Três mulheres contam como os parques
eólicos mudaram suas vidas para pior
“Energia renovável
sim, mas não assim!” Por dois dias, centenas de mulheres de diferentes cidades
do semiárido nordestino se reuniram no I Seminário de Mulheres do projeto
Baraúnas dos Sertões, em Campina Grande, no agreste paraibano. A MZ esteve lá
acompanhando as discussões sobre a presença das chamadas “energias renováveis”,
solar e eólica, sob a ótica das mulheres que sofrem os efeitos desses
empreendimentos e lutam diariamente por equidade, justiça climática e social.
O tema e o estado não
foram escolhidos aleatoriamente para o encontro. O seminário aconteceu em
sintonia com a 15ª Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia no
município de Areial, a aproximadamente 30 quilômetros de Campina Grande.
Registramos os
depoimentos de três mulheres de diferentes regiões, mas vivendo transtornos e
angústias que se assemelham. Casas rachadas, solo improdutivo, animais
afetados, problemas de saúde física e mental, são alguns dos problemas
enfrentados pelas suas comunidades.
• Maria Rosa, de Jaguari, Bahia
É no município de
Jaguari, um dos nove que compõem a região do Piemonte Norte do Itapicuru, no
norte da Bahia, que a professora, doutoranda e agricultora familiar Maria Rosa
Almeida Alves reside e luta pela proteção dos territórios, das águas e da
produção de alimentos, ameaçadas pelas energias eólica, solar e pela mineração.
Desde que chegou a
Jaguari, Maria concilia o trabalho como pesquisadora e em uma plantação
agroecológica de café, cultura que é o sustento das famílias da região. Agora,
essas mesmas famílias estão tendo que lidar com os desafios impostos pela
implantação do Complexo Manacá, da empresa de energia Quinto Energy, o maior
complexo híbrido – de energia solar e eólica – do Brasil, localizado na Serra
dos Morgados, entre os municípios de Jaguari, Campo formoso e Juazeiro.
De acordo com o site
da empresa, serão 405 aerogeradores e 476 mil módulos solares (nome técnico das
energia fotovoltaicas), com capacidade para gerar 3 GW de energia. De acordo
com Maria Rosa, na região se fala em números ainda maiores.
Para enfrentar as
consequências da chegada da empresa, as organizações sociais e estudiosos estão
articulados no movimento socioambiental Salve as Serras. A intenção é mitigar
os impactos desses empreendimentos na Serra, a partir de discussões, estudos, relatórios,
incidência com governos nas esferas municipais, estaduais e federal. O
movimento participou da elaboração do documento Salvaguardas socioambientais
para energia renovável, entregue aos governo estaduais, instituições de
pesquisa e integrantes dos poderes legislativo e Judiciário dos estados do
Nordeste.
Maria Rosa celebra a
repercussão das recomendações que ela ajudou a elaborar: “Uma coisa é certa, o
movimento contrário a esses grandes projetos está sendo visto, ele está sendo
ouvido de uma forma ou de outra, mas está. A gente tá conseguindo chegar nos
espaços institucionais e isso é importante. Chegamos até o Incra, fomos em
alguns espaços que são importantes para o movimento popular, então o mais
importante é que as nossas propostas estão chegando”.
• Raquel Silva, Parnaíba, Piauí
“As usinas eólicas
chegaram num processo muito rápido. Minha mãe costuma dizer que a gente dormiu
e acordou com o território cheio de ‘cataventos’ e energia eólica”, desabafa a
secretária nacional da Articulação Nacional das Pescadoras (ANP), Raquel Silva.
Filha e neta de
pescadores artesanais, desde 2017 milita junto com as outras pescadoras de
Pedra do Sal, localizado no município de Parnaíba, cidade litorânea do estado
do Piauí. É na comunidade pesqueira que está instalada a Usina Eólica Pedra do
Sal, do Grupo CEP Energia, que concentra 20 aerogeradores.
Raquel pontua as
consequências da instalação do parque, como “o aterramentos de lagoas que as
pescadoras usavam para pescar, restrição dos acessos as ‘catas’ através das
frutas nativas da época, caju, murici. E o barulho, a saúde física, mental e
emocional da comunidade”.
O estado, que já
possui 158 unidades geradoras eólicas, celebrou recentemente no site oficial do
governo, a autorização da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para a
implantação de mais 16 unidades que devem atuar no interior do estado.
No ano passado, o
governo do Piauí e a Shizen Energy assinaram no Japão um acordo com o objetivo
“de estudar a implantação de um projeto de energia eólica offshore no litoral
piauiense. O projeto envolve investimentos previstos na ordem de R$ 25 bilhões”.
A energia eólica
offshore, gerada em alto-mar, com maior capacidade de produção devido aos
ventos intensos. Em 2022, o governo federal, sob o ex-presidente Bolsonaro,
lançou diretrizes para a geração desse tipo de energia, que é a aposta das
empresas das grandes empresas e governos para a transição energética. Mas sem
citar as comunidades pesqueiras do entorno.
A possibilidade de
implementação no Piauí acende outro alerta, como explica Raquel: “(o complexo)
vai ser instalado numa área pesqueira em que os estudos mostram que vai
prejudicar os pescadores, que vão ter que adentrar mais no mar para ir buscar o
sustento. A escassez vai ser muito grande e só quem vai conseguir produzir
verdadeiramente é a pesca industrial. A pesca artesanal, vai ser totalmente
prejudicada”.
• Betânia Buriti, Pedra Lavrada, Paraíba
Em Pedra Lavrada,
cidade com aproximadamente 8 mil habitantes, a mobilização promovida pelas
mulheres agricultoras envolvidas na luta contra a instalação do Complexo Eólico
Serra da Palmeira, abrangendo os municípios de Picuí, Baraúna, São Vicente do
Seridó, Nova Palmeira e Pedra Lavrada, não foram suficientes para barrar o
empreendimento.
“É uma devastação de
conquistas, que estão sendo retiradas novamente, principalmente de nós,
mulheres. Mas isso não é visto com o mesmo olhar por outras pessoas”, afirma
Betânia Buriti agricultora e moradora da zona rural de Pedra Lavrada, que, há
20 anos, atua na articulação das mulheres do seu território.
De acordo com ela, a
comunidade ainda não se deu conta dos danos que o complexo pode causar e um dos
motivos é a conivência da gestão municipal. “O prefeito assina contratos com as
empresas e a própria população não vê como algo que os afete, porque está
gerando emprego e renda dentro do município”, afirma.
O relato de Betânia
indica que, independente do território, as investidas em nome do
desenvolvimento são praticamente as mesmas: chegam vendendo o progresso,
oferecendo empregos e condições que parecem favoráveis e atrativas. No entanto,
depois que as usinas se espalham, a comunidade começa a perceber as
consequências.
“A gente que faz parte
das organizações e dos movimentos sociais vê com outro olhar. Não é que a gente
é contra a chegada da energia, mas como ela chega. Porque está desconstruindo
muitos processos de luta que a gente vem conquistando ao longo dos anos, como
as implementações das cisternas e as mulheres adquirindo autonomia ao redor de
casa nos seus quintais produtivos”, reforça Betânia.
Quando se discute as
energias renováveis nos territórios e os impactos que elas causam na vida dos
moradores, sobretudo de agricultoras e agricultores, pensando em alternativas,
a Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), uma das maiores redes do Brasil,
com três mil organizações envolvidas em defesa do semiárido, defende um modelo
“que valorize o conhecimento das agricultoras e agricultores, que valorize as
capacidades locais, dos recursos e da natureza”.
Gloria Batista atua na
coordenação nacional da ASA e analisa situação da região como: sendo um lugar
onde as políticas sempre favoreceram aos grandes proprietários e as grandes
empresas. Não afetado apenas pelas energias renováveis, mas também pela mineração
e pela forma como o capitalismo, cada vez mais vem trazendo danos aos modos de
vida dos povos do semiárido.
O semiárido é presente
nos estados de Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Rio Grande do Norte, Ceará,
Maranhão, Piauí, Minas Gerais e Bahia. Todos sofrendo investida das grandes
empresas de energia renováveis.
• Mulheres e juventude pelo semiárido
nordestino
Atuando em mais de 30
territórios que abrangem 173 municípios do semiárido nordestino, o projeto
Baraúnas dos Sertões: Fortalecendo a ATER Agroecológica e Feminista no
Semiárido Brasileiro, nasceu na Universidade Federal Rural de Pernambuco
(UFRPE), e é composto por redes de organizações feministas e de agroecologia do
nordeste.
O projeto foi criado
com a perspectiva de qualificar e fortalecer a assistência técnica e extensão
rural que dialogue com o feminismo e a agroecologia nesses territórios. Com
menos de seis meses de existência, sua coordenação afirma que as ações já alcançaram
de alguma maneira 62 mil pessoas. Embora pensado para mulheres, seus núcleos
familiares também são impactados.
De acordo com Laeticia
Medeiros Jalil, professora do Programa de pós-graduacao em Agroecologia e
Desenvolvimento Territoria da UFRPE, o Baraúnas atua com o processo formativo e
o trabalho de extensão para estudantes, com centralidade nas mulheres e jovens.
Fonte: Por Jeniffer
Oliveira, no MZC
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