Antropoceno:
Breve manual para a educação climática
Recolocar
em discussão os propósitos da educação na era do Antropoceno é uma tarefa
urgente e complexa. Há um consenso global de que estamos vivenciando um tempo
em que as ações humanas são capazes de alterar profundamente as condições de
vida no planeta o que exige, tal como defenderemos neste pequeno texto, uma
revisão crítica dos fundamentos que orientam nossas formas de aprender, ensinar
e conviver. A educação escolar, enquanto projeto civilizatório, limitou-se a
transmitir saberes estáticos ou ao desenvolvimento de competências técnicas. A
tarefa de nossa geração é reconstruir os debates sobre a formação humana no
contexto das múltiplas crises que marcam nossas vidas neste início de século.
No
Brasil, essa reflexão adquire uma relevância adicional diante da nossa
preparação para a 30a Conferência Mundial sobre Mudanças Climáticas (COP30), a
ser realizada em Belém no próximo mês. Trata-se, em nossa perspectiva, de uma
significativa oportunidade para redesenhar o papel da educação na construção de
outros futuros: uma educação que articule saberes científicos e tradicionais,
promova a justiça socioambiental e fortaleça a responsabilidade coletiva diante
dos desafios planetários. Desenvolveremos alguns desses apontamentos em cada um
dos tópicos que seguem.
I.
Reintegração dos saberes
Para
preparar o terreno para novas provocações teóricas sobre a questão educacional,
um ponto de partida poderia estar situado no âmbito do saber: ou de uma
reconexão entre natureza e cultura. Com Bruno Latour aprendemos que se faz
necessária a nossa entrada na luta pelas ideias, uma vez que “é preciso
sensibilizar toda uma população para uma mudança de cosmologia que implica um
prodigioso aumento dos motivos de preocupação a serem levados em conta” (p.
78). Essa mudança de cosmologia, mencionada por Latour, oferece novos
territórios de pensamento a serem ocupados, sobretudo no âmbito das
Humanidades.
Uma
reintegração dos saberes é demandada no que se refere às questões educacionais,
envolvendo um conjunto amplo de ponderações: a) a necessidade de uma pedagogia
do habitar; b) a recomposição de modos de vida em comum; c) a articulação entre
aspectos artísticos, culturais, científicos ou estéticos. Realizando um
exercício de síntese, talvez estejamos diante da oportunidade de reconhecer que
ciência, política, espiritualidade e territórios promovem modos distintos de
habitar um tempo-espaço de vida comum. O conceito de confluência, desenvolvido
por Nego Bispo, é exemplar dessa possibilidade formativa.
II.
Justiça socioambiental
Aprendi
recentemente com o economista Lucas Chancel que a redução das desigualdades e a
proteção da natureza mantém relações ambivalentes. Isto é, a oposição – ainda
evidente no âmbito da proposição de políticas – entre o social e o ambiental
merece ser rediscutida. Enfrentar, em nosso tempo, esse duplo desafio é uma
demanda urgente, em especial buscando por novas ferramentas para examinar as
desigualdades socioambientais em territórios variados e com níveis de proteção
social distintos. Em articulação à problematização trazida pelo economista,
consideramos que o campo educacional também pode reinscrever um conjunto de
problematizações na interface entre o social e o ambiental.
Definir
uma escola justa, hoje, implica em melhor caracterizar os aspectos sociais e
ambientais. Mesmo que Chancel esteja se referindo ao enfrentamento das
desigualdades, vale a pena recuperar um dos seus argumentos: “trata-se de
harmonizar com coerência as políticas sociais clássicas (sobretudo a redução
das desigualdades) e os objetivos de proteção do meio ambiente” (p. 20).
Qualidade, permanência e aprendizagem – ícones da escola justa ainda sonhada
para todas as crianças e jovens de nosso país – precisam ser redescritos no
âmbito da justiça socioambiental.
III.
Responsabilidades compartilhadas
O
terceiro apontamento que gostaríamos de realizar refere-se à importância de
posicionarmos as responsabilidades compartilhadas no interior de novas teorias
educacionais, a serem elaboradas em nossa época. O mestre Thich Nhat Hanh, em
sua “Carta de Amor à Terra”, abre a sua narrativa com a seguinte formulação:
“neste exato momento, a Terra está sobre você, abaixo de você, ao seu redor e
até mesmo em seu interior”. Sendo a Terra uma manifestação “viva e generosa”,
temos uma responsabilidade compartilhada com todas as formas de vida que nela
habitam. Cuidado, proteção, cura, regeneração ou alegria são construídos em
nossa experiência existencial, o que nos leva a pensar sobre uma
inevitabilidade da criação de novas formas de educar. Eis uma inspiração!
´Enfim,
seguimos em busca de uma revitalização das teorias educacionais em nossa época.
Abordagens que sejam plurais em sua composição e que favoreçam uma reintegração
dos saberes, a justiça socioambiental e as responsabilidades compartilhadas
pelo planeta. O campo da Educação está aberto a este debate e deseja manter-se
ativo nessa conversa. Nossa aposta encontra-se em pedagogias do habitar (ou
pedagogias territoriais) que promovam aprendizagens situadas, ligadas à
ecossistemas locais e práticas comunitárias.
Fonte:
Por Roberto Rafael Dias da Silva, em Outras Palavras

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