A Guiana Francesa poderia florescer
perfeitamente sem a França? Guianenses reivindicam autonomia
Considerada
departamento ultramarino francês desde 1946, a Guiana Francesa tenta ressurgir,
mais uma vez, em busca de autonomia e independência. O passo recente mais
significativo se materializa na eleição de um membro do MDES (Movimento para a
Descolonização e a Emancipação Social) para a Assembleia Legislativa da França.
O clamor por autonomia
e independência é evidente nos relatos do congressista guianense no Legislativo
francês, Jean-Victor Castor, eleito para o cargo em 2022. Castor, um dos
criadores do partido separatista MDES, fundado na primeira metade dos anos
1990, afirma que "a Guiana [Francesa] tem todos os recursos para ser
autônoma e depois independente".
A tentativa de
implantar um assimilacionismo (teoria que defende a fusão de culturas
diferentes), ao imputar leis francesas em um território a cerca de 7 mil
quilômetros de distância e em outro continente, é reconhecida pelo deputado
guianense como uma "assimilação colonial". Ou seja, uma manobra com o
intuito de fazer com que a população esquecesse sua realidade geográfica, a fim
de acreditar que pertencia à França.
"Dizer que a
Guiana é francesa e europeia é uma ficção jurídica. A Guiana [Francesa] é
amazônica e sul-americana", enfatiza.
Segundo Castor, a
"doutrina da França ainda é colonial" e o status atual — entre França
e Guiana Francesa — é insustentável. "O método francês de gestão colonial
da Guiana é anacrônico e inadequado", comenta.
O que o congressista
defende é que haja autonomia nas decisões tomadas para a gestão do território,
uma vez que o modo como a França coordena a situação atualmente atrapalha os
interesses dos próprios guianenses. "Embora tenha todo o potencial para se
desenvolver, a Guiana está se tornando mais pobre."
Como exemplo da não
funcionalidade da importação de leis francesas para o território da Guiana
Francesa, Castor aponta regras que são determinantes para frustrar a economia
endógena do território, sobretudo no setor primário — além de o governo francês
ser dono de mais de 90% das terras, segundo ele.
"A França quer
aplicar na Guiana leis feitas para a França, não para a Guiana. Não pode
funcionar e não funciona. Imagine que não temos o direito de comprar e usar
produtos inseticidas do Brasil porque eles não atendem aos padrões franceses,
embora os insetos sejam de fato amazônicos! Imagine que temos que importar
madeira da França porque as nossas não são padronizadas pela França! As
aberrações são numerosas. Somos limitados por regras que não fazem sentido para
nós", explica o deputado em conversa com a Sputnik Brasil.
Iuri Cavlak, professor
de teoria da história da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e
especialista nas Guianas, percebe que os autonomistas são mais fortes
numericamente e têm mais poder político que os independentistas, embora o tema
"independência" jamais tenha desaparecido do radar.
Segundo ele,
basicamente os autonomistas "reivindicam maior participação nas decisões
de Paris e mais investimentos estatais, além de maior autonomia em questões
econômicas e de política externa com a vizinhança". Entretanto ele
considera que "com a Base Espacial Europeia gerando milhares de euros,
acho difícil a França permitir a escalada de um processo independentista, mesmo
em um cenário de agravamento de crise".
Em relação ao
desenvolvimento da região, Cavlak cita a reprodução desigual e combinada do
capitalismo, bem como a carência da Guiana Francesa em uma estrutura turística
e um solo não facilmente manejável para a agricultura. Além disso, o
pesquisador menciona a escolha da França, com o passar dos anos, como uma
região de segurança, não de povoamento.
·
Qual a relação atual dos guianenses com a
França?
Antes de estudar na
França, o psiquiatra martinicano Frantz Fanon conta em seu livro "Peles
Negras, Máscaras Brancas", publicado no começo dos anos 1950, que na ilha
do Caribe a população se considerava francesa. Afinal Fanon não era oriundo das
colônias da África como os malgaxes ou os senegaleses, embora fosse negro.
Todas as previsões caem por terra quando o autor passa a vivenciar o racismo no
país europeu e escreve o livro.
Assim como na
Martinica contada por Fanon, Daniel King, militante cultural do rio Oiapoque e
morador da cidade Saint-Georges-de-l'Oyapock, afirma que "os velhos
guianenses se acham mais franceses que os jovens". Estes, por sua vez,
"se identificam como guianenses, com uma bandeira. A população é jovem e
desempregada", pontua, evidenciando uma diferença entre as relações das
gerações na Guiana Francesa com a França. King inclusive destaca o racismo na
França e diz que não é uma questão de nacionalidade.
Castor considera que
"o passaporte europeu é uma ilusão que isola o povo guianense do seu
ambiente regional". Ele ressalta ainda que para a França a imagem da
Guiana Francesa é "a do inferno verde e da colônia penal",
preconceitos que ainda reverberam. Entretanto o deputado diz que o Estado
francês "conhece muito bem todo o potencial da Guiana, razão pela qual não
quer que tenhamos mais autonomia", acrescenta.
·
Independência seria a solução?
Quando perguntado
sobre a independência, King é enfático ao dizer que "a independência é a
solução". Para ele, a região não se desenvolve por "responsabilidade
da França, o colonizador".
A independência em si
é vista como algo talvez um pouco mais distante por Castor, embora ele acredite
que ela possa se tornar realidade. Mas o foco da exigência de agora é a
autonomia. "A Guiana poderia florescer perfeitamente sem a França."
King descreve a Guiana
"como um país rico" e confia que a independência virá. "A
história mostra que isso não pode ser para sempre", diz, sobre a atual
situação da Guiana Francesa.
Na avaliação de
Cavlak, a Guiana Francesa, no caso de uma independência "no formato
clássico de um país que se torna soberano, nos marcos da economia de mercado,
em pleno mundo do século XXI de guerras, imperialismo e competição
internacional selvagem, não teria a menor chance de prosperar."
Por outro lado,
"uma independência com socialização dos meios de produção, soberania
popular e sobretudo união com os países do entorno poderia dar certo",
considera o professor da Unifesp.
Ø
Macron irrita europeus ao forçar liderança
e enfureceu EUA ao propor tropas na Ucrânia, diz mídia
Com o Reino Unido fora
da União Europeia e com a Alemanha "dividida", Macron tem se
transformado no político do bloco mais atuante externamente, mas nem todos os
seus aliados estão convencidos de que ele é o melhor defensor dos seus
interesses, escreve a Bloomberg.
Nos últimos meses, o
presidente francês Emmanuel Macron tem feito declarações mais duras em assuntos
de política externa, seja em relação aos conflitos na Ucrânia ou em Israel, o
veto sem cerimônias ao acordo entre a União Europeia e Mercosul e seus planos
para África.
Seu polêmico
comentário sobre botas da OTAN em terreno ucraniano em fevereiro rendeu uma
recriminação instantânea e muito pública do chanceler alemão Olaf Scholz e
irritou autoridades dos Estados Unidos que dizem em particular que tal medida
poderia até mesmo provocar o risco de fomentar um confronto com Moscou, de
acordo com um alto funcionário familiarizado com as discussões entre aliados,
ouvido pela mídia.
"Ao forçar Berlim
a descartar publicamente a possibilidade de enviar tropas, Macron conseguiu
dissipar a ambiguidade persistente que existia sobre o paradeiro das linhas
vermelhas dos aliados", de acordo com um alto funcionário norte-americano.
As insinuações de
Macron foram feitas para manter o presidente russo Vladimir Putin na dúvida,
disse ele na época, mas responsáveis familiarizados com as discussões da OTAN
sobre a Ucrânia afirmaram que podem ter tido o efeito oposto.
Comentando as palavras
do presidente francês, o Kremlin indicou que tal desenvolvimento levaria
inevitavelmente a um confronto militar direto entre a Rússia e a OTAN. O
porta-voz do presidente russo, Dmitry Peskov, descreveu o simples fato de
discutir a possibilidade de enviar "alguns contingentes para a
Ucrânia" como uma novidade importante.
Em resposta às
palavras de Macron sobre a falta de linhas vermelhas por parte da França em
relação a Kiev, Putin indicou que Moscou também não teria linhas vermelhas
contra Estados com essa abordagem, mas enfatizou que Paris poderia desempenhar
um papel na resolução pacífica do conflito: "Nem tudo está perdido
ainda", afirmou.
Os comentários também
não foram muito inteligentes do ponto de vista da segurança operacional – de
acordo com funcionários separados que também falaram com a Bloomberg sob
condição de anonimato – especialmente tendo em conta que vários países já,
discretamente, têm algum pessoal na Ucrânia, admite a mídia norte-americana.
Muitos planos da
Europa para resolver a escassez de armas na Ucrânia é emblemático da razão pela
qual Macron irrita alguns aliados, uma vez que "os críticos do presidente
francês dizem que ele fala mais do que age".
A República Tcheca
lidera uma iniciativa que prevê a aquisição de cerca de 800 mil munições em um
futuro próximo de fontes fora da UE. Embora Macron tenha dito no mês passado
que apoiava a iniciativa tcheca, a França ainda não deu uma contribuição financeira.
Contudo, desde o
início do conflito, Paris tem ficado muito atrás dos seus aliados em termos de
ajuda global enviada à Ucrânia, de acordo com o Ukraine Support Tracker do
Instituto Kiel.
"Macron perdeu
uma oportunidade de conquistar de forma decisiva a liderança europeia no início
da invasão russa da Ucrânia. Ele agora está fazendo progressos para corrigir
esse erro", disse Rym Momtaz, pesquisador do Instituto Internacional de Estudos
Estratégicos baseado em Paris.
Ø
Em parceria com a França, Lula anuncia
programa para investir R$ 5,4 bilhões na Amazônia
Nesta terça-feira
(26), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da França, Emmanuel
Macron, revelaram um programa conjunto destinado a investir 1 bilhão de euros
(cerca de R$ 5,4 bilhões) na bioeconomia da Amazônia brasileira e da Guiana Francesa,
território ultramarino da França na América do Sul.
O investimento no
bioma amazônico, programado para os próximos quatro anos, será uma colaboração
entre bancos públicos brasileiros e a Agência Francesa de Desenvolvimento
(AFD), com previsão de participação do setor privado.
O plano delineado
pelos dois governos inclui diversos componentes-chave, como diálogo entre as
administrações francesa e brasileira sobre os desafios da bioeconomia, parceria
técnica e financeira com bancos públicos brasileiros e nomeação de coordenadores
especiais para empresas inovadoras em bioeconomia.
Além disso, está
prevista a criação de um novo acordo científico entre a França e o Brasil,
operado pelo Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o
Desenvolvimento (CIRAD, na sigla em francês) e pela Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (Embrapa), e a formação de um hub de pesquisa,
investimento e compartilhamento de tecnologias para a bioeconomia.
Os dois países também
afirmaram o envolvimento das comunidades locais na tomada de decisão dos
investimentos e anunciaram um grande plano de investimento global, público e
privado, para a bioeconomia, promovido no âmbito da presidência brasileira do
G20.
Os investimentos se
concentrarão em ações de conservação e manejo sustentável das florestas,
tecnologias baseadas em recursos biológicos, capacitação e criação de empregos,
e manejo sustentável das florestas e da biodiversidade.
Sobre o mercado de
carbono, ambos os governos defenderam altos padrões para seu estabelecimento,
visando remunerar os países florestais que investem na restauração de
sumidouros naturais, conforme previsto no Acordo de Paris.
Lula e o líder do
governo francês solicitaram a finalização das negociações para esse mercado o
mais rápido possível, destacando que o comércio de crédito de carbono pode
viabilizar o financiamento de projetos ambiental e socialmente responsáveis.
Os presidentes também
se comprometeram a promover parcerias globais para financiar a proteção das
florestas tropicais e da biodiversidade, incluindo novos instrumentos de
financiamento.
França e Reino Unido
propuseram que o Brasil indique um novo membro para o Painel Internacional de
Créditos de Biodiversidade, visando fortalecer os esforços para incentivar o
financiamento da proteção e restauração da biodiversidade pelo setor privado.
Fonte: Sputnik Brasil
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