sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Manoel do Rosário: Argentina não resistiu às chantagens financeiras de Trump

O resultado oficial das eleições legislativas de 26 de outubro de 2025 confirmou o avanço do presidente argentino Javier Milei e de seu partido, La Libertad Avanza (LLA), que venceu com 40,6% dos votos. O peronismo (Fuerza Patria) obteve 31,6% dos votos.

No entanto, o peronismo resistiu. O principal bloco peronista (Fuerza Patria) manteve a maior bancada na Câmara dos Deputados (97 cadeiras) e no Senado (28 cadeiras), em contraste com os 93 deputados e 20 senadores do partido de Milei (La Libertad Avanza).

Alguns meses antes, em 7 de setembro de 2025, o peronismo havia conquistado uma vitória expressiva nas eleições legislativas provinciais de Buenos Aires. Os candidatos ligados ao governador de Buenos Aires, o peronista Axel Kicillof, obtiveram 47,28% dos votos, contra 33,8% do partido de Milei. O resultado decepcionante do partido de Milei na província (que concentra cerca de dois quintos do eleitorado nacional) foi considerado um prenúncio de sua derrota nas eleições legislativas nacionais. A vitória peronista, por sua vez, reforçou a posição de Kicillof como principal liderança da oposição.

A vitória do peronismo naquelas eleições provinciais nos faz perguntar: o que aconteceu desde então para que o cenário nacional mudasse de maneira tão expressiva?

Nas eleições deste domingo, desta vez não para o Legislativo Provincial, mas para o Nacional, os peronistas tiveram cerca de 41% dos votos em Buenos Aires, o mesmo percentual do partido de Milei.

A resposta mais importante é a chantagem de Donald Trump. O triunfo de Milei nas legislativas aconteceu após um episódio desconcertante de interferência internacional.

Em 14 de outubro de 2025, durante um encontro público no Salão Oval da Casa Branca com o presidente argentino, Donald Trump fez uma ameaça direta: se o La Libertad Avanza não vencesse as eleições legislativas, os Estados Unidos não seriam “generosos” com o país.

Tratava-se de uma coação constrangedora, pois amarrava o empréstimo crucial para o país ao resultado eleitoral favorável ao governo.

Essa manobra veio acompanhada de um aceno com um pacote de empréstimos e apoio financeiro que, somado a outros acordos, se aproximou da impressionante cifra de US$ 64 bilhões. Ou seja, para se ter uma ideia da importância de um valor desse para a Argentina, esse montante corresponde a quase 70% do custo total do governo federal argentino no ano de 2025.

– FMI: US$ 20 bilhões (Acordo preliminar aprovado em abril de 2025).

– Estados Unidos: US$ 40 bilhões (Pacote total que inclui uma linha de financiamento formalizada de US$ 20 bilhões e um segundo apoio de US$ 20 bilhões em negociação).

– Banco Mundial: US$ 4 bilhões (Novo empréstimo anunciado).

– Total Estimado: US$ 64 bilhões (Valor consolidado de novos empréstimos e negociações de alto valor em 2025).

Diante de uma economia profundamente vulnerável, com a dívida externa argentina atingindo um recorde de US$ 305,043 bilhões em setembro de 2025, essa manobra de Trump se tornou um checkmate.

A fragilidade econômica da Argentina é imensa. O país possui uma dependência acentuada do capital especulativo vindo dos EUA. Além disso, o sistema cambial argentino está atrelado aos empréstimos do FMI, que é controlado por Washington. Essa combinação criou um cenário de total exposição.

O próprio movimento dos mercados após o triunfo de Milei deixou claro o risco: caso o peronismo tivesse vencido, haveria uma fuga maciça de capitais e uma queda estrondosa nas bolsas argentinas, levando a uma crise financeira. Essa insegurança empurrou todo o setor econômico e produtivo para apoiar Milei, ou, no mínimo, para retirar qualquer apoio ao peronismo.

O desempenho do LLA foi classificado como “inesperado” pela imprensa internacional, pois as pesquisas mais recentes indicavam que a popularidade de Milei estava em queda e que o cenário seria “apertado”.

O resultado na província de Buenos Aires, onde o peronismo havia vencido por ampla margem semanas antes, foi um golpe duro e inesperado para o peronismo. No entanto, a aprovação de Milei, segundo a última Atlas Intel (Outubro/2025), estava em 40%, em linha com os votos recebidos. Isso sugere que o resultado poderia ter sido muito pior para o peronismo se a popularidade de Milei não tivesse caído tão dramaticamente nos últimos meses.

É um fato recorrente que a extrema-direita populista, por alguma questão metodológica ou de sub-representação, frequentemente fica fora do radar das pesquisas tradicionais e avança nas urnas. O resultado argentino reforça essa tendência, mostrando que o apoio a Milei era mais profundo do que os levantamentos de opinião conseguiam captar.

Embora o desempenho de Milei não seja inédito para um governo em meio de mandato, a votação ocorreu em meio a um escândalo que salpicou o principal candidato do LLA, José Luis Espert, que renunciou por investigação ligada ao narcotráfico, mas cujo nome permaneceu nas cédulas. Além disso, a eleição registrou a menor participação (68%) desde o retorno da democracia.

Apesar da derrota, o peronismo (Fuerza Patria) continua vivo. Ao somar-se a outros blocos de esquerda e de oposição, a situação argentina mostra que o peronismo ainda é uma força nacional, competitiva, capaz de organizar a resistência a Javier Milei e voltar ao poder nas próximas eleições nacionais.

A crise econômica é estrutural e só poderá ser solucionada através de um grande projeto nacional atrelado a um reposicionamento da Argentina no mundo. Para isso, precisará romper com a dependência excessiva dos Estados Unidos e promover a aliança com outros atores importantes da geopolítica, como China, Brasil, a ASEAN e outros.

A estratégia de Milei de derrubar a inflação por meio da “asfixia violenta do consumo interno” é vista por muitos analistas como insustentável.

A guerra cultural e ideológica na Argentina ainda está em aberto. O futuro do país e do peronismo dependerá da luta popular. Os próximos capítulos serão escritos pelas ruas.

¨      Sergio Ferrari: Vitória "pírrica" de Milei-Trump na Argentina

O governo de Javier Milei e sua força La Libertad Avanza venceram as eleições parlamentares de meio de mandato no domingo, 26 de outubro. Eles obtiveram 40,84% dos votos em todo o país, contra o peronismo-kirchnerismo, que chega a quase 35% dos votos.

A partir desses resultados (foi apenas uma renovação parcial do parlamento), o Fuerza Patria (peronismo-kirchnerismo) fica com 96 deputados (perde apenas 2 assentos); La Libertad Avanza, de Javier Milei, terá 93 lugares (+56); Províncias Unidas (peronismo das províncias e alguns governadores do Partido Radical) 17 deputados; o PRO (Proposta Republicana) do ex-presidente Mauricio Macri praticamente desaparece, pois perdeu 21 cadeiras, ficando com apenas 14 cadeiras. Os 25 deputados restantes representam grupos menores e regionais-provinciais. No Senado, Fuerza Patria terá 26 cadeiras; La Libertad Avanza, 19; o Partido Radical, 10; representantes provinciais, 10; Províncias Unidas, 5, e o agora quase desaparecido PRO terá escassos 5 assentos.

No entanto, apesar desse resultado aparentemente positivo para o governo, 6 em cada 10 eleitores NÃO APOIARAM OU RATIFICARAM as políticas de Javier Milei: seu projeto de dependência total do capital internacional e de desmantelamento do Estado Social.

A análise detalhada dos votos mostra que a vitória de Javier Milei não significa um crescimento real de seu eleitorado. Pelo contrário, La Libertad Avanza obteve 15 pontos a menos que em 2023. O aparente crescimento significa, acima de tudo, uma MUDANÇA DE VOTOS DE DIREITA do antigo PRO, de Mauricio Macri, para Milei. A força do ex-presidente Mauricio Macri desapareceu nessas eleições para se fundir e se integrar ao La Libertad Avanza. Isso significa que o projeto coincidente neoliberal de direita Milei-Macri atinge, hoje, um teto, com 40% do eleitorado.

O resultado das eleições de domingo, 26 de outubro, também descreve uma oposição ainda fraca que não conseguiu atrair o eleitorado com uma PROPOSTA DE GOVERNO ALTERNATIVA E COERENTE. Atualmente, nem o peronismo-kirchnerismo, com seus quase 35% dos votos, nem as Províncias Unidas, a terceira força em nível nacional, com pouco mais de 7% dos votos, conseguem se tornar um projeto alternativo de convocação. Provincias Unidas é uma nova criação de 6 governadores (incluindo Córdoba e Santa Fé, importantes distritos eleitorais), em sua maioria peronistas, embora com algum ingrediente do antigo Partido Radical, outra força que nessas eleições quase desapareceu do espectro político.

Em termos reais, nessa nova etapa, Milei NÃO TERÁ MAIORIA nem na Câmara dos Deputados nem na Câmara dos Senadores, obrigando-o a negociar com as forças provinciais para legislar. O que conseguiu foi superar a porcentagem necessária para impedir que o parlamento vetasse leis e decretos do presidente. Nesse sentido, institucionalmente, Milei sai fortalecido após essas eleições de meio de mandato.

É impossível não contabilizar o altíssimo custo econômico que sustentou a vitória eleitoral de Milei. Como aponta o analista Felipe Yapur, em um comentário na madrugada de segunda-feira, 27 de outubro, no jornal Página 12, a vitória de Milei "foi garantida com um aumento líquido da dívida externa de 40 bilhões de dólares enviados a ele pela Casa Branca. Por enquanto, ele superou o primeiro obstáculo, o eleitoral". Refere-se ao valor que Trump e seu secretário do Tesouro prometeram a Milei nas últimas quatro semanas para garantir alguma estabilidade financeira diante dos sinais óbvios de uma crise sem retorno com risco de surto explosivo. A Argentina sai dessas eleições parlamentares com um aumento sem retorno de sua já colossal dívida externa. 

As eleições de 26 de outubro nos lembram que os processos políticos são e continuarão sendo lentos, têm ritmos próprios, são atravessados por contradições e múltiplas surpresas. Os tempos históricos não têm muito a ver com as próprias ansiedades individuais de ser um ator de mudanças. Nada é linear no caminho dos povos. Tudo é complexo e dialético. Hoje, 27 de outubro, a imprensa internacional nos informa sobre a "surpresa" argentina. No entanto, desde uma perspectiva estratégica, de médio e longo prazo, o que a imprensa internacional esta manhã apresenta como a grande vitória de Milei é nada mais nada menos do que uma pequena vitória de Pirro. Pode doer, mas não paralisa.

¨      Colônia dos EUA? argentinos refletem sobre o futuro após vitória de Milei, apoiado por Trump

Cartazes da oposição espalhados por Buenos Aires antes das eleições de meio de mandato de domingo mostravam o nome do presidente Javier Milei estampado sobre uma bandeira dos EUA, numa tentativa de explorar o sentimento anti-americano devido à suposta interferência de Donald Trump nas eleições argentinas.

Dias antes da votação, o presidente dos EUA anunciou um pacote de ajuda de US$ 40 bilhões para seu homólogo argentino, mas alertou que, se Milei não vencesse, retiraria seu apoio.

Apesar do que foi descrito como o ponto mais baixo de seus quase dois anos no poder – com uma recessão econômica e alegações de corrupção – Milei venceu por uma ampla margem: cerca de 41% a 32%, algo que as pesquisas de opinião não haviam previsto.

Com esse resultado, o partido do presidente, La Libertad Avanza, passou de ter uma presença modesta no Congresso para obter a maioria quando somado às cadeiras do PRO, partido de centro-direita do ex-presidente Mauricio Macri, que já era aliado de Milei.

A vitória esmagadora – que até o presidente admitiu tê-lo surpreendido – deixou muitos se perguntando se o resultado reflete um apoio genuíno a Milei ou se foi meramente o resultado do que muitos consideraram uma chantagem econômica de Trump.

“Sei que o resgate financeiro dos EUA trará alguma estabilidade, mas também sei que, se os EUA tiverem que soltar a mão em algum momento, eles soltarão”, disse Agustín Cantilo, um corretor de 30 anos que mora em Tigre e votou duas vezes no partido de Milei.

“Se há um partido em que eu jamais votarei na minha vida, é o Peronismo; dito isso, o que mais importa para mim agora é a estabilidade”, acrescentou. “Milei está resolvendo os problemas macroeconômicos que importam aos argentinos: baixa inflação, um dólar estável… Nunca tivemos estabilidade econômica.”

Após implementar cortes profundos nos gastos com sua chamada política da "motosserra", Milei reduziu a inflação de mais de 200% ao ano para cerca de 30%. Embora esse valor ainda seja alto para os padrões globais, a inflação caiu para um nível que a Argentina não via há anos.

Por outro lado, sua política de queimar reservas em dólares para manter o peso sobrevalorizado já levou o Fundo Monetário Internacional a emprestar US$ 20 bilhões em abril (dos quais US$ 14 bilhões já foram desembolsados) e ao recente resgate financeiro dos EUA .

O aumento das importações está afetando gravemente a indústria e o comércio locais da Argentina. Desde que Milei assumiu o cargo em dezembro de 2023, o poder de compra da população caiu drasticamente, os salários reais diminuíram, mais de 200 mil empregos foram perdidos e cerca de 18 mil empresas fecharam as portas.

Para Hernán Letcher, diretor do Centro de Economia Política Argentina (CEPA), o resultado da eleição foi uma surpresa não só porque as pesquisas de opinião não o previam, mas também porque, “quando se olha para os indicadores sociais, nenhum deles apresentou, nem jamais apresentou, um desempenho positivo”.

“Costumamos dizer na Argentina que um dólar barato ganha eleições”, acrescentou.

Letcher também atribuiu o resultado à queda da inflação, ao medo de retornar a um passado de profundas crises econômicas e ao “anti-peronismo”.

“Grande parte da sociedade tem uma visão muito estigmatizada do peronismo”, disse Letcher, referindo-se ao movimento político que surgiu sob a presidência do general Juan Domingo Perón, que governou a Argentina por três mandatos.

Segundo o sociólogo Juan Gabriel Tokatlian, a campanha de Milei conseguiu disseminar a ideia de que, caso ele não vencesse, a economia entraria em colapso. “Isso gerou uma espécie de pânico entre muitas pessoas que não querem outra desvalorização, que sabem que o custo é extremamente alto e, portanto, preferiram evitar um cenário catastrófico”, afirmou.

Tokatlian observou que, dentro do peronismo, havia alguma esperança de que a interferência de Trump pudesse ter um efeito contrário ao desejado, como aconteceu nas eleições do Canadá e no Brasil, onde as tarifas impostas pelo presidente dos EUA acabaram por impulsionar a popularidade de Luiz Inácio Lula da Silva.

“Mas no Canadá e no Brasil, essas foram reações causadas pelas medidas punitivas de Trump. Aqui na Argentina, no entanto, ele foi generoso… e para alguns – não muitos, mas para alguns – esse apoio foi pelo menos a garantia de que não haveria uma crise econômica catastrófica”, disse Tokatlian.

Aquiles Ferrario, de 82 anos, dono de uma livraria no centro de Buenos Aires especializada em livros importados de arte e design, votou no peronismo no domingo e disse achar “quase inacreditável que nosso povo tenha votado mais guiado pelo medo do que pela fúria contra um governo que não hesita em cometer, disseminar e promover as atitudes mais atrozes”.

“O que me preocupa é o futuro dos nossos filhos, netos e sucessores – que eles possam acabar vivendo abertamente em uma colônia dos EUA, o que acredito ser o status que corresponde a um país cuja política econômica e geopolítica depende inteiramente dos EUA e de uma figura como Donald Trump ”, disse ele.

¨      Tensão cambial continua na Argentina apesar da vitória governista

A vitória da legenda governista, Liberdade Avança, nas eleições legislativas da Argentina, celebrada como demonstração de força política do atual presidente Javier Milei, não dissipou as incertezas sobre o rumo da taxa de câmbio, que já pairava antes do pleito.

Apenas 48 horas após o resultado eleitoral, o dólar voltou a superar a marca de 1500 pesos, enquanto o câmbio no mercado atacadista encostou no teto da banda de flutuação acordada com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Na segunda-feira (27/10), o dólar saltou de 1320 para 1450 e chegou a 1505 pesos nesta terça (28/10), antes de recuar levemente.

Segundo reportagem da Página 12, a reação imediata dos mercados, de bancos de investimento e de poupadores indica que, para os agentes financeiros, a cotação atual permanece artificialmente baixa.

Relatórios do Morgan Stanley, JP Morgan, FMI e Tesouro dos EUA convergem na recomendação de que o câmbio do país seja ajustado. O Morgan chegou a estimar que, com o resultado eleitoral favorável ao governo, o “valor lógico” da moeda seria 1700 pesos, aponta o texto.

Em meio às flutuações cambiais, o ministro da Economia, Luis Caputo, partiu para o ataque contra as forças políticas do país. Ele publicou uma mensagem nas redes sociais insistindo na defesa de seu plano econômico e atacando o kirchnerismo, ao mencionar o chamado “Risco Kuka”.

“Mais do que nunca nesta eleição, o risco Kuka era evidente. Já estava claro em agosto de 2019, quando Macri perdeu as primárias por uma ampla margem. Mas se alguém tinha alguma dúvida, não há mais”, escreveu.

Ele afirmou ainda que os investimentos no país dependem da eliminação dessa possibilidade: “a alternativa política não pode mais ser o kirchnerismo/comunismo. Nenhum país sério oferece tamanha volatilidade política.”

Caputo também disse que abandonar o esquema de bandas cambiais significaria questionar todo o seu programa econômico. Conforme explica Página 12, o sistema de câmbio com piso e teto é a base da política que manteve a inflação em desaceleração nos últimos meses, porém, isso exige que o Estado evite acumular reservas.

Este é ponto de conflito entre o governo Milei e os Estados Unidos/FMI, que o pressionam a recomprar dólares para reduzir a vulnerabilidade cambial. O governo argentino, no entanto, recusa-se a acumular reservas para que os preços não disparem.

Segundo o jornal argentino, quando o Tesouro norte-americano completar a operação de conversão dos pesos adquiridos, poderá recuperar mais de US$ 2,1 bilhões, o que tende a adicionar ainda mais pressão na moeda.

 

Fonte: Brasil 247/The Guardian/Opera Mundi

 

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