Os
estaduais e a falta de coesão no calendário do futebol de mulheres
O
futebol de mulheres nunca foi uma unanimidade no Brasil. Suas transmissões
podem até ter aumentado, após o interesse do grupo Globo nas competições
nacionais femininas, assim como a expansão da cobertura das principais
competições mundiais pelo Disney+ e pelo Canal GOAT. Porém, dentro do
território brasileiro, tal desunião é perceptível na expansão da categoria por
meio dos estaduais.
No
futebol masculino brasileiro, há uma padronização nas datas das competições. No
início do ano, o calendário nacional está voltado para o futebol estadual, algo
que no futebol feminino é muito mais complexo. Ao contrário do masculino, as
competições nacionais são disputadas no primeiro semestre, enquanto os torneios
regionais são realizados no segundo. Porém, junto a eles, também acontecem a
Copa do Brasil Feminina, que retornou em 2025 com datas específicas ao decorrer
do ano, e a Libertadores Feminina, competição que acontece durante um mês,
geralmente em outubro.
No
início do mês, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) divulgou mudanças
para o calendário do futebol brasileiro de homens para o período de 2026 a
2029, com a redução de datas dos campeonatos estaduais, o aumento da duração do
campeonato nacional, o novo formato da Copa do Brasil e a criação de torneios
regionais. Em resposta ao Lance, a entidade confirmou que também haverá
mudanças no futebol feminino, que serão divulgadas posteriormente. A
expectativa é de um maior equilíbrio entre as datas das competições, inclusive
levando em conta as datas FIFA, e a melhoria nos horários e nos locais das
partidas para maior atração de público e de patrocinadores, além da maior
preocupação também com as categorias de base.
Diante
desse contexto, certas competições são consideradas de maior relevância pelos
veículos detentores dos direitos de transmissão, principalmente devido à sua
abrangência nacional e continental e, com isso, os estaduais acabam tornando-se
secundários nas grades ou nas transmissões nas redes sociais. No caso do
futebol masculino, quanto mais “importantes” forem as equipes participantes,
mais fácil é a venda dos direitos de transmissão do campeonato. Entretanto, tal
lógica não se repete entre os estaduais femininos.
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Discrepância de calendário e de transmissões
Exemplificando
a complexidade desses campeonatos, o Paulistão, que é o principal torneio
estadual do país, tem diversas e diversificadas detentoras de seus direitos de
transmissão (casos de SporTV, Record News e a Cazé TV) e começou em maio.
A nível
de comparação, o Campeonato Gaúcho inicialmente contaria com 18 datas, segundo
a Federação Gaúcha de Futebol – calendário completo disponível aqui –, mas
começou oficialmente em agosto, três meses após o início da competição
paulista, com a responsabilidade da transmissão pelos clubes participantes.
Outro
campeonato que segue essa linha é o Carioca Feminino. Com calendário previsto
de outubro a dezembro, a competição já se iniciou e duas rodadas foram
disputadas no momento da escrita deste texto – vide calendário da FERJ –, com
transmissões no canal da Federação, nas TVs dos clubes e jogos selecionados no
Grupo Globo.
Enquanto
isso, o Campeonato Mineiro Feminino começou no dia 20 de setembro e as
transmissões estão sendo feitas pela própria federação, em seu canal do
Youtube. A competição conta com apenas seis participantes (Cruzeiro, Atlético,
América, Itabirito, Araguari e Valadares).
Saindo
dos estaduais, 2025 finalmente marcou a primeira edição de uma copa nordestina
de futebol feminino, após, pelo menos, três anos de promessas. Denominada Copa
Maria Bonita, o torneio regional segue o modelo da Libertadores, com sede única
(Arena Pernambuco) e de forma rápida. Os nove estados da região estarão
representados, com uma escolha de equipes que considerou a tradição no
masculino daquelas com times ativos na modalidade (Sport, Bahia, Fortaleza,
Sampaio Corrêa, ABC, CRB, Botafogo-PB, Confiança e Atlético-PI) – campeões
estaduais como UDA (AL) e Juventude (SE), por exemplo, ficaram de fora. Os
jogos foram transmitidos com diversificação de mídia, no canal GOAT, além do
grupo Globo (Globo, SporTV e geTV).
Enquanto
isso, a maior parte dos estaduais da região segue ocorrendo. Em Alagoas, por
exemplo, o torneio começou no início de setembro e aguarda o retorno do CRB da
Copa Maria Bonita para os jogos das semifinais. A transmissão é pelo canal do
YouTube da Federação Alagoana de Futebol, mas com um padrão de transmissão
precário, sem tempo de jogo e narração (está ausente na maior parte das
partidas exibidas).
De
forma geral, é interessante destacar, a partir do levantamento realizado pelo
Observatório das Transmissões de Futebóis, que, em 2024, as exibições
audiovisuais dos estaduais reservaram-se majoritariamente às federações e aos
clubes. Em alguns casos, como o Paulista e o Paraibano, outras transmissoras
disponibilizaram o campeonato. Inclusive, de acordo com as pesquisas do
Observatório, o campeonato estadual de Sergipe precisou contar com um
calendário reformulado e seu início foi adiado para o dia 18 de outubro – você
pode conferir o link aqui.
Desde
que o levantamento do Observatório foi iniciado, essa é quase uma prática comum
das federações com o esporte de mulheres. As transmissões em diversos ciclos
resumiram-se apenas às fases finais dos campeonatos – como já foi discutido nas
“Transmissões dos campeonatos estaduais femininos: entre progressos e
desigualdades” e também na “As transmissões do futebol de mulheres em
território brasileiro” – dois textos do ciclo de 2024 dos estudos do
Observatório das Transmissões de Futebóis.
Em
2025, o ciclo de levantamentos ainda não terminou, porém, é possível descrever
que os campeonatos ao menos estão sendo transmitidos completamente – seguindo o
padrão de transmissões atuais, através das federações e dos clubes. Em
consonância, a “facilidade” em encontrar partidas ao vivo dos campeonatos
estaduais de futebol de mulheres aumentou em comparação com os últimos ciclos.
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Como acompanhar?
Torna-se
uma tarefa árdua descobrir quando ocorrem e onde são transmitidos os
campeonatos estaduais de futebol de mulheres, afinal, as competições não são
organizadas para que torcedoras e torcedores assistam, e sim para a manutenção
da continuidade dos campeonatos, mais como uma obrigação das federações do que
exatamente uma intenção de que a modalidade continue a se desenvolver.
Nessa
situação, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) poderia, além de auxiliar
no crescimento da modalidade no país, desde que com horários melhores nas
transmissões de seus eventos (Copa do Brasil e Campeonato Brasileiro),
solidificar uma unidade nas datas, levando em conta as particularidades de cada
torneio.
Assim
como no futebol dos homens, nos primeiros três meses do ano, os espaços
esportivos ficariam reservados aos estaduais e, depois, expandir o mercado das
competições nacionais femininas. A sugestão do Observatório das Transmissões de
Futebóis não é repetir o calendário masculino, mas sim, buscar uma unidade para
que torcidas e consumidoras/es da modalidade consigam acompanhar suas equipes
sem transitar por diversos canais de transmissão.
Nesse
sentido, voltando a dois exemplos discutidos anteriormente, os modelos do
Paulista e Mineiro são bem diferentes, afinal, o Paulista conta com o
calendário de praticamente sete meses – a competição começou oficialmente em
maio e segue até meados de dezembro. Enquanto o Campeonato Mineiro, que conta
com dois participantes a menos que o Paulista, tem jogos em apenas três meses
do ano. É bem verdade que o comparativo soa injusto pelas grandiosidades das
marcas que disputam os campeonatos (o Paulista conta com Corinthians,
Palmeiras, São Paulo, Santos e até mesmo a Ferroviária, enquanto o Mineiro tem
em Atlético e Cruzeiro como suas principais equipes) e como isso repercute nas
vendas dos direitos de transmissão e também nas cotas de patrocínio.
A
partir da mudança de conjuntura, o comparativo entre as duas competições parece
distante, porém, uma coisa que um pode “herdar” como aprendizado do outro é
como incluir as equipes pequenas no cenário, oferecendo um calendário mais
extenso para a prática da modalidade.
Outra
situação que dificulta o levantamento dos dados do Observatório das
Transmissões de Futebóis é a falta de clareza das federações nas vendas dos
direitos das competições. Em diversos momentos, tentamos contato com os
responsáveis pela assessoria de imprensa das instituições, porém, as respostas
são mínimas. Em uma das respostas
obtidas das Federações, a Federação Cearense de Futebol (FCF) nos informou que
competições de categorias de base como o Sub-15 e Sub-17 contaram com a
modalidade feminina, mas o Sub-20 não apresentou muitas adesões em seu edital
de abertura.
Posto
isso, todas as situações descritas a partir da dificuldade no acesso às
informações necessárias, a “má vontade” das federações (e das detentoras dos
direitos de transmissão) em organizar os jogos de futebol de mulheres em
horários viáveis para a torcida ir aos estádios e a dificuldade dos clubes em
manter as equipes femininas ativas são empecilhos para o sucesso dessa unidade
desejada.
Nesse
contexto, federações e CBF poderiam trabalhar em conjunto para promover uma
unidade nos calendários de futebol de mulheres, buscando “uniformizar” o
futebol estadual da categoria através da promoção de competições ao longo de
datas disponibilizadas e promovendo melhorias como premiações para as equipes
participantes ou melhores condições na prática. Além disso, vale ressaltar que
essa conjunção não deve apenas se concentrar na categoria adulta, promovendo
competições de base estaduais para que novos rostos comecem a integrar as
seleções com condições mínimas para a prática esportiva.
Fonte:
Por Alícia Soares e Amanda Trovó, no Le
Monde

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