sábado, 30 de março de 2024

'Ilusão': se Israel não segue resoluções, para que serve a ONU?

Após quase seis meses, o Conselho de Segurança da ONU (CSNU) finalmente aprovou uma determinação de cessar-fogo na Faixa de Gaza. O consenso, visto por alguns como um grande avanço na resolução do conflito, foi ignorado por Israel, que afirmou que não vai obedecer. Se a ONU não tem o poder de executar suas ordens, qual o propósito da organização?

Essa é a principal questão abordada no episódio desta quinta-feira (28) do Mundioka, podcast da Sputnik Brasil apresentado pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho.

Na última segunda-feira (25), o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução de cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza. Ao todo, foram 14 votos a favor, nenhum contra e uma abstenção: dos Estados Unidos.

Em resposta, o gabinete do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, afirmou que não obedecerá à decisão do CSNU e continuará sua ofensiva na Faixa de Gaza. "Juridicamente, nos termos do artigo 25, todos os membros das Nações Unidas têm de acatar e executar as decisões do Conselho de Segurança", ressaltou Lier Pires Ferreira, professor de relações internacionais do Ibmec ouvido pelo Mundioka. Mas, na prática, não é bem assim.

"Ela não é um grande leviatã que se impõe sobre Estados nacionais soberanos, como é o caso de Israel", afirma.

Para Reginaldo Nasser, professor de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), era uma "ilusão" esperar que Israel obedecesse ao CSNU. De acordo com o analista, as pessoas acabam valorizando demais os mecanismos da ONU e do direito internacional.

"Como existe o direito internacional, as pessoas, com boas ou más intenções, acabam valorizando muito isso [as decisões] (...) isso é uma ilusão."

Isso, segundo Nasser, é evidenciado em diversos momentos da história, como em 2001, quando os Estados Unidos e a Inglaterra invadiram o Iraque sem aprovação do Conselho de Segurança, e em 1999 quando, novamente os EUA, sem nem levar a questão ao CSNU, usaram a OTAN para atacar a Iugoslávia.

Assim como não aconteceu nada com os Estados Unidos, afirma Nasser, "não vai acontecer absolutamente nada com o Israel". "Por quê? Porque é uma potência militar".

"Temos que lembrar que, embora não reconheça oficialmente, Israel é uma potência nuclear", afirmou Ferreira. "E sempre que nós trabalhamos no contexto de potências nucleares, a conversa vai para outro patamar."

A ONU, explica o professor Nasser, é uma organização internacional, ou seja "entre nações". "Ela não é uma organização supranacional (....) que teria um caráter de imposição após uma decisão". Dessa forma, toda decisão tomada precisa ser consentida pelos membros, e isso inclui as militares. "São momentos raros na história onde a ONU teve um mandato de uso da força."

"É o que a gente conhece como força de paz", destaca o professor da PUC-SP. "É o que houve no Haiti e nos Balcãs, mas no caso de agora há alguns problemas para que isso aconteça", afirmou.

Em primeiro lugar, há a questão dos Estados Unidos: "Não é porque os Estados Unidos se absteve que ele está expressando concordância", sublinhou. "Em segundo lugar, o outro país é uma potência militar. Para você ter uma imposição de força a uma potência militar, é um caso bem complicado."

"Enviar tropas para o Haiti é uma coisa, agora, enviar tropas para Israel é outra, né? (...) Existe o direito internacional, existem as organizações, mas no limite é a relação de força que define."

Nesse sentido, nem o próprio Ocidente fica amarrado à decisões da ONU na hora de agir internacionalmente contra outra nação. Em vez disso, destaca Nasser, os países se utilizam de sanções econômicas, instrumento que não precisa da anuência da ONU para ser implementado.

"Elas podem ser tomadas em outros fóruns, em outros âmbitos da sociedade internacional", explicou Ferreira. Ainda assim, houve momentos em que a ONU conseguiu agir e sancionar conjuntamente um país, como "quando a África do Sul tinha um regime de segregação racial" ou atualmente contra países como a Coreia do Norte.

·        Para que serve a ONU?

Acontece que, para que se chegue ao ponto de sancionar coletivamente um país, "é muita burocracia", diz Ferreira. "É necessário, caso isso venha a ser preciso, que os países acordem entre si e que isso seja uma nova deliberação."

A ONU, explica Ferreira, é um produto do pós-guerra. "A Organização das Nações Unidas surge com um propósito muito claro: não permitir que o mundo vivesse mais uma vez o flagelo de uma guerra de proporções mundiais". E isso ela conseguiu evitar até o momento.

Essa missão, diz Ferreira, está descrita em seu artigo primeiro. "Manter a paz e a segurança internacionais, e. para tal, tomar as medidas necessárias para que se possa não apenas manter esta paz, mas reprimir os atos de agressão que coloquem em xeque essa paz", sublinhou.

Por outro lado, com o passar do tempo, a ONU desenvolveu uma série de instituições de extrema importância, ressalta Nasser, como o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e o próprio Tribunal Internacional de Justiça, onde a África do Sul denunciou Israel por cometer um genocídio contra o povo palestino.

A ONU ainda conta com outras agências especializadas, como a de Alimentação e Agricultura (FAO), Saúde (OMS), Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). "A ONU tem várias dimensões", sublinha Nasser. "Tem uma série de outras instituições que são importantes."

¨      Israel × ONU: desrespeito do cessar-fogo pode ter consequências para o país de Netanyahu?

O Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) aprovou nesta semana uma resolução que pede um cessar-fogo imediato em Gaza por parte de Israel, que segue bombardeando a região.

Tel Aviv já indicou que não cumprirá esse pedido, e, além disso, a relação com os EUA, seu principal aliado, estremeceu, uma vez que os estadunidenses se abstiveram e não vetaram a decisão que pressiona o governo Netanyahu a parar com os ataques contra os palestinos.

O que pode ocorrer com Israel caso não siga a resolução do Conselho de Segurança? Os israelenses podem sofrer isolamento diplomático ou sanções? Ou essa resolução não terá efeito prático? Para discutirmos esse assunto, entrevistamos Reginaldo Nasser, professor de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); e Lier Pires Ferreira, professor de relações internacionais do Ibmec.

 

Ø  Há 'motivos razoáveis' para acreditar que Israel está cometendo genocídio em Gaza, diz ONU

 

A relatora especial das Nações Unidas criticou fortemente as ações israelenses relativamente aos palestinos, que vê como cumprindo três critérios de um genocídio.

Há "motivos razoáveis" para acreditar que Israel está "cometendo o crime de genocídio contra os palestinos como grupo [étnico] em Gaza", disse na quarta-feira (27) a relatora especial das Nações Unidas sobre direitos humanos nos territórios palestinos, citada pela emissora norte-americana CNN.

"Israel cometeu três atos de genocídio com a intenção necessária: matar membros do grupo [étnico], causar danos físicos ou mentais graves a membros do grupo e infligir deliberadamente ao grupo condições de vida calculadas para provocar sua destruição física total ou parcial", disse Francesca Albanese em uma coletiva de imprensa, que se seguiu à apresentação de seu último relatório, chamado "Anatomia de um Genocídio", ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra.

Israel, por sua vez, respondeu que "rejeita totalmente" o relatório, que, segundo ele, "envergonha" o Conselho de Direitos Humanos.

Não é "nenhuma surpresa que a premissa desse relatório seja que a criação do Estado judeu em 1948 foi um ato de 'colonialismo de colonos' e que o genocídio é uma 'parte inerente' desse ato", comentou a missão permanente de Israel na ONU em Genebra.

A declaração também acusou Albanese de "deslegitimar a própria criação e existência do Estado de Israel".

Até o momento, mais de 32 mil pessoas foram mortas na Faixa de Gaza, e a região se aproxima de uma catástrofe humanitária total, na qual crianças já morrem de fome e cerca de 1,5 milhão de palestinos estão desabrigados, segundo as autoridades locais. Do lado de Israel, cerca de 1.350 foram mortos e 250 sequestrados.

¨      Netanyahu critica 'medida muito ruim' dos EUA de não vetar resolução do CSNU sobre Israel e Hamas

O premiê de Israel falou com senadores dos EUA. Eles expressaram apoio a sua posição anti-Hamas, que Benjamin Netanyahu diz ter sido contrária às ações da administração americana.

Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, reuniu-se na quarta-feira (27) com o senador republicano americano Rick Scott, onde criticou as políticas da administração democrata de Joe Biden, presidente dos EUA, relata o portal Ynet.

"A decisão dos EUA no Conselho de Segurança [da ONU] foi uma medida muito ruim", disse ele.

"E a pior parte foi que ela incentivou o Hamas a adotar uma postura dura, contando com a pressão internacional para impedir que Israel libertasse os reféns e desmantelasse o Hamas."

Netanyahu avaliou negativamente o fato de Washington não ter vetado a resolução de segunda-feira (25) do Conselho de Segurança da ONU sobre Israel e Hamas.

"Minha mensagem ao Hamas é clara – a pressão não funcionará", disse o premiê israelense a Scott, ao qual Netanyahu agradeceu por seu "apoio inabalável" a Israel.

Enquanto isso, o senador republicano Lindsey Graham disse que ficaria "muito satisfeito" se Netanyahu se dirigisse ao Congresso dos EUA. Ele opinou que "as acusações de que Israel mata pessoas de fome como arma de guerra são uma besteira, um libelo de sangue. As FDI [Forças de Defesa de Israel] e o governo israelense fazem esforços significativos para suprir as necessidades básicas dos palestinos".

Graham, que também tem reunião marcada com o presidente israelense Isaac Herzog, em referência à suposta incitação educacional anti-Israel em Gaza, chamou a Arábia Saudita e outros países a participarem da "questão palestina".

"Direi ao príncipe herdeiro saudita [Mohammed bin Salman] em nossa próxima reunião – quase 100 congressistas se opuseram à iniciativa unilateral do Estado palestino", disse Graham, "mas sejamos claros – se houver diálogo sobre um Estado palestino, será somente por meio de negociações".

 

Ø  'Israel não recebeu tudo o que pediu', diz chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA sobre armas

 

O principal general dos Estados Unidos disse nesta quinta-feira que Israel não recebeu todas as armas que pediu, em parte porque o governo do presidente Joe Biden não estava disposto a fornecer pelo menos algumas delas.

Mesmo com o conflito - que já matou mais de 32 mil pessoas na Faixa de Gaza - em curso, os Estados Unidos continuam enviado defesas aéreas e munições, mas alguns democratas e grupos árabes-americanos criticaram o apoio constante da administração Biden que, segundo eles, proporciona-lhe uma sensação de impunidade.

Anualmente, Washington envia US$ 3,8 bilhões (R$ 19 bilhões) em assistência militar anual a Tel Aviv.

"Embora os tenhamos apoiado com capacidade, eles não receberam tudo o que pediram. Parte disso é porque eles pediram coisas que não temos capacidade de fornecer ou não estamos dispostos a fornecer, não agora", disse o chefe do Estado-Maior Conjunto dos Estados Unidos, general Charles Q. Brown, citado pela Reuters.

Israel retaliou após um ataque do grupo militante Hamas em 7 de outubro, o qual matou cerca de 1.350 pessoas e 253 foram feitas reféns do lado israelense.

A ofensiva israelense gerou oposição dentro do Partido Democrata de Joe Biden, levando milhares de pessoas a votarem "descomprometidas" nele nas recentes primárias presidenciais do partido, afirma a mídia.

O premiê Benjamin Netanyahu classificou na quinta-feira (28) como "uma decisão ruim" o fato de Washington ter "apoiado" um cessar-fogo imediato no enclave palestino na última votação do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Na verdade, os EUA se abstiveram e não vetaram a resolução, após vetarem várias outras resoluções propostas por outros países no conselho ao apoiar seu parceiro de longa data no Oriente Médio.

 

Ø  Zelensky volta a se queixar da falta de atenção à Ucrânia em meio ao conflito em Gaza

 

O líder ucraniano vê Kiev como recebendo menos atenção nos últimos meses após a eclosão do conflito entre Israel e Hamas. Isso aconteceu paralelamente a uma redução de auxílio militar ocidental.

Vladimir Zelensky reclamou novamente que o conflito palestino-israelense desviou a atenção do mundo e redirecionou o foco da assistência dos EUA dos problemas da Ucrânia para a situação na Faixa de Gaza.

"É claro que isso [a situação na Faixa de Gaza] tirou a atenção da Ucrânia no campo da informação. É um fato, e quando se perde a atenção dada à sua região para outras regiões, é óbvio que isso é bom para a Rússia", disse o presidente ucraniano à emissora norte-americana CBS em uma entrevista divulgada na quinta-feira (28).

Ele sublinhou novamente que a Ucrânia precisa da ajuda dos EUA e não conseguirá mais manter a linha de frente sem ajuda.

Anteriormente, a mídia norte-americana relatou que Joe Biden, presidente dos EUA, mudou a retórica de suas declarações públicas do conflito ucraniano para a guerra entre Israel e o movimento palestino Hamas nos últimos meses de 2023, dando a Kiev menos tempo de antena em um "momento crítico do conflito". Essa mudança de atenção de Biden para Israel teria preocupado Kiev. Em seguida, as autoridades ucranianas começaram a reclamar de uma desaceleração na ajuda ocidental.

A Rússia tem repetidamente alertado os países da OTAN sobre o fornecimento de armas para a Ucrânia. O chanceler russo, Sergei Lavrov, já afirmou que qualquer carga que contenha armas para a Ucrânia se tornará alvo legítimo para a Rússia.

O Ministério das Relações Exteriores russo afirmou que os países ocidentais "estão brincando com fogo" ao fornecer armas para Kiev.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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