O argumento de museu da Austrália para
defender mostra que 'discrimina' homens
Uma mostra só para
mulheres, em cartaz em um museu na Austrália, gerou polêmica — e foi parar nos
tribunais.
O autor do processo,
um homem que visitou o museu em abril do ano passado, alega que negar a entrada
de homens na mostra é discriminatório.
Mas o museu defende
que a rejeição é parte da experiência que a obra se propõe a oferecer.
Chamada Ladies Lounge,
a exposição está em cartaz no Museum of Old and New Art (Mona), na Tasmânia,
desde 2020.
Quem visita o museu,
se depara com um enorme cubo verde esmeralda.
Lá dentro, as paredes
são cortinas de seda. Um lustre em cascata paira sobre um sofá de veludo em
forma de falo e um piso de mármore xadrez. O esplendor do ouro realça tudo —
desde a arte emoldurada nas paredes até os móveis.
As mulheres são
convidadas a entrar, e mordomos "que vivem para servi-las" oferecem
champanhe a elas. Mas eles são os únicos homens no recinto, os demais tiveram
que dar meia volta na entrada.
O Ladies Lounge pega o
conceito de um antigo pub australiano e coloca de ponta cabeça.
Só em 1965 que as
mulheres conquistaram o direito de beber nos bares do país. Anteriormente, elas
eram relegadas a anexos sombrios, se é que eram admitidas, e muitas vezes
cobravam preços exorbitantes por suas bebidas.
E assim, a exposição —
que contém algumas das obras mais aclamadas do museu, de Picasso a Sidney Nolan
— foi concebida como uma obra de arte interativa, destinada a proporcionar um
local seguro para as mulheres desfrutarem da companhia umas das outras, ao
mesmo tempo que destaca a exclusão que enfrentaram durante décadas.
A artista Kirsha
Kaechele, autora da instalação, classifica a mostra como um "espaço
essencial para perspectiva e redefinição deste mundo estranho e desconexo de
dominação masculina".
E é algo que agora
está sendo ameaçado por um homem.
Jason Lau, morador do
estado de Nova Gales do Sul, acusa o museu de discriminação ilegal.
Nesta semana, a
acusação culminou em uma audiência judicial — repleta de drama e teatralidade.
• Reparação ou discriminação?
A terça-feira (19/3)
começou com um grande grupo de mulheres vestidas com ternos azul-marinho,
pérolas e batom vermelho marchando para a audiência em apoio a Kaechele.
Lau, em contrapartida,
participou por meio de uma chamada de vídeo.
Ele visitou o Mona —
conhecido por sua arte provocativa — durante uma viagem à Tasmânia em abril do
ano passado e, segundo ele, comprou o ingresso de 35 dólares australianos
(aproximadamente R$ 115) para ter acesso a todo o museu.
“Fiquei bastante
surpreso quando me disseram que não poderia ver uma exposição, o Ladies
Lounge”, afirmou.
Representando a si
mesmo, Lau argumentou que isso viola a Lei Antidiscriminação do Estado.
“Qualquer pessoa que
compre um ingresso esperaria uma prestação justa de bens e serviços de acordo
com a lei.”
O museu concorda que a
exposição realmente discrimina. Mas argumentou que Lau não perdeu nada — ele
vivenciou a obra de arte exatamente como previsto.
“Parte da experiência
é negar algo que é desejado”, disse a advogada do Mona, Catherine Scott,
segundo o jornal local The Mercury.
As mulheres têm sido
frequentemente marginalizadas de posições de poder ou prestígio, e a exposição
foi inspirada em corrigir um desequilíbrio que existia no Mona, diz Kaechele,
cujo marido é dono do museu.
“Isso exclui os
homens, e eu estaria mentindo se dissesse que não achei excitante”, afirmou ela
na audiência, de acordo com o The Mercury.
À medida que as partes
discutiam, as apoiadoras do museu estavam, de certa forma, roubando a cena.
Houve momentos de completa quietude e silêncio, antes de darem início a uma
coreografia discreta — cruzando as pernas e apoiando a cabeça nos punhos, apertando
o coração ou abaixando de leve os óculos. Uma delas ficou, inclusive, folheando
textos feministas sugestivamente — e fazendo anotações.
Aparentemente
inabaladas, ambas as partes continuaram discutindo.
Em última análise,
Scott disse que o Mona tem uma defesa legal. A lei — tal como está escrita —
permite a discriminação se "concebida para promover a igualdade de
oportunidades para um grupo de pessoas desfavorecidas ou com necessidades
especiais devido a um atributo prescrito".
De acordo com o site
de notícias Nine, quando solicitada pelo vice-presidente do tribunal, Richard
Grueber, a explicar como a obra de arte faz isso, Kaechele respondeu:
“Peguei algo que era
usado para reprimir as mulheres e transformei em um espaço triunfante para
[elas]."
Mas Lau argumenta que
este trecho da lei foi concebido para permitir uma “discriminação positiva”, e
não uma “discriminação negativa”.
Ele quer que a
exposição seja fechada ou admita a entrada de homens. Como alternativa, ele
sugere que os homens deveriam pagar menos do que as mulheres pelo ingresso —
algo que o museu diz que não vai levar em consideração.
Depois que Grueber
afirmou que sua decisão seria anunciada em uma data posterior, ainda a ser
marcada, o grupo de mulheres que apoia o museu saiu de maneira tão ostensiva
quanto entrou — fazendo um trenzinho e dançando para fora do prédio, enquanto
Simply Irresistible, de Robert Palmer, tocava no celular de uma delas.
• A arte imita a vida
Em conversa com a BBC
no dia seguinte à audiência, Kaechele disse que era como se a arte ganhasse
vida.
Segundo ela, a
exposição deveria gerar debate, sim, mas tem o espírito de uma brincadeira
inofensiva.
"Traz à tona
conversas muito sérias e interessantes, mas também há algo mais descontraído.
As mulheres se deleitam, e a maioria dos homens, eu acho, gosta. Eles acham
engraçado."
Kaechele diz que se
diverte — mas não fica surpresa — com os homens que estão genuinamente
chateados, mas se apressa em acrescentar que Lau tem sido agradável e
impressionante.
“Acho que as pessoas
podem querer fazer dele um vilão, mas, na verdade, ele é adorável.”
Mas o que este
processo diz sobre os temas que o Ladies Lounge invoca, como a questão do
patriarcado?
“Acho que fala por si
só”, diz ela.
Kaechele indicou que
vai levar o caso até ao Supremo Tribunal, se for necessário, mas afirma —
ironicamente — que talvez nada possa reforçar mais o argumento da obra de arte
do que ter que fechá-la.
"Se você olhasse
apenas do ponto de vista estético, ser forçada a fechar seria muito
poderoso."
Fonte: Por Tiffanie
Turnbull, da BBC News em Sydney
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