Estevam
Silva: Revolução Cubana - os guerrilheiros zarpam a bordo do Granma
em 25
de novembro de 1956, o iate Granma partia do Porto de Tuxpan, no litoral do
México, e iniciava sua viagem até Cuba, transportando 82 revolucionários
comandados por Fidel Castro.
A
jornada marcou o início da luta armada contra a ditadura de Fulgencio Batista.
Sobrevivendo ao ataque inicial das tropas cubanas, um grupo de rebeldes
conseguiu se refugiar na Serra Maestra, reorganizando o movimento guerrilheiro.
O
levante foi impulsionado pela profunda insatisfação popular com a miséria, a
corrupção e a repressão do regime de Batista. Os trabalhadores cubanos deram
forte respaldo à guerrilha, possibilitando o triunfo dos revolucionários em
janeiro de 1959, após pouco mais de dois anos de luta armada.
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Sob a bota do imperialismo
Primeiro
levante revolucionário a lograr a fundação de um governo socialista no
continente americano, a Revolução Cubana se tornou fonte de inspiração para uma
série de movimentos autonomistas e de insurgência na América Latina, na África
e na Ásia.
A
revolução se desenvolveu a partir de contexto marcado por dois processos
históricos complementares: o prolongado colonialismo espanhol, ao qual Cuba foi
submetida até 1898, e o neocolonialismo norte-americano, que se estendeu por
toda a primeira metade do século 20.
Enquanto
a maioria dos países latino-americanos se tornaram independentes na primeira
metade do século 19, Cuba seguiria sendo uma colônia de exploração da Espanha
até o limiar do século 20. E, embora a ilha abrigasse um importante movimento
autonomista nativo, sua independência foi resultado de uma disputa travada
entre os projetos imperialistas dos Estados Unidos e da Espanha.
Tão
logo conquistou sua independência em 1898, Cuba se tornou um protetorado
norte-americano. A Emenda Platt, aprovada pelo congresso dos Estados Unidos em
1901, devolvia a ilha caribenha ao status de colônia subserviente, restringindo
toda sua autonomia.
A
legislação dava aos Estados Unidos o direito de intervir na ilha quando bem
quisesse, a fim de “garantir a manutenção de um governo adequado à proteção da
vida, da propriedade e da liberdade individual” — em suma, um governo
subserviente aos interesses norte-americanos. Assim, Cuba passaria as três
primeiras décadas de seu período independente sob ocupação militar estrangeira.
O
domínio norte-americano se expressava, sobretudo, no âmbito econômico. As
empresas dos Estados Unidos controlavam 90% das minas, 50% das terras e 40% da
produção açucareira de Cuba. Dominavam também a infraestrutura e o setor de
serviços, operando quase todas as ferrovias e portos. A United Fruit Company
possuía latifúndios monocultores que se estendiam por centenas de milhares de
hectares.
Enquanto
os recursos de Cuba enriqueciam os empresários norte-americanos, o povo cubano
era submetido à pobreza e privado de direitos civis e serviços básicos. Boa
parte da classe trabalhadora vivia em favelas e cortiços, em condições de
extrema insalubridade. Cerca de um quarto da população estava abaixo da linha
da miséria em 1920. Aproveitando-se da ausência de garantias e regulamentações
trabalhistas, os milionários norte-americanos exploravam impiedosamente a
vulnerabilidade social dos habitantes da ilha.
Em
1934, diante do crescente descontentamento dos cubanos com a exploração
norte-americana, a Emenda Platt foi revogada. A atitude, entretanto, não era
uma concessão e não traria nenhuma mudança efetiva na dinâmica neocolonial.
Nesse mesmo ano, os Estados Unidos orquestraram um golpe de Estado em Cuba,
liderado pelo coronel Fulgencio Batista, instalando um governo fantoche
totalmente subordinado aos seus interesses.
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Fulgencio Batista e o Movimento 26 de Julho
Batista
se tornaria o homem forte dos interesses norte-americanos em Cuba, intervindo
violentamente para reprimir quaisquer tentativas de autonomia. Efetivado como
ditador a partir de 1952, ele estabeleceu um dos regimes mais corruptos,
autoritários e repressivos da história cubana.
Estima-se
que mais de 20.000 pessoas foram assassinadas pelas forças policiais, pelo
Escritório de Repressão às Atividades Comunistas (BRAC) e pelos Serviços de
Inteligência Militar de Cuba (SIM) durante o regime de Batista.
O
ditador mantinha diversos esquemas de enriquecimento ilícito de militares e
políticos, em estreita aliança com a máfia norte-americana. O crime organizado
dominava diversas atividades em Havana, que fora convertida em uma espécie de
“Las Vegas do Caribe” — e que operava como uma imensa lavanderia para fortunas
ilícitas.
Mafiosos
como Lucky Luciano e Meyer Lansky controlavam cassinos e enormes esquemas de
prostituição. Cerca de 12.000 prostitutas trabalhavam apenas na capital cubana
em 1958, muitas delas menores de idade.
Os
desmandos em Cuba atingiram níveis insuportáveis, causando indignação
generalizada entre o povo da ilha e estimulando o surgimento de protestos em
massa e movimentos de oposição fora da política institucional. Camponeses,
operários, profissionais liberais, estudantes e intelectuais se uniram na
criação de estratégias para derrubar o regime ditatorial de Batista.
Uma
primeira rebelião armada ocorreu em 26 de julho de 1953. Liderando um grupo de
160 rebeldes, o advogado Fidel Castro coordenou um assalto ao Quartel-General
de Moncada, em Santiago de Cuba, com o objetivo de tomar armamentos para
distribuir para a população cubana e iniciar uma insurreição.
O
ataque foi mal-sucedido e ensejou a repressão brutal do governo. Mais de 60
rebeldes foram capturados e executados pelas forças cubanas. Levado a
julgamento, Fidel assumiu sua própria defesa e proferiu um discurso que se
tornaria uma espécie de manifesto da revolução: “A história me absolverá”. No
texto, o advogado expôs as reivindicações dos insurgentes e denunciou as
terríveis condições sociais do país.
Fidel
foi condenado a 15 anos de prisão. Seu irmão, Raúl Castro, outro líder do
levante, recebeu uma sentença de 13 anos. A ação do grupo, no entanto, inflamou
a resistência da população cubana contra o regime de Batista. Uma enorme
campanha pela libertação dos presos políticos tomou as ruas do país.
Diante
da enorme pressão popular, o governo cubano aceitou anistiar os rebeldes. Fidel
e Raúl se exilaram então no México, onde consolidaram o Movimento 26 de Julho
(M-26-7), uma organização revolucionária que pretendia derrubar a ditadura de
Batista através de uma rebelião armada. A organização seria ampliada através da
fusão com a Ação Revolucionária Oriental, grupo liderado por Frank País.
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A luta armada
Os
insurgentes iniciaram o treinamento militar no México, contando com o auxílio
de Alberto Bayo, um veterano da Guerra Civil Espanhola. Ainda em 1956, o cubano
Camilo Cienfuegos e o argentino Ernesto Che Guevara se juntaram ao grupo. Em
Cuba, a coordenação logística do movimento e a agitação popular ficavam a cargo
de Frank País, Celia Sánchez e Vilma Espín.
Em 25
de novembro de 1956, um grupo de 82 guerrilheiros embarcou no iate Granma e
zarpou em direção a Cuba, para dar início à luta armada. O iate chegou à
província cubana de Oriente em 2 de dezembro, mas o desembarque foi trágico. Um
ataque surpresa das tropas de Batista eliminou quase todos os insurgentes.
Um
pequeno grupo conseguiu se refugiar na Serra Maestra e tentou reestruturar a
operação. Após comunicarem a intenção de derrubar o regime de Batista, os
guerrilheiros receberam apoio irrestrito dos camponeses. Respaldado pelo apoio
logístico do núcleo urbano em Oriente e por uma estratégia de recrutamento
eficaz, Fidel logo conseguiu recompor seu exército revolucionário.
Em
1957, a guerrilha realizou suas primeiras operações de grande impacto, tomando
o quartel de La Plata e subjugando as tropas regulares do exército cubano
durante a Batalha de Uvero. O movimento se espalhou pelas províncias orientais
e ganhou visibilidade internacional, graças à famosa entrevista que Fidel
Castro concedeu ao New York Times, desmentindo os rumores sobre sua morte.
Pouco
tempo depois, foi inaugurada a Rádio Rebelde, que se converteu em um poderoso
instrumento de propaganda revolucionária, alcançando toda a ilha e insuflando a
mobilização popular. O exército guerrilheiro expandiu-se enormemente, reforçado
pela adesão de centenas de voluntários.
O ano
de 1958 selou o triunfo da guerrilha. Ao norte da província de Oriente, Raúl
Castro comandou a Segunda Frente Oriental Frank País. À medida que ocupavam
novos territórios, os guerrilheiros estabeleciam serviços para a população
camponesa, como escolas e clínicas médicas.
Entre
agosto e outubro de 1958, Fidel expandiu a guerrilha para o centro-oeste da
ilha, organizando duas novas colunas. Che Guevara assumiu o comando da Coluna
Nº. 4, partindo rumo a Las Villas e liderando a tomada de Fomento, Sancti
Spíritus e Santa Clara. À frente da Coluna Nº. 2, Camilo Cienfuegos derrotou as
tropas de Batista em La Plata, Vega de Jibacoa e Las Mercedes e concretizou a
histórica tomada do quartel de Yaguajay.
Paralelamente,
um amplo movimento de greves e de resistência urbana eclodiu nas principais
cidades do país. Em junho de 1958, os rebeldes derrotaram a última grande
campanha do governo e, no Natal do mesmo ano, iniciaram a contraofensiva
derradeira, que terminou em 1º de janeiro de 1959 com a queda do regime e a
fuga de Batista.
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O governo revolucionário e as reações dos Estados Unidos
A
população cubana apoiou em peso a revolução. Os guerrilheiros eram saudados
como heróis libertadores em cada cidade que adentravam, sendo reverenciados e
aplaudidos por multidões de populares em festa.
Fidel
assumiu o cargo de primeiro-ministro e iniciou as grandes reformas ainda em
1959, como a nacionalização dos bancos, a desapropriação de empresas
estrangeiras, a coletivização das fábricas, a criação de campanhas de
alfabetização em massa e a instituição de um sistema de saúde universal.
Alarmados
com o desenrolar dos acontecimentos em Cuba, os Estados Unidos romperam
relações diplomáticas com o governo de Fidel. Dois anos depois, Washington
organizou uma tentativa de derrubar o governo cubano, enviando um grupo
paramilitar de exilados treinados e financiados pela CIA — a Invasão da Baía
dos Porcos.
O plano
fracassou e as tropas golpistas foram esmagadas em apenas três dias. Após
múltiplas tentativas frustradas de assassinato contra Fidel Castro, os
norte-americanos impuseram um embargo comercial contra a ilha, visando sufocar
a economia cubana. Considerado abusivo e rechaçado internacionalmente pela
quase totalidade dos países da Assembleia Geral da ONU, o embargo permanece em
vigor há 63 anos.
Comentando
a Revolução Cubana em uma entrevista para Jean Daniel, em 24 de outubro de
1963, o presidente norte-americano John Kennedy afirmou: “Acredito que não há
nenhum país no mundo, incluindo as regiões africanas e todo e qualquer país sob
domínio colonial, onde a colonização econômica, a humilhação e a exploração
foram piores do que em Cuba, em parte devido às políticas de meu país durante o
regime de Batista. (…) É como se Batista fosse a encarnação de vários pecados
por parte dos Estados Unidos. Agora teremos que pagar por esses pecados.”
Malgrado
a sobriedade do discurso, Kennedy não buscou imprimir qualquer alteração à sua
política externa, marcada pela contínua pressão econômica e por múltiplas
tentativas de intervenção na ilha.
Fonte:
Opera Mundi

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