Carlos
Bauer: Venezuela – encruzilhada histórica
A
história recente da Venezuela expressa a crise prolongada de um modelo de
acumulação rentista e dependente, fundado sobre a exploração petrolífera e a
subordinação histórica ao capital internacional. Desde o “Viernes Negro”
de 1983, o país mergulhou em um ciclo de instabilidade econômica e política,
agravado por flutuações dos preços do petróleo, endividamento externo, inflação
crônica e desindustrialização.
Trata-se
de uma crise estrutural que Bonilla-Molina e Coggiola (2025) situam entre 1983
e 2025, expressão de um capitalismo periférico cuja burguesia nacional se
constituiu como classe importadora, especulativa e dependente da renda
petrolífera.
A
formação do Estado rentista produziu um capitalismo parasitário, incapaz de
diversificar a produção ou promover um desenvolvimento soberano. A ausência de
uma reforma agrária e o bloqueio à industrialização consolidou uma estrutura
social excludente, na qual a classe trabalhadora permaneceu subalternizada, com
direitos fragilizados e baixa inserção política.
O
colapso do modelo de “democracia pactuada” do Pacto de Punto Fijo (1958–1983) e
o Caracazo de 1989, importante levante popular contra as
políticas neoliberais de Carlos Andrés Pérez, expuseram o esgotamento do pacto
social da Quarta República e recolocaram as massas no centro da luta política.
A
vitória de Hugo Chávez, em 1998, representou a tentativa de refundar o Estado
sob o signo da “revolução bolivariana” e do “socialismo do século XXI”. Seu
governo impulsionou políticas redistributivas e ampliou a participação popular,
mas também fomentou o surgimento de uma boliburguesia, nova elite
civil-militar que se apropriou da renda petrolífera e perpetuou práticas
burocráticas e centralizadoras.
O
Estado-partido-militar resultante cooptou sindicatos e movimentos sociais,
reduzindo o espaço de autonomia política da classe trabalhadora, das
organizações sindicais, estudantis e populares que eram avessos ao processo de
integração e de conciliação com as novas e velhas classes dominantes do país.
Com a
morte de Hugo Chávez e a ascensão de Nicolás Maduro, em 2013, a crise
venezuelana adquiriu novos contornos. A deterioração econômica foi agravada
pelas medidas coercitivas unilaterais impostas pelos Estados Unidos e pela
União Europeia, que configuram atos de guerra econômica e violam frontalmente o
Direito Internacional e os direitos humanos básicos do povo venezuelano.
As
sanções, o bloqueio financeiro e o confisco de ativos estatais no exterior
asfixiaram a economia nacional, aprofundando a hiperinflação, o
desabastecimento e o êxodo de milhões de cidadãos. Entre 2015 e 2024, mais de
sete milhões de venezuelanos foram forçados a deixar o país, materializando uma
das maiores crises migratórias do século XXI.
A
classe trabalhadora venezuelana enfrenta, assim, condições de vida dramáticas.
Os salários estão entre os mais baixos da América Latina, os direitos sindicais
são sistematicamente reprimidos, e o Estado exerce controle direto sobre as
organizações laborais. A criminalização das greves, a precarização e a
informalidade generalizada tornaram-se mecanismos de sobrevivência diante da
escassez e da miséria. Esse quadro social revela o peso combinado da crise
estrutural interna e da agressão externa imperialista.
O
regime venezuelano, por sua vez, encontra-se em uma encruzilhada histórica. O
projeto bolivariano, que prometia emancipação e justiça social, viu-se enredado
por uma elite burocrática e pelo poder militarizado. O governo de Nicolás
Maduro oscila entre a retórica socialista e a tentativa de “normalização”
capitalista, buscando acordos com o capital privado e negociações com
Washington.
Essa
conciliação, contudo, não responde às demandas históricas da classe
trabalhadora e tampouco garante soberania nacional. Enquanto a burguesia
recompõe seus lucros, o povo venezuelano continua submetido à fome, à repressão
e à emigração forçada.
A
ofensiva dos Estados Unidos, sob os sucessivos governos de Barack Obama a
Donald Trump, Joe Biden e, novamente, com mais virulência, Trump expressa o
intento de recolonizar a Venezuela e controlar suas vastas reservas de petróleo
e minerais estratégicos. A autorização de operações clandestinas da CIA, as
ações militares no Caribe e o bloqueio econômico constituem atos de agressão e
punição coletiva, denunciados por organismos das Nações Unidas como
violações flagrantes da Carta da ONU e do Direito Internacional Humanitário.
Trata-se
de uma política inaceitável, que converte a Venezuela em campo de
experimentação de uma guerra híbrida permanente contra qualquer projeto de
soberania latino-americana.
Diante
disso, impõe-se uma solidariedade ativa e internacionalista com o povo
venezuelano. Essa solidariedade não pode limitar-se a gestos simbólicos, mas
deve traduzir-se em denúncia vigorosa das sanções, exigência do fim do bloqueio
econômico e defesa intransigente do direito à autodeterminação dos povos.
A crise
venezuelana é, antes de tudo, um reflexo das contradições do sistema
capitalista mundial e da violência estrutural do imperialismo. Sua superação
dependerá da capacidade dos trabalhadores, da juventude e dos setores populares
de reconstruírem sua força política independente e de afirmarem, contra todas
as adversidades, a construção de um programa de transição capaz de alicerçar um
novo horizonte de emancipação social.
¨
Decapitação: a estratégia estadunidense de mudança de
regime na Venezuela. Por Paulino Cardoso
A
crescente mobilização de forças militares estadunidenses nas costas marítimas
da Venezuela tem a intenção de pressionar por uma mudança de regime no país.
Muitas notícias indicam a possibilidade de uma invasão terrestre do país
caribenho. Entretanto, embora significativa no número de belonaves e seus
milhares de soldados, acompanhados por bombardeiros B 1 e B 52, não são
suficientes para uma ocupação terrestre diante da geografia e da mobilização
popular na Venezuela.
Ao
observarmos os últimos movimentos do Império no seu esforço para impor a paz
pela força, há indicações pelo gosto do uso intensivo de bombardeios, que
permitem cantar vitória, bem a gosto de Donald Trump, sem ter que enfrentar a
impopular recepção de sacos de corpos.
Reparem
que recentemente o POTUS 47 não responsabilizou o Comando Sul, cujo
dirigente, almirante Alvin Holsey, está demissionário, mas autorizou a CIA a
realizar ações letais encobertas na Venezuela. Não deixa de ser engraçado a
revelação, pela primeira vez, de uma decisão, a princípio, secreta, anunciada
com toda a fanfarronice pelo governo Donald Trump. Neste jogo, a CIA se tornou
o cérebro e o Pentágono o braço da ação dos EUA, no restabelecimento da
Doutrina Monroe, versão 2.0.
Se
associarmos esta informação ao fato, depois de uma grande pressão do Secretário
de Estado dos EUA, Marco Rúbio sob os noruegueses, a indicação e nomeação do
Nobel da Paz a líder de extrema direita, Maria Corina Machado, é possível
imaginar que veremos na América do Sul, a mesma estratégia utilizada na Ásia
Ocidental, em especial, no Líbano, Palestina, Irã e Iêmen.
O sonho
de enfraquecer os adversários, por meio da eliminação de sua liderança
política, ainda está vivo em Washington, mesmo acumulando derrotas em série.O
Hamas permanece vivo na Palestina, o Hezbollah está se reorganizando e
fortalecendo no Líbano, o assassinato do Governo Civil no Iêmen não diminuiu a
determinação e prontidão do Movimento Anssarolah de fustigar os interesses
econômicos sionistas e do império no Mar Vermelho e Golfo de Adén. No Irã,
segundo informações colhidas, a Guerra de 12 Dias, assim nomeada por Donald
Trump, a agressão não provocada ao país persa, cuja a tarefa seria produzir a
derrota do regime dos Aiatolás, ou mesmo o desaparecimento do Estado, sonho
molhado dos sionistas, levou ao fortalecimento do apoio nacional ao governo, a supressão
dos pontos frágeis e, por meio da parceria com a Federação Russa e a República
Popular da China, a melhoria de suas capacidades militares.
Para os
EUA, a guerra não é a política por outros meios, como diria Carl von
Clausewitz, mas a única linguagem possível nestes últimos governos
estadunidenses. Uma política que deixa alguns com saudades do Henry Kissinger,
um dos mais famosos criminosos de guerra estadunidenses, responsável pelos
bombardeios do Laos e do Camboja durante a Guerra no Vietnã, sem contar a
instalação de ditaduras na América Latina, principalmente a de Augusto Pinochet
no Chile em 1973.
Kissinger
foi responsável pela grande jogada geopolítica do século: a aproximação entre
EUA e a República Popular da China. Até Ronald Reagan e sua equipe são
lembrados por terem acabado com a Guerra Fria em um diálogo com dirigentes
soviéticos como Mikhail Gorbatchov, de triste memória.
Recomendo
a todos o esboço da Estratégia
Nacional de Defesa 2025, que expressa uma mudança de foco em relação a
Administração Joe Biden em diferentes pontos e sinaliza para um recuo dos EUA
para questões internas e foco no Hemisfério Ocidental e incentivo aos
“parceiros” europeus para assumir a responsabilidade pela segurança do
continente, em especial, o financiamento da Organização do Tratado do Atlântico
Norte (OTAN) e manutenção da frente ucraniana, por meio da aquisição de armas
do complexo industrial-militar estadunidense.
Irá
funcionar na Venezuela? Conseguirá Donald Trump desviar os norte-americanos dos
graves problemas econômicos e sociais no seu próprio país? Conseguirá colocar
as mãos nas reservas de petróleo, ouro e outros minerais preciosos do país de
Bolívar? Difícil saber. A Venezuela, diferente do Brasil, aprendeu com os erros
de Salvador Allende no Chile e, hoje, tem o controle total das forças armadas,
além de contar com milícias populares com cerca de quatro milhões de pessoas.
É
possível que a parceria com a República Islâmica do Irã, muito bem sucedida do
ponto de vista econômico, também possa colaborar na melhoria da capacidade de
resposta do Governo Bolivariano a uma estratégia de decapitação estadunidense.
Difícil saber , para além das declarações altissonantes de Rússia e China, os
líderes do Sul Global, até que ponto estão dispostos a ajudar Nicolás Maduro e
seus liderados. Para o Império do Caos, como apelidou Pepe Escobar, analista
geopolítico brasileiro, basta a destruição do Estado, sem pensar nos
resultados.
¨
Invasão à Venezuela seria passo ousado demais, alerta
ex-almirante dos EUA
Uma
operação terrestre dos Estados Unidos contra a Venezuela seria um passo ousado
demais, afirmou o almirante aposentado da Marinha dos EUA, James Stavridis, em
artigo publicado pela Bloomberg.
Na
publicação, o analista avisou da irracionalidade
da ideia estadunidense.
"As
forças terrestres venezuelanas são razoavelmente capazes e numerosas,
tendo sido reforçadas por Chávez quando a receita das exportações de
petróleo era
muito maior. Os venezuelanos também se beneficiam de conselheiros
militares cubanos e russos. A ideia de uma grande invasão terrestre
norte-americana para subjugar o país parece ir longe demais", escreveu
Stavridis.
Segundo
ele, caso Washington opte por uma ação militar, os primeiros alvos
seriam infraestruturas "ligadas ao narcotráfico", como portos,
aeroportos e centros de comando próximos à fronteira com a Colômbia. Em
seguida, os EUA precisariam neutralizar as defesas aéreas venezuelanas e decidir
"como lidar com o presidente Nicolás Maduro", pela entrega do qual há
um prêmio de US$ 50 milhões (R$ 268,8 milhões).
O
presidente Donald Trump confirmou que a Casa Branca autorizou a CIA
a realizar operações secretas na Venezuela, o que Caracas classificou como
"violação do direito internacional".
Em
agosto, a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, afirmou que Trump está
disposto a usar "todos os instrumentos do poder americano" contra o
narcotráfico, sem descartar uma ação militar. O governo venezuelano chamou
o envio de navios de guerra dos EUA à região de provocação e tentativa de
desestabilizar o Caribe.
¨ Trump não descarta
planos para realizar ataques diretos ao território venezuelano
O
presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, está considerando uma ação contra
instalações usadas para produção de cocaína ou que servem como rotas de
narcotráfico dentro da Venezuela. A informação foi obtida por meio de três
autoridades americanas consultadas pela CNN.
O envio
do porta-aviões Gerald R. Ford - o maior do mundo - às águas da América do Sul,
junto com escolta de contratorpedeiros e caças, representa uma das decisões
mais audaciosas do país referentes à região do hemisfério sul desde a Guerra
Fria. O deslocamento naval acompanha manobras conjuntas com o país caribenho de
Trinidad e Tobago, situado a poucos quilômetros da costa venezuelana.
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Escalada militar e foco naval
As
forças estadunidenses já têm atacado embarcações suspeitas que transitam por
águas internacionais próximas à Venezuela e à Colômbia. Dez barcos foram
afundados e 46 pessoas morreram desde o início da campanha, segundo fontes
ouvidas pela reportagem.Trump também autorizou operações secretas da CIA na
Venezuela com o objetivo de desmantelar supostas redes de narcotráfico. Existe
o receio que as alegações de combate ao tráfico de drogas sejam um pretexto
para derrubar o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, do poder.
Autoridades
indicaram que, embora não exista ainda decisão final, “há planos na mesa que o
presidente está considerando” e que “[Trump] não descartou a diplomacia”. A
operação naval tem como justificativa a “diretriz do presidente de desmantelar
as organizações criminosas transnacionais e conter o narcoterrorismo em defesa
da pátria”, segundo comunicado do porta-voz do Pentágono, Sean Parnell.
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Possibilidade de ação militar em terra
Ainda
conforme fa reportagem, várias propostas foram apresentadas ao presidente Trump
e o planejamento envolve diferentes agências governamentais com foco na
apreensão de drogas que supostamente estariam sendo transportadas via
Venezuela. Embora uma incursão terrestre exija normalmente aprovação do
Congresso dos EUA, Trump declarou à CNN que “não vou necessariamente pedir uma
declaração de guerra. Acho que vamos simplesmente matar as pessoas que estão
trazendo drogas para o nosso país.”
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Reação de Caracas e repercussão regional
O
presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, acusou Washington de estar “inventando
uma nova guerra eterna” e afirmou que “os Estados Unidos inventam um relato
extravagante, vulgar, criminoso e totalmente falso”. Enquanto isso, o
presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), manifestou preocupação
com a escalada militar, enfatizando que “é muito melhor os EUA se disporem a
conversar com as polícias dos países, com o Ministério da Justiça de cada país,
para fazermos ações conjuntas”.
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Contexto e dúvidas jurídicas
Relatórios
da Agência Antidrogas dos Estados Unidos (DEA) e da Escritório das Nações
Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) não classificam a Venezuela como um dos
maiores produtores de cocaína — as plantações concentram-se principalmente na
Colômbia, no Peru e na Bolívia. Mesmo assim, a localização estratégica do país
e suas águas próximas colocam o país no foco para possíveis ações de
interrupção de rotas de tráfico.
Analistas
de segurança avaliam que o envio do porta-aviões e forças de escolta
proporciona aos EUA múltiplas opções de atuação – desde operações navais até
apoio a eventual ação terrestre. O deslocamento do porta-aviões e seu grupo de
ataque, que partiu do Mediterrâneo, levará cerca de sete a dez dias para
atingir sua posição no litoral da América do Sul.
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Maduro reafirma que Venezuela é território livre do
narcotráfico
O
presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, reiterou que o país está completamente
livre do narcotráfico e destacou os avanços obtidos desde a expulsão da
Administração de Controle de Drogas dos Estados Unidos (DEA). A declaração foi
feita durante um evento público em Caracas e repercutida pelo canal teleSUR.
Segundo
Maduro, o rompimento com a agência norte-americana foi um ponto de virada na
luta contra o tráfico de entorpecentes. “Desde que rompemos com a DEA, o grande
cartel da droga mundial, a Venezuela pôde avançar de maneira autônoma e
soberana em uma estratégia. E hoje, a Venezuela é um país totalmente livre do
narcotráfico e de todas essas coisas”, afirmou o chefe de Estado diante de
autoridades e convidados internacionais.
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Avanços sem intervenção estrangeira
O
presidente ressaltou que, sem a interferência dos Estados Unidos, o país
desenvolveu suas próprias políticas de combate ao cultivo, produção e tráfico
de drogas. Ele afirmou que as forças armadas, a polícia e os serviços de
inteligência e contrainteligência desempenharam papel fundamental para
transformar a Venezuela em um “território livre de drogas”.
Maduro
também rebateu as acusações de que o país seria produtor de cocaína,
classificando-as como “um relato extravagante, vulgar e totalmente falso”
promovido por Washington. “É demonstravelmente falsa a teoria de que somos um
país produtor de narcóticos. Esse é um grande êxito da Revolução Bolivariana”,
declarou.
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Compromisso com a soberania e a paz
Durante
o discurso, Maduro afirmou que o governo venezuelano está próximo de eliminar
completamente o trânsito de drogas em seu território. “Estamos caminhando para
alcançar 100% de eliminação do pequeno 5% do narcotráfico que vem da Colômbia;
vamos conseguir, e esse será um grande avanço da Revolução Bolivariana do
século XXI, doa a quem doer”, afirmou.
O
presidente denunciou ainda o que chamou de tentativas de “fabricar uma nova
guerra eterna” contra a Venezuela, comparando as narrativas atuais às
justificativas utilizadas em guerras como a do Vietnã. Ele questionou se “o
povo norte-americano e os movimentos sociais realmente desejam uma guerra”,
lembrando que “94% dos venezuelanos rejeitam qualquer tipo de confronto”.
“Prometeram
que nunca mais se envolveriam em uma guerra e agora estão inventando uma. Nós
vamos evitar isso com a mobilização dos povos da América do Sul, porque toda a
América do Sul e o Caribe dizem não à guerra, sim à paz, à prosperidade, à
harmonia e à convivência”, concluiu o presidente.
Fonte: A
Terra é Redonda/Brasil 247

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