Encontro
na Malásia dá a partida à eleição de 2026
Os
meios diplomáticos e políticos estão em suspense, aguardando o desenrolar do
primeiro encontro mais demorado entre os presidentes Lula e Donald Trump, em
Kuala Lumpur, na Malásia (quando esta coluna estiver sendo lida, provavelmente
as conversas já terão terminado). As versões dos dois lados poderão dizer se a
“química” inicial de 39 segundos na reunião da ONU, em setembro, vai
efetivamente produzir produtos petroquímicos como projetou Lula depois da
primeira conversa telefônica entre ambos no começo deste mês. O importante é
medir se os dois lados vão cantar vitória e se temas tabus ficarão de fora,
como a família Bolsonaro. As diplomacias de Brasil e Estados Unidos trabalham
para que ambos os presidentes cedam no tarifaço, mas mantenham algum discurso
de vitória com conceções mútuas. A reunião entre a maior potência do Planeta e
o país mais populoso e mais importante do Hemisfério Sul ocorre num momento e
em um cenário no mínimo curioso.
Antes
de chegar à Malásia, que fica no hemisfério Norte, como a EUA, Canadá, México,
Europa, Rússia, Índia, China, Coréia e o Japão, o presidente brasileiro fez uma
visita de Estado à Indonésia. O quarto país mais populoso do mundo (286 milhões
de habitantes) se estende ao longo da linha do Equador por 17 mil ilhas. É o
maior país muçulmano do mundo e um grande mercado. Além de oferecer produtos
brasileiros em troca de produtos indonésios, Lula quis alinhar com o presidente
Prabowo Subianto uma ação em defesa de compensações ambientais dos países ricos
na COP-30, em novembro, em Belém. Os dois países têm as maiores florestas
tropicais do Planeta, junto com a República Democrática do Congo, na África. Já
Trump ampliou as manobras militares supostamente contra o narcotráfico que usa
rotas da Venezuela para ilhas do Caribe e o litoral dos Estados Unidos (o maior
mercado consumidor) para escoar cocaína e outras drogas produzidas na Bolívia e
na Colômbia. O objetivo oculto é desestabilizar a ditadura de Nicolás Maduro.
<><>
Buenos Aires não é Brasil
É
sensível o tema da interferência americana na América do Sul (neste domingo a
Argentina põe à prova o governo de Javier Millei antes de completar dois anos -
posse foi em 10 de dezembro de 2023). As eleições legislativas vão renovar
metade dos 257 deputados e um terço dos 72 senadores em um Congresso onde o
presidente dispõe de minoria governista. O governo Trump deu uma ajuda
substancial ao governo argentino, com uma linha de crédito de US$ 20 bilhões,
em troca (“swap”) de pesos argentinos. A estratégia, arriscada, foi avalizada
pelo secretário do Tesouro, Scott Bensent. O governo Trump comprou a ilusão de
Milei de que a Argentina pode voltar a ser grande. Com a pequena escala da
população e de sua economia, é missão para Tom Cruise.
Olhando
o mapa da América do Sul, onde o controle político da Bolívia acaba de pender à
direita, para a economia de mercado, após mais de duas décadas de governos
socialistas, o Brasil era parte de uma aposta de Washington num governo de
direita em 2026, com grande influência da família Bolsonaro. Trump chegou a
comprar, através do secretário de Estado, Marco Rubio, a versão de caça às
bruxas ao clã Bolsonaro, vendida nos porões da Casa Branca pelo filho 03,
Eduardo Bolsonaro, e o economista Paulo Figueiredo, neto do último ditador
brasileiro, o general João Figueiredo, já lá se vão 40 anos!
Em
tempo, Washington percebeu que a estratégia adotada para o Brasil, país-chave
na sua política externa para a América Latina, teve o efeito contrário do
esperado. Em vez de garantir espaço a Bolsonaro em 2026, a pressão acabou
fortalecendo Lula, acelerando a guinada do Brasil à Ásia, e o tarifaço provocou
incômodos na economia dos Estados Unidos. Daí, a retomada do diálogo com o
Brasil ocorre em meio aos esforços do presidente americano para conter o
desgaste político interno e exercer mais influência no cenário internacional.
Vamos
avaliar as concessões mútuas para uma negociação, que terá sequência para as
equipes técnicas dos dois, mas cujas consequências imediatas pode ser o
esvaziamento do discurso bolsonarista de perseguição.
<><>
Balas perdidas de Lula e do clã Bolsonaro
Quando
se esperava que os sucessivos tiros no pé do filho 03, deputado licenciado
Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que em sua trama contra o Brasil nos Estados Unidos,
mirando o STF, em nada alterou a rota do julgamento que condenou o pai Jair
Bolsonaro, tivessem provocado um refluxo meditativo no clã, eis que o mais
centrado, o filho 01, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), comete um tremendo
desatino na última quinta-feira (23).
Ao
tomar conhecimento de que as forças armadas americanas bombardearam barcos no
Pacífico com traficantes de drogas da Venezuela, o senador Flávio compartilhou
um post no qual o secretário de Guerra dos EUA, Pete Hegseth, anunciou novos
ataques a embarcações que supostamente carregam drogas, desta vez no Oceano
Pacífico. Hegseth alega que sabia que o barco alvejado estava envolvido no
tráfico de drogas e transitava por uma rota conhecida do narcotráfico. Três
pessoas morreram no ataque.
“Que
inveja! Ouvi dizer que há barcos como este aqui no Rio de Janeiro, na Baía de
Guanabara, inundando o Brasil com drogas. Você não gostaria de passar alguns
meses aqui nos ajudando a combater essas organizações terroristas?”, disparou
de imediato o senador fluminense.
Ante as
reações críticas da imprensa [o colunista Bernardo Mello Franco, de “O Globo”,
em tom jocoso, disse que Flávio Bolsonaro queria trazer o clima da guerra do
Vietnã para a pacata ilha de Paquetá], o senador, em vez de se explicar, mirou
na imprensa, acusando-a de distorcer as palavras de seu “post”.
Faz
mais de 60 anos que não ponho os pés em Paquetá. Salvo um agradável fim de
semana na casa alugada pelos pais da querida Marietinha Severo (vizinha no
Leblon, a grande atriz continua sendo a mocinha que conheci), quando andei de
bicicleta por vários cantos da ilha, as comemorações de aniversários de janeiro
com primos e tios tijucanos na ilha (na verdade, um arquipélago) eram, para
mim, um suplício. Não entendia como podiam gostar de trocar uma ida ao Arpoador
ou a Ipanema (o Leblon era imundo, pelo despejo de esgotos no costão da
Niemeyer, eliminado com o emissário submarino da Zona Sul no fim dos anos 60)
pela sensação de pisar um chão lodoso nas águas turvas do fundo da Baía de
Guanabara. Nos anos seguintes, passamos a comemorar no final do Recreio dos
Bandeirantes, na junção com a praia da Macumba. Era uma aventura deliciosa. As
vias de acesso eram precárias, mas o mar era límpido, em meio a uma praia quase
deserta.
Lembro
que a fama da bucólica Paquetá, onde era quase nula a circulação de carros,
chegou a atrair para vizinha ilha de Brocoió, a residência de verão dos
governadores do antigo Estado do Rio de Janeiro. Hoje, o arquipélago e a ilha
atraíram uma declaração estapafúrdia de um senador bocoió.
As
balas perdidas não ficaram restritas aos disparos do senador do PL. Na distante
Jacarta, na Indonésia, eufórico com sua ascendente nas pesquisas eleitorais
para 2026, o presidente Lula errou feio na retórica. Após defender que o
comércio mundial não deveria ficar preso ao dólar como moeda de troca,
sobretudo entre os países do BRICS [o que aumenta seu cacife nas negociações
com Trump], derrapou ao fazer crítica lateral às ações das forças armadas dos
Estados Unidos contra o narcotráfico, para lembrar (“en passant”) que o maior
mercado consumidor de drogas são os EUA. Lula disse um disparate, ao afirmar
que “o traficante é tão vítima quanto o usuário”. Tentou corrigir a péssima
comparação (mas já era tarde). Que policie sua língua para não se enrolar na própria
embriaguez da melhora da popularidade.
<><>
PL se vira nos 30 para defender mandatos
Contrariando
sua função, o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados arquivou na
quarta-feira, 22 de outubro, por 11 votos a 7, o pedido de cassação do mandato
do deputado licenciado Eduardo Bolsonaro por trabalhar nos Estados Unidos
contra os interesses nacionais para tentar livrar o pai da cadeia. Para os
bolsonaristas e seus aliados, agir contra os interesses do país, empresas e
trabalhadores instigando o governo Trump a impor tarifas de até 50% contra os
produtos brasileiros não configurava falta de decoro, ou crime de lesa-pátria.
O autor do pedido de cassação, o líder do PT, Lindbergh Farias (PT-RJ) entrou
com recurso, ainda com a expectativa de revisão do caso.
Mas o
que leva o PL a arregimentar apoiadores evangélicos e bolsonaristas em outros
partidos para evitar tanto a cassação do mandato do filho 03 (ele segue
ameaçado de perder o mandato por excesso de faltas, no começo de 2026)? Ou
ainda a protelar a cassação da deputada Carla Zambelli (PL-SP), que agora
poderá ser extraditada por decisão da justiça da Itália, onde se refugiou?
Um
cálculo eleitoral considerável. Zambelli, reeleita em 2022 com 946.244 votos,
foi a segunda deputada federal mais votada em São Paulo (o líder foi Guilherme
Boulos, do Psol, com 1,001 milhão). Eduardo Bolsonaro foi o terceiro, com
741.701 votos, com perda de 1,1 milhão frente a 2018. Mas os dois puxadores de
votos do PL garantiram, pelo coeficiente eleitoral, a eleição de mais três a
quatro deputados. Quando um partido expulsa um deputado, como o PL fez com
Antônio Carlos Rodrigues (dono de 73.034 votos) no primeiro semestre, os votos
ficaram com o PL.
Entretanto
o Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal já definiram que, em
caso de cassação por crime eleitoral, por quebra de decoro, ou por condenação
na Justiça comum, os votos de quem perdeu o mandato são redistribuídos entre os
partidos. Isso significa que, com a volta de Carla Zambelli ao Brasil, o cerco
sobre ela e o 03 vai aumentar, pois o cacife conjunto de 1.687.985 votos pode
alterar não só a representação paulista na Câmara como o próprio cacife da
oposição.
¨ Trump e Lula trocam
afagos de estadistas e o norte-americano diz que não é da sua conta falar sobre
Bolsonaro
O
presidente Trump disse que ele e Lula se dão 'muito bem" e que seus
funcionários, incluindo o secretário do Tesouro, Scott Bessent, e o
representante de Comércio dos EUA, Jamieson Greer, trabalhariam para negociar
um acordo, ambos previram uma "conclusão muito rapidamente".
"Devemos ser capazes de fazer alguns acordos muito bons para os dois
países", disse Trump enquanto os líderes se reuniam na Malásia, que está
sediando uma cúpula regional, na madrugada deste domingo.
Lula
disse que acha que pode "anunciar boas notícias". "Não há razão
para haver qualquer tipo de conflito" entre Brasil e EUA, disse Lula,
acrescentando que preparou uma agenda escrita em inglês para discutir com o
presidente dos EUA. Mais tarde, ele tentou cortar as perguntas da imprensa,
dizendo que o tempo para a reunião era limitado.
A
reunião foi o primeiro encontro oficial entre Trump e Lula. Foi também a
primeira interação prolongada entre eles desde que as relações se deterioraram
acentuadamente após o anúncio de Trump em julho de impor tarifas punitivas
sobre as importações da maior economia da América Latina, depois do trabalho
sujo do deputado federal Eduardo Bolsonaro contra o seu próprio país em
Washington. A reunião é parte de um esforço do governo brasileiro para resolver
a disputa comercial de meses depois que Trump tentou, sem sucesso, impedir o
julgamento de seu aliado de direita Jair Bolsonaro na Suprema Corte. Na época,
Trump ordenou tarifas de 50% sobre as principais exportações brasileiras, como
café e carne, e as autoridades americanas posteriormente aplicaram outras
sanções e restrições de visto a juízes, funcionários e suas famílias. Trump
disse a repórteres neste domingo que se sentia "muito mal" com o
destino de Bolsonaro, mas disse a um repórter que não era "da sua
conta", quando perguntado se a questão faria parte das negociações.
As
conversas entre o Brasil e os EUA foram retomadas no mês passado, depois que
Trump e Lula se cruzaram brevemente na Assembleia Geral das Nações Unidas em
Nova York, abrindo caminho para a retomada das negociações de alto nível após
um período de relações congeladas.
<><>
Pontos de discussão
Além de
tarifas e sanções, o foco principal do Brasil tem sido esclarecer as práticas
comerciais que têm sido alvo de uma investigação do Escritório do Representante
de Comércio dos EUA, incluindo a regulamentação de empresas de mídia social
sediadas nos EUA que operam no país e as políticas da indústria de etanol.
Embora a abordagem do Brasil tenha sido esperar que o governo Trump descreva
suas demandas antes de colocar suas próprias propostas na mesa, Brasília tem
trabalhado para preparar materiais de apoio sobre uma série de temas que podem
ser relevantes para as negociações, incluindo regulamentação de mídia social,
data centers e minerais críticos.
O
Brasil tem a segunda maior reserva de terras raras do mundo depois da China,
potencialmente dando ao país sul-americano uma carta única para jogar. Lula
indicou disposição para discutir oportunidades para impulsionar o
desenvolvimento dos principais minerais usados em veículos elétricos, sistemas
avançados de armas e dispositivos médicos com várias partes, incluindo Trump. A
Venezuela também está entre os tópicos que podem ser levantados entre os dois
líderes. Os EUA derrubaram vários barcos que dizem estar transportando drogas
da Venezuela nos últimos meses, gerando especulações de que podem estar se
preparando para atacar o país em terra. Embora o Brasil tenha evitado qualquer
envolvimento direto, Lula já havia dito a Trump em um telefonema que um conflito
militar na América do Sul seria devastador para a região. Trump disse que
estaria disposto a discutir a Venezuela se Lula quisesse, mas que não esperava
fazê-lo.
Fonte:
Por Gilberto Menezes Côrtes, no JB

Nenhum comentário:
Postar um comentário