quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Os estaduais e a falta de coesão no calendário do futebol de mulheres

O futebol de mulheres nunca foi uma unanimidade no Brasil. Suas transmissões podem até ter aumentado, após o interesse do grupo Globo nas competições nacionais femininas, assim como a expansão da cobertura das principais competições mundiais pelo Disney+ e pelo Canal GOAT. Porém, dentro do território brasileiro, tal desunião é perceptível na expansão da categoria por meio dos estaduais.

No futebol masculino brasileiro, há uma padronização nas datas das competições. No início do ano, o calendário nacional está voltado para o futebol estadual, algo que no futebol feminino é muito mais complexo. Ao contrário do masculino, as competições nacionais são disputadas no primeiro semestre, enquanto os torneios regionais são realizados no segundo. Porém, junto a eles, também acontecem a Copa do Brasil Feminina, que retornou em 2025 com datas específicas ao decorrer do ano, e a Libertadores Feminina, competição que acontece durante um mês, geralmente em outubro.

No início do mês, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) divulgou mudanças para o calendário do futebol brasileiro de homens para o período de 2026 a 2029, com a redução de datas dos campeonatos estaduais, o aumento da duração do campeonato nacional, o novo formato da Copa do Brasil e a criação de torneios regionais. Em resposta ao Lance, a entidade confirmou que também haverá mudanças no futebol feminino, que serão divulgadas posteriormente. A expectativa é de um maior equilíbrio entre as datas das competições, inclusive levando em conta as datas FIFA, e a melhoria nos horários e nos locais das partidas para maior atração de público e de patrocinadores, além da maior preocupação também com as categorias de base.

Diante desse contexto, certas competições são consideradas de maior relevância pelos veículos detentores dos direitos de transmissão, principalmente devido à sua abrangência nacional e continental e, com isso, os estaduais acabam tornando-se secundários nas grades ou nas transmissões nas redes sociais. No caso do futebol masculino, quanto mais “importantes” forem as equipes participantes, mais fácil é a venda dos direitos de transmissão do campeonato. Entretanto, tal lógica não se repete entre os estaduais femininos.

<><> Discrepância de calendário e de transmissões

Exemplificando a complexidade desses campeonatos, o Paulistão, que é o principal torneio estadual do país, tem diversas e diversificadas detentoras de seus direitos de transmissão (casos de SporTV, Record News e a Cazé TV) e começou em maio.

A nível de comparação, o Campeonato Gaúcho inicialmente contaria com 18 datas, segundo a Federação Gaúcha de Futebol – calendário completo disponível aqui –, mas começou oficialmente em agosto, três meses após o início da competição paulista, com a responsabilidade da transmissão pelos clubes participantes.

Outro campeonato que segue essa linha é o Carioca Feminino. Com calendário previsto de outubro a dezembro, a competição já se iniciou e duas rodadas foram disputadas no momento da escrita deste texto – vide calendário da FERJ –, com transmissões no canal da Federação, nas TVs dos clubes e jogos selecionados no Grupo Globo.

Enquanto isso, o Campeonato Mineiro Feminino começou no dia 20 de setembro e as transmissões estão sendo feitas pela própria federação, em seu canal do Youtube. A competição conta com apenas seis participantes (Cruzeiro, Atlético, América, Itabirito, Araguari e Valadares).

Saindo dos estaduais, 2025 finalmente marcou a primeira edição de uma copa nordestina de futebol feminino, após, pelo menos, três anos de promessas. Denominada Copa Maria Bonita, o torneio regional segue o modelo da Libertadores, com sede única (Arena Pernambuco) e de forma rápida. Os nove estados da região estarão representados, com uma escolha de equipes que considerou a tradição no masculino daquelas com times ativos na modalidade (Sport, Bahia, Fortaleza, Sampaio Corrêa, ABC, CRB, Botafogo-PB, Confiança e Atlético-PI) – campeões estaduais como UDA (AL) e Juventude (SE), por exemplo, ficaram de fora. Os jogos foram transmitidos com diversificação de mídia, no canal GOAT, além do grupo Globo (Globo, SporTV e geTV).

Enquanto isso, a maior parte dos estaduais da região segue ocorrendo. Em Alagoas, por exemplo, o torneio começou no início de setembro e aguarda o retorno do CRB da Copa Maria Bonita para os jogos das semifinais. A transmissão é pelo canal do YouTube da Federação Alagoana de Futebol, mas com um padrão de transmissão precário, sem tempo de jogo e narração (está ausente na maior parte das partidas exibidas).

De forma geral, é interessante destacar, a partir do levantamento realizado pelo Observatório das Transmissões de Futebóis, que, em 2024, as exibições audiovisuais dos estaduais reservaram-se majoritariamente às federações e aos clubes. Em alguns casos, como o Paulista e o Paraibano, outras transmissoras disponibilizaram o campeonato. Inclusive, de acordo com as pesquisas do Observatório, o campeonato estadual de Sergipe precisou contar com um calendário reformulado e seu início foi adiado para o dia 18 de outubro – você pode conferir o link aqui.

Desde que o levantamento do Observatório foi iniciado, essa é quase uma prática comum das federações com o esporte de mulheres. As transmissões em diversos ciclos resumiram-se apenas às fases finais dos campeonatos – como já foi discutido nas “Transmissões dos campeonatos estaduais femininos: entre progressos e desigualdades” e também na “As transmissões do futebol de mulheres em território brasileiro” – dois textos do ciclo de 2024 dos estudos do Observatório das Transmissões de Futebóis.

Em 2025, o ciclo de levantamentos ainda não terminou, porém, é possível descrever que os campeonatos ao menos estão sendo transmitidos completamente – seguindo o padrão de transmissões atuais, através das federações e dos clubes. Em consonância, a “facilidade” em encontrar partidas ao vivo dos campeonatos estaduais de futebol de mulheres aumentou em comparação com os últimos ciclos.

<><> Como acompanhar?

Torna-se uma tarefa árdua descobrir quando ocorrem e onde são transmitidos os campeonatos estaduais de futebol de mulheres, afinal, as competições não são organizadas para que torcedoras e torcedores assistam, e sim para a manutenção da continuidade dos campeonatos, mais como uma obrigação das federações do que exatamente uma intenção de que a modalidade continue a se desenvolver.

Nessa situação, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) poderia, além de auxiliar no crescimento da modalidade no país, desde que com horários melhores nas transmissões de seus eventos (Copa do Brasil e Campeonato Brasileiro), solidificar uma unidade nas datas, levando em conta as particularidades de cada torneio.

Assim como no futebol dos homens, nos primeiros três meses do ano, os espaços esportivos ficariam reservados aos estaduais e, depois, expandir o mercado das competições nacionais femininas. A sugestão do Observatório das Transmissões de Futebóis não é repetir o calendário masculino, mas sim, buscar uma unidade para que torcidas e consumidoras/es da modalidade consigam acompanhar suas equipes sem transitar por diversos canais de transmissão.

Nesse sentido, voltando a dois exemplos discutidos anteriormente, os modelos do Paulista e Mineiro são bem diferentes, afinal, o Paulista conta com o calendário de praticamente sete meses – a competição começou oficialmente em maio e segue até meados de dezembro. Enquanto o Campeonato Mineiro, que conta com dois participantes a menos que o Paulista, tem jogos em apenas três meses do ano. É bem verdade que o comparativo soa injusto pelas grandiosidades das marcas que disputam os campeonatos (o Paulista conta com Corinthians, Palmeiras, São Paulo, Santos e até mesmo a Ferroviária, enquanto o Mineiro tem em Atlético e Cruzeiro como suas principais equipes) e como isso repercute nas vendas dos direitos de transmissão e também nas cotas de patrocínio.

A partir da mudança de conjuntura, o comparativo entre as duas competições parece distante, porém, uma coisa que um pode “herdar” como aprendizado do outro é como incluir as equipes pequenas no cenário, oferecendo um calendário mais extenso para a prática da modalidade.

Outra situação que dificulta o levantamento dos dados do Observatório das Transmissões de Futebóis é a falta de clareza das federações nas vendas dos direitos das competições. Em diversos momentos, tentamos contato com os responsáveis pela assessoria de imprensa das instituições, porém, as respostas são mínimas.  Em uma das respostas obtidas das Federações, a Federação Cearense de Futebol (FCF) nos informou que competições de categorias de base como o Sub-15 e Sub-17 contaram com a modalidade feminina, mas o Sub-20 não apresentou muitas adesões em seu edital de abertura.

Posto isso, todas as situações descritas a partir da dificuldade no acesso às informações necessárias, a “má vontade” das federações (e das detentoras dos direitos de transmissão) em organizar os jogos de futebol de mulheres em horários viáveis para a torcida ir aos estádios e a dificuldade dos clubes em manter as equipes femininas ativas são empecilhos para o sucesso dessa unidade desejada.

Nesse contexto, federações e CBF poderiam trabalhar em conjunto para promover uma unidade nos calendários de futebol de mulheres, buscando “uniformizar” o futebol estadual da categoria através da promoção de competições ao longo de datas disponibilizadas e promovendo melhorias como premiações para as equipes participantes ou melhores condições na prática. Além disso, vale ressaltar que essa conjunção não deve apenas se concentrar na categoria adulta, promovendo competições de base estaduais para que novos rostos comecem a integrar as seleções com condições mínimas para a prática esportiva.

 

Fonte: Por Alícia Soares  e Amanda Trovó, no Le Monde

 

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