bases importantes da Força Aérea foram ocupadas sem dar um
tiro, numa operação tecnicamente perfeita, e o efeito de surpresa começou por
desequilibrar a relação de forças a favor da esquerda. Com uma forte presença
dos trabalhadores nas ruas, com uma clara superioridade militar da revolução na
grande Lisboa e com o CR em Belém, à mercê de algum golpe de mão que o vizinho
RPM se lembrasse de empreender, não admira que Costa Gomes tenha começado por
enviar aos páraquedistas uma proposta satisfazendo praticamente todas as
reivindicações da força rebelde. Fosse essa proposta um recuo autêntico ou mera
astúcia de guerra para ganhar tempo até à declaração do estado de emergência, o
certo é que ela reflectia o pânico que, por um instante, se apossou até de
contra-revolucionários com a cabeça bastante fria para terem permanecido em Lisboa.
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11. Nesse momento, jogava-se o tudo ou nada da revolução e era demasiado tarde
para recuar. Mas, à esquerda militar e política, a quem faltara a presença de
espírito para refrear o primeiro impulso da rebelião, faltava-lhe agora a
audácia para explorar o sucesso inicial e para lutar por uma vitória que os
imponderáveis da luta inesperadamente colocavam ao seu alcance. Otelo
desapareceu durante a noite e a manhã do dia 25 e quando reapareceu foi
entregar-se em Belém. O PCP negociou por intermédio de Melo Antunes garantias
para a sua subsistência como partido legal, apelando, em troca, à
desmobilização dos trabalhadores e reforçando as pressões para que os
fuzileiros não interviessem.
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12. Faltou portanto essa difícil combinação entre a paciência de resistir
às provocações e a audácia de explorar um sucesso inicial inesperado. Mas houve
pelo menos dois casos de dirigentes da esquerda militar que advertiram contra
uma saída extemporânea dos páraquedistas e depois, perante o facto consumado,
se colocaram incondicionalmente ao lado das tropas rebeldes, tudo fazendo para
procurar garantir o seu triunfo: Varela Gomes e Diniz de Almeida. O primeiro,
contactado por uma delegação de páraquedistas, desaconselhou-lhes com veemência
a ocupação das bases; mas depois, perante o inexorável desenrolar dos
acontecimentos, colocou-se ao lado da rebelião, procurando organizar no COPCON
uma resposta das unidades revolucionárias. O segundo, tendo assistido à luz
verde dada por Otelo para a saída dos páraquedistas, advertiu o comandante do
COPCON sobre o caminho sem retorno por onde estava a enveredar, e recolheu à
sua unidade, tentando fazer dela o pólo aglutinador das outras forças dispostas
a resistir.
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13. Como já em tempos sublinhámos nas páginas da revista Versus, o facto de ter
havido quem procedesse acertadamente, como foi o caso destes dois militares
revolucionários, não era, só por si, nem foi, uma garantia de sucesso, mas iria
permitir pelo menos que se extraísse do 25 de novembro uma conclusão de
importância decisiva: não faltaram boas ideias sobre o que haveria a fazer,
faltou, sim, uma direcção revolucionária que as pusesse em prática. E, por
muito que Varela Gomes, Diniz de Almeida e certamente outros se tenham
esforçado, não poderiam nunca improvisar em poucas horas uma direcção
revolucionária, que precisava de ter sido construída pelo menos nos meses
anteriores, como expressão dos órgãos de poder popular. Só essa direcção
poderia, até à véspera do 25 de novembro, fazer-se ouvir por uma vanguarda
demasiado impaciente ou, não o conseguindo, só ela poderia criar uma cadeia de
comando alternativa. Nenhum revolucionário agindo individualmente, pese embora
ao heroísmo da sua acção, poderia colmatar com êxito a falta de uma direcção
colectiva forjada no calor das lutas de massas.
¨ Por que a
extravagante aproximação de Trump com a Arábia Saudita deixa Israel em
desvantagem. Por Julian Borger
A
recepção na Casa Branca concedida ao príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman , foi a mais
extravagante da presidência de Trump e uma declaração ostensivamente clara de
suas prioridades de política externa. A visita foi anunciada como uma simples
visita de trabalho, mas foi mais extravagante do que qualquer
visita de Estado anterior. O presidente cumprimentou o príncipe no gramado sul,
o maior palco da Casa Branca. Havia homens uniformizados a cavalo carregando
bandeiras e uma formação de caças sobrevoando a área. Uma vez dentro do recém-decorado
Salão Oval, Trump mostrou-se um homem completamente apaixonado. Apertou a mão
do príncipe e declarou mais de uma vez a honra que era reivindicar a amizade da
família real. Quando uma jornalista rompeu essa bolha dourada ao mencionar o
assassinato e esquartejamento do jornalista do Washington Post, Jamal
Khashoggi, em 2018 – o principal motivo pelo qual o príncipe Mohammed não o
visitava há sete anos – Trump reagiu com fúria , criticando
duramente a repórter e sua emissora, a ABC. Ele declarou que Khashoggi era
“extremamente controverso” e não era unanimemente querido (como se isso fosse
motivo para ser massacrado) e insistiu que o príncipe não sabia nada sobre
o assassinato em Istambul por agentes do
Estado saudita, em direta contradição com as conclusões da inteligência
americana.
O
desrespeito de Trump pelos direitos humanos e pelas agências de inteligência
americanas, bem como sua evidente admiração por autocratas, não são
novidade. A política externa dos EUA já havia mudado
decisivamente nessa direção em janeiro, assim que ele assumiu o cargo pela
segunda vez. Se houve uma mudança real visível durante a visita do Príncipe
Mohammed na terça-feira, foi nos céus de Washington. Os caças furtivos F-35
exibidos no sobrevoo para a visita do monarca estão à venda para a Arábia Saudita , confirmou Trump. A venda não seria
condicional e as especificações dos F-35 sauditas seriam as mesmas dos
israelenses. Se o acordo for adiante, irá contrariar um dos princípios
fundamentais das relações EUA-Israel: o de que Israel sempre terá acesso aos melhores equipamentos
militares, o que lhe conferiria uma valiosa "vantagem qualitativa"
sobre outros aliados dos EUA na região. Aparentemente abandonando esse
princípio, Trump deixou claro que ambos os países receberiam o melhor, já que
são igualmente próximos de Washington. “[A Arábia Saudita] é uma grande aliada
e Israel também é uma grande aliada”, disse o presidente. “No que me diz
respeito, acho que ambos estão em um nível que os coloca no topo da lista.” Essa
não é uma linguagem que Israel goste de ouvir de Washington, e foi o mais
recente de vários contratempos na relação bilateral nos últimos meses.
Potencialmente
tão importante quanto a venda do F-35, o governo anunciou que suspenderá a
proibição da venda de chips de IA avançados para a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos (EAU). A
decisão impulsiona significativamente as ambições de Riad de se tornar um polo
tecnológico global com vastos centros de dados de alto consumo energético, que
serão a base da economia global de IA, na qual a Arábia Saudita e os EUA
poderão liderar em conjunto. Gregory Gause, pesquisador visitante do Instituto
do Oriente Médio em Washington, comparou as ambições de uma parceria EUA-Arábia
Saudita na economia da inteligência artificial com o desenvolvimento dos campos
de petróleo sauditas liderado por empresas americanas na década de 1930.
“Poderia ser um elo realmente sólido entre os países – uma garantia melhor do
compromisso americano com a segurança da Arábia Saudita do que qualquer coisa
que pudesse ser escrita em um pedaço de papel”, disse Gause.
Outros
eventos recentes sugeriram, pelo menos temporariamente, um afastamento dos EUA
da primazia de Israel na política para o Oriente Médio. Na segunda-feira,
uma resolução do Conselho de Segurança da
ONU, elaborada pelos EUA, incluiu uma menção a um possível caminho para uma
Palestina independente, apesar dos esforços desesperados de Israel para remover
a cláusula. Alguns meses antes, no final de junho, Trump suspendeu algumas sanções contra a Síria,
novamente em conflito com as preferências de Israel. E em maio, ele percorreu o
Oriente Médio para apresentar sua política externa, visitando a Arábia Saudita,
o Catar e os Emirados Árabes Unidos, mas não Israel. Tudo isso marca um desvio
na política dos EUA para o Oriente Médio em relação ao que foi possivelmente o
ponto alto da relação EUA-Israel, quando Trump concretizou o antigo objetivo de
Benjamin Netanyahu e se juntou a Israel nos ataques aéreos contra as instalações
nucleares do Irã em
junho, desencadeando ansiedade em todo o
Golfo. “Os líderes sauditas ficaram alarmados com a rapidez com que o conflito
ameaçava se espalhar por toda a região”, disse Sanam Vakil, diretora do
programa para o Oriente Médio e Norte da África do think tank
de política externa Chatham House. “Embora um cessar-fogo frágil se mantenha
por enquanto, Riade permanece cautelosa de que outro confronto possa eclodir
sem aviso prévio.”
Na
sequência dos ataques iranianos, Netanyahu parece ter presumido o apoio de
Washington e extrapolou seus limites, bombardeando um alvo na capital do
Catar ,
Doha, numa tentativa de matar membros do Hamas. Segundo relatos, Trump teve
pouquíssimo conhecimento do plano de bombardear um aliado regional próximo.
Trump
reagiu humilhando Netanyahu durante sua visita à Casa Branca no final de
setembro, forçando-o a ligar para seu homólogo catariano do Salão Oval para se
desculpar. Na Casa Branca transacional de Trump, é difícil para Israel competir
com o Golfo. O príncipe Mohammed prometeu um investimento saudita de US$ 1
trilhão na economia americana. O Catar presenteou Trump com um avião de luxo de US$ 400 milhões para ser usado
como o novo Air Force One. O fluxo de enormes quantias de dinheiro ocorre tanto
na esfera pública quanto na privada. A Arábia Saudita, o Catar e os Emirados
Árabes Unidos investiram juntos quase US$ 5 bilhões em um fundo administrado
por Jared Kushner, genro de Trump.
Trump
tem demonstrado consistentemente maior afinidade com governantes absolutistas
do que com líderes eleitos. O príncipe Mohammed não enfrenta nenhuma das
restrições que afligem Netanyahu em sua luta para manter sua coalizão unida.
O
príncipe Mohammed também deixa claro repetidamente que, se os EUA
decepcionarem, seu reino recorrerá à China para obter o equipamento e as
garantias de segurança de que precisa. O receio de que a Arábia Saudita pudesse
ser "perdida" para a China remonta à administração anterior.
Contribuiu para uma mudança radical na posição do ex-presidente Joe Biden em
relação ao príncipe Mohammed, de "pária" pelo assassinato de
Khashoggi, a uma humilhante retratação, uma visita a Jeddah em julho de 2022 e
um notório cumprimento com o príncipe.
Alguns observadores argumentam que as mudanças de rumo dos últimos meses não
configuram uma "redefinição" da política externa dos EUA para o
Oriente Médio. Eles apontam que, por trás do brilho e glamour da visita à
Arábia Saudita, há aspectos da discussão que são mais superficiais do que
pareciam inicialmente.
Ao
anunciar a promessa de investimento de US$ 1 trilhão, o príncipe Mohammed não
mencionou um cronograma. Também não está claro quantos caças F-35 os EUA
venderão a Riad. Vários itens da agenda da cúpula não parecem estar se
concretizando em breve, como um pacto bilateral de defesa e um acordo sobre
energia nuclear civil, que podem ser bloqueados pelo Congresso. A possibilidade
de a Arábia Saudita normalizar as relações com Israel nos termos dos Acordos de
Abraão foi mencionada, mas foi educadamente descartada pelo príncipe herdeiro.
Ele deixou claro que a normalização dependeria de um compromisso sólido com um
Estado palestino, algo consideravelmente mais importante do que a linguagem
vaga e condicional da resolução do Conselho de Segurança de
segunda-feira.
No que diz respeito a Gaza e à Palestina como um todo, Daniel Levy, presidente
do Projeto EUA/Oriente Médio e analista da região, vê pouquíssimas perspectivas
de mudança.
“Em
relação à questão palestina, não há nenhuma alegria, eu diria”, disse Levy.
“Acho que Israel tem muita liberdade de ação. Eles libertaram os reféns e
continuam bombardeando Gaza.” Mas, em termos mais amplos, ele argumentou que,
quando se trata da política dos EUA no Oriente Médio, quanto mais ela muda,
mais permanece a mesma. “Se você simplesmente eliminar algumas das estupidezes
específicas da administração Biden e adicionar o interesse próprio familiar da
administração Trump, e acrescentar a isso as reações aos eventos e alguns dos
excessos da intervenção israelense, não acho que estejamos vendo uma mudança
fundamental”, acrescentou Levy. Segundo ele, a política dos EUA ao longo dos
anos não mudou essencialmente. "É uma política conduzida principalmente
por pessoas com um conhecimento muito superficial da região, que basicamente
seguem as orientações de Israel e de alguns poucos governantes da região."
Fonte:
Por António Louçã e Carmo Vicente, em Movimento Revista/The Guardian

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