Da bancada ruralista, entenda o perfil de
Chiquinho Brazão no Congresso
O gabinete 507 do
Anexo IV da Câmara dos Deputados amanheceu trancado na segunda-feira (25). Seu
titular, o deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), havia sido preso pela
Polícia Federal (PF) na manhã do dia anterior. Chiquinho é um dos três
suspeitos de mandar matar a vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) e o
motorista Anderson Gomes em 14 de março de 2018. O irmão do parlamentar e
conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, Domingos Brazão,
e o ex-chefe da Polícia Civil fluminense Rivaldo Barbosa completam a lista de
acusados de serem os mandantes de um crime há seis anos sem solução.
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O perfil de Chiquinho na Câmara
Chiquinho Brazão foi
vereador do Rio de Janeiro por quase quatro mandatos, de 2005 a 2018, e foi
colega de Marielle na Câmara Municipal carioca. De acordo com o deputado
federal Tarcísio Motta (PSOL-RJ), que integrou o legislativo carioca de 2017 a
2023, Brazão sempre fez questão de presidir a Comissão de Assuntos Urbanos e
minar a participação da esquerda. “No trato, era alguém que se você passasse
por ele nunca havia algum tipo de ofensa, nunca fez nada, mas sempre ficava
muito irritado quando a gente mantinha uma posição ideologicamente maior contra
os projetos dele”, disse à Agência Pública.
Em 2018, seis meses
depois do assassinato de Marielle, Brazão foi eleito deputado federal pelo
Avante, com 25.817 votos, e reeleito em 2022, dessa vez pelo União Brasil. Na
Câmara dos Deputados, tem atuação pouco expressiva. Um deputado ouvido
pela Pública sob reserva afirmou que Brazão sempre foi um colega
tranquilo no cotidiano da Câmara e que, embora houvesse havia algum tempo o
rumor de seu envolvimento no assassinato de Marielle e Anderson, jamais poderia
imaginar que ele seria capaz disso.
Nos registros de
presença, consta que durante o primeiro mandato (2019-2022) Chiquinho Brazão só
teve 13 ausências não justificadas, das 458 sessões deliberativas realizadas no
período. Na atual legislatura, do total de 96 sessões até o momento, o deputado
participou de 87.
Foi relator de apenas
oito projetos de lei, sendo que nenhum deles foi aprovado até o momento. Entre
eles, estão a proposta que aumenta a pena para profissionais do futebol
envolvidos em manipulação de resultados e a que cria mecanismos para auxílio na
compra e reconstrução de imóveis afetados por desastres naturais. O deputado
não ocupou cargos importantes na Casa, tendo sido vice-líder do Avante algumas
vezes em 2019 e 2020.
Brazão não se destaca
pela apresentação de projetos. Ele é mencionado como autor de 769 propostas,
mas na maior parte delas o deputado está na condição de coautor. Ele é um
frequente apoiador da criação de frentes parlamentares, independentemente se a
proposição é de direita, como a de defesa das guardas municipais, ou de
esquerda, tal qual a que sugere defender o Pantanal. A característica é típica
de políticos do chamado Centrão, partidos sem coloração ideológica e que servem
a diferentes governos.
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As propostas de Brazão
Nos projetos dos quais
Brazão é o principal autor, a maioria foi apresentada no primeiro mandato e se
refere a questões econômicas ou medidas de enfrentamento das consequências da
pandemia. No entanto, as propostas não se resumem a esses temas. Em 2021, o
deputado apresentou um projeto de lei (PL 146/2021) para estabelecer que o poder público forneça ferramentas
tecnológicas a mulheres vítimas de violência para fortalecer o combate à
prática.
Outra proposta
alinhada à pauta feminina é a que altera a Lei do Incentivo ao Esporte para
obrigar que 50% dos recursos arrecadados com patrocínios e doações sejam
destinados às modalidades femininas dos esportes. “As seleções femininas sofrem
com a falta de dinheiro e de estrutura, apesar de contarem com expoentes da
categoria, como a brasileira Marta, eleita tantas vezes a melhor jogadora do
mundo pela Fifa. O mercado está se abrindo, mas o futebol ainda é um ambiente
em que a atuação das mulheres é menos incentivada”, justifica no texto.
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Da Bancada ruralista
O deputado integra,
desde 2019, a poderosa Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), mais conhecida
como bancada ruralista. Teve posição favorável em várias votações importantes
do grupo, como o projeto de lei que flexibilizou as regras
para o registro de agrotóxicos e
o PL da “grilagem”, que regulariza a ocupação indevida de terras públicas, ambos
aprovados durante o governo Bolsonaro (2019-2022). Na atual legislatura, ele
apoiou o projeto que definiu a tese do marco temporal para a demarcação de
terras indígenas, julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
Em nota enviada
à Pública após a prisão de Brazão, a FPA informou que decidiu
expulsá-lo do grupo “diante das graves denúncias” e manifestou solidariedade às
famílias das vítimas. Essa foi a segunda expulsão em razão do caso, já que no
domingo (25) a executiva nacional do União Brasil aprovou por unanimidade a
expulsão do deputado.
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Prisão
Em 23 de março, o
ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou a prisão preventiva de
Chiquinho Brazão, concretizada na manhã seguinte pela PF e confirmada pela
Primeira Turma da Corte na última segunda-feira (25). Por se tratar de um
deputado federal, que tem foro privilegiado, é necessário que a Câmara confirme
a manutenção da prisão. Para isso, os parlamentares precisam votar a medida em
plenário, onde precisa ser aprovada por maioria absoluta, ou seja, 257 votos.
O caso foi levado para
análise preliminar da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) nesta
terça-feira, sob relatoria do deputado Darci de Matos (PSD-SC), que defendeu em
seu parecer a manutenção da prisão. No entanto, após a leitura do relatório, os
deputados Gilson Marques (Novo-SC), Fausto Pinato (PP-SP) e Roberto Duarte
(Republicanos-AC) pediram vista, o que dá aos parlamentares até duas sessões
para analisar o relatório. Na prática, a votação só deve ocorrer após o dia 9
de abril, já que não haverá sessões na Câmara na próxima semana em razão da
janela partidária. Até lá, Chiquinho Brazão seguirá preso.
Após o pedido de
vista, o clima na reunião, que já estava tenso, piorou. Houve discussões entre
parlamentares da oposição e do governo, sobretudo do PSOL, partido de Marielle
Franco. O deputado Gilson Marques questionou “a pressa, o afogadilho” para decidir
sobre a prisão de Brazão, ao que foi rebatido pela deputada Sâmia Bomfim
(PSOL-SP): “São seis anos esperando por justiça, e vocês passando pano para
miliciano!”.
Presente na sessão, o
advogado de Chiquinho Brazão, Cleber Lopes de Oliveira, argumentou que a
decisão de Moraes ocorreu “ao arrepio da Constituição Federal”, uma vez que,
segundo ele, não teria ocorrido uma prisão em flagrante, condição para que uma
pessoa com foro privilegiado seja presa. Do presídio federal de Brasília,
Brazão participou da sessão virtualmente. Ele disse ter uma “ótima” relação com
Marielle Franco e que, apesar das divergências políticas entre eles, não vê o
“elo” para ser acusado de seu assassinato.
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Rio das Pedras, milícias e os Brazão
Em delação premiada à
PF, Ronnie Lessa, um dos executores confesso da morte de Mariele, indicou como
motivo do crime “o fato de a vereadora Marielle Franco estar atrapalhando os
interesses dos irmãos [Chiquinho e Domingos Brazão], em especial, sua atuação
junto a comunidades em Jacarepaguá, em sua maioria dominadas por milícias, onde
se concentra relevante parcela da base eleitoral da família Brazão”.
Nesse ponto, o
relatório final PF insere os Brazão em um contexto maior de violência e
dominação de território. “Neste sentido, constata-se que a interação da Família
Brazão com grupos paramilitares é intensa e se destaca na Zona Oeste do Rio de
Janeiro, notadamente nos bairros de Jacarepaguá, Tanque, Gardênia Azul, Rio das
Pedras, Osvaldo Cruz e arredores. […] Neste sentido, observa-se que Família
Brazão goza de especial influência na comunidade de Rio das Pedras, um enclave
geográfico controlado por organização criminosa do tipo milícia há mais de duas
décadas.”
A relação entre voto e
áreas controladas por milícias no relatório incluiu duas citações a uma reportagem da Pública de 2019, que deu dimensão às atividades políticas dos Brazão. Dias
antes da publicação da reportagem, em fevereiro de 2019, Domingos Brazão havia
sido alvo de operação da PF para averiguar tentativas de atrapalhar a
elucidação da morte de Marielle e do motorista Anderson Gomes. A apuração e os
dados levantados pela Pública mostram como os irmãos Brazão ampliaram
sua influência política na área, tornando-se campeões de votos nas eleições de
2010, 2012, 2014 e 2016.
“Neste sentido,
observa-se que Família BRAZÃO goza de especial influência na comunidade de Rio
das Pedras, um enclave geográfico controlado por organização criminosa do tipo
milícia há mais de duas décadas”, diz o relatório da PF, seguido do infográfico
da Pública com os dados da votação das quatro eleições.
Quando o inquérito da PF foi aberto, em 21 de julho de 2023, já haviam se passado
cinco anos e quatro meses desde o crime. Uma investigação anterior da Polícia
Civil fora “sabotada” por membros da própria corporação, segundo a PF e pelo
menos três pessoas que poderiam esclarecer pontos do plano do homicídio foram
assassinadas depois do crime contra Marielle.
Fonte: Por Gabriel
Máximo, da Agencia Pública
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