Kim
Kataguiri: Bolsonaro deve cumprir pena na cadeia e ir ao hospital quando
necessário
Uma
década após o Movimento Brasil Livre (MBL) surgir, alavancado pelas
manifestações pró-impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e em defesa
do liberalismo econômico, um de seus fundadores afirma que o grupo passou
"por uma mudança de visão ideológica". Hoje deputado federal e
prestes a lançar oficialmente um partido próprio com vistas a disputar a
Presidência em 2026, Kim Kataguiri (União Brasil) afirma que mudou sua visão
sobre as privatizações. "Aquilo que é público, que funciona bem, não precisa
ser privatizado", diz à BBC News Brasil de seu gabinete em Brasília, com
bonecos de animes, mangás e outros bibelôs que fazem referência à cultura
nipônica espalhados pelas prateleiras.
LEIA A
ENTREVISTA:
• O MBL foi um dos apoiadores da
candidatura de Bolsonaro em 2018. No ano passado, o senhor chegou a dizer que
era da direita antibolsonarista, mas que aceitaria apoiar Bolsonaro ou estar ao
lado de Bolsonaro em uma eventual coalizão ou uma frente ampla contra Lula.
Kim
Kataguiri - Ao lado do Bolsonaro? Não foi isso que eu disse. Eu disse, na
verdade, que poderia ser um candidato que fosse bolsonarista, mas não o
Bolsonaro.
• O senhor não apoiaria Bolsonaro se ele
não estivesse inelegível?
Kataguiri
- Em nenhuma hipótese.
• E se fosse o deputado Eduardo Bolsonaro?
Kataguiri
- Ninguém da família.
• Nem se fosse em uma frente ampla para
derrotar o presidente Lula?
Kataguiri
- Não. Anularia o voto de novo.
A
família Bolsonaro é um projeto hegemônico de poder e que só está preocupada com
si própria. Não está preocupada com o país. O Bolsonaro permitiu que o Supremo
tivesse esse superpoderes. A gente acabou de aprovar o fim das decisões
monocráticas [para ministros do Supremo Tribunal Federal]. Na legislatura
passada, Bolsonaro, a pedido do [ministro do Supremo, Dias] Toffoli, vetou. [O
veto foi] para trancar as investigações sobre dinheiro do [senador] Flávio
Bolsonaro, que estavam avançando e que só foram suspensas por causa de uma
decisão do Supremo, capitaneada pelo Toffoli, para suspender todas as
investigações envolvendo compartilhamento de informação entre a Receita e o
COAF [Conselho de Controle de Atividades Financeiras]. E aí, nessa esteira,
primeiro ele acaba com a Operação Lava Jato, nomeando Augusto Aras para PGR
[Procuradoria-Geral da República]. Aras acaba não só com a Lava Jato, mas
proíbe o modelo de força tarefa da Lava Jato para qualquer outra operação.
Todos os corruptos, tanto do centrão, como do PT, das esquerdas, são soltos
dentro dessa esteira. O voto do ministro [do Supremo] Kassio Nunes foi
fundamental para que o Lula pudesse utilizar as provas ilegais da Operação
Spoofing na sua defesa e, portanto, tivesse os seus direitos políticos devolvidos.
Depois, teve a anulação também com o voto do Kassio, da delação do [Antonio]
Palocci. E por aí vai... Bolsonaro perdeu a oportunidade de fazer um governo de
fato de direita e coerente. Ele perdeu essa oportunidade traindo os próprios
valores, traindo o próprio eleitorado e traindo as próprias promessas de
campanha. Bolsonaro pegou o país com o Lula preso, inelegível, com o PT
impopular, eu ia fazer campanha na rua, o PT escondia o vermelho, escondia a
estrela. E conseguiu entregar um país, primeiro, sendo o primeiro presidente da
República a perder uma reeleição. Nem a Dilma, que entregou um péssimo governo
com a pior crise econômica da história do país, pior do que a da pandemia,
perdeu a reeleição.
• Mas que tipo de promessa ele fez e não
cumpriu?
Kataguiri
- Principalmente no combate à corrupção. Em vez de fortalecer o enfrentamento,
ele afrouxou para proteger a si próprio e à própria família com afrouxamento da
Lei de Improbidade Administrativa, com a tentativa de aprovação da mudança de
composição do Conselho Nacional do Ministério Público, da PEC da Impunidade,
com a mudança do diretor da Polícia Federal, o superintendente da Polícia
Federal do Rio de Janeiro, também para blindar o Flávio. Então, a promessa dele
do enfrentamento à corrupção acabou a partir do momento em que ele precisou
blindar o filho de uma investigação. E aí ele vendeu o país inteiro em troca
dessa blindagem. Do ponto de vista econômico, eu perdi a conta de quantas e
quantas vezes Paulo Guedes e Bolsonaro mandaram o projeto para a Câmara dos
Deputados para furar o teto, incluindo essa última "PEC kamikaze",
que criou um rombo de R$ 150 bilhões no ano eleitoral para ele desesperadamente
despejar dinheiro e tentar vencer as eleições, que é, mais uma vez, no eixo do
liberalismo também. Eu me lembro que Paulo Guedes falou: "Reforma
tributária, vou mandar semana que vem" [para ser votada no Congresso].
Fiquei dois anos esperando. A reforma administrativa, quando veio, foi sem
membro de poder. Então eu vou reformar o funcionalismo público inteiro, mas vou
deixar juiz de fora, vou deixar promotor de fora, deputado de fora, senador de
fora? Esse não era o governo que ia acabar com a mamata? Eu fui presidente na
Comissão de Educação em 2022, e vou falar um bastidor aqui para você que eu nunca
falei publicamente. O próprio Bolsonaro ligou para o líder do meu partido na
época [deputado Elmar Nascimento, União Brasil-BA], falando que não era para
ele me indicar para presidência da Comissão de Educação, porque estava cheio de
escândalo na educação, e ele sabia que eu ia convocar o ministro sim, e que eu
ia ordenar investigação, sim. E o líder do meu partido falou "Olha, o Kim
não tem cargo no governo, não recebe emenda do governo, presidência de comissão
é espaço do partido, não é espaço do governo Bolsonaro", e manteve a minha
indicação.
• Acha que o julgamento dele por golpe de
Estado foi justo?
Kataguiri
- Eu acho que ele tentou de fato dar um golpe de Estado. E de uma maneira
bastante rocambolesca, porque ele vai lá, imprime a minuta de golpe na
impressora do Palácio do Planalto, pega ela sem saber a opinião dos comandantes
das armas, submete aos três comandantes e só não leva em frente porque o
comandante do Exército o ameaça prender se levasse o plano em frente. Então a
gente esteve a um sim — o sim do comandante do Exército — de ter um golpe de
Estado. Agora, que o julgamento do Supremo teve uma série de vícios
processuais, isso eu não tenho a menor dúvida. Primeiro, você começa com o
próprio foro. Só existem duas teses possíveis, e o Supremo inventou uma
terceira. A primeira, que eu defendo, porque é a que está prevista na
legislação, que diz que tem foro quem tem mandato. Então, o Bolsonaro devia ter
sido jogado na primeira instância. Mas tem o outro entendimento jurisprudencial
da época do Mensalão, de que, por ter foro à época [do crime] e por envolver um
caso de grande repercussão nacional, isso seria julgado pelo Supremo. Se a
gente for seguir a jurisprudência do Mensalão, ele deveria ter sido julgado
pelo plenário e não por uma turma. Outro ponto é que, ao final do inquérito, a
defesa não teve acesso ao inquérito para preparar a resposta da acusação. E aí,
quando é oferecida denúncia e aberto já o prazo de resposta à acusação, é que o
inquérito foi disponibilizado, no que a gente chama de data dumping: quando a
acusação joga uma quantidade de dados, salvo engano eram 60 terabytes, uma coisa
grotesca que demoraria alguns milhares de anos para você analisar tudo para
apresentar a resposta da acusação.
Acho
que o Supremo atropelou o processo.
• Acha que ele deveria cumprir a pena na
cadeia? Ou deveria ficar em casa?
Kataguiri
- Deve ir para a cadeia, sim.
• Mesmo com a idade avançada e com
questões de saúde?
Kataguiri
- Só se for inevitável que ele tenha um cuidado de saúde constante, o que não
me parece ser o caso agora. Parece que ele tem problemas graves, mas pontuais,
em que ele pode sair do presídio para ir ao hospital.
• Se arrepende de ter ajudado o Bolsonaro
a chegar ao poder?
Kataguiri
- Eu fiz voto útil no Bolsonaro no segundo turno. Acho que com as informações
que eu tinha à época, eu não tomaria outra decisão. Claro que, vendo agora em
retrospecto, sabendo tudo que o governo Bolsonaro fez, fica mais fácil.
Claro
que se eu pudesse ver o futuro, aí sim eu não apoiaria. A gente considerou que
no segundo turno, minimamente ele cumpriria aquilo que estava dizendo. E não
foi o que aconteceu, né?
• O governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas (Republicanos), tem sido apontado como o candidato da direita para o
ano que vem. O senhor já chegou a dizer que ele era o nome mais forte da
direita. Ainda acha isso?
Kataguiri
- Não agora. O único nome que eu apoio é Renan Santos.
• E como vai ser? O senhor vai sair de um
partido grande para um iniciante, sem fundo eleitoral nem tempo de TV. Como é
que vai ser essa campanha?
Kataguiri
- Vai ser uma campanha baseada em militância, em propósito, como os partidos
deveriam ser. Deveriam ter programa, pessoas que acreditam naquele partido, que
trabalham voluntariamente para ele, como de fato sempre foi o MBL.
Infelizmente, a gente não conseguiu ter um partido antes, porque no Brasil
todas as barreiras são feitas para não ter novos partidos, não ter novos
concorrentes. Para mim, seria muito mais confortável estar no União Brasil com
o tempo de TV, com R$ 2,5 milhões para fazer campanha. Agora, não é um projeto
que eu acredito e eu não estou na política para me perpetuar no poder. Eu estou
para cumprir uma missão.
• O MBL surgiu há uma década, o senhor
tinha 19 anos. Ainda existe essa militância do MBL?
Kataguiri
- Com certeza. É cada vez maior. A gente passou pelo nosso momento mais difícil
em 2019, quando passamos a fazer oposição firme ao bolsonarismo. E dali
tentaram nos destruir em todos os sentidos.
• De que maneira?
Kataguiri
- Primeiro, fomentando campanhas para as pessoas pararem de nos seguir, para as
pessoas chamarem a gente de traidor, de comunista e colocando operação do
Ministério Público contra a gente, fazendo busca e apreensão no Movimento
Brasil Livre, ordenando prisão preventiva que no final das contas, uma denúncia
que era de lavagem de dinheiro de R$ 200 milhões pelo super chat do YouTube,
virou denúncia por tráfico de influência para nomear um cargo comissionado no
governo [de João] Dória, do qual a gente fazia oposição também.
Investigações
do procurador-Geral da República contra mim por contratar um estudo da Fipe
[Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas] sobre licenciamento
ambiental. A nomeação do Augusto Aras
para PGR, do Kassio Nunes para o Supremo Tribunal Federal, o afrouxamento da
Lei de Improbidade Administrativa, a tentativa de aprovar a PEC da Impunidade,
que depois foi reformulada agora como PEC da Blindagem, a tentativa de aprovar
a PEC para mudar a composição do Conselho Nacional do Ministério Público e
perseguir promotores.
• Somente neste ano, o senhor destinou R$
16 milhões em emendas parlamentares para a saúde pública. O senhor ainda
defende a privatização do SUS?
Kataguiri
- Na verdade, a maior parte do SUS já é privado, né? A maior parte dos
hospitais que atendem o SUS são entidades que foram fundadas por caridade e que
depois foram incorporadas ao Sistema Único de Saúde, mas que não tem gestão
nomeada pelo Estado. São muitas Santas Casas. Um dos melhores hospitais
públicos que eu considero, o Hospital de Base de Rio Preto, também é um
hospital privado. É um serviço público, claro, mas a gestão é privada. Acho que
não é bem a privatização do SUS que é a discussão. A discussão é sobre o modelo
de gestão do SUS, que para mim é um absoluto fracasso. Agora, existem muitas
instituições dentro do SUS que fazem um trabalho sério, que prestam um bom
atendimento, que têm pesquisa de ponta. Eu costumo dizer que o Brasil tem três
áreas que orgulham o país em relação ao mundo e que estão na fronteira do
conhecimento: a pesquisa agropecuária da Embrapa, a aviação, com o ITA
[Instituto Tecnológico de Aeronáutica] e a Embraer, e a medicina da USP
[Universidade de São Paulo], que está na fronteira do conhecimento em relação a
outras pesquisas na área da Medicina no mundo.
• Vou perguntar novamente, porque essa era
uma defesa do MBL em 2019. O senhor é a favor da privatização do SUS?
Kataguiri
- Não, porque a discussão não é essa. Há muitos anos que a gente defende uma
mudança no modelo de gestão do SUS. E que há hospitais estatais que precisam
ser passados para a iniciativa privada, não tem a menor dúvida disso. Agora, há
outros hospitais que não precisam, que funcionam bem. Tem o HC [Hospital das
Clínicas] da Unicamp [Universidade Estadual de Campinas], tem o HC da USP.
Existem instituições públicas que funcionam. As que funcionam, não tem por que
mexer. As que não funcionam, se não for possível fazer um choque de gestão para
que permaneça público e funcione, que seja privatizado.
• O senhor disse neste ano que Lula não
seria candidato, porque ele não queria, na sua visão, ser lembrado pela
derrota. As pesquisas hoje mostram ele consolidado na frente. O senhor errou
nessa avaliação?
Kataguiri
- Não. Eu continuo fazendo essa avaliação.
• Acha que ele não vai ser candidato?
Kataguiri
- Acho que é mais provável que ele não seja do que seja. Primeiro, por ele
sentir que a esquerda e o próprio PT já estão pensando no pós-Lula, e por não
verem, no médio e longo prazo, perspectiva de poder dele mesmo, porque ainda
que ele dispute as próximas eleições, ele não vai disputar mais depois.
Ele vai
se aposentar, já vai estar com uma idade avançada demais para continuar
comandando o PT. O PT sempre teve a estratégia, e a estratégia do ponto de
vista político correta, de ser cabeça de chapa, de impor a marca do partido, de
participar de todos os debates. Ele passou a relativizar isso, tanto nas
eleições de 22, como nas eleições de 24. Na cidade de São Paulo, por exemplo,
pela primeira vez na história, o PT não teve candidato, apoiou o [Guilherme]
Boulos [PSOL]. Se a gente fizer um paralelo do Lula com outros presidentes,
tanto o nível de rejeição, como o desempenho em pesquisas com esse nível de
antecedência, boa parte das pesquisas eleitorais são recall. É o quanto você
conhece aquele candidato. Naturalmente, aquele que está na cadeira [presidencial]
tem uma vantagem grande. Mas, fazendo um paralelo com outros presidentes no
mesmo período, ele não está bem. A gente não pode analisar a pesquisa eleitoral
de agora como se ela fosse refletir a pesquisa eleitoral de daqui a um ano.
Então, eu continuo com a minha avaliação de que o Lula está mais preocupado com
a sua biografia do que com o poder, e que, portanto, ainda que ele seja um
candidato competitivo, acho que ele não corre o risco de disputar a eleição do
ano que vem.
• O senhor acha que tem mais algum
candidato competitivo neste momento?
Kataguiri
- Renan Santos.
• Apenas um presidente foi eleito sem
antes passar por algum cargo eletivo antes, na história da democracia
brasileira. Por que acha que ele tem chance?
BBC
News Brasil - Primeiro, porque dentro da juventude, que é mais engajada
politicamente e que tem uma capacidade muito grande de virar voto, nós
proporcionalmente temos uma intenção de voto de 5%. E ele nem sequer lançou a
candidatura na rua. Não vejo relevância em ter ocupado o cargo eletivo
anteriormente, porque, por exemplo, o Lula não se tornou viável porque antes
ele tinha sido deputado. Lula se tornou viável porque ele disputou todas as
eleições majoritárias e colocou o time na rua. Ele ter sido deputado não foi
relevante. A mesma coisa com Bolsonaro. Ele ter sido deputado durante tantos
anos não foi o que garantiu a visibilidade para que ele fosse presidente da
República. [É] muito mais você colocar um projeto majoritário, muito mais você
ter um espírito do tempo que permita que sua candidatura tenha espaço com seu
discurso, que eu acho que é exatamente o nosso caso, de uma reforma radical na
economia e na segurança pública.
• O senhor acha que as pessoas conhecem
Renan Santos fora de São Paulo?
Kataguiri
- Hoje em dia, nem em São Paulo ele é bem conhecido. Mas o que já nos causa uma
boa surpresa é ele pontuar sem ter o lançamento da candidatura e sem ter um
trabalho para ele para que ele se torne conhecido.
• O senhor protocolou recentemente um
projeto de lei que criminaliza a apologia ao extremismo e ao terrorismo. Também
apresentou o projeto de lei Danilo Gentili, que prevê imunidade civil e penal
para qualquer pessoa que faça críticas, mesmo ofensivas a membro dos três
poderes. Por que um discurso deve ser criminalizado e o outro protegido?
Kataguiri
- Porque uma coisa não é um discurso. O que eu coloco no projeto do extremismo
é incitação à violência física contra um opositor político. Isso é uma coisa
que não se enquadraria na lei Danilo Gentili, porque ela trata principalmente
sobre injúria e sobre difamação, sobre ofensas a uma pessoa pública. Na minha
visão, aliás, injúria sequer deveria ser crime, como não é na maior parte dos
países desenvolvidos, é um ilícito civil. Se eu causo um dano à honra de uma
pessoa que me causa um dano material, eu posso exigir indenização, mas eu não
vou pedir prisão. Calúnia, eu fiz questão de deixar fora [do projeto de lei],
porque se uma pessoa imputa um falso crime a qualquer pessoa, ainda que seja o
parlamentar, isso é criminoso e deve continuar sendo. E do outro ponto, você
não vai poder incitar a violência física contra o parlamentar por causa da
legislação que eu estou propondo.
• Sobre os projetos do Missão, eles estão
focados na segurança pública e economia. O MBL nasceu defendendo o liberalismo.
Mudou um pouco isso nos últimos anos ou ainda é uma prioridade?
Kataguiri
- Mudou. Eu acho que a gente mantém algumas das políticas e das filosofias
liberais, mas em outros aspectos, eu, pessoalmente, mudei muito de opinião
depois de ler Roger Scruton, que é um autor conservador contemporâneo bastante
importante. Então acho que sim, teve uma mudança de visão ideológica.
• Mudou de opinião sobre o quê?
Kataguiri
- O pragmatismo em relação ao que é estatal e ao que é privado. Eu citei para
você a Embrapa como um dos exemplos de pesquisa que é referência para o mundo.
Não acho que a Embrapa tenha que ser privatizada. Aquilo que é público, que
funciona bem, não precisa ser privatizado.
• Essa é uma mudança grande...
Kataguiri
- Sim. A gente tinha uma visão de que, por parte do capital, não por parte da
execução, a iniciativa privada teria um papel preponderante. Hoje, a gente vê
que o papel do investimento público, apesar de defendermos a execução privada,
é muito importante.
• E quais são esses projetos na área de
economia e de segurança pública do Missão?
Kataguiri
- De segurança pública, a adoção do Direito Penal do inimigo, uma doutrina que
prega diferenciar duas categorias. Existe aquele cidadão que reconhece o pacto
social, a Constituição e o ordenamento jurídico, mas comete um erro e é punido
enquanto cidadão. Ele mantém todos os direitos e garantias fundamentais como um
cidadão brasileiro. E existe aquele que é subordinado a uma outra ordem, que
são as facções criminosas, que defendemos que sejam tratadas como um país
estrangeiro invadindo o nosso território. Eles têm território próprio, exército
próprio, hino próprio, sistema judiciário próprio. Eles têm leis próprias e,
portanto, não é que eles são cidadãos que cometem um erro e aí são punidos de
acordo com o nosso ordenamento. Eles não reconhecem o nosso ordenamento, eles
reconhecem um paralelo de outro Estado e, portanto, devem ser tratados como
inimigos do Estado, como inimigos da sociedade. E o processo penal tem que ser
compatível com isso. A gente defende uma literal - não retórica - declaração de
guerra ao crime organizado.
• Na prática, isso significa o quê?
Kataguiri
- Na prática, nós defendemos uma nova Constituição para que haja pena de morte
e prisão perpétua para faccionados. Em última análise, dependendo do nível de
hierarquia que eles estejam no crime organizado e da gravidade do crime, posso
chegar a essas duas penas. Em relação à economia, a gente precisa de uma
mudança profunda no nosso orçamento. Primeiro com desvinculação. O presidente
da República, o governador, o prefeito, ele precisa ter liberdade para manejar
o orçamento. Não faz sentido que tenha qualquer imposição constitucional do
quanto ele deva gastar em qualquer área. Hoje, existe a vinculação de saúde e
de educação, mas desde 1988 a gente gasta acima dessa vinculação na maior parte
das vezes. O orçamento discricionário é aquele para investimento, meio
ambiente, infraestrutura, Farmácia Popular, Capes, CNPq, Pé-de-Meia, enfim,
tudo está no orçamento discricionário. Como vários programas discricionários
vão perder espaço por causa do orçamento obrigatório, em vez da gente acabar
com as vinculações para que a maior parte do orçamento seja discricionário e o
presidente da República possa fazer políticas públicas de acordo com aquilo que
o elegeu, todo mundo agora quer ir para o orçamento obrigatório. Se nós formos
vincular na Constituição tudo o que o presidente da República deve gastar em
cada setor, a gente não precisa de presidente da República, deixa a
Constituição executando o orçamento automaticamente. É um debate extremamente
impopular, porque o discurso vai ser "ah, vocês querem gastar menos com
saúde, querem gastar menos com educação". A realidade dos municípios não é
a mesma. Tem municípios que têm uma população mais jovem, então precisa
investir mais em educação do que em saúde. No ano que vem, vai ser a primeira
vez que nós teremos um número de idosos superior ao número de jovens. A gente
vai ter que gastar mais com seguridade social, com saúde. E vai ter que gastar
menos com educação. O cobertor é curto e a gente precisa fazer decisões dentro
da nossa realidade orçamentária. [Outra proposta é ] um corte profundo de
privilégios, tanto da elite privada, como da elite pública. A gente tem pelo
menos R$ 15 bilhões de supersalários, principalmente de juízes e promotores,
mas também de benefícios acima do teto para deputados e senadores. Isso precisa
ser enfrentado, apesar de um lobby muito pesado. Não dá para a gente tirar
dinheiro do mais pobre da tributação do consumo, para pagar para um sujeito que
tem uma média de rendimentos de R$ 100 mil ao mês, quando o teto é de R$ 46
mil, e eu já acho que o teto é alto. Ao mesmo tempo, [cortar] os benefícios
concedidos para a elite privada com as renúncias fiscais.
• Essas propostas precisarão do Congresso
para serem aprovados. O Missão vai ter força para isso?
Kataguiri
- A melhor maneira de construir uma maioria fácil no Congresso Nacional é tendo
um programa popular, saindo forte das urnas, tendo uma boa eleição. A regra,
desde a Nova República até hoje, é que os presidentes tenham uma maioria
tranquila no primeiro ano de mandato. Por duas razões: primeiro, porque ele sai
legitimado, forte de um processo eleitoral. Segundo, porque o Congresso ainda
está desorganizado, tem novos parlamentares, muitos deles não se conhecem, as
lideranças partidárias começam a se formar, a eleição para a Mesa diretora da
Câmara acaba de acontecer. Acho que os nossos principais projetos, tanto de
economia como de segurança pública, têm que começar no primeiro ano e com uma
campanha forte. A parte de comunicação é nossa especialidade para que essas
pautas sejam populares, porque [colocado] em pauta, sendo popular, é muito
difícil um parlamentar aqui, mesmo se o governo não esteja pagando emenda,
mesmo se ele não tenha cargo no governo, é muito difícil ele votar contrário.
• O senhor já falou no passado que taxar
super-ricos "é coisa de socialista". Ao mesmo tempo, votou a favor da
ampliação da isenção do imposto de renda, que também aumenta a taxação dos mais
ricos, que ganham acima de R$ 600 mil por ano. O senhor mudou de ideia?
Kataguiri
- Não. Na verdade, apresentei uma emenda para que não houvesse esse aumento de
tributação. Primeiro, que é mentiroso o discurso do governo de que o mais rico,
que tem um rendimento de R$ 600 mil, R$ 700 mil ao ano, paga a alíquota de 2% a
8%, porque ele paga isso na [pessoa] física. Agora, na [pessoa] jurídica, que é
onde está concentrada a tributação no Brasil, ele vai pagar ali, somando IRPJ
[Imposto de Renda Pessoa Jurídica] e CSLL [Contribuição Social sobre Lucro
Líquido] de 24% a 34%, muito distante de 2% a 8% do que o governo está falando.
A tributação hoje já é suficiente. O que a gente precisaria, na realidade, é
diminuir a tributação sobre o consumo, que é regressiva e penaliza mais os mais
pobres, e não aumentar o sobre a renda. Na realidade, o pobre deveria pagar
menos na tributação sobre o consumo, e o rico não deveria pagar mais,
necessariamente. A alíquota efetiva hoje dos mais ricos já é superior aos
nossos a de países em desenvolvimento. Não faz sentido a gente tributar mais
desincentivando o investimento aqui no Brasil.
Fonte:
BBC News Brasil

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