terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Estevam Silva: Revolução Cubana - os guerrilheiros zarpam a bordo do Granma

em 25 de novembro de 1956, o iate Granma partia do Porto de Tuxpan, no litoral do México, e iniciava sua viagem até Cuba, transportando 82 revolucionários comandados por Fidel Castro.

A jornada marcou o início da luta armada contra a ditadura de Fulgencio Batista. Sobrevivendo ao ataque inicial das tropas cubanas, um grupo de rebeldes conseguiu se refugiar na Serra Maestra, reorganizando o movimento guerrilheiro.

O levante foi impulsionado pela profunda insatisfação popular com a miséria, a corrupção e a repressão do regime de Batista. Os trabalhadores cubanos deram forte respaldo à guerrilha, possibilitando o triunfo dos revolucionários em janeiro de 1959, após pouco mais de dois anos de luta armada.

<><> Sob a bota do imperialismo

Primeiro levante revolucionário a lograr a fundação de um governo socialista no continente americano, a Revolução Cubana se tornou fonte de inspiração para uma série de movimentos autonomistas e de insurgência na América Latina, na África e na Ásia.

A revolução se desenvolveu a partir de contexto marcado por dois processos históricos complementares: o prolongado colonialismo espanhol, ao qual Cuba foi submetida até 1898, e o neocolonialismo norte-americano, que se estendeu por toda a primeira metade do século 20.

Enquanto a maioria dos países latino-americanos se tornaram independentes na primeira metade do século 19, Cuba seguiria sendo uma colônia de exploração da Espanha até o limiar do século 20. E, embora a ilha abrigasse um importante movimento autonomista nativo, sua independência foi resultado de uma disputa travada entre os projetos imperialistas dos Estados Unidos e da Espanha.

Tão logo conquistou sua independência em 1898, Cuba se tornou um protetorado norte-americano. A Emenda Platt, aprovada pelo congresso dos Estados Unidos em 1901, devolvia a ilha caribenha ao status de colônia subserviente, restringindo toda sua autonomia.

A legislação dava aos Estados Unidos o direito de intervir na ilha quando bem quisesse, a fim de “garantir a manutenção de um governo adequado à proteção da vida, da propriedade e da liberdade individual” — em suma, um governo subserviente aos interesses norte-americanos. Assim, Cuba passaria as três primeiras décadas de seu período independente sob ocupação militar estrangeira.

O domínio norte-americano se expressava, sobretudo, no âmbito econômico. As empresas dos Estados Unidos controlavam 90% das minas, 50% das terras e 40% da produção açucareira de Cuba. Dominavam também a infraestrutura e o setor de serviços, operando quase todas as ferrovias e portos. A United Fruit Company possuía latifúndios monocultores que se estendiam por centenas de milhares de hectares.

Enquanto os recursos de Cuba enriqueciam os empresários norte-americanos, o povo cubano era submetido à pobreza e privado de direitos civis e serviços básicos. Boa parte da classe trabalhadora vivia em favelas e cortiços, em condições de extrema insalubridade. Cerca de um quarto da população estava abaixo da linha da miséria em 1920. Aproveitando-se da ausência de garantias e regulamentações trabalhistas, os milionários norte-americanos exploravam impiedosamente a vulnerabilidade social dos habitantes da ilha.

Em 1934, diante do crescente descontentamento dos cubanos com a exploração norte-americana, a Emenda Platt foi revogada. A atitude, entretanto, não era uma concessão e não traria nenhuma mudança efetiva na dinâmica neocolonial. Nesse mesmo ano, os Estados Unidos orquestraram um golpe de Estado em Cuba, liderado pelo coronel Fulgencio Batista, instalando um governo fantoche totalmente subordinado aos seus interesses.

<><> Fulgencio Batista e o Movimento 26 de Julho

Batista se tornaria o homem forte dos interesses norte-americanos em Cuba, intervindo violentamente para reprimir quaisquer tentativas de autonomia. Efetivado como ditador a partir de 1952, ele estabeleceu um dos regimes mais corruptos, autoritários e repressivos da história cubana.

Estima-se que mais de 20.000 pessoas foram assassinadas pelas forças policiais, pelo Escritório de Repressão às Atividades Comunistas (BRAC) e pelos Serviços de Inteligência Militar de Cuba (SIM) durante o regime de Batista.

O ditador mantinha diversos esquemas de enriquecimento ilícito de militares e políticos, em estreita aliança com a máfia norte-americana. O crime organizado dominava diversas atividades em Havana, que fora convertida em uma espécie de “Las Vegas do Caribe” — e que operava como uma imensa lavanderia para fortunas ilícitas.

Mafiosos como Lucky Luciano e Meyer Lansky controlavam cassinos e enormes esquemas de prostituição. Cerca de 12.000 prostitutas trabalhavam apenas na capital cubana em 1958, muitas delas menores de idade.

Os desmandos em Cuba atingiram níveis insuportáveis, causando indignação generalizada entre o povo da ilha e estimulando o surgimento de protestos em massa e movimentos de oposição fora da política institucional. Camponeses, operários, profissionais liberais, estudantes e intelectuais se uniram na criação de estratégias para derrubar o regime ditatorial de Batista.

Uma primeira rebelião armada ocorreu em 26 de julho de 1953. Liderando um grupo de 160 rebeldes, o advogado Fidel Castro coordenou um assalto ao Quartel-General de Moncada, em Santiago de Cuba, com o objetivo de tomar armamentos para distribuir para a população cubana e iniciar uma insurreição.

O ataque foi mal-sucedido e ensejou a repressão brutal do governo. Mais de 60 rebeldes foram capturados e executados pelas forças cubanas. Levado a julgamento, Fidel assumiu sua própria defesa e proferiu um discurso que se tornaria uma espécie de manifesto da revolução: “A história me absolverá”. No texto, o advogado expôs as reivindicações dos insurgentes e denunciou as terríveis condições sociais do país.

Fidel foi condenado a 15 anos de prisão. Seu irmão, Raúl Castro, outro líder do levante, recebeu uma sentença de 13 anos. A ação do grupo, no entanto, inflamou a resistência da população cubana contra o regime de Batista. Uma enorme campanha pela libertação dos presos políticos tomou as ruas do país.

Diante da enorme pressão popular, o governo cubano aceitou anistiar os rebeldes. Fidel e Raúl se exilaram então no México, onde consolidaram o Movimento 26 de Julho (M-26-7), uma organização revolucionária que pretendia derrubar a ditadura de Batista através de uma rebelião armada. A organização seria ampliada através da fusão com a Ação Revolucionária Oriental, grupo liderado por Frank País.

<><> A luta armada

Os insurgentes iniciaram o treinamento militar no México, contando com o auxílio de Alberto Bayo, um veterano da Guerra Civil Espanhola. Ainda em 1956, o cubano Camilo Cienfuegos e o argentino Ernesto Che Guevara se juntaram ao grupo. Em Cuba, a coordenação logística do movimento e a agitação popular ficavam a cargo de Frank País, Celia Sánchez e Vilma Espín.

Em 25 de novembro de 1956, um grupo de 82 guerrilheiros embarcou no iate Granma e zarpou em direção a Cuba, para dar início à luta armada. O iate chegou à província cubana de Oriente em 2 de dezembro, mas o desembarque foi trágico. Um ataque surpresa das tropas de Batista eliminou quase todos os insurgentes.

Um pequeno grupo conseguiu se refugiar na Serra Maestra e tentou reestruturar a operação. Após comunicarem a intenção de derrubar o regime de Batista, os guerrilheiros receberam apoio irrestrito dos camponeses. Respaldado pelo apoio logístico do núcleo urbano em Oriente e por uma estratégia de recrutamento eficaz, Fidel logo conseguiu recompor seu exército revolucionário.

Em 1957, a guerrilha realizou suas primeiras operações de grande impacto, tomando o quartel de La Plata e subjugando as tropas regulares do exército cubano durante a Batalha de Uvero. O movimento se espalhou pelas províncias orientais e ganhou visibilidade internacional, graças à famosa entrevista que Fidel Castro concedeu ao New York Times, desmentindo os rumores sobre sua morte.

Pouco tempo depois, foi inaugurada a Rádio Rebelde, que se converteu em um poderoso instrumento de propaganda revolucionária, alcançando toda a ilha e insuflando a mobilização popular. O exército guerrilheiro expandiu-se enormemente, reforçado pela adesão de centenas de voluntários.

O ano de 1958 selou o triunfo da guerrilha. Ao norte da província de Oriente, Raúl Castro comandou a Segunda Frente Oriental Frank País. À medida que ocupavam novos territórios, os guerrilheiros estabeleciam serviços para a população camponesa, como escolas e clínicas médicas.

Entre agosto e outubro de 1958, Fidel expandiu a guerrilha para o centro-oeste da ilha, organizando duas novas colunas. Che Guevara assumiu o comando da Coluna Nº. 4, partindo rumo a Las Villas e liderando a tomada de Fomento, Sancti Spíritus e Santa Clara. À frente da Coluna Nº. 2, Camilo Cienfuegos derrotou as tropas de Batista em La Plata, Vega de Jibacoa e Las Mercedes e concretizou a histórica tomada do quartel de Yaguajay.

Paralelamente, um amplo movimento de greves e de resistência urbana eclodiu nas principais cidades do país. Em junho de 1958, os rebeldes derrotaram a última grande campanha do governo e, no Natal do mesmo ano, iniciaram a contraofensiva derradeira, que terminou em 1º de janeiro de 1959 com a queda do regime e a fuga de Batista.

<><> O governo revolucionário e as reações dos Estados Unidos

A população cubana apoiou em peso a revolução. Os guerrilheiros eram saudados como heróis libertadores em cada cidade que adentravam, sendo reverenciados e aplaudidos por multidões de populares em festa.

Fidel assumiu o cargo de primeiro-ministro e iniciou as grandes reformas ainda em 1959, como a nacionalização dos bancos, a desapropriação de empresas estrangeiras, a coletivização das fábricas, a criação de campanhas de alfabetização em massa e a instituição de um sistema de saúde universal.

Alarmados com o desenrolar dos acontecimentos em Cuba, os Estados Unidos romperam relações diplomáticas com o governo de Fidel. Dois anos depois, Washington organizou uma tentativa de derrubar o governo cubano, enviando um grupo paramilitar de exilados treinados e financiados pela CIA — a Invasão da Baía dos Porcos.

O plano fracassou e as tropas golpistas foram esmagadas em apenas três dias. Após múltiplas tentativas frustradas de assassinato contra Fidel Castro, os norte-americanos impuseram um embargo comercial contra a ilha, visando sufocar a economia cubana. Considerado abusivo e rechaçado internacionalmente pela quase totalidade dos países da Assembleia Geral da ONU, o embargo permanece em vigor há 63 anos.

Comentando a Revolução Cubana em uma entrevista para Jean Daniel, em 24 de outubro de 1963, o presidente norte-americano John Kennedy afirmou: “Acredito que não há nenhum país no mundo, incluindo as regiões africanas e todo e qualquer país sob domínio colonial, onde a colonização econômica, a humilhação e a exploração foram piores do que em Cuba, em parte devido às políticas de meu país durante o regime de Batista. (…) É como se Batista fosse a encarnação de vários pecados por parte dos Estados Unidos. Agora teremos que pagar por esses pecados.”

Malgrado a sobriedade do discurso, Kennedy não buscou imprimir qualquer alteração à sua política externa, marcada pela contínua pressão econômica e por múltiplas tentativas de intervenção na ilha.

 

Fonte: Opera Mundi

 

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