Venezuela:
até onde irá Trump?
Nas
últimas semanas, uma enxurrada de notícias circulou na mídia e nas redes
sociais, alimentando a ideia de que a América Latina poderia estar à beira de
um conflito bélico. Desde a invasão do Panamá em 1989, não se via um movimento
naval estadunidense dessa magnitude no Mar do Caribe. O atual desdobramento,
impulsionado pelo governo de Donald Trump, reaviva uma estratégia
pré-beligerante que a Casa Branca começou a construir há pelo menos sete anos
contra o governo de Nicolás Maduro. Durante seu primeiro mandato, Trump foi
acumulando argumentos políticos, legais e de segurança para justificar uma ação
militar contra o regime venezuelano. A surpreendente derrota eleitoral de 2020
interrompeu esse processo, mas seu retorno à Casa Branca reativou a animosidade,
que hoje ameaça se resolver pelas armas. Se concretizada, seria um retrocesso
para o continente em direção a formas de resolução de disputas que pareciam
superadas. Diferentemente do episódio fracassado de 2019 em torno da
“presidência interina” de Juan Guaidó, a Casa Branca não apresenta esta
eventual operação como uma tentativa de “mudança de regime” ou de
democratização. O enfoque atual está enquadrado no combate ao narcotráfico – em
particular, ao tráfico de fentanil e cocaína – e ao terrorismo, entendido em
chave interna: violência urbana e crimes violentos contra cidadãos
estadunidenses em seu território. O objetivo declarado é neutralizar o Trem de
Aragua e o Cartel de los Soles, organizações que, segundo Washington, são
dirigidas pela cúpula do regime venezuelano e representam uma ameaça direta à
segurança nacional. Esta guinada retoma uma linha ideológica que remonta a
2015, quando Barack Obama classificou a Venezuela como uma “ameaça incomum e
extraordinária”. E somou novos apoios: em 11 de setembro de 2025, o Parlamento
Europeu declarou o Cartel de los Soles como uma organização terrorista, um
passo que acrescentou pressão internacional por uma resposta “contundente”. Mas
é realmente provável que os Estados Unidos desenvolvam ações de guerra contra
Nicolás Maduro, ou trata-se apenas de um blefe de Trump sem possibilidade de
ação real?
<><>
Navios de guerra e execuções extrajudiciais
A
escala do desdobramento militar estadunidense é inédita para uma operação que
oficialmente se apresenta como parte da luta contra o narcotráfico. Três navios
de assalto anfíbio de deslocamento rápido, três contratorpedeiros, um cruzador
de mísseis guiados, dois submarinos nucleares e mais de 8 mil efetivos estão
operando na área. Somam-se a eles aviões de vigilância P-8, caças F-35 e
milhares de soldados treinando em Porto Rico com equipamento de assalto
anfíbio. Trata-se de um poder de fogo muito superior ao requerido para o
“combate às drogas”, o que poderia sugerir objetivos mais amplos. De fato, este
desdobramento configura uma base com uma capacidade de ação bélica jamais vista
no Mar do Caribe. Embora Washington insista que se trata de uma patrulha
antinarcóticos, as forças mobilizadas não têm relação operacional com o
trabalho habitual da Guarda Costeira. A diferença ficou clara no último 2 de
setembro, quando uma operação terminou com a explosão de uma lancha que
supostamente transportava drogas e na qual viajavam 11 tripulantes.
Nos
procedimentos antinarcóticos normais, a Guarda Costeira costuma emitir
advertências para que as embarcações parem e, se não o fazem, atira-se nos
motores por meio de helicópteros, para assim inutilizá-los antes da abordagem.
A maioria dos narcotraficantes se rende rapidamente e os confrontos armados
costumam ser escassos. Esses protocolos buscam garantir o Estado de Direito e o
devido processo. Em 2 de setembro, em contrapartida, a lancha foi destruída
diretamente, sem advertências, sem provas apresentadas e sem controle judicial,
em um ato que se assemelha a uma execução sumária em alto-mar. “Matar membros
de cartéis que envenenam nossos cidadãos é o maior e melhor uso de nossas
forças armadas”, declarou o vice-presidente estadunidense J.D. Vance,
sintetizando a nova abordagem: o narcotráfico é equiparado ao terrorismo e se
responde sob uma lógica de “estado de guerra”, sem contenção no uso da força.
Segundo o próprio Trump, o Trem de Aragua estava por trás do envio de uma
lancha que supostamente levava quilos de drogas que iriam “envenenar
letalmente” o povo estadunidense.
O
secretário de Estado, Marco Rubio, foi ainda mais contundente em relação a um
dos ataques: “Em vez de interceptá-lo, por ordens do presidente, nós o
explodimos. E voltará a acontecer. Talvez esteja acontecendo agora mesmo”. Até
o momento, o governo Trump não apresentou justificativas legais nem provas que
respaldem sua versão de que se tratava de narcotraficantes. Não seria a
primeira vez que a Casa Branca exagera ameaças externas: de 238 venezuelanos
enviados à megaprisão CECOT (Centro de Confinamiento del Terrorismo) em El
Salvador, apenas 17 tinham vínculos com o Trem de Aragua, segundo dados
oficiais. Os ataques devem ser lidos, portanto, como uma mensagem política e
militar tão clara quanto impiedosa. Até meados de outubro, segundo o que
informalmente a Casa Branca anunciou nas redes sociais, pelo menos cinco
embarcações supostamente transportando drogas foram explodidas, com um saldo de
27 pessoas falecidas nessas lanchas. Até a presente data, ainda não há nomes
dos tripulantes executados, nem explicações formais do ocorrido.
<><>
Motivações políticas internas
Setembro
de 2025 tornou-se o mês de maior beligerância estadunidense contra a cúpula
chavista desde a “presidência interina” de Guaidó. Diferentemente de 2019 –
quando a estratégia combinava pressão diplomática, sanções econômicas e apoio à
oposição política –, hoje o quadro é mais incerto: a intervenção militar surge
como um caminho plausível para um governo que precisa de resultados rápidos em
política externa e dividendos políticos internos. Esta leitura foi destacada
pelos pesquisadores da VisualPolitik, que identificam quatro
razões principais que poderiam empurrar Trump a agir militarmente na
Venezuela. A primeira é eleitoral. Em novembro de 2026, serão realizadas
as eleições de meio de mandato, em um contexto em que cresceu a rejeição da
população latina à política migratória de Trump. As ações brutais do ICE
(Serviço de Imigração e Controle Alfandegário) afetaram até mesmo milhares de
latinos com residência legal, o que gerou mal-estar entre setores que, entre
2016 e 2020, apoiaram entusiasticamente o republicano. Uma operação militar
“bem-sucedida” na Venezuela poderia servir para dar-lhe fôlego. Trump poderia
se apresentar como o líder que forçou uma mudança política em Caracas e, ao
mesmo tempo, alimentar a expectativa de que Cuba e Nicarágua seriam os próximos
regimes a cair. Essa mensagem ecoaria especialmente entre a comunidade
cubano-americana e nicaraguense mais anticomunista, que representa um
eleitorado crucial em estados como a Flórida.
Uma
segunda motivação está vinculada ao discurso interno do movimento
MAGA [Make America Great Again], que construiu boa parte de sua identidade
política em torno da ideia – de inspiração abertamente xenófoba – de que os
imigrantes são responsáveis pelos problemas sociais dos Estados Unidos. Embora
a imigração seja, em termos econômicos, benéfica para um país com déficit de
mão de obra e grandes espaços para o desenvolvimento agrícola e industrial,
Trump e seus aliados difundiram com sucesso a ideia de que ela constitui uma
ameaça. Nesse contexto, uma ação militar permitiria reforçar a mensagem de que
o fluxo migratório da Venezuela, e eventualmente de Cuba e Nicarágua, para os
Estados Unidos será drasticamente reduzido, e que muitos migrantes poderiam até
retornar a seus países de origem. Essa mensagem tem eco na base mais
reacionária do trumpismo, apesar de a realidade ser mais complexa: embora as
interceptações fronteiriças tenham caído 92% graças a políticas mais
restritivas, os centros de detenção estão em colapso e há uma séria
insuficiência de juízes para processar deportações, o que torna a situação
burocraticamente catastrófica.
A
terceira motivação é geopolítica. Durante a presidência de Joe Biden,
Washington concentrou sua atenção na Europa e no Oriente Médio e relegou a
América Latina a um segundo plano. Trump fez da recuperação da influência
estadunidense na região um de seus slogans: chegou a propor rebatizar o Golfo
do México como “Golfo da América”, uma ideia extravagante que, no entanto,
ilustra bem sua visão de controle hemisférico. Nesse esquema, Venezuela, Cuba e
Nicarágua aparecem como peças-chave de um tabuleiro mais amplo: são plataformas
políticas e logísticas para a presença de China, Rússia e Irã na região.
Neutralizar essa “influência maligna”, como a descreve o discurso oficial do
movimento MAGA, é um objetivo central. A ofensiva militar se apresentaria, além
disso, como uma mensagem de força frente às redes do narcotráfico que, segundo
a narrativa trumpista, esses países promovem para “envenenar” a juventude
norte-americana. Por fim, há uma dimensão simbólica e pessoal. Para
Trump, enfraquecer o regime cubano, intimidar o governo de Gustavo Petro na
Colômbia e ameaçar o regime momificado da Nicarágua poderia gerar dividendos
políticos imediatos. A Venezuela reduziu suas exportações de petróleo para Cuba
de 100 mil para 31 mil barris diários, mas continua sendo um sustento econômico
chave para Havana. Atingir Caracas implicaria atingir uma Cuba submersa em
gravíssimos problemas energéticos e que depende em grande medida dos envios de
petróleo venezuelano. Em suma, seria como “matar dois coelhos com uma cajadada
só”, na linguagem de Trump.
No
imaginário do trumpismo, uma operação militar vitoriosa poderia valer-lhe
homenagens na Flórida, ruas com seu nome e estátuas em sua honra. Aos 80 anos e
em seu segundo e último mandato, seria sua maneira de deixar uma marca
duradoura. Para Marco Rubio, um de seus principais aliados e agora secretário
de Estado, seria ainda uma oportunidade para consolidar sua liderança dentro do
Partido Republicano e se posicionar para as futuras primárias presidenciais. Há
também um cálculo de oportunidade. Trump fracassou em sua estratégia para a
Venezuela em 2019-2020, até agora falhou em sua busca por estabelecer um
“acordo de paz” na Ucrânia e teve resultados esquecíveis no Irã. Exceto pela
delicada e incerta proclamação do fim da guerra em Gaza, assinada em 13 de
outubro, o governo Trump não parece ter tido um sucesso sólido para apresentar
ao seu público. Além disso, sua política tarifária resultou em um desastre que
derivou no aumento do custo de vida, atingindo sua base operária, enquanto sua
gestão econômica compete na agenda midiática com escândalos como o caso
Epstein. Nesse contexto, uma “vitória” rápida na Venezuela – um inimigo
“engordado” durante anos pelo próprio trumpismo – surge como uma das poucas
cartas de sucesso sólido que ele poderia jogar, no meio de uma gestão marcada
por fracassos.
<><>
Cenários e limites de uma possível invasão
Apesar
da intensidade do desdobramento militar e do tom cada vez mais de confronto,
uma invasão em grande escala da Venezuela parece, pelo menos por enquanto,
improvável. A última vez que Washington interveio militarmente na América
Latina foi em 1989, com a operação Causa Justa no Panamá. Na ocasião, 26 mil
soldados desembarcaram para capturar Manuel Noriega, acusado de liderar um
cartel de narcotráfico. A invasão durou duas semanas e deixou, oficialmente, 23
soldados norte-americanos e 516 panamenhos mortos (embora cifras extraoficiais
cheguem a falar de cerca de 3 mil panamenhos mortos). O Panamá, no entanto, é
um país de apenas 75 mil quilômetros quadrados, enquanto a Venezuela tem 916
mil: o desafio territorial, logístico e político é incomparável. A experiência
do Iraque em 2003 também serve como parâmetro. Os Estados Unidos perderam mais
de 4.500 soldados durante a ocupação, gastaram cerca de dois trilhões de
dólares e deixaram um saldo estimado de 200 mil civis mortos. Os especialistas
militares concordam que uma invasão à Venezuela exigiria 150 mil efetivos
militares, mesmo considerando os avanços tecnológicos em armamento e logística
contemporâneos. Nada disso se assemelha ao cenário atual. Os efetivos militares
posicionados nas costas venezuelanas giram em torno de 7 mil, uma cifra
insuficiente para afirmar que existe estadunidense John Polga-Hecimovich, não
existe neste momento nem a força militar mobilizada nem o respaldo político
interno necessário para tal empreitada. O Robert Lansing Institute (RLI)
reforça este diagnóstico: nos Estados Unidos existe uma profunda fadiga
política e social em relação a invasões militares, marcada pela lembrança dos
fracassos no Iraque e no Afeganistão. Segundo o RLI, o objetivo atual de
Washington não é ocupar a Venezuela, mas interromper as rotas do narcotráfico,
neutralizar a presença da Rússia, China e Irã no país e reafirmar a influência
estadunidense no hemisfério, evitando um desdobramento terrestre prolongado.
Uma
mudança de regime orquestrada a partir dos Estados Unidos sem tropas em solo
também se apresenta como altamente improvável. Uma transição desse tipo
enfrentaria sérias dificuldades para estabilizar o poder: uma liderança civil
desarmada teria legitimidade política, mas careceria de força coercitiva;
enquanto uma liderança militar traria poder de execução, mas com legitimidade
popular limitada. Em ambos os casos, a consolidação de um novo regime seria
frágil e vulnerável. Nesse marco, analistas militares não descartam operações
mais limitadas, como ataques aéreos seletivos, sabotagens ou ações encobertas,
sem ocupação territorial prolongada. A declaração do subsecretário de Estado
dos Estados Unidos, Christopher Landau – filho de um ex-embaixador estadunidense
na Venezuela durante o mandato de Ronald Reagan – ilustra bem esta abordagem:
“O povo da Venezuela tem que se levantar e reclamar sua liberdade. Não podemos
sair pelo mundo mudando governos ao nosso bel-prazer (…) Se o povo não
conquista sua liberdade, não a valoriza”. Que Landau diga isso é notável, vindo
de um país com um longuíssimo histórico de golpes de Estado, intervenções
militares e operações de mudanças bruscas de governo. Se nos guiarmos por suas
palavras, a intenção desta fase pré-bélica se orientaria à desarticulação
violenta de redes de narcotráfico e à captura ou neutralização dos líderes dos
cartéis, não a ocupar países nem a instalar governos locais afins.
Uma
ocupação de maior envergadura, além disso, ativaria custos políticos e humanos
que funcionam como fortes desincentivos para Washington: o provável surgimento
de guerrilhas rurais e urbanas ungidas por um discurso nacionalista e
patriótico; uma rápida solidariedade internacional com o ator mais fraco; e, no
plano doméstico, a imagem de aviões chegando com caixões envoltos em bandeiras,
alimentando a rejeição tanto da base MAGA quanto da população em geral. Tudo
isso seria, ainda, diametralmente oposto ao roteiro político que Trump manteve
em sua carreira. Nessa linha, o historiador militar Alan McPherson propôs que o
desdobramento naval poderia constituir o preâmbulo de um “ataque cirúrgico”
contra objetivos específicos. “Poderia ser, como se disse, a preparação de um
ataque cirúrgico contra os narcotraficantes. (…) Mas nada disso exigiria uma
flotilha tão grande. Talvez a Marinha queira atacar mais diretamente Maduro ou
fomentar uma revolta interna, por exemplo, no Exército venezuelano. (…) É claro
que Trump quer intimidar o regime venezuelano”, afirmou. Enquanto isso, o
ex-oficial de inteligência militar Stephen Donehoo foi mais contundente: “Nunca
tinha visto um desdobramento tão grande de forças navais no Comando Sul (…)
[mas] isso não é uma força para invadir um país estrangeiro. Pode haver outras
missões muito mais precisas (…) Pode ser que haja missões de drones armados
sobrevoando o espaço aéreo venezuelano”.
<><>
Reações do regime venezuelano e estratégias de dissuasão
A
explosão da lancha venezuelana ocorrida em 2 de setembro no estreito marítimo
entre a península de Paria e Trinidad e Tobago constituiu um fato de enorme
gravidade. Tudo indica que a embarcação se encontrava em águas venezuelanas,
apesar de Trump ter afirmado inicialmente que o ataque ocorrera em águas
internacionais. O episódio equivale a uma provocação direta a Miraflores
[palácio presidencial], um autêntico casus belli. Ou seja, um
motivo de guerra. Nesse clima, vários analistas e colunistas descreveram a
conjuntura como um ponto de não retorno. Como sintetizou Jorge Alejandro
Rodríguez: “A sorte está lançada. Acabou o tempo do blefe, do diálogo como
paródia (…) do cálculo miúdo e da intriga palaciana. (…) O dado foi lançado ao
ar (…) Cruzamos o Rubicão”. No entanto, a reação inicial do regime não foi
escalar a situação. As autoridades venezuelanas divulgaram uma versão
inusitada: afirmaram que a explosão da lancha era uma montagem realizada
mediante inteligência artificial, uma narrativa que ignorava um fato básico: os
11 tripulantes falecidos tinham familiares que começaram a reclamar
publicamente por suas mortes. Quando estes pêsames e reclamações começaram a
circular nas redes sociais, o governo optou por militarizar a pequena cidade de
San Juan de Unare, de onde havia partido a lancha, e proibiu divulgar versões
alternativas à oficial. Apesar do escândalo que foi o ataque, o regime não
respondeu com força equivalente nem construiu uma narrativa consistente sobre a
inocência das vítimas, algo que seria de se esperar numa situação desse tipo.
Poucos
dias depois, Nicolás Maduro interveio diretamente. Em uma declaração
televisionada, disse: “Inventam uma narrativa, uma história, em que ninguém
acredita. A juventude nos Estados Unidos não acredita nas mentiras do
mandachuva da Casa Branca, Marco Rubio. Quem manda na Casa Branca é Marco
Rubio, a máfia de Miami, que quer encher [as mãos] de sangue do presidente
Donald Trump”. Esta intervenção “astuta” buscou deslocar a responsabilidade da
agressividade militar estadunidense para Rubio, semeando a ideia de que o
senador manipula Trump a partir de Miami. A aposta é que o próprio Trump ouça
essas acusações e reflita sobre sua conduta, percebendo que está sendo
instrumentalizado por um setor liderado pelo secretário de Estado. Em paralelo,
o regime tentou projetar uma imagem de força interna recorrendo a sua retórica
defensiva. Maduro falou de uma “arma secreta”: a milícia. Segundo porta-vozes
do regime, esta força contaria com 8,2 milhões de cidadãos recém-incorporados
ao “sistema defensivo nacional”, que se somariam a 4,5 milhões de milicianos
treinados previamente. No total, o regime afirma dispor de 12,7 milhões de
reservistas, quase a metade da população que permanece no país.
<><>
Cenários de desescalada e conclusões
Diante
do cenário atual, alguns especialistas sustentam que o desdobramento militar
dos Estados Unidos pode ter mais de gesto simbólico do que de ação concreta. O
analista político Geoff Ramsey considera que todo esse aparato bélico é “muito
barulho por nada”. Segundo ele, é provável que continuem os “ruídos de sabres”
vindos de Washington e que ocorram mais ataques contra embarcações ou voos
ligados ao narcotráfico, mas não há sinais de que os Estados Unidos estejam
dispostos a arriscar seus interesses migratórios e energéticos na Venezuela com
uma operação em grande escala. Em outras palavras, todas as opções estão sobre
a mesa, mas uma retirada da frota após alguns golpes seletivos – como a
destruição da lancha venezuelana de 2 de setembro – é perfeitamente possível,
segundo Ramsey. Esta hipótese circula também entre setores republicanos e boa
parte da população venezuelana, onde se popularizou um acrônimo irônico: TACO.
A expressão remete à frase “Trump Always Chickens Out”, que significa
literalmente “Trump sempre se acovarda”. Em suma, resume a ideia de que o
presidente dos Estados Unidos costuma recuar no último momento e não
concretizar suas ameaças. No entanto, algumas proclamações e medidas de última
hora parecem prenunciar que uma ação bélica terrestre poderia se tornar
inevitável. A breve declaração de Trump a esse respeito foi lacônica e
definitiva: “Certamente estamos pensando agora em agir por terra, porque já
temos o mar bem sob controle”. Não satisfeito com isso, em 15 de outubro Trump
autorizou formalmente a realização de operações encobertas da Agência Central
de Inteligência (CIA) contra a Venezuela. Essa decisão estaria relacionada à
ordem de executar ações de neutralização sobre alvos militares, civis e
infraestruturas-chave.
Nesse
mesmo dia, dois bombardeiros B-52 dos Estados Unidos sobrevoaram o Caribe a
apenas 50 milhas das águas territoriais venezuelanas, ingressaram brevemente na
Região de Informação de Voo Maiquetía e traçaram nos radares uma trajetória
inusitada: uma figura fálica diante das costas da capital. Nesse contexto,
parece remoto o cenário de uma retirada abrupta da frota naval norte-americana
do Caribe após ter conseguido apenas a destruição de cinco lanchas. É preciso
considerar que uma ação militar de tal magnitude foi planejada com grande
antecedência, e que uma eventual retirada sem alcançar objetivos vinculados à
captura dos líderes dos grupos que eles classificaram como “terroristas que
atentam contra a segurança dos Estados Unidos” representaria uma demonstração
incomum de fraqueza e uma derrota estratégica vergonhosa. Um fracasso dessa
natureza destruiria a credibilidade beligerante de uma potência cujos dias de
esplendor parecem ter ficado no passado.
Para
além dos cálculos estratégicos, a possibilidade de uma guerra na Venezuela
obriga a refletir sobre seus custos e alternativas. O autor destas linhas
rejeitou sistematicamente todas as invasões militares desde sua adolescência. A
ocupação de territórios por tropas estrangeiras – seja a invasão russa à
Ucrânia ou a intervenção estadunidense no Iraque em busca de armas de
destruição em massa que nunca existiram – tem sido objeto de crítica pública
constante. A defesa da paz e da resolução civilizada dos conflitos não é apenas
um princípio ético, mas também uma necessidade política para evitar catástrofes
humanitárias. No entanto, a paz não pode ser proposta como um simples retorno
ao status quo. Como têm assinalado diferentes setores da sociedade
venezuelana, qualquer solução negociada deve se fundar na justiça. Isto implica
a libertação imediata de todos os presos políticos e o arquivamento de mais de
10 mil processos judiciais abertos contra ativistas, opositores e
sindicalistas. Mas também requer o reconhecimento pleno dos resultados
eleitorais das presidenciais de 28 de julho de 2024, assim como a restituição
dos direitos políticos e civis conculcados a organizações partidárias,
classistas e sindicais.
Advogar
por uma paz sem justiça nem direitos humanos seria, neste contexto, uma forma
de colaboração com o algoz e de prolongamento do sofrimento das vítimas. Nesse
sentido, é imperioso recordar que, no último dia 10 de outubro, o Comitê
Norueguês do Nobel decidiu conceder o Prêmio Nobel da Paz de 2025 a María
Corina Machado por “sua incansável atuação na promoção dos direitos
democráticos do povo da Venezuela e por sua luta para alcançar uma transição
justa e pacífica da ditadura à democracia”. Textualmente, o Comitê explicou: “A
Venezuela evoluiu de um país relativamente democrático e próspero para um
Estado brutal e autoritário que agora sofre uma crise humanitária e econômica.
A maioria dos venezuelanos vive em extrema pobreza (…) Quase oito milhões de
pessoas abandonaram o país.” A declaração, incomumente dura, do Comitê parece
um esforço da Europa para não ficar à margem da luta política venezuelana e
oferecer um contundente respaldo à atuação da líder da oposição. De modo
semelhante, o Partido Democrata dos Estados Unidos não quis ficar para trás e
concedeu à ativista venezuelana Sairam Rivas o Prêmio Hillary Rodham Clinton,
outorgado pelo Instituto de Georgetown para a Mulher, a Paz e a Segurança
(GIWPS, na sigla em inglês), em reconhecimento à coragem das mulheres
venezuelanas encarceradas por motivos políticos.
Esses
reconhecimentos internacionais buscam aumentar a pressão política e social
sobre o regime venezuelano, em prol de uma solução que permita o retorno da
democracia ao país. O futuro imediato da Venezuela dependerá, em boa medida, da
combinação destas variáveis: a disposição real de Washington de ir além dos
gestos intimidatórios, a capacidade do regime de Maduro de sustentar sua
retórica sem cair em provocações que não pode responder, e a pressão da
sociedade venezuelana e internacional para que qualquer saída se baseie em
garantias políticas e direitos fundamentais. Entre a ameaça da guerra e a
possibilidade de uma paz sem justiça, o país se encontra numa encruzilhada
decisiva.
Fonte: Por
Manuel Sutherland, no Nuso | Tradução: Rôney Rodrigues, para Outras Palavras

Nenhum comentário:
Postar um comentário