Reunião
de Lula com Trump expõe disputa por liderança na AL
O
possível encontro entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu homólogo
americano, Donald Trump, deve ir além da tentativa brasileira
de pacificar as relações comerciais entre os dois
países. Ele expõe uma disputa crescente de líderes de espectros opostos pela
influência sobre a América Latina, em um momento em que o continente volta ao
centro das estratégias geopolíticas globais e do interesse da Casa Branca.
Nos
últimos meses, Trump escalou tensões com a Venezuela, acusou o governo do
colombiano Gustavo Petro de "fracassar no combate às
drogas",
reforçou o embargo comercial a Cuba e pressionou o
presidente da Argentina, Javier Milei, a conter a aproximação do país com a
China. Ao mesmo tempo, tem buscado marcar a presença militar dos EUA na região,
com repetidos ataques a a supostas
embarcações do narcotráfico no Oceano Pacífico.
Lula,
em contrapartida, tenta reposicionar o Brasil como interlocutor de estabilidade
e diálogo, defendendo que a América Latina se torne uma "zona de
paz" e que os países da região "não se deixem arrastar por
disputas de potências globais". O discurso reflete uma tentativa de
recuperar o protagonismo diplomático brasileiro e de apresentar uma alternativa
à lógica de alinhamento automático com Washington.
"Lula
tenta reabilitar a diplomacia de concertação sul-americana [prática de
coordenação e diálogo político entre os países], com ênfase em mecanismos
regionais e agendas sociais. Já Trump opera por pressão assimétrica, como
tarifas, sanções, etc. Não é uma disputa de 'liderança pessoal' apenas, mas de
enquadramento da América Latina como plataforma de integração e diversificação
de parcerias, na visão brasileira, ou de uma zona de influência sob
condicionalidades de segurança e comércio, na visão trumpista", diz o
professor de Relações Internacionais da FAAP, Lucas Leite.
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Projeto brasileiro contrasta com hegemonia americana
A
reunião entre os presidentes deve ocorrer no próximo domingo, na Malásia, onde
ambos participarão da cúpula da Asean (Associação de Nações do Sudeste
Asiático). O objetivo é consolidar a reaproximação diplomática do Brasil com os
EUA, abalada desde que o republicano voltou à Casa Branca e impôs tarifas extras a produtos brasileiros.
Apesar
de não ter sido confirmada oficialmente pelo Palácio do Planalto, Lula tem
reforçado publicamente seu interesse de que ela aconteça.
Neste
meio tempo, os dois líderes trocaram críticas diretas. Lula afirmou que Trump
queria ser "o imperador do mundo" enquanto o americano alegou
que as instituições brasileiras faziam uma "coisa terrível" ao
julgar o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Os dois
se encontraram durante a Assembleia da ONU, em setembro, e
prometeram conversar. Uma primeira reunião por videoconferência foi avaliada como positiva pelos dois
lados.
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Não há "assunto proibido"
Em
visita à Indonésia nesta sexta-feira (24/10), disse que não há "assunto
proibido" para conversar com o americano. A expectativa anunciada
pelo brasileiro é que Washington reconsidere as sobretaxas, mas também discuta
questões da América Latina.
A
jornalistas, Lula disse discordar da possibilidade de um país sofrer ataques
sob a justificativa de combater o narcotráfico, em referência a ação americana
contra embarcações. "Se a moda pega, cada um acha que pode invadir o
território do outro para fazer o que quer. Onde é que vai surgir a palavra
respeitabilidade à soberania dos países? Então eu pretendo discutir esses
assuntos com o presidente Trump se ele colocar na mesa", afirmou.
O
movimento indica que as tratativas devem reflitir questões mais
duradouras das políticas externas dos dois países, que vai além dos governos
de momento, diz Lívia Peres Milani, pesquisadora do Instituto de Políticas
Públicas e Relações Internacionais da UNESP.
"Para
os Estados Unidos, a manutenção da hegemonia é objetivo estratégico permanente
desde o século 19. Neste segundo mandato Trump, há uma percepção mais aguda de
riscos a essa hegemonia e uma maior disposição de impô-la através da força.
Essa percepção de riscos já vinha sendo gestada há algum tempo, desde os
governos Obama, mas decorre em práticas mais agressivas agora", afirma.
"Já
para o Brasil, o projeto de construção da liderança na América do Sul também
tem antecedentes históricos importantes, inclusive nos primeiros governos Lula.
Importante que essa ideia de liderança é referente a América do Sul, não inclui
o Caribe, América Central e México, lugares onde a hegemonia dos EUA é mais
intensa", completa.
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Disputa ecoa esforço de décadas
Assim
como no passado, a região é atingida pelos ecos da disputa política entre duas
potências que representam formas distintas de enxergar o mundo, representadas
agora por China e Estados Unidos. Para Milani, o
discurso de competição estratégica, que enxerga a América Latina como parte de
uma disputa global envolvendo China e Rússia, já aparecia de forma discreta
durante os governos de Barack Obama, nos EUA, mas ganhou força com o primeiro
mandato de Donald Trump e se manteve sob Joe Biden.
"É
um retorno das disputas entre grandes potências que pareciam superadas com a
hegemonia dos EUA nos anos 1990", diz Milani. O embate acaba por
enfraquecer o regionalismo proposto pelo Brasil. "Mas, é
possível e necessário fortalecê-lo, o que é um projeto de médio e longo
prazo, que deve se assentar em participação social e democratização. O
militarismo de Trump ajuda a iluminar tais convergências e é um convite ao
fortalecimento da governança regional."
Para
Lucas Leite, Trump resgata a retórica da Guerra Fria, que divide "amigos" e
"inimigos", mas aposta em outra linguagem. "O que está em jogo
hoje é o controle de cadeias produtivas, tecnologias estratégicas e rotas de
comércio. É menos sobre ideologia e mais sobre poder econômico e tecnológico",
explica. "O discurso de ameaça existencial, por exemplo, passa longe da
questão das armas nucleares. E como antes, a América Latina entra nesse
tabuleiro como espaço de disputa por influência", diz.
<><>Blocos
regionais sob pressão
Apesar
da intenção de protagonismo dos dois atores políticos, a realidade se impõe,
trazendo dificuldades para ambos os planos. Do lado brasileiro, a crescente
falta de consenso entre os países da região dificulta uma possível
liderança na agenda de integração regional e defesa da
soberania.
"Ao
contrário da primeira década dos anos 2000, onde você tinha uma convergência em
relação às visões do que deveriam ser a América Latina, especialmente a América
do Sul, e como os países deveriam se aproximar para poder conseguir obter
mais ganhos nas negociações internacionais, esse consenso hoje é muito
frágil", afirma Pedro Brites, professor de Relações Internacionais da FGV.
Além
disso, os blocos comerciais e de integração regional perderam relevância nos
últimos anos. A Comunidade de Estados
Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) se tornou mais um espaço de
diálogo do que um bloco com capacidade executiva, argumenta Leite, da FAAP.
"O Mercosul segue sendo o mais estruturado, mas precisa se atualizar,
lidar com novas agendas como energia limpa, tecnologia e infraestrutura, e
superar as divergências internas que travam acordos", afirma. A reativação da União de Nações
Sul-Americanas (Unasul)
também não parece figurar no topo das prioridade dos países.
Já do
lado dos EUA, o excesso de intervenções, influenciadas pela Doutrina Monroe,
que buscava ampliar a influência americana na América Latina, preocupa
cada vez mais lideranças da região.
"Os
Estados Unidos, historicamente, foram mais intervencionistas na América Central
e Caribe, e a América do Sul sempre foi muito mais atuante sobre pressões
específicas, sobre governos, ameaças, sanções, mas não necessariamente teve
ameaça tão direta de intervenção militar como a gente está vendo em relação à
Venezuela, por exemplo, agora", afirma Brites.
Além
disso, a China se consolidou como o principal parceiro comercial de grande parte dos países
latino-americanos,
impulsionando a região com crédito, investimentos em infraestrutura e transferência
tecnológica. Os EUA, por sua vez, buscam conter essa expansão por meio de
acordos bilaterais estratégicos e de uma crescente pressão diplomática para
garantir alinhamento em temas sensíveis, que vão das redes de telecomunicações
ao controle de minerais críticos, com destaque para o Brasil.
"Isso
coloca os países latino-americanos em uma posição delicada. Ninguém quer
escolher um lado, mas todos precisam administrar dependências. O desafio é
transformar essa disputa em oportunidade: atrair investimento, negociar
transferência de tecnologia e fortalecer a autonomia regional", afirma
Leite. "O risco é cair novamente em um jogo de dependência, em que a
agenda é definida fora da região. Em última instância, a América Latina
permanece sem autonomia e capacidade articular seus interesses sem ter que
levar em conta potências extrarregionais."
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Lula destaca diálogo "franco e construtivo" com
Trump
O presidente Luiz
Inácio Lula da Silva publicou,
na manhã deste domingo (26/10), no horário de Brasília, uma foto ao lado do
presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, após um encontro entre os líderes
durante a 47ª Cúpula da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean), em
Kuala Lumpur, na Malásia. A reunião começou às
15h30 no horário local (4h30 em Brasília) e durou cerca de 45 minutos.
"Tive
uma ótima reunião com o presidente Trump na tarde deste domingo (horário
local), na Malásia. Discutimos de forma franca e construtiva a agenda comercial
e econômica bilateral. Acertamos que nossas equipes vão se reunir imediatamente
para avançar na busca de soluções para as tarifas e as sanções contra as
autoridades brasileiras”, escreveu Lula em um post no Instagram.
Este
foi o primeiro encontro oficial entre os dois desde uma breve conversa durante
a Assembleia Geral da ONU, em setembro, em Nova York. A reunião ocorre em meio
à tensão provocada pela decisão dos Estados Unidos de impor tarifas de 50%
sobre produtos brasileiros e aplicar sanções a autoridades do país por causa do
julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Durante
conversa com jornalistas, Trump afirmou ser "uma honra" se reunir com
Lula e demonstrou otimismo quanto à relação bilateral. "Nós vamos discutir
tarifas um pouco. Nós sabemos o que cada um quer", disse o republicano,
acrescentando acreditar que os dois países poderão chegar a “bons acordos”.
Questionado
sobre Jair Bolsonaro, Trump declarou “se sentir mal” pela situação enfrentada
pelo ex-presidente brasileiro, mas evitou comentar se o tema faria parte da
conversa com Lula.
Lula,
por sua vez, destacou que a pauta do encontro foi “extensa” e defendeu que não
há motivos para desavenças entre Brasil e Estados Unidos. Segundo ele, o
diálogo é essencial para restaurar a confiança mútua e avançar em temas
comerciais e ambientais.
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Encontro
Em
nota, o Palácio do Planato informou que, segundo o ministro das Relações
Exteriores, Mauro Vieira, o presidente Lula começou "dizendo que não havia
assunto proibido" e renovou o pedido de suspensão das tarifas impostas à
exportação brasileira e à aplicação da lei Magnitsky a algumas autoridades
brasileiras.
"Os
dois presidentes tiveram uma conversa muito descontraída e alegre, que foi
aberta à imprensa por alguns minutos. O presidente Trump expressou admiração
pelo perfil da carreira política do presidente Lula, já tendo sido duas vezes
presidente da República, perseguido no Brasil, provado sua inocência e
vitoriosamente conquistado o terceiro mandato à frente da presidência da
República", afirmou.
Além
disso, o presidente norte-americano ainda afirmou admirar o Brasil, e concordou
com a necessidae de um processo de revisão tarifária. "A conclusão final é
de que a reunião foi muito positiva, e nós esperamos em pouco tempo agora, em
algumas semanas, concluir uma negociação bilateral que trate de cada um dos
setores da atual tributação americana ao Brasil", destacou o chanceler.
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Dudu Bananinha ironiza encontro entre Lula e Trump
O
deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) usou as redes sociais na manhã desta
domingo (26/10) para ironizar o encontro entre o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Donald Trump. Em uma série de
publicações no X (antigo Twitter), o congressista levantou suspeitas sobre o
conteúdo da conversa e associou o nome do pai, Jair Bolsonaro, ao diálogo.
“Lula
encontra Trump e na mesa um assunto que claramente incomoda o ex-presidiário:
Bolsonaro. Imagine o que foi tratado a portas fechadas?”, escreveu Eduardo em
um dos posts. O comentário foi acompanhado por uma crítica velada ao
presidente, a quem chamou de “ex-presidiário”, em referência à condenação e
prisão de Lula na Operação Lava-Jato, posteriormente anulada pelo Supremo
Tribunal Federal (STF).
Em
outro tuíte, o deputado citou informações do Itamaraty sobre a pauta oficial da
reunião e ironizou a ausência do nome do ex-presidente brasileiro. “Então,
segundo o MRE: — Não falaram de Bolsonaro; — Lula explicou a injustiça de
sancionar Moraes (sem citar JB!); — Trump curtiu Lula ter-se posto como
mediador para o assunto: narcoditador Maduro. Nos poucos minutos com o 01 da
economia mundial trataram de... Venezuela ”, escreveu.
Eduardo
Bolsonaro também fez um paralelo entre Trump e seu pai, destacando o que chamou
de “empatia” entre os dois líderes. “Interessante laço entre Trump e Bolsonaro
é a empatia: a capacidade de @realDonaldTrump se colocar no lugar de
@jairbolsonaro e imaginar que, quando sair da presidência, Lula e sua equipe
apoiarão a lawfare que certamente Trump sofrerá”, afirmou o parlamentar, usando
o termo em inglês que se refere ao uso da Justiça como instrumento de
perseguição política.
O
encontro entre Lula e Trump ocorreu na manhã deste domingo, na Malásia. Em
pauta, o tarifaço dos norte-americanos contra os produtos exportados pelo
Brasil.
Fonte:
DW Brasil/Correio Braziliense

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