Visita de Macron não influenciou
posicionamentos multilaterais de Lula
O encontro entre os
presidentes da França, Emmanuel Macron, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), era previsto como uma tentativa por parte do mandatário francês de
angariar o apoio de seu homólogo brasileiro em favor da Ucrânia.
Lula reforçou a
neutralidade brasileira no conflito e as disputas pelo acordo Mercosul e União
Europeia — outro ponto de divergência entre os líderes — também não sofreram
avanços.
Para a doutora em
relações internacionais pela London School of Economics Carolina Pavese, o
encontro foi muito positivo em relação às agendas bilaterais, que interessam
apenas aos dois países. Temas que têm influência de outras nações acabaram
sendo pouco explorados e as posições de ambos os presidentes seguem a mesma.
Em relação ao pacto
comercial entre sul-americanos e europeus, ela entende que "não se
imaginava que Macron fosse surpreender a própria União Europeia e os franceses
anunciando uma mudança radical na sua posição".
"A França
continua fazendo forte oposição ao acordo e esta é a posição. E isso vem para
sinalizar não só aos nossos empresários, mas principalmente para a França, que
apesar de estarmos retomando uma relação importante e estreitando vínculos,
inclusive em questões econômicas, isso não deve ser compreendido como uma
mudança de postura em relação ao acordo."
Ainda assim, ela
ressalta que Macron espera que a questão ucraniana receba destaque na agenda do
G20, cuja presidência temporária está com o Brasil. "Vamos acompanhar ao
longo deste ano para ver se a questão da guerra da Ucrânia vai ter mais destaque
no G20, ou não. De qualquer forma, Lula frisou a necessidade de uma solução
pacífica para o conflito, o que dá margem também para interpretar como um país
que vai apoiar diálogos de negociações."
"Muito
possivelmente, não como um protagonista, como a gente já tentou em outros
conflitos, mas como um ator que apoia negociações."
A pesquisadora avaliou
o impacto da visita de Macron na política doméstica francesa, apontando que a
gestão do presidente enfrenta críticas e uma oposição significativa.
"Corrobora um pouco com a ideia de que sua gestão não é para a
França."
Ainda assim, ela
entende que a visita pode ter fortalecido a posição de Macron como líder dos
países ocidentais no Sul Global, em um contexto de "carência" de uma
liderança do Norte Global capaz de impulsionar uma agenda multilateral, citando
o desaparecimento do presidente americano, Joe Biden, por exemplo, nesse
sentido.
Já para Lula, ela
entende que os ganhos foram diversos. "Acho que o melhor indicador de que
essa visita foi um sucesso foi o fato de não termos visto grandes críticas por
parte da oposição e, ao contrário, algumas lideranças fortes da oposição tentaram
inclusive capitalizar em cima dessa visita."
• França e OTAN
O pesquisador do Grupo
de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES), da Universidade
Estadual Paulista (UNESP), Jorge Rodrigues avalia o posicionamento brasileiro
em relação ao conflito ucraniano ressaltando a tradição diplomática nacional de
não tomar lados, mas adotar uma postura pragmática.
"A diferença
entre as posturas de Macron e do presidente brasileiro é evidente,
particularmente em relação à Rússia."
Ele aponta para as
sensibilidades da França, membro da OTAN, e como a Europa perdeu espaço
geopolítico para os interesses americanos.
"Enquanto a
França, por sua posição na Europa e na OTAN, está mais envolvida nos conflitos,
o Brasil adota uma postura mais distante, buscando uma solução pacífica e
dialogada para os problemas."
• Acordo entre Mercosul e União Europeia
Para o pesquisador,
Macron se posicionou novamente contrário ao acordo entre Mercosul e União
Europeia por "questões domésticas".
"O lobby do setor
agrícola francês é muito bem organizado e tem pressionado o governo
francês."
Ele observa que,
apesar das expectativas de uma possível mudança de posicionamento, os
interesses de ambos os países foram mantidos.
Na visão do
especialista, as declarações de Macron sobre a necessidade de "partir da
negociação do zero" indicam uma postura de obstáculo ao acordo.
"Nesse sentido,
me parece que o posicionamento do presidente Lula foi muito acertado quando ele
disse que não foi por falta de tentativa e a culpa não é dos países do
Mercosul."
Ainda que tal impasse
seja o principal ponto de tensão na relação entre Brasil e França, segundo o
pesquisador, ele entende que isso não compromete a perspectiva de construção de
uma parceria entre os dois países.
Relações entre Brasil
e França
Segundo Rodrigues,
após período de tensão nas relações bilaterais entre Brasil e França durante o
governo Jair Bolsonaro (PL), a visita do presidente francês marca uma retomada
das relações diplomáticas.
Não apenas isso, como
também a "continuação de uma tradição diplomática", exemplificada
pelo Programa para o Desenvolvimento dos Submarinos (PROSUB), firmado em 2008.
Outro ponto que possui
mais convergências é o conflito na Faixa de Gaza, para Rodrigues, que define a
situação como um genocídio.
"A França,
inclusive nas resoluções do Conselho de Segurança, nos seus posicionamentos
discursivos, tem sido favorável inclusive a iniciativas brasileiras, de pausas
humanitárias e de cessar-fogo."
Rodrigues também
destacou a condecoração do cacique Raoni pela França durante a visita a Belém
(PA) como um símbolo de uma "certa convergência entre os governos na
questão da agenda ambiental", apesar da utilização dessa pauta por Macron
para justificar sua posição contrária ao acordo Mercosul-UE.
• Macron diz que cabe a Lula decidir sobre
convite a Putin para o G20
A visita de Emmanuel
Macron ao Brasil acabou nesta sexta-feira (29). Ele e o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva tiveram uma agenda de três dias em diversos pontos do país. O
líder francês relacionou o eventual convite de Lula a Putin no G20 ao seu convite
ao presidente russo para evento do G7.
Na quinta-feira (28),
ao falar sobre a presidência do Brasil no G20, Macron disse a Lula que cabe ao
líder decidir sobre um eventual convite ao presidente Vladimir Putin para a
cúpula do grupo em novembro no Rio de Janeiro.
Segundo Macron, o tema
deve ser abordado levando em conta "a liberdade de quem convida e o
respeito de todos" do G20, relata a Folha de S.Paulo.
"Eu não tenho
lição para dar a ninguém, mas quando o presidente Lula convida, ele é
responsável de seus convites", disse Macron.
O líder francês usou
como exemplo a reunião do G7 em 2019, na França, quando ele convidou Putin para
uma reunião dias antes da cúpula do clube de países ricos.
Segundo Macron, ao
levar a possibilidade de convidar o presidente russo para o G7, houve reação
dos demais membros do grupo: "Coloquei-me a mesma questão em 2019, no
momento do G7. Colocamo-nos a mesma questão, de convidar o presidente Putin. A
situação era menos grave [...]."
"Jamais tive
consenso dos outros [membros do G7]. Alguns me disseram: 'Se você o chamar, eu
não irei.' Isso será um bloqueio. Então o que ocorreu é que eu tomei uma
decisão de convidar o presidente Putin a Brégançon, vocês se lembram talvez. Eu
tentei chegar a um resultado, já que haveria o G7 algumas semanas depois. Penso
que é uma questão legítima."
No entanto, a
principal diferença do caso citado por Macron é que a Rússia não é parte do G7,
mas integra o G20 como membro pleno. O líder francês destacou que decisões do
G20 são consensuais.
"Será um trabalho
da diplomacia brasileira, nós faremos tudo para ajudar. Se houver um encontro
que pode ser útil, é necessário fazê-lo. Se é um encontro que não é útil e vai
provocar divisão, me parece não necessário fazê-lo. Estamos a serviço da paz e
do interesse comum", afirmou.
Os dois líderes também
conversaram sobre o conflito na Ucrânia. Ao lado de Macron, Lula voltou a
defender a paz no conflito e disse que o Brasil segue neutro.
"[...] resolvemos
não tomar lado porque nós queremos criar condições de voltar à mesa de
negociação e dizer que a guerra só vai ter uma solução, que é a paz […]. A
destruição, os gastos, os investimentos em armas são muito maiores do que os
investimentos feitos para combater a fome, a desigualdade e a miséria."
Lula também relembrou
que em 2003 declinou o convite do então presidente dos Estados Unidos, George
Bush, para participar da invasão ao Iraque, já que seu compromisso sempre foi
combater as desigualdades.
Já Macron afirmou que
"a França quer o diálogo, quer voltar à mesa de negociações. Mas a França
quer dizer que não somos fracos. Se houver uma escalada sem fim daqueles da
agressão, nós temos de nos organizar para não ter que lamentar apenas".
Fonte: Sputnik Brasil
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