Ceará
alega ‘utilidade pública’ e libera construção de ponte para data center de
TikTok em área protegida
A
Superintendência do Meio Ambiente do Ceará, a Semace, autorizou que a Casa dos
Ventos, empresa que é parceira do TikTok para instalar um data center no
município de Caucaia, faça uma intervenção em uma área de proteção permanente,
APP, sob a alegação de que o empreendimento é de “utilidade pública”.
A
liberação é parte do último passo para garantir a licença que falta para o
início das obras do data center, que gastará por dia, em sua fase inicial, a
mesma energia que consomem 2,2 milhões de brasileiros. Enquanto isso,
moradores, indígenas e organizações que se mobilizam para barrar o
licenciamento aguardam e cobram uma ação do Ministério Público Federal, o MPF.
A
decisão de liberar uma intervenção na APP do Lagamar do Cauípe consta em um
parecer jurídico assinado pela Semace em 17 de outubro, em resposta a uma
demanda da área técnica do órgão. A empresa quer construir lá uma estrutura de
38,5 metros de comprimento – tipo uma ponte – por cima de um curso d’água para
permitir acesso ao data center.
No
documento, o data center é considerado um “empreendimento de utilidade
pública”, embora seja operado exclusivamente por duas empresas privadas, sendo
uma delas estrangeira, e não haja clareza nem transparência sobre os impactos
da sua instalação na região.
Esse
parecer jurídico vem antes da emissão da licença de instalação, que pode sair a
qualquer momento, ainda que o licenciamento ambiental seja alvo de críticas e
pedidos de moradores e entidades para que o MPF investigue a legalidade do
processo. Com a licença de instalação, a Casa dos Ventos fica autorizada a
iniciar as obras – ou seja, a construção propriamente dita da estrutura do data
center.
Em
julho, o Intercept Brasil revelou, com base em um documento interno obtido com
exclusividade, que o data center da Casa dos Ventos e do TikTok em Caucaia
gastará mais energia do que 99,9% dos municípios brasileiros – se a sua demanda
for comparada diretamente com o consumo médio por habitante de cada cidade. Se
o data center fosse uma cidade, seria a sétima que mais consome energia no
Brasil.
Outra
preocupação é com a quantidade de água que será usada para resfriar os
equipamentos e garantir a operação do empreendimento. Isso é ainda mais grave
porque a chegada do data center do TikTok na região repete uma lógica já
conhecida: o governo do Ceará garante água para as empresas e indústrias
enquanto muitas famílias dependem de caminhões-pipa e da instalação de
cisternas para ter água – e a falta d’água desafia há anos comunidades
indígenas e rurais da região.
Para
alegar que o data center é de utilidade pública – e, portanto, permitir que a
intervenção seja feita em uma área protegida –, a Semace fez referência a dois
instrumentos jurídicos. O primeiro é uma lei estadual, de junho deste ano, que
determina que, “para fins de licenciamento ambiental, todas as atividades
desenvolvidas dentro do Complexo Industrial e Portuário do Pecém, o Cipp, serão
consideradas de utilidade pública, desde que guardem relação com os objetivos
do Cipp”.
O
segundo é uma resolução da Agência Nacional de Telecomunicações, a Anatel, de
agosto deste ano, que alterou o regulamento de avaliação da conformidade e
homologação de produtos para telecomunicações. A partir disso, a Semace entende
que, por ter solicitado autorização à Anatel, o data center é uma
infraestrutura de telecomunicações e, portanto, de utilidade pública.
De
acordo com a Semace, as telecomunicações – onde se enquadraria o data center –
são consideradas atividades de utilidade pública por definição do Código
Florestal. Mas para Luã Cruz, coordenador de Telecomunicações e Direitos
Digitais do Instituto de Defesa dos Consumidores, o Idec, esse entendimento, na
realidade, distorce o que está previsto no Código Florestal.
“A lei
é clara ao restringir esse enquadramento a obras vinculadas a serviços de
utilidade pública e ou interesse social, como podem ser os de telecomunicações,
o que não se aplica a um data center que não presta serviço público nem se
destina à oferta de telecomunicações. Por acaso, o TikTok vai prestar o mesmo
serviço que Claro, Vivo, TIM? Não. Portanto, não deveria justificar a
intervenção em uma área de preservação permanente”, pontua Cruz.
Segundo
o membro do Idec, o simples fato de um equipamento ou empreendimento estar
sujeito à regulação técnica da Anatel não o transforma em serviço de utilidade
pública.
“Serviços
como os de data centers de hiperescala não têm essa natureza, ainda que sejam
regulados pela Anatel, assim como um carregador de celular ou uma TV box, mesmo
precisando de homologação da agência, não se tornam serviços públicos de
telecomunicações”, explica Cruz.
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MPF avalia barrar licenciamento de data center do TikTok no Ceará
O
Ministério Público Federal, MPF, pediu uma perícia para avaliar a legalidade do
licenciamento do data center que o TikTok e a Casa dos Ventos querem construir
em Caucaia, no Ceará. O procurador Alessander Sales ainda garantiu, em
entrevista ao Intercept Brasil, que pedirá a paralisação do processo caso a
licença de instalação seja emitida antes de sair o resultado da perícia.
Sales
está à frente do caso após moradores, indígenas e organizações da sociedade
civil pedirem uma ação do MPF para barrar o licenciamento do data center. O
procurador se reuniu com representantes do povo Anacé e de entidades na
segunda-feira, 27, para discutir o assunto.
“A
emissão de uma licença de instalação, como ela vem acompanhada de autorizações
para desmatamento, de terraplanagem, tudo isso, tem um potencial de já causar
dano. Então o princípio da precaução nos dá a possibilidade de, invocando esse
princípio, pedir a paralisação”, disse Sales ao Intercept.
A
perícia analisará se o licenciamento simplificado, rito definido pela
Superintendência do Meio Ambiente do Ceará, a Semace, foi adequado ao tipo de
empreendimento do data center.
Em
agosto, o Intercept revelou que, devido à falta de regras, o data center do
TikTok e da Casa dos Ventos em Caucaia foi licenciado como se fosse um parque
de vaquejada ou um kartódromo. Enquadrado como de baixo impacto ambiental, o
empreendimento também não demandou um estudo ambiental mais aprofundado.
No
início da semana, também mostramos que, em um parecer jurídico, última etapa
antes da emissão da licença de instalação do projeto, a Semace autorizou uma
intervenção – a construção de uma ponte – em área protegida sob a justificativa
de que o data center é uma infraestrutura de “utilidade pública”.
Vale
ressaltar que, em setembro, a Semace já havia autorizado a supressão de
vegetação para uma área de 1.190 metros quadrados.
O
procurador Sales disse ao Intercept que ainda aguarda uma estimativa de prazo
para a realização da perícia. Caso este tempo seja considerado longo, ele
estuda adotar alguma medida mais imediata, como uma recomendação ou ação.
Em uma
segunda abordagem, conforme Sales, o MPF analisará o impacto do data center
sobre as comunidades tradicionais no entorno do empreendimento, que é o
principal objeto da representação protocolada pelos indígenas Anacé junto de
organizações da sociedade civil.
O povo
Anacé também denunciou que seu direito à consulta livre, prévia e informada,
conforme estabelecido pela Convenção 169 da Organização Internacional do
Trabalho, a OIT, da qual o Brasil é signatário, não foi respeitado pela Semace.
Outras
questões apontadas na representação são o uso de água do empreendimento,
considerando que já há comunidades no entorno que não têm acesso regular à
água, e o consumo de energia.
O
Intercept revelou em julho, com base em um documento interno obtido com
exclusividade, que o data center do TikTok e da Casa dos Ventos em Caucaia
gastará mais energia do que 99,9% dos municípios brasileiros – se a sua demanda
for comparada diretamente com o consumo médio por habitante de cada cidade. Se
o data center fosse uma cidade, seria a sétima que mais consome energia no
Brasil.
Nós
procuramos a Semace e enviamos perguntas sobre o licenciamento do data center
do TikTok, mas não houve resposta até a publicação desta reportagem. O espaço
segue aberto.
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MPF não intervém e indígenas Anacé cobram consulta
Em
agosto, representantes do povo Anacé, que reivindicam a área onde será
instalado o data center, protocolaram uma representação no MPF junto de
organizações de sociedade civil pedindo a suspensão imediata do licenciamento
do projeto do data center do TikTok em Caucaia e a anulação da licença prévia
emitida pela Semace.
A
denúncia foi atribuída ao procurador Alessander Sales. Outra representação,
feita pelo deputado estadual Renato Roseno, do PSOL, no Ministério Público do
Ceará, também foi encaminhada para análise do MPF.
Nesta
semana, está prevista uma reunião no MPF com representantes do povo Anacé e das
organizações da sociedade civil. Nós procuramos o MPF para saber sobre a
situação das representações, mas não houve resposta até a publicação desta
reportagem.
De
acordo com Roberto Anacé, cacique do povo Anacé da Terra Tradicional, a
intenção é insistir que o direito à consulta livre, prévia e informada aos
indígenas seja garantido – o que ainda não ocorreu, embora seja um processo
estabelecido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, a
OIT, da qual o Brasil é signatário.
Segundo
os documentos apresentados pela Casa dos Ventos para obter a licença de
instalação, que levou em conta condições estabelecidas pela Semace, está
previsto apenas que a empresa realize reuniões comunitárias para apresentar o
projeto em até 60 dias após a emissão da licença de instalação – ou seja,
primeiro receberão a licença, depois, conversarão com os indígenas e moradores
do entorno do empreendimento.
Um dos
objetivos dessas reuniões, conforme documentos apresentados pela Casa dos
Ventos, é o “fortalecimento da participação social no contexto do licenciamento
ambiental”, ainda que dois terços do rito de licenciamento já tenham sido
concluídos.
Outra
finalidade é contribuir para a “legitimidade social e territorial do
empreendimento, em conformidade com os princípios de transparência, equidade e
responsabilidade socioambiental” – embora os Anacé só tenham sido lembrados
após fazerem uma mobilização reivindicando seus direitos.
O
Intercept procurou a Semace e enviou perguntas sobre o parecer jurídico e o
licenciamento do data center do TikTok em Caucaia, mas não houve retorno até a
publicação desta reportagem. O texto será atualizado se houver resposta.
Também
questionamos a Anatel se os data centers se enquadram como infraestruturas de
telecomunicações de utilidade pública. A agência disse, por meio da assessoria
de imprensa, que a “infraestrutura dos data centers é fundamental para o setor
de telecomunicações”, mas não confirmou que eles se enquadram como
empreendimentos de utilidade pública.
Ainda
segundo a Anatel, a resolução de agosto, citada no parecer da Semace, cria a
“possibilidade de certificação (avaliação da conformidade e de homologação)
pela Anatel dos data centers que integram as redes de telecomunicações”.
Fonte:
Por Lais Martins, em The Intercept/Cimi

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