O
capitalismo adora a competição, mas a natureza tem outras ideias, afirma
ambientalista
Os
economistas e líderes empresariais adotam um conceito distorcido de evolução:
as corporações e os sistemas sobrevivem, dizem, devido a vantagens competitivas
que os tornam superiores e capazes de dominar (ou destruir) sistemas, empresas,
pessoas e nações mais frágeis. Isto, argumentam, faz com que os sistemas
humanos sejam como a natureza. Os fracos desaparecem dos ecossistemas, ao passo
que os fortes persistem: a chamada “sobrevivência do mais apto”.
O
cientista cuja obra inspirou esse termo discordaria deles.
Dei uma
aula na New School, na cidade de Nova York, sobre a relação entre cultura e
meio ambiente. Como disse aos meus alunos, os defensores do capitalismo
utilizam a “sobrevivência do mais apto” e uma percepção incorreta da competição
no mundo natural para justificar a eliminação das redes de seguridade social
para as pessoas mais vulneráveis de nossa sociedade. Trata-se de uma
justificativa implícita, por exemplo, nas ações atuais do governo vigente.
Na
minha experiência, toda vez que alguém questiona se a competição deveria ser um
valor central - como no capitalismo -, as pessoas muitas vezes dizem: “É
natural! Basta olhar para a natureza!”.
E se
essa defesa do capitalismo como algo natural estiver equivocada e a competição
nunca ter sido a única forma de “sobreviver” ou ser “apto” em um ecossistema? O
que acontece se aqueles que interpretaram as teorias do naturalista Charles
Darwin e as aplicaram às sociedades e economias humanas simplesmente tenham
selecionado as partes da teoria que pareciam justificar sua agenda?
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Darwinismo social
Em
meados dos anos 1850, Darwin começou a observar e estudar como os organismos e
as espécies individuais encontram seu nicho. Quando um animal encontra seu
lugar e função em um ecossistema, escreveu, esse animal encontrou seu nicho.
Embora as espécies possam competir por um nicho, também podem se adaptar e
cooperar por um. Uma espécie é a mais apta quando um número suficiente de seus
membros encontra um nicho dentro do ecossistema em que vive. E quando um número
suficiente de membros encontra um nicho, Darwin explica esse processo como
“sobrevivência do mais apto”.
Nas
décadas posteriores à publicação do livro inovador de Darwin, A origem das
espécies, um grupo de pensadores ocidentais utilizou sua teoria da seleção
natural para tentar explicar a competição feroz e cruel na sociedade humana.
O
darwinismo social, conforme eles o definiram, sustenta que indivíduos, grupos e
povos estão sujeitos às mesmas leis darwinistas de seleção natural que as
plantas e os animais. Pensadores ingleses como Herbert Spencer defenderam esta
teoria, no final do século XIX e início do século XX, e segue ecoando hoje em
dia.
O
darwinismo social afirma que as classes altas competiram por ser aptas e
venceram o jogo da seleção natural. Sugere falsamente que certas classes
sociais são superiores e que a desigualdade social e a inação política são um
resultado natural da competição.
Não
deveria surpreender que os pensadores colonialistas europeus tenham utilizado o
darwinismo social para racionalizar a pressão por reformas progressistas.
Contudo,
tal justificativa se baseia em um mal-entendido e adulteração das observações
de Darwin, porque ele também havia observado o papel igualmente importante da
cooperação nos ecossistemas. A competição e a cooperação são naturais entre
todas as espécies.
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A cooperação como mutualismo
É
essencial não deturpar a dinâmica do ecossistema para justificar uma forma de
organizar a sociedade humana.
De
acordo com o estudo da ecologia, uma relação entre duas espécies em que ambas
se beneficiam da cooperação é conhecida como mutualismo. Esta relação confere a
ambas as espécies uma vantagem que de outro modo não teriam. O mutualismo é uma
cooperação biológica que permite a dois organismos melhorar suas chances de
êxito e reprodução no ecossistema.
Por
exemplo, os golfinhos precisam da ajuda do atum para encontrar os peixes
menores dos quais ambos se alimentam. Os ecólogos chamam isto de caça conjunta.
Em outro caso, os pássaros pica-bois comem os carrapatos da pele dos antílopes
impala africanos. O pica-boi se beneficia por ter uma refeição, e o antílope se
beneficia por ter menos carrapatos incômodos.
A
polinização é outro exemplo: os insetos transportam pólen de uma planta para
outra, ao mesmo tempo em que se beneficiam do néctar das flores em que pousam.
À medida que insetos como abelhas ou borboletas pousam nas flores para se
alimentar, também fertilizam as plantas com o pólen em seus corpos. O pólen é
transferido do estame para o estigma, o que permite a produção de flores e
frutos. Os insetos que polinizam especificamente as plantas em troca de
alimento são conhecidos como insetos benéficos.
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A cooperação como adaptação
Em A
origem das espécies, Darwin descreveu um processo em que certas espécies
prevaleceram sobre outras porque eram melhores na adaptação. Haviam cooperado
com outros organismos ou com fatores não vivos em seu ambiente para conseguir
sobreviver. Os ecólogos se referem à adaptação como o processo de mudar com o
tempo para que um organismo possa estar mais bem preparado para encontrar um
nicho e sobreviver no ecossistema. Quando o ecossistema muda ou desaparece
rapidamente, a espécie se vê obrigada a considerar uma nova cooperação dentro
do novo ecossistema.
As
primeiras e mais famosas descrições de adaptação feitas por Darwin foram seus
estudos dos animais das Ilhas Galápagos do Equador. Após observar as aves
locais, Darwin notou que o formato dos bicos dos tentilhões tinha se adaptado
ao longo do tempo para se ajustar ao formato do que estavam comendo: flores,
insetos, sementes e frutas.
Os
camelos também se adaptaram com êxito a um dos ecossistemas mais hostis: o
deserto quente e seco. Um camelo pode passar uma semana ou mais sem beber água,
o que significa mais do que a maioria dos animais consegue tolerar. Seus corpos
também conservam água ao não suar com o aumento da temperatura. Os camelos
também conseguem sobreviver vários meses sem comida porque armazenam gordura em
suas corcovas. No entanto, se o deserto seco se tornasse repentinamente frio e
úmido, um camelo não estaria preparado e se veria desafiado a se adaptar
rapidamente.
Alguns
animais se adaptaram aos seus ambientes como proteção contra os predadores. Uma
excelente maneira de evitar ser comido por um predador é se camuflar entre a
folhagem. Muitos insetos, como o louva-a-deus, evoluíram para se assemelhar às
folhas entre as quais vivem.
Ao
longo de milhares de anos, plantas e animais evoluíram para tolerar
perturbações repentinas ou condições persistentes em seus ambientes locais.
Todo organismo vivo faz parte de uma espécie que descobriu como prosperar
apesar das condições flutuantes do ecossistema. Adaptação significa que a
espécie precisa se redesenhar e se remodelar para encontrar um novo nicho em um
ecossistema em mudança. Para sobreviver, a espécie terá que encontrar um novo
propósito.
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Mudança climática: a falta de adaptação
As
mudanças rápidas em um ecossistema, como a mudança climática, são problemáticas
e não dão tempo para que humanos, animais e plantas se adaptem à mudança nova e
repentina em seu ecossistema.
Os
animais e as plantas se adaptam e cooperam, mas este não é um processo rápido,
e as mudanças adaptativas dentro de um ecossistema podem levar várias gerações
ou séculos. Uma espécie morre se não se adapta com rapidez suficiente, mas as
espécies que demonstrarem maior cooperação e adaptação terão uma enorme
vantagem ao enfrentar perturbações e desastres.
Para
levar a ideia de adaptação um passo além, eu argumentaria que nosso fracasso em
combater a mudança climática está enraizado em nossa incapacidade humana de nos
adaptarmos às condições que a causam. Nós nos adaptamos reconhecendo as
limitações dos ambientes em que vivemos e planejando consequentemente para não
explorar, consumir em excesso e poluir. Se pudéssemos nos adaptar às limitações
do que nossos ecossistemas conseguem tolerar - por exemplo, a quantidade de
carbono que nossa atmosfera pode tolerar -, teríamos uma chance maior de
sobrevivência.
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Competição e falsa escassez
As
espécies estão sempre competindo por um nicho, pois se esforçam pelo mesmo
lugar no ecossistema. A competição ocorre quando os organismos lutam pelo mesmo
nicho ou por um semelhante, pois não há um suprimento adequado de um recurso
limitado na mesma área. Por exemplo, chitas e leões se alimentam de presas
semelhantes (como impalas). Esses competidores também se matarão na luta pelos
recursos.
Quando
as espécies lutam por um nicho, dependem da competição. A espécie que vence a
competição transmite suas características físicas para as gerações futuras, ao
passo que a espécie que perde se extinguirá. A competição “funciona” devido à
escassez de recursos.
Como
sociedade humana, podemos decidir e nos organizar para determinar o que fazer
quando os recursos são escassos. Temos uma função executiva que nos permite
gerenciar ou compensar a escassez. Eu argumentaria que muitos governos criam
uma falsa escassez por meio de suas prioridades e políticas e as escolhas sobre
quais programas cívicos decidem financiar e quais não. Isto praticamente
garante “perdedores” em nossos sistemas sociais.
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Reconhecendo a cooperação humana
Darwin
explicou em seus escritos que os “mais aptos” não são necessariamente os
maiores, mais fortes ou lutadores melhores do grupo. Detalhou como uma espécie
pode ser “apta” e sobreviver por meio da cooperação.
A
aplicação errônea da teoria de Darwin por pensadores ocidentais para se
concentrar seletivamente na competição é abrangente; o viés darwinista social
em favor da competição vem sendo utilizado para justificar a propriedade
privada dos recursos do ecossistema, em vez da propriedade comunal. Quando os
colonizadores desembarcaram nas Américas, Austrália, Nova Zelândia e África,
dividiram as terras indígenas de propriedade comunal e forçaram a privatização.
Na propriedade privada, as pessoas competem para possuir individualmente um bem
do qual se consegue excluir o uso de outros. Na propriedade comunal, requer-se
adaptação e cooperação para desenvolver uma estrutura de partilha.
Em
outra de minhas conferências, discuti como Elinor Ostrom ganhou um Prêmio Nobel
de Economia por seu trabalho se opondo à inevitabilidade da “tragédia dos
comuns” e ilustrando que os recursos de propriedade comunal podem ser bem
administrados. Descreveu estudo de caso após estudo sobre como as instituições
culturais indígenas se desenvolveram para gerenciar a cooperação ou, como ela a
chamou, a ação coletiva, como um desafio direto à ideia de que a privatização é
uma parte necessária da modernização e o status quo no mundo ocidental.
Os
darwinistas sociais negaram muitos aspectos e comportamentos da sociedade
humana que se baseiam na cooperação, e isso teve inúmeras implicações negativas
para a humanidade e o planeta. É importante que não descuidemos e ignoremos a
existência de uma cooperação exitosa dentro da nossa própria ecologia humana.
Com uma compreensão da dinâmica real do ecossistema, em vez de extrapolações
enviesadas e falsas, podemos reivindicar a cooperação.
Fonte:
La Marea-Climática - tradução do Cepat, em IHU

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