O mundo das tentantes: as mulheres que
querem engravidar e não conseguem
“E aí, quando vem o
bebê?”
Por trás de uma
resposta evasiva a essa pergunta, algumas mulheres acumulam testes negativos de
gravidez, vergonha, ansiedade e frustrações com as tentativas sem sucesso de
engravidar.
O g1 conversou
com as chamadas tentantes – mulheres que estão tentando ter filhos. Em alguns
casos, a dificuldade tem uma causa diagnosticada, que pode ser tanto na mulher
como no homem, ou em ambos.
Em outros, mesmo após
uma bateria de exames, não há nada que evidencie o motivo do insucesso. Depois
de concluída a investigação do casal e não encontrada qualquer causa que
poderia afetar a fertilidade, a medicina chama o caso de Infertilidade Sem
Causa Aparente (Isca).
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Anailza tenta há 6 anos
Este é o caso da
auxiliar de produção Anailza da Silva Ferreira, de 38 anos, e do marido, do
interior de São Paulo. Eles decidiram engravidar quando ela fez 32 anos.
"Eu achei que ia ser rápido, que em uns dois, três meses eu já estaria
grávida".
No entanto, desde que
parou de tomar anticoncepcional, há cerca de seis anos, começaram as tentativas
frustradas. “Já teve mês que atrasou sete, oito dias [a menstruação]. Eu vou na
farmácia, compro o teste de gravidez, mas dá negativo”, conta Anailza, que
disse já ter feito mais de 30 testes ao longo dos últimos anos.
Depois de procurar
orientação médica e passar por exames, nada foi encontrado no casal que pudesse
prejudicar a concepção.
"Essa é a parte
que mais me faz sofrer. Se fosse descoberto uma causa, um porém. 'Você tem
isso, sua trompa está obstruída, seu útero está virado,' seja lá o que for, eu
ia ficar satisfeita. Mas no meu caso é tudo normal, não foi encontrado nada que
impeça a gente de gerar uma vida".
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Endometriose, baixa produção de
espermatozoides e 10 anos de espera
Já a cabeleireira
Daniele da Silva Tavares, de 39 anos, da Zona Norte da capital paulista, teve o
diagnóstico logo que procurou ajuda médica, há quase 10 anos: endometriose.
Além disso, o marido também tem baixa produção de espermatozoides.
"Vamos tentar de
novo, de novo, todo mês é isso. Quando você está tentando, você vive em prol
disso, sabe? Mais uma chance, mais uma chance, mais uma chance. E o tempo vai
passando", contou a cabeleireira.
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'Meu calendário era o meu ciclo menstrual'
A pediatra Geiza
Sucharski, de 38 anos, de Barueri, na Grande São Paulo, também contou que a
vida girava em torno desse objetivo.
“O meu calendário já
não era contado mais nos meses do calendário habitual, o meu calendário era o
meu ciclo menstrual”, contou.
Ela e o marido, também
médico, combinavam de nunca marcar plantões durante o período fértil de Geiza,
quando acontece a ovulação e há a chance de concepção caso aconteça relação
sexual.
A pediatra Geiza
Sucharski, de 38 anos, não tinha como escapar do universo da maternidade quando
vivia a ansiedade de tentar engravidar. — Foto: Fábio Tito/g1
“Esse assunto
martelava na minha cabeça todo dia, 24 horas por dia”, disse Geiza. A pediatra
não tinha como escapar. Faz parte de sua rotina de trabalho acompanhar partos,
ajudar mães a amamentar e atender recém-nascidos.
"Eu chegava em
casa triste por ser pediatra, por estar vendo outras famílias vivendo um
momento que eu dava tudo pra viver", conta Geiza.
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Ansiedade, comentários invasivos e inveja
de amigas grávidas
Se tivesse um
sentimento para definir as tentantes, seria ansiedade. “Fui trabalhando na
minha cabeça até para isso não mexer com o meu psicológico e eu entrar numa
depressão”, contou a cabeleireira Daniele.
E essa sensação que
acompanha as tentantes vai na contramão de um dos principais palpites dados a
quem quer engravidar: “relaxa que engravida”.
"Como se fosse
simples não pensar naquilo que você mais deseja", diz Geiza. E mais, a
ideia de que a mulher está cometendo um erro ao ficar ansiosa pode fazer com
que se sinta culpada por seus sentimentos e torne ainda mais angustiante a
espera do resultado positivo.
A psicóloga Bruna de
Marchi, especialista em tentantes, disse que o primeiro passo é acolher esse
sentimento. “A ansiedade é esperada nesse momento”. Segundo ela, o que a mulher
pode fazer é tentar tornar os pensamentos mais racionais e focados no presente.
“A ansiedade tem muita ligação com o futuro. Será que a mulher não está
antecipando algum futuro catastrófico?”
A psicóloga Jamile
Jaber, especialista no assunto, disse que também é importante evitar
controlar tudo, como todas as datas relacionadas ao período fértil.
“Embora seja útil usar
dispositivos como testes de ovulação para orientação, é importante não se fixar
obsessivamente neles”.
Um fator que contribui
para a ansiedade são os comentários invasivos. "Quando você vai ser mãe,
Anailza? Todo mundo [da família] é, menos você, e você é uma das mais velhas”,
escutou a auxiliar de produção.
É o que também viveu
Daniele, que já ouviu até que o marido era "ralo". "Qualquer
comentário, quando a mulher está tentando, entristece a pessoa", disse.
No consultório das
psicólogas, também é comum o sentimento de vergonha e até inferioridade em
relação às outras mulheres. "Tem mulher que diz que se sente como uma
'árvore seca', sem utilidade, e isso machuca muito", disse Bruna de
Marchi.
"E, muito pelo
contrário, vejo o quanto tem de força, resiliência e comprometimento nessas
mulheres", afirmou a psicóloga.
Outra angústia comum é
o desconforto quando alguma amiga da tentante conta que está grávida.
"Não é um
sentimento que define uma pessoa. E, na maioria das vezes, não é nem inveja, é
porque a notícia fez a mulher entrar em contato com aquela dor", disse de
Marchi.
·
Relações sexuais mecânicas
Com o passar do tempo
e as tentativas frustradas, o sexo entre o casal, essencial para o êxito da
gravidez, pode se tornar um fardo.
"A relação sexual
pode ser associada também a esse fracasso, e pode trazer até repulsa",
explicou a psicóloga Bruna de Marchi. "Tem mulher que na hora da relação
já está fazendo a conta dali a quantos dias poderá fazer o teste de gravidez",
contou.
“O estresse pode
tornar as relações sexuais mecânicas, focadas apenas na gravidez, o que pode
afetar emocionalmente uma das partes”, disse a psicóloga Jamile.
A dica das
especialistas é tentar ter relações fora do período fértil também, para que a
vida sexual do casal não foque apenas na procriação.
·
Pernas para cima e dicas furadas
Além do desgaste
emocional causado pelas tentativas sem sucesso, as tentantes ainda recebem uma
enxurrada de dicas e falsas promessas - inclusive em redes sociais.
"Várias pessoas
falaram para mim, 'depois da relação, você levanta as pernas, não levanta pra
nada'. Eu segui tudo. Mas nada deu certo até agora", conta Anailza.
A ideia por trás da
crença popular é que fazendo isso a mulher está facilitando o caminho do
espermatozoide para chegar no lugar em que vai acontecer a fecundação. No
entanto, as médicas explicam que a dica é mito - não tem posição que
favoreça a subida do espermatozoide.
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Nova fase das tentativas - Fertilização in
Vitro
A Anailza e a Daniele
irão começar uma nova fase das tentativas. Elas irão fazer Fertilização In Vitro (FIV), procedimento em que a fertilização do óvulo pelo
espermatozoide ocorre em laboratório, e, depois, o embrião é colocado dentro do
útero. A partir daí, a gravidez pode ou não se desenvolver.
"Eu sei que eu
posso conseguir, como não, mas o que der para tentar eu vou tentar para depois
não ficar aquela culpa", disse Anailza
As duas estão fazendo
o tratamento no Hospital da Mulher, na cidade de São Paulo. Este é um dos
três do estado que realiza todo o procedimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Em clínicas particulares, cada fertilização sai, em média, R$ 25 mil.
"Hoje, depois de
quase dez anos nesse processo todo, eu coloco nas mãos de Deus. A resposta que
vier foi a vontade dele", disse Daniele.
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Quando procurar ajuda médica?
Segundo a
ginecologista especialista em reprodução humana e membro do Conselho Consultivo
da Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA), Maria do Carmo Borges
de Souza, o momento de procurar ajuda médica depende da idade da mulher.
👩🏽⚕️Em mulheres de até 35 anos, o casal deve procurar auxílio médico
após um ano de tentativas.
👩🏽⚕️ Já em mulheres de 35 a 38 anos, após seis meses de
tentativas.
👩🏽⚕️Para mulheres de 39 anos ou mais, a orientação é procurar ajuda
médica assim que houver a decisão de engravidar.
Isso porque para as
mulheres com mais de 35 anos não há tempo a perder. “A idade da mulher é um
marco importante porque o óvulo da mulher tem a idade dela”, explica a
ginecologista.
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“Demanda reprimida” no SUS
A FIV está no âmbito de cobertura do SUS desde 2005, mas poucos hospitais públicos realizam o procedimento.
No serviço público, a
porta de entrada para tratamentos de reprodução assistida são as Unidades
Básicas de Saúde (UBSs).
No Estado de São
Paulo, três hospitais realizam esse procedimento: o Hospital da Mulher e o
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(FMUSP), na capital paulista, e o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto.
Após o diagnóstico
inicial de infertilidade na unidade de saúde, a paciente irá aguardar na
Central de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde (Cross), que regula a
ocupação das vagas nos hospitais do estado.
Para entrar na fila da
reprodução assistida, a mulher deve estar no máximo a um dia de completar
38 anos. E, uma vez no tratamento, cada mulher poderá realizar até duas
tentativas de Fertilização In Vitro.
“A gente tem uma
demanda reprimida, se a gente tivesse estrutura para fazer 10 vezes mais, a
gente encheria amanhã o Hospital da Mulher”, disse o médico Artur Dzik,
responsável técnico pelo Serviço de Reprodução Humana Assistida do local.
Em 2023, o Hospital da
Mulher realizou 189 ciclos de fertilização in vitro, informou a Secretaria
Estadual de Saúde.
·
Carta às tentantes
Após mais uma
tentativa, a pediatra Geiza contou que começou a sentir sintomas semelhantes
aos pré-menstruais, mas... dessa vez eram diferentes. Ao primeiro atraso da
menstruação, ela fez o teste. "Eu falei 'vai dar negativo, vai dar
negativo, não vai dar certo'. E aí apareceu escrito: grávida".
A pediatra precisou de
mais um exame de farmácia e de cinco exames de sangue para se convencer que o
período de tentante tinha acabado.
Depois da experiência,
ela decidiu escrever uma "carta às tentantes" em suas redes sociais.
"O que eu vivi,
todos esses sentimentos, as frustrações, as tristezas mesmo, ser tentante é
muito triste, é muito solitário. Algumas tentam por muitos anos. Eu tentei por
um ano e quatro meses e na minha percepção foi bastante tempo".
Fonte: g1
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