Como
camisinhas ajudaram a estudar cigarras na Amazônia
Conhecidas
pelo som característico que produzem, as cigarras são um grupo de insetos que
abrange mais de três mil espécies diferentes espalhadas pelo mundo.
Mas uma
espécie típica da Amazônia, a Guyalna chlorogena, chama atenção por um
comportamento curioso: ela constrói pequenas torres de argila misturada com
urina ao sair do solo.
Segundo
Pedro Pequeno, professor e pesquisador do Instituto Serrapiheira e do Instituto
Nacional de Ciência e Tecnologia SinBiAm (INCT-SinBiAm), as cigarras passam a
maior parte da vida debaixo da terra, se alimentando da seiva das raízes.
Quando
estão na fase final da vida, já saindo do solo para fazer a metamorfose e
virarem adultos, é que esses insetos constroem as torres.
"As
torres vão aumentando gradualmente, noite após noite, elas [as cigarras] vão
construindo aos poucos, durante alguns meses", detalha.
Apesar
das torres serem relativamente conhecidas na região amazônica, Pequeno diz que
a função delas era desconhecida.
E isso
intrigou um grupo de brasileiros que fazia um curso na Amazônia.
"Desde
o início, nas trilhas exploratórias, as torres da cigarra chamaram muito a
nossa atenção, elas pareciam uma vila de fadas que saía do chão. E o que era
mais curioso é que não tinha nenhuma explicação para isso", conta a
bióloga Marina Méga, doutoranda da UFRJ que fazia parte do grupo.
Afinal,
qual a finalidade dessas torres?
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Hipóteses
Duas
hipóteses foram elaboradas pelos pesquisadores.
A
primera era que essas estruturas serviam como um mecanismo de proteção e defesa
das cigarras, diminuindo o risco delas serem vítimas de um predador no período
de ninfa.
"Porque
quando chega nessa fase de metamorfose, a cigarra sai, emerge e faz essa troca
de pele para assumir a forma adulta, mas esse processo é demorado, e quando ela
faz isso, ela fica grudada ali na parte de fora da torre, imóvel. Se aparece
algum predador ali, ela morre", explica Pequeno.
O fato
da torre ter em sua composição a urina também levantou a possibilidade de
servir como uma espécie de repelente para inibir os predadores.
A
segunda hipótese é que as torres permitiam trocas gasosas para que as cigarras
pudessem respirar dentro das estruturas.
"O
solo é um ambiente com pouco oxigênio e muito dióxido de carbono, então esses
bichos pequenos que vivem no solo, eles naturalmente passam por uma adaptação
para lidar com essa situação", explicou Pequeno.
Para
testar essa hipótese surgiu uma ideia inusitada: usar camisinhas para vedar as
torres.
"A
gente olhou para as torres, achou o formato um pouco peculiar. E assim, em um
tom de brincadeira, uma das minhas colegas sugeriu a gente usar os
preservativos", contou Marina Méga.
A ideia
era simples: se a torre servisse realmente pra troca de gases, a tendência era
que o preservativo inflasse com o gás carbônico que estivesse saindo dali,
pelos pequenos poros da argila.
E foi
exatamente isso o que aconteceu.
"O
preservativo começou a inflar e a gente viu que havia algum tipo de troca
gasosa. A gente ficou eufórica. Começou a comemorar, a cantar. Enfim, a gente
teve esse momento de muita felicidade. Foi uma vitória, porque a gente estava
em um ambiente inóspito, com relativamente poucos recursos", lembra a
bióloga.
Após o
teste, a equipe de pesquisadores encomendou cerca de 40 preservativos para
confirmar a hipótese das trocas gasosas e fez outros experimentos com iscas de
formigas pra verificar se as torres também serviam para as cigarras se
protegerem de predadores.
No fim,
as duas hipóteses se mostraram verdadeiras.
"Na
perspectiva científica, é algo que preenche lacunas do que a gente já tem, do
que a gente sabia. A gente sabia pouco sobre essas estruturas, tinha uma
perspectiva mais morfológica, estudos mais observacionais, mas nenhuma hipótese
era realmente testada sobre essas funções. E as funções dessas estruturas podem
aumentar a sobrevivência das cigarras, e isso tem toda uma importância
biológica", destacou Ména.
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Maior torre de cigarra já vista no mundo
Acredita-se
que nem todas as espécies de cigarras construam essas torres. Mas, há registro
de ao menos um tipo desse inseto em cada continente, segundo Pequeno.
No
entanto, o que chama atenção nas torres estudadas em Manaus é o tamanho.
Durante os experimentos na Amazônia, os pesquisadores encontraram uma torre de
47 centímetros, a maior já vista no mundo.
"As
torres amazônicas são muito maiores do que todas as outras que temos
documentadas. Geralmente, as torres que chegam a 8, 10, no máximo 12
centímetros, eles não passam muito disso. E as que a gente observou em Manaus,
isso já era descrito na literatura, podiam chegar até 40 centímetros. E aí,
andando lá, a gente encontrou torre de quase 50 centímetros", afirmou
Pequeno.
Os
resultados dessa descoberta na Amazônia, que foi feito de forma inusitada, deu
origem a um artigo científico que, segundo Pequeno, deve ser publicado em
breve.
"Entender
funções de estruturas biológicas é útil porque grande parte do que a gente faz
no mundo é imitando estruturas biológicas. Frequentemente nós, pesquisadores,
estamos tentando imitar o processo natural que já existe de forma extremamente
eficiente. Se a gente conseguir entender como as torres de cigarra funcionam,
isso pode trazer inúmeras implicações de trocas gasosas, controle térmico, por
exemplo."
Fonte:
BBC News Brasil

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