Por
que celebridades estão comprando clubes de futebol
Em
julho, o rapper americano Snoop Dogg foi anunciado como novo sócio do Swansea
City, no País de Gales, que disputa a segunda divisão do futebol inglês.
Também
no País de Gales, os atores Ryan Reynolds e Rob McElhenney se tornaram ícones
em uma pequena cidade ao se tornarem proprietários do Wrexham AFC.
Na
Inglaterra, o ator Michael B. Jordan tem participação no AFC Bournemouth; o
comediante Will Ferrell adquiriu uma fatia do Leeds United; e o cantor Ed
Sheeran é investidor do Ipswich Town.
Nos
Estados Unidos e no México, nomes como Reese Witherspoon, Matthew McConaughey,
Eva Longoria e Natalie Portman também investem em clubes de futebol.
Esses
não são apenas casos isolados: celebridades têm cruzado os limites do palco e
das telas para investir no futebol — um território em que elas nem sempre
entendem as regras do esporte, mas conhecem bem o jogo de marketing.
Famosos
brasileiros também parecem estar interessados no ramo.
A
cantora Kelly Key fundou o Kiala FC, em Angola, ao lado do marido, Mico
Freitas, em 2023. Hoje, ela é presidente do clube e pretende transformá-lo em
um projeto de referência na formação e exportação de jovens jogadores
angolanos.
Enquanto
isso, o rapper L7nnon está próximo de se tornar um dos proprietários do Olaria,
time tradicional da zona norte do Rio de Janeiro.
De
acordo com o clube, o processo de compra segue em andamento e depende de
ajustes e trâmites internos antes de ser finalizado.
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O caso Wrexham
Em uma
cidade com pouco mais de 40 mil habitantes, no interior do País de Gales, as
imagens de dois atores de Hollywood estão estampadas em todos os lugares — nas
vitrines de lojas, joalherias, na galeria de arte, nas livrarias e até nos
cardápios dos restaurantes.
Ryan
Reynolds e Rob McElhenney compraram em 2021 o modesto Wrexham AFC, então na
quinta divisão do futebol inglês.
Mesmo
sem experiência no esporte, os atores fizeram duas promessas: levar o clube à
elite do futebol (Premier League) e transformá-lo em uma potência midiática
mundial.
Quatro
anos depois, o primeiro objetivo está cada vez mais próximo: o Wrexham subiu de
série três vezes consecutivas e hoje disputa a Championship, a segunda divisão
da Inglaterra.
As
vitórias em campo foram acompanhadas de um impacto fora dele, e a transformação
em fenômeno internacional foi plenamente alcançada.
A
convivência entre os novos donos e os moradores locais, os bastidores do clube
e o cotidiano da cidade viraram a série documental Welcome to Wrexham,
vencedora de dez prêmios Emmy.
O
sucesso foi tanto que o atacante Paul Mullin foi chamado para participar do
filme Deadpool & Wolverine, estrelado por Reynolds — e, no site oficial do
clube, a foto do jogador foi substituída pela imagem do Welshpool, personagem
que ele interpretou no longa.
O
chamado "efeito Ryan e Rob" transformou o cenário econômico da
cidade.
Desde
que os atores compraram o clube, em 2021, o turismo na região cresceu cerca de
50%, passando a movimentar 191 milhões de libras por ano (cerca de R$ 1,2
bilhão), segundo o Wrexham County Borough Council.
Só em
2024, o aumento foi de 6,3% em relação ao ano anterior, e, na última década, o
setor registrou uma alta de 90% — o maior crescimento turístico de todo o País
de Gales.
Mais de
2 milhões de visitantes passaram pela cidade no último ano, entre eles um
número crescente de estrangeiros, principalmente dos EUA e Canadá, atraídos
pela série Welcome to Wrexham e pelo sucesso do clube.
Mesmo
em meio a uma desaceleração no setor de hospitalidade no Reino Unido, Wrexham
segue na contramão da tendência nacional, com alta constante nas visitas e
impacto direto na economia regional.
"Nosso
desafio agora é melhorar a infraestrutura urbana por meio do plano de
desenvolvimento local e, junto a parceiros, ampliar a capacidade hoteleira para
garantir que toda a economia da região se beneficie do turismo impulsionado
pelo futebol", diz Joe Bickerton, gerente de marketing e turismo do
Conselho de Wrexham, à BBC Brasil.
A
popularidade do clube também alcançou novas dimensões comerciais.
A
camisa do Wrexham está entre as dez mais vendidas do Reino Unido, e os produtos
oficiais — de uniformes a roupas de bebê e coleiras para cães — se tornaram
sucesso absoluto não apenas no território britânico, mas também nos mercados
americano e canadense.
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Por que o interesse das celebridades pelo futebol cresce agora?
Nos
anos 70, o cantor Elton John se tornou dono do Watford FC, na Inglaterra, e
presidiu o clube em duas passagens — entre 1976 e 1990, e novamente em 1997.
Na
época, o investimento de um artista em um time, movido sobretudo pela paixão,
era algo incomum.
Hoje, a
lógica é diferente: embora o vínculo emocional continue a existir, os clubes —
mesmo os menores — passaram a ser vistos também como ativos de mídia e
plataformas de entretenimento, capazes de gerar receita por meio de direitos de
imagem, publicidade, streaming (transmissões ao vivo e conteúdo sob demanda) e
presença digital.
Pedro
Oliveira, cofundador da OutField, empresa brasileira especializada em
investimentos e gestão estratégica no esporte, afirma que essa tendência tem a
ver com mudanças no mercado de esporte e entretenimento nos últimos 15 anos.
"A
tecnologia permitiu ampliar o vínculo do fã com o clube, e o digital eliminou
barreiras da televisão. Como no caso do Wrexham: o clube pode controlar como
distribui o conteúdo e contar sua história via streaming, alcançando casas no
mundo todo. A tendência é esse fenômeno se tornar cada vez mais global",
explica.
Em
agosto, a OutField assumiu a gestão do Le Mans FC, clube da segunda divisão
francesa.
A lista
de investidores chamou atenção: o ex-piloto brasileiro Felipe Massa, o tenista
Novak Djokovic, o piloto dinamarquês Kevin Magnussen e o empresário Georgios
Frangulis, fundador da Oakberry, rede que vende açaí e outros produtos.
A
iniciativa busca aproveitar o prestígio internacional da cidade — famosa pelo
automobilismo — para reposicionar o clube e transformá-lo em uma marca global,
associada à performance, inovação e estilo de vida.
Já nos
Estados Unidos, o Angel City FC, time feminino cofundado pela atriz Natalie
Portman em 2020, parece unir os objetivos de propósito e performance.
Em
2024, o clube foi avaliado em US$ 250 milhões, tornando-se o clube feminino
mais valioso do mundo, segundo a Forbes.
O time
lidera nas ligas em receita de patrocínio, bilheteria e público, e mantém um
modelo de gestão com forte componente social. Cerca de 10% da receita de
patrocínios é destinada a programas comunitários em Los Angeles, incluindo
alimentação, educação e incentivo à prática esportiva entre meninas.
Para os
clubes, a presença de celebridades traz aumento de visibilidade, capital
simbólico e novas oportunidades de crescimento midiático.
Para os
próprios investidores, é uma possibilidade de gerar retorno financeiro,
fortalecer sua marca e presença digital, e, em alguns casos, deixar um legado
com propósito, utilizando sua imagem para causar impacto além do campo.
Mas,
então, esse é um jogo em que todos sempre ganham?
Para o
jornalista Rodrigo Capelo, especialista em gestão esportiva e sócio da
plataforma Sport Insider, um risco da entrada de artistas no mundo esportivo é
que a busca por uma gestão sólida acabe ficando em segundo plano.
"Se
esse artista tiver o dinheiro e a noção de que aquele clube precisa ter um
negócio sustentável, entre receitas e custo, o projeto pode funcionar. O grande
risco é o aventureiro — a personalidade que vai comprar um time de futebol só
para ter um brinquedo, para gravar um documentário, fazer uma série. Ele pode
deixar o clube arrasado no momento em que sair, ou mesmo antes", diz,
apontando que o mercado de futebol é "já cheio de aventureiros".
Por
outro lado, o jornalista não acredita que o foco no entretenimento pode
subjugar o esporte em si.
"A
quantidade de celebridades que compra times de futebol para fazer algum tipo de
projeto que misture esporte e entretenimento é muito pequena diante da
quantidade de clubes."
"Por
mais que esses investidores tenham uma finalidade de entretenimento, os clubes
que eles gerem precisam ser vitoriosos também. Se não, a história não se
sustenta. Então, eu não acho que esses eventos vão mudar as características do
esporte."
Para
Capelo, não são os poucos casos de clubes apoiados por celebridades que vão
agravar o desequilíbrio em um ambiente já marcado pelas desigualdades.
"O
clube pequeno já está prejudicado de qualquer maneira, porque no futebol temos
um problema grande de desigualdade financeira entre países, entre ligas, entre
clubes da mesma liga. Esse tipo de investimento vai ser exceção e não creio que
vá prejudicar mais ou menos o resto da pirâmide que já está em um estado
complicado", afirma.
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E o Brasil?
Parte
do sucesso desses projetos no exterior têm a ver com os ambientes seguros que
esses países proporcionam para investimentos.
Na
Inglaterra, o investimento inicial no Wrexham AFC foi de cerca de 2 milhões de
libras (cerca de R$ 14 milhões).
Quatro
anos depois, o clube é avaliado em mais de 150 milhões de libras (cerca de R$
1,1 bi) — um salto sustentado por boa governança, uma estrutura sólida na
divisão de clubes e um ecossistema maduro de mídia e entretenimento.
Segundo
o jornalista Rodrigo Capelo, a diferença começa na base.
"Na
Inglaterra, há muitas divisões nacionais bem estruturadas. A quinta, a sexta ou
a sétima divisão são lugares relativamente baratos para comprar um clube,
investir e levá-lo a uma categoria superior, valorizando o ativo. Para
milionários do entretenimento, é um investimento relativamente fácil. Essa
lógica funciona porque há cultura de investimento e porque, lá, clubes sempre
foram empresas."
No
Brasil, esse processo ainda está em consolidação.
Até
poucos anos atrás, a maioria dos clubes funcionava como associações sem fins
lucrativos, o que afastava investidores e dificultava a profissionalização.
A
criação da Sociedade Anônima do Futebol (SAF), através de uma lei de 2021,
abriu uma nova frente no Brasil: os clubes passaram a poder operar como
empresas, com gestão autônoma, transparência e atração de capital privado.
Nesse
sistema, inspirado no modelo europeu, investidores podem comprar parte das
ações, injetar recursos e participar dos lucros, enquanto ajudam a equilibrar
dívidas e modernizar a gestão.
A ideia
é transformar o futebol em um negócio economicamente viável, sem perder o
vínculo com a cultura e a identidade dos clubes.
Mesmo
assim, a participação de celebridades brasileiras nesse tipo de investimento
ainda é tímida — mas por aqui, também há sinais dessa tendência.
Em
fevereiro de 2024, o cantor Gusttavo Lima tornou-se sócio do Atlético Clube de
Paranavaí, no Paraná.
O
rapper L7nnon já patrocinou o Olaria em alguns jogos neste ano, estampando o
nome de sua gravadora no uniforme da equipe. Ele também compareceu à
arquibancada para acompanhar partidas do clube, que atualmente disputa a Série
A2 do Campeonato Carioca — a segunda divisão do futebol estadual.
Agora,
L7nnon faz parte do consórcio que negocia a compra do time. Em julho, os sócios
do Olaria aprovaram em votação a transformação do departamento de futebol em
SAF, passo que abriu caminho para a negociação.
Segundo
informou a assessoria de imprensa do clube à BBC News Brasil, o processo de
compra ainda não foi concluído e segue em fase de finalização, dentro da
burocracia normal de um negócio desse porte.
L7nnon
também demonstrou interesse em desenvolver iniciativas sociais nas instalações
do Olaria, que fica entre comunidades como os complexos do Alemão, da Penha e
da Maré.
Enquanto
isso, depois do sucesso nos anos 2000, a cantora brasileira Kelly Key decidiu
apostar no futebol — mas, no caso, em Angola.
Em um
projeto que já recebeu investimentos superiores a R$ 500 mil, ela e o marido,
Mico Freitas, buscam desenvolver jovens atletas que desejam iniciar a carreira
profissional e transformar o Kiala FC em uma referência de gestão esportiva e
impacto social.
O
clube, fundado em outubro de 2023, atende atualmente cerca de 70 adolescentes
nas categorias Sub-17 e Sub-19.
Com um
viés social, o projeto oferece formação esportiva, educação complementar e
acompanhamento para os jovens atletas, e agora celebra a transição para o
futebol profissional, marcando o início de sua trajetória no cenário
competitivo.
Apesar
do ritmo gradual, Pedro Oliveira enxerga um horizonte otimista no Brasil.
"Já
tivemos várias conversas com celebridades e ex-atletas interessados em comprar
ou investir em clubes. O interesse existe e o apetite é grande", garante.
"Para
esse processo andar mais rápido, é preciso desenvolver recursos humanos — a
indústria ainda é nova e, historicamente, teve gestores não profissionais. O
desafio é atrair executivos que nunca trabalharam com futebol, mas que vêm de
multinacionais, por exemplo. E, para isso, é necessário passar por um processo
de organização e estruturação, criando condições que incentivem essa
transição."
Fonte:
BBC News Brasil

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