quinta-feira, 30 de outubro de 2025

‘Seriam mortos de novo’, diz líder indígena sobre Dom Phillips e Bruno Pereira

Apesar dos esforços do governo federal para combater a violência na região amazônica onde o jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira foram mortos há três anos, as ameaças no local persistem, segundo o líder indígena Beto Marubo, representante da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) em Brasília.

“Infelizmente, posso afirmar que se o Dom e o Bruno estivessem no Vale Javari hoje, seriam mortos de novo”, disse Marubo à Mongabay, referindo-se à falta de presença permanente do poder público na região.

Em 5 de junho de 2022, Phillips e Pereira foram brutalmente assassinados no Vale do Javari, no estado do Amazonas; nenhum dos acusados foi levado a julgamento.

De acordo com Marubo, as autoridades fizeram algumas ações específicas no Javari, como operações e investigações da Polícia Federal e do Ibama, além de abrir canais de diálogo com a comunidade. No entanto, isso não resolveu o problema, acrescentou.

“Infelizmente, não teve aquele interesse que a gente esperava, que toda a repercussão do caso poderia sensibilizar e despertar no poder. Então, os fatores que causaram aquela situação dos assassinatos, infelizmente, ainda permanecem os mesmos no Vale do Javari: o narcotráfico e o aumento das invasões na terra indígena”, disse Marubo à Mongabay em uma entrevista em São Paulo.

Em um comunicado divulgado em junho, o Ministério dos Povos Indígenas disse que o Plano de Proteção Territorial para o Vale do Javari realizou 42 operações na região, resultando em 211 ações de fiscalização, R$ 27 milhões em multas e 97 prisões entre junho de 2023 e março de 2025. “O Plano de Proteção Territorial é uma ação de caráter contínuo, que visa a garantia dos direitos indígenas à posse plena e ao usufruto exclusivo das terras que tradicionalmente ocupam”, diz o documento.

Perto da tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, o Vale do Javari é dominado pelo crime organizado, o que inclui narcotraficantes, madeireiros ilegais e caçadores. A região abriga a segunda maior terra indígena do país, com 8,5 milhões de hectares, uma área quase duas vezes o tamanho do estado do Rio de Janeiro. Estima-se que 17 povos originários isolados ou com pouco contato vivam lá atualmente.

Em agosto, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos realizou audiências no Vale do Javari devido ao aumento dos riscos e ameaças na sequência dos assassinatos de Pereira e Phillips.

Um mês antes, a Justiça Federal em Tabatinga, no Amazonas, aceitou a denúncia do Ministério Público Federal contra Rubén Dario da Silva Villar, conhecido como “Colômbia”, suposto mentor do crime. Ele é acusado de pesca e caça ilegal na região e de financiar e armar os criminosos para executar os assassinatos e ocultar os corpos das vítimas.

A defesa de Villar negou as acusações e afirmou que as provas que constam no processo “não são suficientes [para] conclusão que levem a um juízo de culpa”. Em nota à Mongabay, o advogado Ivanilson da Silva Albuquerque disse que “a motivação e autoria já está devidamente definida, tendo inclusive os autores do fato confessado em juízo a prática do crime e que, no curso do processo, restará demonstrado que o Sr. Ruben Dario [Villar] não concorreu de qualquer forma para a prática do delito apurado”.

Desde o início da investigação, outras oito pessoas foram indiciadas. Os casos de três réus — Amarildo da Costa de Oliveira, conhecido como “Pelado”, Jefferson da Silva Lima e Oseney da Costa de Oliveira — foram reunidos em um único processo que determinou o julgamento perante o Tribunal do Júri. Porém, em setembro de 2024, uma decisão judicial aceitou o recurso de Oseney Oliveira e o retirou da ação; o Ministério Público Federal recorreu da decisão.

<><> ‘Que pretensão sua!’

Phillips e Pereira foram mortos enquanto o jornalista britânico investigava a pesca ilegal na região para seu livro. Lançada em maio, a obra póstuma Como salvar a Amazônia: Uma busca mortal por respostas, de autoria de Phillips e colaboradores, foi resultado de um esforço de três anos liderado por Jonathan Watts, jornalista britânico radicado no Brasil e amigo íntimo da vítima. Watts coordenou um grupo de escritores para finalizar o livro.

Marubo, também próximo dos dois profissionais assassinados, foi um dos colaboradores. “Para mim foi uma honra colaborar com um projeto em nome do Dom e torná-lo realidade”, disse o líder indígena.

Marubo contou à reportagem que estava super ocupado entre múltiplas viagens à época e que escreveu o texto em um pedaço de papel e o enviou a Watts. Ao saber que o texto estava muito longo, Marubo disse que não tinha tempo para editá-lo, mas aceitou a proposta de Watts: a de que a jornalista Helena Palmquist o ajudasse. “Helena foi quem formatou a versão final do que eu queria escrever”, disse Marubo, destacando o longo processo de edição — ao qual ele não estava acostumado — para ter o texto final aprovado por ele.

Marubo lembrou que, inicialmente, ele riu quando Phillips lhe contou sobre o título do livro Como salvar a Amazônia durante uma conexão no aeroporto de Brasília. “Eu falei: ‘Olha, Dom, você é um ‘gringo’, cara. Você vai salvar a Amazônia? Que pretensão sua!”, disse Marubo. “Dom disse: ‘É essa a reação que eu quero, sobretudo das pessoas que leem sobre a Amazônia, [para ter] uma noção da importância do que ela é.'”

Desde então, seguindo suas promessas à viúva de Phillips, Alessandra Sampaio, Marubo também participou de vários eventos para promover o livro, incluindo seu lançamento em maio no Reino Unido, onde disse ter se emocionado com a grande comoção dos britânicos.

Para ele, essas ocasiões são importantes para dar voz àqueles que perderam suas vidas defendendo a Amazônia. “Apesar de todas essas mortes — não somente do Dom e do Bruno, mas também de Chico Mendes, Dorothy Stang e tantos outros que morreram pela proteção do meio-ambiente — [esses crimes] são esquecidos, relegados; são apenas números, registros na nossa história.”

O livro de Phillips também foi lançado nos Estados Unidos e em várias cidades brasileiras, como São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Niterói, Paraty e Belém.

No Rio, onde Phillips viveu por muitos anos, o lançamento lotou uma sala de cinema com amigos do jornalista na plateia — além de Watts e Sampaio, estiveram presentes os jornalistas Tom Phillips e Andrew Fishman e o fotógrafo João Laet, que acompanhou o jornalista britânico em muitas de suas viagens para a Amazônia.

“Dom virou floresta”, disse Laet durante o lançamento do livro no final de julho.

Sampaio lembrou que um líder indígena do povo Ashaninka foi quem apresentou Phillips a Pereira, destacando que “quem está na linha de frente precisa de aliados”.

Fishman disse que “nenhum de nós gostaria de estar aqui [no palco]” mas que “o sonho do Dom se realizou”.

“Dom ainda está participando desse projeto. Ele está [aqui hoje] no meio de nós”, disse Watts.

Marubo disse que seu sonho é que “a sociedade e o povo brasileiro — e não somente ambientalistas, povos indígenas ou demais que têm lutado pela causa — saibam da importância das florestas para o nosso futuro e do país”.

No terceiro aniversário do assassinato de Phillips e Pereira, o jornal britânico The Guardian lançou o podcast Missing in the Amazon (Perdidos na Amazônia). No mesmo dia, 50 organizações da sociedade civil e jornalistas assinaram um manifesto liderado pela Univaja, pedindo às autoridades brasileiras “mais do que [apenas] promessas”.

Os colaboradores do livro póstumo também pediram aos leitores que avaliem a obra para ajudar nas vendas e na aparição do livro nos sites de vendas no Brasil, nos EUA e no Reino Unido. Os coautores abriram mão dos direitos autorais e toda a receita das vendas será destinada à viúva do jornalista.

•        Cacique Raoni critica licença para explorar petróleo na Foz do Amazonas

O cacique Raoni Metuktire, líder do Povo Kayapó, pediu várias vezes que o governo brasileiro desistisse do plano de explorar combustíveis fósseis na Foz do Amazonas e em outras regiões amazônicas. Na semana passada, porém, o Ibama deu a licença para a Petrobras perfurar um poço exploratório de petróleo e gás fóssil no bloco FZA-M-59, na Foz. Uma decisão que é alvo de ações judiciais de organizações e movimentos sociais e do Ministério Público Federal (MPF).

 A reportagem é publicada por ClimaInfo, 27-10-2025.

A autorização do órgão ambiental foi alvo de críticas de Raoni, uma das mais importantes lideranças indígenas do Brasil e do mundo, informa o R7. “Não concordo com essa perfuração. É um problema para todas as pessoas e ruim para os Povos Indígenas. Não entendo a decisão técnica do Ibama em autorizar essa licença, já que o órgão sempre defendeu as Florestas e os Povos Indígenas. Esse posicionamento é claramente contra os Povos”, afirmou.

O líder Kayapó também confirmou presença na COP30, em Belém. Segundo ele, a conferência do clima será uma oportunidade para reforçar a defesa do meio ambiente e dos Territórios Indígenas. O que envolve também o fim da exploração de combustíveis fósseis. “Vou falar com as autoridades para protegerem o meio ambiente e nossas florestas”, completou Raoni.

Enquanto o líder indígena reafirma o óbvio, o governador do Pará, Helder Barbalho, “passa pano” para o petróleo às vésperas da conferência que seu estado vai sediar. Segundo o Estadão, Barbalho classificou como uma “decisão técnica” robusta a liberação da licença para a Petrobras.

Para defender o indefensável, o governador do Pará acionou a narrativa de que explorar petróleo na Foz do Amazonas é necessário para “atender a demanda brasileira por petróleo”. Só que hoje o país já é exportador líquido desse combustível fóssil e, portanto, produz o suficiente para o abastecimento interno e ainda sobra.

De acordo com Barbalho, se o Brasil não expandir sua oferta petrolífera, precisará importar petróleo em 15 anos – ou seja, 2040 – para manter a segurança energética nacional. Só que a Agência Internacional de Energia (IEA) projeta que a demanda global por petróleo cairá a partir de 2030, e isso inclui o Brasil. E se o país limitar a exportação, as reservas comprovadas brasileiras dariam para mais de 25 anos no nível atual de consumo.

A “cereja do bolo” de Barbalho, claro, foi repetir a falácia de que é preciso explorar mais petróleo para financiar a transição energética. O que não acontece nem no Brasil, que já tem 90% de sua matriz elétrica renovável, nem em nenhum outro lugar do mundo, já que as petrolíferas contribuem com apenas 1,4% dos projetos renováveis, como mostra um estudo da Universidade Autônoma de Barcelona.

<><> Em tempo

Enquanto Belém se preparava para receber a COP30, a única refinaria de petróleo da Amazônia, em Manaus, desmatava uma Área de Preservação Permanente (APP) no coração da floresta, mostra a Agência Nossa. A Refinaria de Manaus (Ream), vendida pela Petrobras ao grupo Atem, conseguiu autorização do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM) em dezembro de 2024 para supostas obras necessárias à estabilização de taludes e prevenção de desmoronamentos. Imagens registradas durante as obras revelaram que a empresa desmatou uma vasta área incluída em uma APP ao lado da via alvo da autorização, fora, portanto, dos limites apontados na licença do órgão ambiental.

•        E depois da desintrusão? O plano do governo para manter territórios indígenas seguros. Por Thiago Domenici

Outubro de 2025. Na vastidão da Terra Indígena Munduruku, no sudoeste do Pará, duas operações de fiscalização de pós-desintrusão, coordenadas pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI) em colaboração com outros órgãos e agências do governo, tiveram mais uma etapa finalizada. As ações ocorreram nove meses depois do governo federal concluir a “fase aguda” da desintrusão no território Munduruku, anunciando uma redução substancial nos alertas de novas áreas de mineração ilegal. A presença do Estado agora, longe dos holofotes, levanta a questão que assombra a política indigenista: o que vem depois que a poeira baixa e a fiscalização se retira?

A primeira das ações de fiscalização contou com a participação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Pará para fiscalizar a Floresta Nacional do Jamanxim e a Área de Proteção Ambiental do Tapajós (APA Tapajós). A segunda, mais complexa, apurou denúncias de trabalho escravo no rastro do garimpo, unindo a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a Força Nacional de Segurança Pública e o mesmo ICMBio nos municípios de Itaituba e Jacareacanga. O hiato entre as duas e a operação principal no território Munduruku, encerrada em janeiro, revelam as complexidades do pós-desintrusão.

Sem estabelecer mecanismos permanentes de atuação do Estado, um dos riscos possíveis é o de aumento das invasões e da insegurança para os povos indígenas. “A manutenção do diálogo é um desafio”, admitiu, sob reserva, uma das fontes do governo federal consultadas pela Agência Pública.

No caso dos Munduruku, o contato só foi restabelecido em julho, com uma visita técnica na aldeia Nova Trairão, durante o I Encontro de Jovens Munduruku do Alto Tapajós que culminou, em setembro, na participação de uma comitiva do governo na 5ª Assembleia do Movimento Munduruku Ipereğ Ayũ, na Aldeia Carroçal. Ali, enquanto as lideranças discutiam a proteção de seus defensores e o futuro do território, a máquina estatal redesenhava sua estratégia. Apesar das 523 ações de fiscalização e repressão durante a fase aguda, o desafio agora seria o de garantir que os invasores não retornem.

<><> Uma guerra assimétrica e um “país” para vigiar

O servidor Ronilson Vasconcelos, analista ambiental e coordenador territorial do ICMBio no oeste do Pará, falou à reportagem enquanto a balsa que estava a caminho de uma operação deslizava sobre as águas do Tapajós. A voz, por vezes entrecortada pelo sinal instável de uma antena de internet via satélite da Starlink apreendida com um garimpeiro, narra os desafios recentes.

Contra a sanha do garimpo ilegal e do furto de madeira, ele comanda de uma base em Itaituba uma equipe de dezesseis servidores que têm a missão de proteger 14 milhões de hectares de floresta – uma área superior ao tamanho de países como Grécia e Portugal. Há quase três anos na linha de frente na região, Vasconcelos está atualmente focado na chamada “Operação Escudo”, em atividade desde novembro de 2023 para conter a migração dos desintrusados para as unidades de conservação contíguas à terra indígena. A ação ocorre concomitantemente à Operação Ativo 1 de desintrusão da TI Munduruku e, na opinião do coordenador, que reconhece o esforço empreendido pelo Estado, há ainda dificuldades na fiscalização diante da vastidão do território.

A logística na região é o “maior desafio”. Os garimpeiros levam um mês e meio para rasgar a mata e instalar uma escavadeira de um milhão de reais. Para os fiscais, a remoção de um equipamento apreendido é um convite ao confronto, tanto que a equipe de Vasconcelos já foi atacada a tiros, a coqueteis molotov e teve viaturas destruídas em emboscadas por vezes lideradas por pessoas cooptadas pelos donos do garimpo.

O analista ambiental descreve o combate como uma espécie de guerra assimétrica e explica que o crime ambiental não anda só: está “consorciado” com o tráfico de drogas, a usurpação de terras e a exploração sexual. Em acampamentos, encontram-se pistolas e carregadores de fuzil, lugares onde o ICMBio é visto como inimigo.

<><> Novos tempos, a mesma resistência

Para lidar com a instabilidade permanente, o governo aposta numa metodologia de dois tempos. Primeiro, um Plano de Manutenção da Desintrusão, de curto prazo e coordenado pelo MPI para segurar o território com fiscalização e presença ostensiva. Depois, um Plano de Proteção Territorial, uma política contínua e construída pelo MPI em diálogo com as comunidades, com ações de curto, médio e longo prazo, indicadores e matriz de responsabilidades.

Mas no território, a urgência é sempre outra. Durante o I Encontro de Jovens do Alto Tapajós, que reuniu 240 lideranças em julho na Aldeia Nova Trairão, um cacique Munduruku resumiu a nova fase da luta: se os mais velhos usavam arcos e flechas, a juventude deve empunhar a palavra como arma. O encontro foi marcado por debates intensos, quase todos conduzidos em língua Munduruku, sobre a continuidade da resistência frente às ameaças contemporâneas.

As lideranças enfatizaram que a defesa do território permanece como prioridade constante, especialmente diante da recorrente ameaça de invasores e dos ataques legislativos aos direitos indígenas, como o Marco Temporal. Representantes de aldeias do Médio Tapajós e das margens do Teles Pires manifestaram preocupação com projetos de pesca esportiva e com o assédio de pessoas externas tentando negociar acesso às terras. As lideranças reafirmaram que decisões sobre o território não são individuais, mas coletivas, tomadas em assembleia.

A Associação Wakoborun, uma das principais organizações Munduruku, chegou a transferir sua sede para uma aldeia, para proteger suas lideranças de ataques físicos que teriam sido financiados por empresários do garimpo. Um assessor jurídico da associação relatou, durante a assembleia, que caciques e professores têm sido alvo de ameaças sistemáticas. Há tensão no território mesmo após a desintrusão oficial. O dilema Munduruku é um microcosmo do desafio nacional. Em 27 de setembro de 2025, o Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou, por unanimidade, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709.

Ajuizada em 2020 pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a ação foi o motor que forçou o Estado a agir contra invasores em terras indígenas durante a pandemia de covid-19. A ADPF 709 criou uma sala de situação para avaliar as operações e determinou desintrusões em terras pressionadas por invasões e crimes ambientais. Ao encerrá-la, o ministro relator, Luís Roberto Barroso, que deixou o posto no STF recentemente, avaliou: “O resultado das medidas adotadas pela União

<><> O desafio da desintrusão “permanente”

Desde 2023, o governo do presidente Lula deflagrou operações em nove territórios, protegendo, segundo dados oficiais, 58 mil indígenas em 18,7 milhões de hectares, com prejuízo estimado de R$ 740,6 milhões ao crime organizado — mais de 20 órgãos federais participaram das operações em estados como Rondônia, Pará, Maranhão, Roraima e Amazonas.

Na Terra Indígena Yanomami, epicentro da crise humanitária que marcou os primeiros meses do governo, como mostrou a Pública, os alertas de garimpo caíram 98% com 7.314 operações realizadas, 668 acampamentos inutilizados, 33 aeronaves e 212 embarcações destruídas e mais de 129 mil litros de combustíveis inutilizados.

Além da fiscalização, o governo aumentou em 169% o número de profissionais de saúde na região e distribuiu mais de 140 mil cestas de alimentos, 184 equipamentos para casas de farinha e 5 mil kits de ferramentas agrícolas.

A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, falou com franqueza sobre o tema durante uma entrevista à Pública. Quando questionada sobre como garantir que invasores expulsos de terras indígenas não retornem, especialmente em 2026, ano eleitoral, ela afirma ser difícil “prever isso”: “esses invasores brotam em tudo e em qualquer lugar”.

Para Guajajara, não se trata de um problema pontual, mas de uma infestação sistêmica, alimentada por décadas de omissão e pela fragilidade orçamentária que transforma a proteção territorial em uma batalha intermitente, dependente de decisões judiciais e da boa vontade de magistrados. A estratégia do MPI, ela diz, é transformar o que hoje é episódico em permanente, elevando a desintrusão de liminar judicial a política de Estado, com garantia de recursos no orçamento da União para um “processo de desintrusão permanente”.

A ministra, porém, entende que, com o orçamento “insuficiente”, a implementação dos planos de gestão territorial nas terras indígenas depende de uma costura complexa de fontes com envolvimento da cooperação internacional, fundos orçamentários e emendas parlamentares no Congresso. É uma arquitetura financeira difícil e que reflete a posição por vezes marginal da agenda indígena no jogo político brasileiro. Ainda assim, há avanços, avalia a ministra: “Alguns recursos já foram captados neste ano, alguns planos já estão sendo implementados”, garantiu.

Apesar dos esforços, a realidade no chão da floresta segue complexa de se administrar. A organização Rede Xingu+ afirmou em reportagem para o G1 Pará que, mesmo após uma das operações, invasões avançam em áreas antes intocadas na TI Trincheira Bacajá (PA), desintrusada em 2024. Agora, invasores abriram a “Estrada do Mogno”, uma via ilegal para a retirada de madeira e estabelecimento de pastagens. Há relatos de ocupantes armados que ameaçam os indígenas. Desmatamentos e novos ramais ilegais foram registrados mesmo após a operação de retirada, realizada por órgãos federais.

A própria Apib, autora da ação no STF, já havia alertado à Corte em maio sobre falhas nos planos de “pós-desintrusão”, apontando a falta de presença contínua de órgãos fiscalizadores e de ações efetivas de recuperação ambiental nos territórios. Para os indígenas Mêbengôkre-Xikrin, da Trincheira Bacajá, a solução seria a retomada imediata das ações de fiscalização, a destruição dos ramais ilegais e a criação de bases de proteção permanentes dentro da TI, especialmente nas áreas que ficaram de fora da operação inicial. Sem a ação judicial da ADPF 709 em vigor, o receio é que os casos de reocupação e crimes ambientais se ampliem, colocando em risco a integridade da terra indígena e a segurança dos indígenas.

No caso da TI Munduruku, por exemplo, um Plano de Proteção Territorial, com consultas previstas, foi prometido para o início de novembro, e a instalação de uma Mesa de Diálogo Permanente é o próximo capítulo, segundo informações obtidas pela reportagem. A mesa, pactuada durante a 5ª Assembleia, será destinada à elaboração de protocolos, estratégias e medidas de proteção dos defensores de direitos humanos Munduruku, considerando especificidades locais. A medida responde às Medidas Provisórias estabelecidas em favor dos Munduruku e também dos povos Yanomami e Ye’kwana, por meio da Resolução de 1º de julho de 2022 no âmbito da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Enquanto o governo celebra o fim da ADPF 709, as operações sigilosas seguem em andamento até o fim do ano, pelo menos. “Os conflitos estão longe de terminar. Apenas mudamos de fase”, explicou uma fonte familiarizada com o tema a caminho de outra fase de desintrusão no território Uru-Eu-Wau-Wau em Rondônia. A questão que permanece é se o Estado brasileiro será capaz de manter a presença necessária para que a desintrusão seja uma virada definitiva na proteção indígena.

 

Fonte: Mongabay/IHU/Agencia Publica

 

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