sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Carlos Bauer: Venezuela – encruzilhada histórica

A história recente da Venezuela expressa a crise prolongada de um modelo de acumulação rentista e dependente, fundado sobre a exploração petrolífera e a subordinação histórica ao capital internacional. Desde o “Viernes Negro” de 1983, o país mergulhou em um ciclo de instabilidade econômica e política, agravado por flutuações dos preços do petróleo, endividamento externo, inflação crônica e desindustrialização.

Trata-se de uma crise estrutural que Bonilla-Molina e Coggiola (2025) situam entre 1983 e 2025, expressão de um capitalismo periférico cuja burguesia nacional se constituiu como classe importadora, especulativa e dependente da renda petrolífera.

A formação do Estado rentista produziu um capitalismo parasitário, incapaz de diversificar a produção ou promover um desenvolvimento soberano. A ausência de uma reforma agrária e o bloqueio à industrialização consolidou uma estrutura social excludente, na qual a classe trabalhadora permaneceu subalternizada, com direitos fragilizados e baixa inserção política.

O colapso do modelo de “democracia pactuada” do Pacto de Punto Fijo (1958–1983) e o Caracazo de 1989, importante levante popular contra as políticas neoliberais de Carlos Andrés Pérez, expuseram o esgotamento do pacto social da Quarta República e recolocaram as massas no centro da luta política.

A vitória de Hugo Chávez, em 1998, representou a tentativa de refundar o Estado sob o signo da “revolução bolivariana” e do “socialismo do século XXI”. Seu governo impulsionou políticas redistributivas e ampliou a participação popular, mas também fomentou o surgimento de uma boliburguesia, nova elite civil-militar que se apropriou da renda petrolífera e perpetuou práticas burocráticas e centralizadoras.

O Estado-partido-militar resultante cooptou sindicatos e movimentos sociais, reduzindo o espaço de autonomia política da classe trabalhadora, das organizações sindicais, estudantis e populares que eram avessos ao processo de integração e de conciliação com as novas e velhas classes dominantes do país.

Com a morte de Hugo Chávez e a ascensão de Nicolás Maduro, em 2013, a crise venezuelana adquiriu novos contornos. A deterioração econômica foi agravada pelas medidas coercitivas unilaterais impostas pelos Estados Unidos e pela União Europeia, que configuram atos de guerra econômica e violam frontalmente o Direito Internacional e os direitos humanos básicos do povo venezuelano.

As sanções, o bloqueio financeiro e o confisco de ativos estatais no exterior asfixiaram a economia nacional, aprofundando a hiperinflação, o desabastecimento e o êxodo de milhões de cidadãos. Entre 2015 e 2024, mais de sete milhões de venezuelanos foram forçados a deixar o país, materializando uma das maiores crises migratórias do século XXI.

A classe trabalhadora venezuelana enfrenta, assim, condições de vida dramáticas. Os salários estão entre os mais baixos da América Latina, os direitos sindicais são sistematicamente reprimidos, e o Estado exerce controle direto sobre as organizações laborais. A criminalização das greves, a precarização e a informalidade generalizada tornaram-se mecanismos de sobrevivência diante da escassez e da miséria. Esse quadro social revela o peso combinado da crise estrutural interna e da agressão externa imperialista.

O regime venezuelano, por sua vez, encontra-se em uma encruzilhada histórica. O projeto bolivariano, que prometia emancipação e justiça social, viu-se enredado por uma elite burocrática e pelo poder militarizado. O governo de Nicolás Maduro oscila entre a retórica socialista e a tentativa de “normalização” capitalista, buscando acordos com o capital privado e negociações com Washington.

Essa conciliação, contudo, não responde às demandas históricas da classe trabalhadora e tampouco garante soberania nacional. Enquanto a burguesia recompõe seus lucros, o povo venezuelano continua submetido à fome, à repressão e à emigração forçada.

A ofensiva dos Estados Unidos, sob os sucessivos governos de Barack Obama a Donald Trump, Joe Biden e, novamente, com mais virulência, Trump expressa o intento de recolonizar a Venezuela e controlar suas vastas reservas de petróleo e minerais estratégicos. A autorização de operações clandestinas da CIA, as ações militares no Caribe e o bloqueio econômico constituem atos de agressão e punição coletiva, denunciados por organismos das Nações Unidas como violações flagrantes da Carta da ONU e do Direito Internacional Humanitário.

Trata-se de uma política inaceitável, que converte a Venezuela em campo de experimentação de uma guerra híbrida permanente contra qualquer projeto de soberania latino-americana.

Diante disso, impõe-se uma solidariedade ativa e internacionalista com o povo venezuelano. Essa solidariedade não pode limitar-se a gestos simbólicos, mas deve traduzir-se em denúncia vigorosa das sanções, exigência do fim do bloqueio econômico e defesa intransigente do direito à autodeterminação dos povos.

A crise venezuelana é, antes de tudo, um reflexo das contradições do sistema capitalista mundial e da violência estrutural do imperialismo. Sua superação dependerá da capacidade dos trabalhadores, da juventude e dos setores populares de reconstruírem sua força política independente e de afirmarem, contra todas as adversidades, a construção de um programa de transição capaz de alicerçar um novo horizonte de emancipação social.

¨      Decapitação: a estratégia estadunidense de mudança de regime na Venezuela. Por Paulino Cardoso

A crescente mobilização de forças militares estadunidenses nas costas marítimas da Venezuela tem a intenção de pressionar por uma mudança de regime no país. Muitas notícias indicam a possibilidade de uma invasão terrestre do país caribenho. Entretanto, embora significativa no número de belonaves  e seus milhares de soldados, acompanhados por bombardeiros B 1 e B 52, não são suficientes para uma ocupação terrestre diante da geografia e da mobilização popular na Venezuela.

Ao observarmos os últimos movimentos do Império no seu esforço para impor a paz pela força, há indicações pelo gosto do uso intensivo de bombardeios, que permitem cantar vitória, bem a gosto de Donald Trump, sem ter que enfrentar a impopular recepção de sacos de corpos.

Reparem que recentemente o POTUS 47 não responsabilizou  o Comando Sul, cujo dirigente, almirante Alvin Holsey, está demissionário, mas autorizou a CIA a realizar ações letais encobertas na Venezuela. Não deixa de ser engraçado a revelação, pela primeira vez, de uma decisão, a princípio, secreta, anunciada com toda a fanfarronice pelo governo Donald Trump. Neste jogo, a CIA se tornou o cérebro e o Pentágono o braço da ação dos EUA, no restabelecimento da Doutrina Monroe, versão 2.0.

Se associarmos esta informação ao fato, depois de uma grande pressão do Secretário de Estado dos EUA, Marco Rúbio sob os noruegueses, a indicação e nomeação do Nobel da Paz a líder de extrema direita, Maria Corina Machado, é possível imaginar que veremos na América do Sul, a mesma estratégia utilizada na Ásia Ocidental, em especial, no Líbano, Palestina, Irã e Iêmen. 

O sonho de enfraquecer os adversários, por meio da eliminação de sua liderança política, ainda está vivo em Washington, mesmo acumulando derrotas em série.O Hamas permanece vivo na Palestina, o Hezbollah está se reorganizando e fortalecendo no Líbano, o assassinato do Governo Civil no Iêmen não diminuiu a determinação e prontidão do Movimento Anssarolah de fustigar os interesses econômicos sionistas e do império no Mar Vermelho e Golfo de Adén. No Irã, segundo informações colhidas, a Guerra de 12 Dias, assim nomeada por Donald Trump, a agressão não provocada ao país persa, cuja a tarefa seria produzir a derrota do regime dos Aiatolás, ou mesmo o desaparecimento do Estado, sonho molhado dos sionistas, levou ao fortalecimento do apoio nacional ao governo, a supressão dos pontos frágeis e, por meio da parceria com a Federação Russa e a República Popular da China, a melhoria de suas capacidades militares. 

Para os EUA, a guerra não é a política por outros meios, como diria Carl von Clausewitz, mas a única linguagem possível nestes últimos governos estadunidenses. Uma política que deixa alguns com saudades do Henry Kissinger, um dos mais famosos criminosos de guerra estadunidenses, responsável pelos bombardeios do Laos e do Camboja durante a Guerra no Vietnã, sem contar a instalação de ditaduras na América Latina, principalmente a de Augusto Pinochet no Chile em 1973. 

Kissinger foi responsável pela grande jogada geopolítica do século: a aproximação entre EUA e a República Popular da China. Até Ronald Reagan e sua equipe são lembrados por terem acabado com a Guerra Fria em um diálogo com dirigentes soviéticos como Mikhail Gorbatchov, de triste memória.

Recomendo a todos o esboço da Estratégia Nacional de Defesa 2025, que expressa uma mudança de foco em relação a Administração Joe Biden em diferentes pontos e sinaliza para um recuo dos EUA para questões internas e foco no Hemisfério Ocidental e incentivo aos “parceiros” europeus para assumir a responsabilidade pela segurança do continente, em especial, o financiamento da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e manutenção da frente ucraniana, por meio da aquisição de armas do complexo industrial-militar estadunidense.

Irá funcionar na Venezuela? Conseguirá Donald Trump desviar os norte-americanos dos graves problemas econômicos e sociais no seu próprio país? Conseguirá colocar as mãos nas reservas de petróleo, ouro e outros minerais preciosos do país de Bolívar? Difícil saber. A Venezuela, diferente do Brasil, aprendeu com os erros de Salvador Allende no Chile e, hoje, tem o controle total das forças armadas, além de contar com milícias populares com cerca de quatro milhões de pessoas.

É possível que a parceria com a República Islâmica do Irã, muito bem sucedida do ponto de vista econômico, também possa colaborar na melhoria da capacidade de resposta do Governo Bolivariano a uma estratégia de decapitação estadunidense. Difícil saber , para além das declarações altissonantes de Rússia e China, os líderes do Sul Global, até que ponto estão dispostos a ajudar Nicolás Maduro e seus liderados. Para o Império do Caos, como apelidou Pepe Escobar, analista geopolítico brasileiro, basta a destruição do Estado, sem pensar nos resultados. 

¨      Invasão à Venezuela seria passo ousado demais, alerta ex-almirante dos EUA

Uma operação terrestre dos Estados Unidos contra a Venezuela seria um passo ousado demais, afirmou o almirante aposentado da Marinha dos EUA, James Stavridis, em artigo publicado pela Bloomberg.

Na publicação, o analista avisou da irracionalidade da ideia estadunidense.

"As forças terrestres venezuelanas são razoavelmente capazes e numerosas, tendo sido reforçadas por Chávez quando a receita das exportações de petróleo era muito maior. Os venezuelanos também se beneficiam de conselheiros militares cubanos e russos. A ideia de uma grande invasão terrestre norte-americana para subjugar o país parece ir longe demais", escreveu Stavridis.

Segundo ele, caso Washington opte por uma ação militar, os primeiros alvos seriam infraestruturas "ligadas ao narcotráfico", como portos, aeroportos e centros de comando próximos à fronteira com a Colômbia. Em seguida, os EUA precisariam neutralizar as defesas aéreas venezuelanas e decidir "como lidar com o presidente Nicolás Maduro", pela entrega do qual há um prêmio de US$ 50 milhões (R$ 268,8 milhões).

O presidente Donald Trump confirmou que a Casa Branca autorizou a CIA a realizar operações secretas na Venezuela, o que Caracas classificou como "violação do direito internacional".

Em agosto, a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, afirmou que Trump está disposto a usar "todos os instrumentos do poder americano" contra o narcotráfico, sem descartar uma ação militar. O governo venezuelano chamou o envio de navios de guerra dos EUA à região de provocação e tentativa de desestabilizar o Caribe.

¨      Trump não descarta planos para realizar ataques diretos ao território venezuelano

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, está considerando uma ação contra instalações usadas para produção de cocaína ou que servem como rotas de narcotráfico dentro da Venezuela. A informação foi obtida por meio de três autoridades americanas consultadas pela CNN.

O envio do porta-aviões Gerald R. Ford - o maior do mundo - às águas da América do Sul, junto com escolta de contratorpedeiros e caças, representa uma das decisões mais audaciosas do país referentes à região do hemisfério sul desde a Guerra Fria. O deslocamento naval acompanha manobras conjuntas com o país caribenho de Trinidad e Tobago, situado a poucos quilômetros da costa venezuelana.

<><> Escalada militar e foco naval

As forças estadunidenses já têm atacado embarcações suspeitas que transitam por águas internacionais próximas à Venezuela e à Colômbia. Dez barcos foram afundados e 46 pessoas morreram desde o início da campanha, segundo fontes ouvidas pela reportagem.Trump também autorizou operações secretas da CIA na Venezuela com o objetivo de desmantelar supostas redes de narcotráfico. Existe o receio que as alegações de combate ao tráfico de drogas sejam um pretexto para derrubar o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, do poder. 

Autoridades indicaram que, embora não exista ainda decisão final, “há planos na mesa que o presidente está considerando” e que “[Trump] não descartou a diplomacia”. A operação naval tem como justificativa a “diretriz do presidente de desmantelar as organizações criminosas transnacionais e conter o narcoterrorismo em defesa da pátria”, segundo comunicado do porta-voz do Pentágono, Sean Parnell.

<><> Possibilidade de ação militar em terra

Ainda conforme fa reportagem, várias propostas foram apresentadas ao presidente Trump e o planejamento envolve diferentes agências governamentais com foco na apreensão de drogas que supostamente estariam sendo transportadas via Venezuela. Embora uma incursão terrestre exija normalmente aprovação do Congresso dos EUA, Trump declarou à CNN que “não vou necessariamente pedir uma declaração de guerra. Acho que vamos simplesmente matar as pessoas que estão trazendo drogas para o nosso país.”

<><> Reação de Caracas e repercussão regional

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, acusou Washington de estar “inventando uma nova guerra eterna” e afirmou que “os Estados Unidos inventam um relato extravagante, vulgar, criminoso e totalmente falso”. Enquanto isso, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), manifestou preocupação com a escalada militar, enfatizando que “é muito melhor os EUA se disporem a conversar com as polícias dos países, com o Ministério da Justiça de cada país, para fazermos ações conjuntas”.

<><> Contexto e dúvidas jurídicas

Relatórios da Agência Antidrogas dos Estados Unidos (DEA) e da Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) não classificam a Venezuela como um dos maiores produtores de cocaína — as plantações concentram-se principalmente na Colômbia, no Peru e na Bolívia. Mesmo assim, a localização estratégica do país e suas águas próximas colocam o país no foco para possíveis ações de interrupção de rotas de tráfico.

Analistas de segurança avaliam que o envio do porta-aviões e forças de escolta proporciona aos EUA múltiplas opções de atuação – desde operações navais até apoio a eventual ação terrestre. O deslocamento do porta-aviões e seu grupo de ataque, que partiu do Mediterrâneo, levará cerca de sete a dez dias para atingir sua posição no litoral da América do Sul.

¨      Maduro reafirma que Venezuela é território livre do narcotráfico

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, reiterou que o país está completamente livre do narcotráfico e destacou os avanços obtidos desde a expulsão da Administração de Controle de Drogas dos Estados Unidos (DEA). A declaração foi feita durante um evento público em Caracas e repercutida pelo canal teleSUR.

Segundo Maduro, o rompimento com a agência norte-americana foi um ponto de virada na luta contra o tráfico de entorpecentes. “Desde que rompemos com a DEA, o grande cartel da droga mundial, a Venezuela pôde avançar de maneira autônoma e soberana em uma estratégia. E hoje, a Venezuela é um país totalmente livre do narcotráfico e de todas essas coisas”, afirmou o chefe de Estado diante de autoridades e convidados internacionais.

<><> Avanços sem intervenção estrangeira

O presidente ressaltou que, sem a interferência dos Estados Unidos, o país desenvolveu suas próprias políticas de combate ao cultivo, produção e tráfico de drogas. Ele afirmou que as forças armadas, a polícia e os serviços de inteligência e contrainteligência desempenharam papel fundamental para transformar a Venezuela em um “território livre de drogas”.

Maduro também rebateu as acusações de que o país seria produtor de cocaína, classificando-as como “um relato extravagante, vulgar e totalmente falso” promovido por Washington. “É demonstravelmente falsa a teoria de que somos um país produtor de narcóticos. Esse é um grande êxito da Revolução Bolivariana”, declarou.

<><> Compromisso com a soberania e a paz

Durante o discurso, Maduro afirmou que o governo venezuelano está próximo de eliminar completamente o trânsito de drogas em seu território. “Estamos caminhando para alcançar 100% de eliminação do pequeno 5% do narcotráfico que vem da Colômbia; vamos conseguir, e esse será um grande avanço da Revolução Bolivariana do século XXI, doa a quem doer”, afirmou.

O presidente denunciou ainda o que chamou de tentativas de “fabricar uma nova guerra eterna” contra a Venezuela, comparando as narrativas atuais às justificativas utilizadas em guerras como a do Vietnã. Ele questionou se “o povo norte-americano e os movimentos sociais realmente desejam uma guerra”, lembrando que “94% dos venezuelanos rejeitam qualquer tipo de confronto”.

“Prometeram que nunca mais se envolveriam em uma guerra e agora estão inventando uma. Nós vamos evitar isso com a mobilização dos povos da América do Sul, porque toda a América do Sul e o Caribe dizem não à guerra, sim à paz, à prosperidade, à harmonia e à convivência”, concluiu o presidente.

 

Fonte: A Terra é Redonda/Brasil 247

 

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