'Ilusão': se Israel não segue resoluções,
para que serve a ONU?
Após quase seis meses,
o Conselho de Segurança da ONU (CSNU) finalmente aprovou uma determinação de
cessar-fogo na Faixa de Gaza. O consenso, visto por alguns como um grande
avanço na resolução do conflito, foi ignorado por Israel, que afirmou que não
vai obedecer. Se a ONU não tem o poder de executar suas ordens, qual o
propósito da organização?
Essa é a principal
questão abordada no episódio desta quinta-feira (28) do Mundioka, podcast da
Sputnik Brasil apresentado pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho.
Na última
segunda-feira (25), o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução de
cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza. Ao todo, foram 14 votos a favor, nenhum
contra e uma abstenção: dos Estados Unidos.
Em resposta, o
gabinete do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, afirmou que não
obedecerá à decisão do CSNU e continuará sua ofensiva na Faixa de Gaza.
"Juridicamente, nos termos do artigo 25, todos os membros das Nações
Unidas têm de acatar e executar as decisões do Conselho de Segurança",
ressaltou Lier Pires Ferreira, professor de relações internacionais do Ibmec
ouvido pelo Mundioka. Mas, na prática, não é bem assim.
"Ela não é um
grande leviatã que se impõe sobre Estados nacionais soberanos, como é o caso de
Israel", afirma.
Para Reginaldo Nasser,
professor de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP), era uma "ilusão" esperar que Israel obedecesse ao
CSNU. De acordo com o analista, as pessoas acabam valorizando demais os mecanismos
da ONU e do direito internacional.
"Como existe o
direito internacional, as pessoas, com boas ou más intenções, acabam
valorizando muito isso [as decisões] (...) isso é uma ilusão."
Isso, segundo Nasser,
é evidenciado em diversos momentos da história, como em 2001, quando os Estados
Unidos e a Inglaterra invadiram o Iraque sem aprovação do Conselho de
Segurança, e em 1999 quando, novamente os EUA, sem nem levar a questão ao CSNU,
usaram a OTAN para atacar a Iugoslávia.
Assim como não
aconteceu nada com os Estados Unidos, afirma Nasser, "não vai acontecer
absolutamente nada com o Israel". "Por quê? Porque é uma potência
militar".
"Temos que
lembrar que, embora não reconheça oficialmente, Israel é uma potência
nuclear", afirmou Ferreira. "E sempre que nós trabalhamos no contexto
de potências nucleares, a conversa vai para outro patamar."
A ONU, explica o
professor Nasser, é uma organização internacional, ou seja "entre
nações". "Ela não é uma organização supranacional (....) que teria um
caráter de imposição após uma decisão". Dessa forma, toda decisão tomada
precisa ser consentida pelos membros, e isso inclui as militares. "São
momentos raros na história onde a ONU teve um mandato de uso da força."
"É o que a gente
conhece como força de paz", destaca o professor da PUC-SP. "É o que
houve no Haiti e nos Balcãs, mas no caso de agora há alguns problemas para que
isso aconteça", afirmou.
Em primeiro lugar, há
a questão dos Estados Unidos: "Não é porque os Estados Unidos se absteve
que ele está expressando concordância", sublinhou. "Em segundo lugar,
o outro país é uma potência militar. Para você ter uma imposição de força a uma
potência militar, é um caso bem complicado."
"Enviar tropas
para o Haiti é uma coisa, agora, enviar tropas para Israel é outra, né? (...)
Existe o direito internacional, existem as organizações, mas no limite é a
relação de força que define."
Nesse sentido, nem o
próprio Ocidente fica amarrado à decisões da ONU na hora de agir
internacionalmente contra outra nação. Em vez disso, destaca Nasser, os países
se utilizam de sanções econômicas, instrumento que não precisa da anuência da
ONU para ser implementado.
"Elas podem ser
tomadas em outros fóruns, em outros âmbitos da sociedade internacional",
explicou Ferreira. Ainda assim, houve momentos em que a ONU conseguiu agir e
sancionar conjuntamente um país, como "quando a África do Sul tinha um regime
de segregação racial" ou atualmente contra países como a Coreia do Norte.
·
Para que serve a ONU?
Acontece que, para que
se chegue ao ponto de sancionar coletivamente um país, "é muita
burocracia", diz Ferreira. "É necessário, caso isso venha a ser
preciso, que os países acordem entre si e que isso seja uma nova
deliberação."
A ONU, explica
Ferreira, é um produto do pós-guerra. "A Organização das Nações Unidas
surge com um propósito muito claro: não permitir que o mundo vivesse mais uma
vez o flagelo de uma guerra de proporções mundiais". E isso ela conseguiu
evitar até o momento.
Essa missão, diz
Ferreira, está descrita em seu artigo primeiro. "Manter a paz e a
segurança internacionais, e. para tal, tomar as medidas necessárias para que se
possa não apenas manter esta paz, mas reprimir os atos de agressão que coloquem
em xeque essa paz", sublinhou.
Por outro lado, com o
passar do tempo, a ONU desenvolveu uma série de instituições de extrema
importância, ressalta Nasser, como o Alto Comissariado das Nações Unidas para
os Refugiados (ACNUR) e o próprio Tribunal Internacional de Justiça, onde a
África do Sul denunciou Israel por cometer um genocídio contra o povo
palestino.
A ONU ainda conta com
outras agências especializadas, como a de Alimentação e Agricultura (FAO),
Saúde (OMS), Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). "A ONU tem várias
dimensões", sublinha Nasser. "Tem uma série de outras instituições
que são importantes."
¨ Israel × ONU: desrespeito do cessar-fogo pode ter consequências
para o país de Netanyahu?
O Conselho de
Segurança das Nações Unidas (CSNU) aprovou nesta semana uma resolução que pede
um cessar-fogo imediato em Gaza por parte de Israel, que segue bombardeando a
região.
Tel Aviv já indicou
que não cumprirá esse pedido, e, além disso, a relação com os EUA, seu
principal aliado, estremeceu, uma vez que os estadunidenses se abstiveram e não
vetaram a decisão que pressiona o governo Netanyahu a parar com os ataques
contra os palestinos.
O que pode ocorrer com
Israel caso não siga a resolução do Conselho de Segurança? Os israelenses podem
sofrer isolamento diplomático ou sanções? Ou essa resolução não terá efeito
prático? Para discutirmos esse assunto, entrevistamos Reginaldo Nasser, professor
de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP); e Lier Pires Ferreira, professor de relações internacionais do Ibmec.
Ø Há 'motivos razoáveis' para acreditar que Israel está cometendo
genocídio em Gaza, diz ONU
A relatora especial
das Nações Unidas criticou fortemente as ações israelenses relativamente aos
palestinos, que vê como cumprindo três critérios de um genocídio.
Há "motivos
razoáveis" para acreditar que Israel está "cometendo o crime de
genocídio contra os palestinos como grupo [étnico] em Gaza", disse na
quarta-feira (27) a relatora especial das Nações Unidas sobre direitos humanos
nos territórios palestinos, citada pela emissora norte-americana CNN.
"Israel cometeu
três atos de genocídio com a intenção necessária: matar membros do grupo
[étnico], causar danos físicos ou mentais graves a membros do grupo e infligir
deliberadamente ao grupo condições de vida calculadas para provocar sua
destruição física total ou parcial", disse Francesca Albanese em uma
coletiva de imprensa, que se seguiu à apresentação de seu último relatório,
chamado "Anatomia de um Genocídio", ao Conselho de Direitos Humanos
da ONU, em Genebra.
Israel, por sua vez,
respondeu que "rejeita totalmente" o relatório, que, segundo ele,
"envergonha" o Conselho de Direitos Humanos.
Não é "nenhuma
surpresa que a premissa desse relatório seja que a criação do Estado judeu em
1948 foi um ato de 'colonialismo de colonos' e que o genocídio é uma 'parte
inerente' desse ato", comentou a missão permanente de Israel na ONU em
Genebra.
A declaração também
acusou Albanese de "deslegitimar a própria criação e existência do Estado
de Israel".
Até o momento, mais de
32 mil pessoas foram mortas na Faixa de Gaza, e a região se aproxima de uma
catástrofe humanitária total, na qual crianças já morrem de fome e cerca de 1,5
milhão de palestinos estão desabrigados, segundo as autoridades locais. Do lado
de Israel, cerca de 1.350 foram mortos e 250 sequestrados.
¨ Netanyahu critica 'medida muito ruim' dos EUA de não vetar
resolução do CSNU sobre Israel e Hamas
O premiê de Israel
falou com senadores dos EUA. Eles expressaram apoio a sua posição anti-Hamas,
que Benjamin Netanyahu diz ter sido contrária às ações da administração
americana.
Benjamin Netanyahu,
primeiro-ministro de Israel, reuniu-se na quarta-feira (27) com o senador
republicano americano Rick Scott, onde criticou as políticas da administração
democrata de Joe Biden, presidente dos EUA, relata o portal Ynet.
"A decisão dos
EUA no Conselho de Segurança [da ONU] foi uma medida muito ruim", disse
ele.
"E a pior parte
foi que ela incentivou o Hamas a adotar uma postura dura, contando com a
pressão internacional para impedir que Israel libertasse os reféns e
desmantelasse o Hamas."
Netanyahu avaliou
negativamente o fato de Washington não ter vetado a resolução de segunda-feira
(25) do Conselho de Segurança da ONU sobre Israel e Hamas.
"Minha mensagem
ao Hamas é clara – a pressão não funcionará", disse o premiê israelense a
Scott, ao qual Netanyahu agradeceu por seu "apoio inabalável" a
Israel.
Enquanto isso, o
senador republicano Lindsey Graham disse que ficaria "muito
satisfeito" se Netanyahu se dirigisse ao Congresso dos EUA. Ele opinou que
"as acusações de que Israel mata pessoas de fome como arma de guerra são
uma besteira, um libelo de sangue. As FDI [Forças de Defesa de Israel] e o
governo israelense fazem esforços significativos para suprir as necessidades
básicas dos palestinos".
Graham, que também tem
reunião marcada com o presidente israelense Isaac Herzog, em referência à
suposta incitação educacional anti-Israel em Gaza, chamou a Arábia Saudita e
outros países a participarem da "questão palestina".
"Direi ao
príncipe herdeiro saudita [Mohammed bin Salman] em nossa próxima reunião –
quase 100 congressistas se opuseram à iniciativa unilateral do Estado
palestino", disse Graham, "mas sejamos claros – se houver diálogo
sobre um Estado palestino, será somente por meio de negociações".
Ø 'Israel não recebeu tudo o que pediu', diz chefe do Estado-Maior
Conjunto dos EUA sobre armas
O principal general
dos Estados Unidos disse nesta quinta-feira que Israel não recebeu todas as
armas que pediu, em parte porque o governo do presidente Joe Biden não estava
disposto a fornecer pelo menos algumas delas.
Mesmo com o conflito -
que já matou mais de 32 mil pessoas na Faixa de Gaza - em curso, os Estados
Unidos continuam enviado defesas aéreas e munições, mas alguns democratas e
grupos árabes-americanos criticaram o apoio constante da administração Biden que,
segundo eles, proporciona-lhe uma sensação de impunidade.
Anualmente, Washington
envia US$ 3,8 bilhões (R$ 19 bilhões) em assistência militar anual a Tel Aviv.
"Embora os
tenhamos apoiado com capacidade, eles não receberam tudo o que pediram. Parte
disso é porque eles pediram coisas que não temos capacidade de fornecer ou não
estamos dispostos a fornecer, não agora", disse o chefe do Estado-Maior
Conjunto dos Estados Unidos, general Charles Q. Brown, citado pela Reuters.
Israel retaliou após
um ataque do grupo militante Hamas em 7 de outubro, o qual matou cerca de 1.350
pessoas e 253 foram feitas reféns do lado israelense.
A ofensiva israelense
gerou oposição dentro do Partido Democrata de Joe Biden, levando milhares de
pessoas a votarem "descomprometidas" nele nas recentes primárias
presidenciais do partido, afirma a mídia.
O premiê Benjamin
Netanyahu classificou na quinta-feira (28) como "uma decisão ruim" o
fato de Washington ter "apoiado" um cessar-fogo imediato no enclave
palestino na última votação do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Na verdade, os EUA se
abstiveram e não vetaram a resolução, após vetarem várias outras resoluções
propostas por outros países no conselho ao apoiar seu parceiro de longa data no
Oriente Médio.
Ø Zelensky volta a se queixar da falta de atenção à Ucrânia em
meio ao conflito em Gaza
O líder ucraniano vê
Kiev como recebendo menos atenção nos últimos meses após a eclosão do conflito
entre Israel e Hamas. Isso aconteceu paralelamente a uma redução de auxílio
militar ocidental.
Vladimir Zelensky
reclamou novamente que o conflito palestino-israelense desviou a atenção do
mundo e redirecionou o foco da assistência dos EUA dos problemas da Ucrânia
para a situação na Faixa de Gaza.
"É claro que isso
[a situação na Faixa de Gaza] tirou a atenção da Ucrânia no campo da
informação. É um fato, e quando se perde a atenção dada à sua região para
outras regiões, é óbvio que isso é bom para a Rússia", disse o presidente
ucraniano à emissora norte-americana CBS em uma entrevista divulgada na
quinta-feira (28).
Ele sublinhou
novamente que a Ucrânia precisa da ajuda dos EUA e não conseguirá mais manter a
linha de frente sem ajuda.
Anteriormente, a mídia
norte-americana relatou que Joe Biden, presidente dos EUA, mudou a retórica de
suas declarações públicas do conflito ucraniano para a guerra entre Israel e o
movimento palestino Hamas nos últimos meses de 2023, dando a Kiev menos tempo
de antena em um "momento crítico do conflito". Essa mudança de
atenção de Biden para Israel teria preocupado Kiev. Em seguida, as autoridades
ucranianas começaram a reclamar de uma desaceleração na ajuda ocidental.
A Rússia tem
repetidamente alertado os países da OTAN sobre o fornecimento de armas para a
Ucrânia. O chanceler russo, Sergei Lavrov, já afirmou que qualquer carga que
contenha armas para a Ucrânia se tornará alvo legítimo para a Rússia.
O Ministério das
Relações Exteriores russo afirmou que os países ocidentais "estão
brincando com fogo" ao fornecer armas para Kiev.
Fonte: Sputnik Brasil
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