O
desastre de uma megaoperação no Alemão e na Penha de um governo que terceiriza
o seu comando
“Não há
como garantir domínio territorial armado com alguma estabilidade de mando sem a
colaboração direta dos poderes estatais que conferem seu lastro ampliando ou
assegurando o domínio sempre provisório do crime. Domínio armado do Comando
Vermelho não é o mesmo que produzir e garantir soberania. Também não há e nunca
houve Estado ausente. O que há no Rio são governos que negociam sua forma de
presença nos espaços populares, como também se vê em outros estados e em outros
países”.
<><>
Eis o artigo.
Passei
o dia inteiro concedendo entrevistas para explicar a irresponsabilidade dos
governantes e o desastre operacional de uma operação policial que escancarou o
improviso e o populismo na gestão da segurança pública. Estas são 16
apreciações provisórias à espera de mais dados. E espero seguir subsidiando a
discussão sobre a maior operação solitária do Rio e com a maior letalidade já
produzida até agora.
>>>
1. Abandono da População e Exposição ao Risco
A
operação deixou sem policiamento cerca de cinco milhões de moradores,
imobilizando 2.500 policiais para pronto emprego, o que implica em alterar a
escala de cerca de 10 mil policiais e mantê-los em prontidão. Um volume de
efetivo superior a muitas polícias estaduais e sem capacidade de manter a sua
mobilização e o seu empenho além de um curto período de tempo. Esse contingente
concentrado num único perímetro da cidade imobilizou efetivos policiais para
além das pernas estaduais. E, assim, abriu brechas para a ocorrência de crimes
violentos oportunistas e ataques pontuais e previsíveis de grupos armados em
represália. E, ainda, o mais óbvio: encurtou o tempo de sustentação da própria
operação, maximizando os riscos de sua execução. O resultado foi o aumento da
vulnerabilidade coletiva, a ampliação do medo e o comprometimento dos serviços
de segurança pública na região
metropolitana.
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2. Aumento da Letalidade e da Vitimização
A
operação foi conduzida, em sua maioria, com agentes generalistas que não
trabalham em unidades especializadas e nem têm qualificação em operações
policiais de alto risco. Em boa medida, são policiais convencionais que tocam a
rotina burocrática, investigativa e ostensiva, e não apresentam padrão elevado
de tiro defensivo por modalidade de tiro policial e por tipo de armamento.
Eles, por razões profissionais, atuam em guarnições pequenas ou em tropas e não
como corpos táticos. E, desta forma, eles não dispõem de disciplina tática e
nem especialização para cenários de alto risco. Este improviso feito pela
convocação de policiais sem expertise e preparo técnico adequado para operações
policiais especiais amplificou as chances de letalidade e vitimização, entre
policiais e civis. O que multiplicou a insegurança profissional e
institucional, a oportunidade de balas achadas e/ou perdidas e de agentes
expostos indevidamente. Isto revela a manipulação de policiais como mercadorias
políticas e o barateamento de suas vidas tal qual a vida dos moradores das
periferias de onde saíram a maioria dos agentes fluminenses.
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3. Paralisação da Cidade, Colapso da Mobilidade e Produção de Pânico e
Insegurança
A ação
inviabilizou a circulação de pessoas, bens, mercadorias e serviços. O bloqueio
territorial descoordenado imposto em uma área com cerca de 200 mil habitantes e
aproximadamente 500 mil transeuntes em 5,2 km² gerou colapso urbano, atingindo
diretamente o funcionamento cotidiano da cidade, impondo-lhe prejuízos
econômicos, políticos e sociais. Isto produziu mais insegurança pública. 4.
>>> 4. O espetáculo bélico
Agravou
o temor coletivo, alimentou o pânico moral e disseminou a percepção
generalizada de insegurança. Em vez de esfriar a chapa e garantir a rotina na
cidade, a previsibilidade e a regularidade das ações policiais, o governo
produziu medo e desorientação social. E, ainda, comprometeu a produção e a
distribuição de riquezas, impondo prejuízos existenciais e materiais à
população da região metropolitana.
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5. Comprometimento da Capacidade de Resposta
A
mobilização desmedida e insustentável do efetivo de 2.500 agentes estaduais
comprometeu a capacidade ostensiva e de pronta resposta das emergências 190 e
192, prejudicando o atendimento a ocorrências reais em outras áreas da cidade,
como assaltos, agressões, acidentes de trânsito, deixando milhares de moradores
à deriva, entregues à falta de policiamento e de presteza de socorro frente às
suas demandas emergenciais.
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6. Sabotagem do Trabalho de Inteligência e Investigação
Ao
levar à morte 64 pessoas, suspeitas ou não, a megaoperação terminou por sabotar
o trabalho de inteligência e investigação das próprias polícias. Afinal, os
mortos, se forem de fato “criminosos”, seriam justamente aqueles que poderiam
revelar as parcerias entre Estado e crime, a troca de favores com as clientelas
de baixo, ao lado e de cima, destruindo as possibilidades de elucidação das
redes criminosas e de quem são os patrões, sócios e funcionários saídos do
Estado e da política e que, por sua vez, conformam esta economia política
criminosa.
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7. Esgotamento do Recurso Repressivo
O uso
politiqueiro, banalizado e desordenado das operações policiais — um recurso
caro e nobre que produz repressão qualificada e com foco — gerou o próprio
esgotamento da capacidade repressiva das polícias militar e civil, que passam a
ser incapazes, a curto e médio prazos, de sustentar resultados da repressão que
elas mesmas produziram.
Cabe
lembrar que polícia é uma força diuturna e de pronto emprego e que, por isso,
não tem estoque de repressão, sendo continuadamente empregada em cada ação
policial efetiva. Ou seja, não existe estoque de repressão policial. Assim, o
seu gasto desmedido, o seu abuso ou mau uso implica em esgotamento da própria
capacidade de policiar. Este é um dos graves efeitos de operações feitas para
espetáculo eleitoreiro.
Cabe
também esclarecer que nenhuma operação, em nenhum lugar, é capaz de produzir
controle de território e população por tempo indeterminado, pela natureza
escassa do recurso repressivo policial. Assim, tal como explica a doutrina de
operações policiais especiais, os efeitos das operações são pontuais e
provisórios, limitados no tempo e no espaço e com alto custo operacional. Por
isso, requerem planejamento e gestão altamente qualificados para que seus
resultados sejam satisfatórios e seus ultrapassem o imediato da atuação.
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8. Serviço prestado ao Crime Organizado
Não se
deve matar as galinhas dos ovos de ouro da investigação e da inteligência.
Paradoxalmente, ao matar 64 supostos bandidos, o Estado prestou um serviço ao
crime organizado, eliminando possíveis integrantes de sua base
criminal-comercial. Trata-se de uma mão de obra barata, precarizada e
facilmente substituível, mas que custa para ser mantida de boca fechada dentro
e fora das prisões. Os núcleos dirigentes do CV permaneceram intocados e
protegidos com a troca de tiros da polícia com os soldados do tráfico. Estes,
por sua vez, não podem recuar ou se renderem até que os gestores criminais
tenham saído do território com o apoio de quem tem tiro certo, matrícula e
passabilidade em qualquer lugar: agentes estatais parceiros do crime e
milicianos.
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9. Ineficácia Operacional e manutenção do poder do CV
A
operação pouco afetou a capacidade coercitiva do CV, tal como tem ocorrido nos
últimos 40 anos no Rio de Janeiro. Afinal, a capacidade coercitiva do CV não
depende do uso de fuzis no controle de perímetros geograficamente irregulares,
sem campo de visão claro com ao menos 180 graus de rotação. Fuzis são muito
pesados, têm baixa mobilidade e pouca vantagem em terrenos acidentados. Para o
crime, é mais vantajoso, ao empregar mão de obra com baixa qualificação, o uso
de armas automáticas com menor necessidade de especialização, mais leves, que
qualquer um possa usar sem muito treinamento, que permitam atirar enquanto
correm, pulam ou se movimentam, e com facilidade de recarregar também em
deslocamento. Fuzis requerem mais habilidade, qualidade decisória e posição
tática para bom rendimento. Não dá para aprender usar fuzil só com tutorial da
internet. Na correria da trocação de tiros, são os primeiros a serem
abandonados ao longo do caminho, colaborando com o saldo operacional, atrasando
a polícia e dando mais agilidade nos deslocamentos criminosos.
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10. Planejamento Politiqueiro e Desrespeito a Protocolos
Sob
ingerência eleitoreira, o planejamento da operação conjunta parece ter ignorado
os protocolos de operações policiais das próprias PCERJ e PMERJ, elaborados em
2018, e que determinam parâmetros técnicos de planejamento, comando e controle
e avaliação de desempenho operacional por grupo tático. Se as polícias tivessem
ouvido apenas seus protocolos, os resultados não seriam a morte de 64
indivíduos, a multiplicação da insegurança pública e a paralisia da vida no Rio
de Janeiro. Cabe enfatizar que existe doutrina de operações policiais
internacional e das polícias estaduais, bem como critérios técnico-científicos
de aferição de desempenho.
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11. Desinformação e Ausência de Comando
Sem uma
sala de operações para alimentar os meios de comunicação e informar a população
sobre o que se passava no decorrer da operação e das mudanças na ordem urbana,
imperaram os boatos, os rumores e a desinformação — as verdadeiras fontes da
insegurança pública. Isso favoreceu o desespero e o caos, paralisando os
serviços essenciais na cidade e deixando a população desorientada, perdida e
vulnerável, entregue ao risco do tiroteio e de outras violências.
Faltou
cadeia de comando e controle com coordenação. Aqui, mais uma vez, coube ao
Estado criar a insegurança pública e multiplicá-la ao seu extremo. Nenhuma
operação policial pode parar uma cidade. Isto é expressão de abuso e mau uso do
poder de polícia por quem governa. Tratou-se de reproduzir a POLÍTICA DOS 3 S:
primeiro dá SUSTO na população com polícia de espetáculo e de ostentação,
depois demonstra SURTO de autoridade com bravatas, cara feia e peito de pombo
e, por fim, promove SOLUÇOS operacionais que não tem sustentação no médio e
longo prazos mas que possuem elevado efeito publicitário.
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12. O Dever de Casa Malfeito
O
governante que cobra integração sequer fez o seu dever de casa: não integrou,
nem articulou as próprias agências do Estado, nem buscou coordenar suas funções
durante a operação. Em vez de agir de forma sistêmica e planejada, cada órgão
foi deixado à deriva, entregue ao seu corporativismo, e o resultado foi o
colapso do funcionamento público e o agravamento do temor coletivo.
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1. Ministério Público (MP)
O MP
deveria ter sido integrado desde a fase de planejamento, garantindo foco,
legalidade e repressão qualificada. Cabe ao MP acompanhar a execução das
operações, controlar o uso da força, definir prioridades investigativas e
resguardar os direitos fundamentais, evitando a banalização da morte como
política pública.
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2. Defensoria Pública
A
Defensoria deveria ter atuado junto com o MP, mantendo plantões itinerantes e
canais de atendimento emergencial para a população atingida. Seu papel seria
proteger moradores em situação de risco, orientar famílias de vítimas e
garantir o acesso à Justiça nos casos de violações decorrentes da operação.
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3. Corpo de Bombeiros Militar do Estado
O Corpo
de Bombeiros Estadual deveria estar mobilizado para assegurar o pronto-socorro
e atuar em resgates e emergências médicas durante a operação. Sem essa
presença, vidas se perdem por omissão, e o socorro chega tarde — quando chega.
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4. Guarda Municipal
A maior
guarda municipal do país deveria ter sido acionada para ordenar o trânsito,
desviar linhas de ônibus, orientar fluxos de pedestres e impedir a paralisação
total da cidade. Em vez disso, a cidade foi abandonada ao caos, sem controle de
circulação nem apoio logístico.
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5. Fiscais e Agentes de Trânsito
Os
fiscais e agentes de trânsito deveriam ter sido integrados ao esquema
operacional, atuando em conjunto com a guarda para liberar vias, sinalizar
bloqueios e evitar o colapso urbano. Sua ausência reforçou o imobilismo
logístico e o sentimento de abandono coletivo. O resultado foi uma operação “de
juntos e misturados”, sem coordenação e sem cadeia de comando efetiva — um
retrato fiel do bloco do “eu sozinho” governamental, em que cada órgão foi
desmobilizado ou ignorado. O desastre estava anunciado desde o modo como foi
executado: com desgoverno, sem integração e sem responsabilidade pública
partilhada.
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13. O Bloco do “Eu Sozinho” e o Falso Teatro da Guerra
Não se
pede apoio federal com blindados como quem pede emprestado uma xícara de café.
Não é possível colocar as Forças Armadas na rua para fazer “uber” na segurança.
Se é
necessário o apoio das FFAA, então é preciso solicitar e partilhar o
planejamento, o comando e o controle, para também dividir responsabilidades nos
acertos e erros.
Operação
integrada não é um churrasco improvisado de final de semana, em que cada um
leva o que tem, esquece de levar a carne e de gelar a cerveja. Não é o junto e
misturado da roda improvisada de samba, em que se perde o ritmo e se desafina
com gargalhadas.
Há que
se ter um plano conjunto, com início, meio e fim, para não virar o que foi o
final dramático da operação do Alemão em 2010, em que as FFAA entraram e
ficaram meses exatamente porque não se tinha efetivo de polícia para manter a
retomada de território.
O
espetáculo da guerra sem exército desmoralizou o governo em mais um enxuga gelo
contra o CV, ao passo o prejuízo imposto ao crime será reposto em uma semana de
faturamento regional e nacional. Por ingenuidade, ignorância, má assessoria
política ou oportunismo, desenhou-se uma operação “instagramável” para
catapultar o governante, mostrando que ele teria mando de fato e de direito,
que é capaz de agir sozinho, sem apoio de ninguém, reproduzindo o bloco do “eu
sozinho” heroico governamental.
Como
tal operação não tinha como se sustentar desde o início, por razões logísticas
básicas, o tempo foi passando e os 2.500 policiais foram sendo forçosamente
desengajados, e a operação virou um presente de grego: não pode continuar
porque não tem pernas; não pode sair porque os saldos operacionais produzidos
não abatem a precificação das mortes e das perdas materiais e existenciais dos
moradores da região metropolitana do Rio de Janeiro.
E,
claro, mais uma vez, a ocultação da responsabilidade política do comandante em
chefe das polícias implicava pôr a fatura salgada na conta do STF e do governo
federal que também tem deixado a desejar quando o assunto é a política de
segurança pública.
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14. A Culpa É Minha e Eu Ponho em Quem Eu Quiser
Como de
praxe, um governante que vira animador de auditório, servindo de
garoto-propaganda de operações, torna-se dependente de saldos operacionais
“instagramáveis”, independentemente da legalidade com que foram produzidos.
Ficam todos os governantes municipais, estaduais e federais dependentes do que
as polícias podem produzir e entregar para seu permanente estado de campanha
eleitoral. E, desta forma, são quase que obrigados a fecharem os olhos para os
maus usos e abusos do poder de polícia. Quando o saldo operacional é bom todo
governante se torna “pai” da operação policial e vira uma espécie de
garoto-bombril com suas mil e uma utilidades político-partidárias das polícias.
E num contexto de terceirização do comando da segurança pública para grupos
corporativistas e correligionários, o governante abdica de assumir
responsabilidade como comandante em chefe e atribui a culpa a outro alguém
federal, estadual ou municipal conforme a conveniência, convivência e
conivência.
O
governante blefa quando diz que a ADPF das Favelas algemou a polícia impedindo
operações, quando na verdade o que a ADPF fez foi exigir profissionalismo
policial e o cumprimento da doutrina policial de uso da força e, por sua vez,
da doutrina de operações policiais.
A ADPF
635 cobrou, pela primeira vez, que a polícia fosse Polícia com “P” maiúsculo.
Durante
sua vigência, viu-se o crescimento das operações policiais no Rio, como
demonstrado pelo Fogo Cruzado. Dizer que a ADPF fez prosperar as barricadas é,
no mínimo, infantil. Até porque barricadas são demonstrações visuais da
incapacidade do CV, TCP ou qualquer outro domínio armado de garantir soberania
sobre território.
Servem
para controlar fluxos de pessoas, dificultar invasões de grupos rivais e servem
muito pouco para conter ou impedir polícias, que não são bandos, e sim
organizações armadas com superioridade de meios e métodos. Se lá estão as
barricadas, é porque o Estado assim quer, como parte do seu arrendamento dos
espaços populares para o crime. Barricada serve para o CV ganhar alguma
vantagem defensiva contra rivais de mesmo calibre. Barricadas viram brinquedo
diante do poderio das burocracias armadas como as polícias e FFAA.
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15. A Falácia da Falta de Integração Porque Falta Lei
Nada
mais enganoso do que afirmar que a falta de integração com o governo federal
deriva da ausência de uma lei — como a PEC da Segurança ou o Pacote Anticrime.
Cabe
esclarecer que, com os dispositivos normativo-legais que já dispomos, é
possível fazer agora operações conjuntas, operações integradas e
forças-tarefas.
Todas
elas provisórias e limitadas no tempo e à sua missão, como devem ser, para
garantir resultados superiores e transparentes.
Este
tipo de atuação integrada não precisa esperar mudança legislativa, por melhor
que ela seja. E seja mesmo necessária. Isso porque operação conjunta, integrada
e força-tarefa resulta de decisões de natureza política e
administrativa-procedimental, ao alcance de qualquer gestor em posição de
mando.
A
lógica brasileira de vender para o cidadão inseguro e desinformado que só
mudando a lei se muda o mundo é um caldo liberal-autoritário que serve como
desculpa para a produção do monopólio do nada fazer dos governantes e para a
ocultação da ausência de políticas nacionais, estaduais e municipais. Vender a
fantasia de que só com a mudança da lei algo pode ser feito é matar a política
pública e ocultar leniências.
E mais:
é dar serviço aos outros sem se comprometer com a execução da própria lei,
insinuando que “já fez a sua parte” ao criar a lei, e que agora o problema
seria com quem executa — como se as leis não pudessem criar problemas de
execução, gastos e prestação de contas e, até mesmo serem, inaplicáveis como
revelam normas draconianas de endurecimento penal.
Além de
uma covardia moral, colocar as fichas políticas na aprovação de uma lei é
colocar o medo, a insegurança e a violência vividos hoje pela população no
final de uma longa fila de espera. Como se medo e insegurança pudessem ser
adiados até a aprovação da suposta lei milagrosa. Não dá para pedir ao crime
organizado, aos criminosos do cotidiano, ao feminicida que suspendam suas
atividades e só voltem a atuar quando tivermos uma lei que integre as polícias
ou uma lei mais dura.
Há, por
fim, neste ilusionismo da mudança da lei como salvação imediata o delírio de
uma “big-data total” de todas as informações e uma inteligência central, do bem
naturalmente, que de cima para baixo articularia todas as polícias, a cada
demanda, a cada ação. Nada mais ingênuo, pois nem a ditadura conseguiu este
admirável mundo do comando e do controle único e central. Tem-se aqui o fetiche
liberal-autoritário à brasileira com um novo papel de bala vistoso mas com
recheio podre. Veja que integração aqui corresponde a uma unificação,
uniformização e monopólio de fontes em um país federativo, de larga escala, com
distintas agências de controle, com diversidade de cenários e desafios de
atuação. Este tipo de fantasia tecnocrática revela, na prática, o desconforto
que temos com as negociações e a produção de consenso e acordos. Revela que o
que se quer estabelecer uma autoridade forte, definir quem manda em quem e quem
é o que manda em tudo de forma unitária e autocrática.
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16. A Verdade Que não se Quer Falar
Nenhuma
organização criminosa no Rio de Janeiro controla plenamente o território. O
controle é sobre a população, por meio da ameaça do uso da violência.
E, para
existir, essas organizações dependem da parceria com o Estado, que garante
previsibilidade e estabilidade aos arrendamentos territoriais para o CV, por
exemplo.
Não
existe essa história de poder paralelo — cuja finalidade desta expressão foi a
de ocultar as relações entre política e crime organizado. É o Estado que,
funcionando como uma agência reguladora do crime — para o bem ou para o mal —,
organiza ou desorganiza o crime desde dentro.
Não há
como garantir domínio territorial armado com alguma estabilidade de mando sem a
colaboração direta dos poderes estatais que conferem seu lastro ampliando ou
assegurando o domínio sempre provisório do crime. Domínio armado do CV não é o
mesmo que produzir e garantir soberania. Também não há e nunca houve Estado
ausente. O que há no Rio são governos que negociam sua forma de presença nos
espaços populares, como também se vê em outros estados e em outros países.
Bem,
estes foram alguns pontos esclarecidos em minhas entrevistas e que, mais
adiante, quando dispuser de mais dados sobre esta operação de 28/10/2025 no
Alemão e na Penha, poderei explicitar os parâmetros técnico-científicos
assentados em evidências empíricas que nos ajudem a quebrar os mantras que nos
iludem e desmascarar as cloroquinas da segurança que nos envenenam com falsas
explicações.
Fonte:
Por Jacqueline Muniz, para IHU

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