Caso Marielle: como investigação revela os
tentáculos do crime organizado no mundo político
Câmara dos Deputados,
Assembleia Legislativa, Câmara Municipal, Tribunal de Contas do Estado do Rio.
Em cada uma dessas instituições, atua um Brazão, clã que teve dois membros, Chiquinho e
Domingos, presos no domingo (24/3) no âmbito da investigação das mortes de
Marielle Franco e Anderson Gomes.
Entre o fim de 2023 e
início de 2024, na prefeitura do Rio de Janeiro, a
Secretaria Especial de Ação Comunitária também teve Chiquinho como titular.
Para este ano, os
Brazão já preparam a renovação: o jovem Kaio Brazão, de 22 anos, deve concorrer
para vereador, tentando garantir a sobrevivência do clã político, agora sob
investigação policial.
A presença ostensiva
em instituições públicas indica a pujança da máquina política fundada por
Domingos Brazão em 1996, quando se elegeu pela primeira vez vereador pelo
antigo PL. Ela não é a única do gênero a atuar no Estado, mas tem
características próprias.
Uma é seu forte
enraizamento na Zona Oeste do Rio, a partir da Taquara, bairro da região de
Jacarepaguá, com assistencialismo, prestação de favores e serviços sociais em
áreas com presença de milícias.
Outra particularidade
é a forte proximidade com agentes do Estado — policiais, por exemplo. A
terceira é sua penetração, por meios legais, em instituições públicas, como os
vários níveis do Legislativo — às vezes, importante para a governabilidade,
abrindo espaço no Executivo.
Não foi por acaso que
o então candidato à reeleição, governador Cláudio Castro (PL) elogiou Chiquinho
em discurso na campanha passada.
Também não foi sem
motivo que o prefeito Eduardo Paes foi a um evento de pré-lançamento da
candidatura de Kaio Brazão recentemente.
Os dois eventos foram
gravados em vídeo, que circularam nas redes sociais e aplicativos de mensagem
depois que a Polícia Federal prendeu Chiquinho e Domingos Brazão na manhã do
domingo.
A nomeação do deputado
federal para a Secretaria Municipal no fim do 2023 — ele pediu demissão no
começo de fevereiro — foi outro sinal da força da família.
Atualmente, a
estrutura política do clã inclui:
- Chiquinho Brazão, deputado federal;
- Manoel Inácio (conhecido como Pedro) Brazão, deputado
estadual;
- Waldir Rodrigues Moreira Júnior (sem parentesco direto, mas
ligado politicamente à família e conhecido como Waldir Brazão), vereador;
- Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do
Estado do Rio, após carreira parlamentar.
Chiquinho e Manoel se
elegeram pelo União Brasil; Waldir não tem filiação, segundo seu perfil no site
da Câmara. Domingos chegou ao cargo na corte de Contas em 2015, com apoio do
seu último partido, o MDB de Sérgio Cabral Filho. O governador era Luiz Fernando
Pezão.
Para o cientista
político Ricardo Ismael, da PUC-RJ, embora tráfico e milícia de outros Estados
também atuem politicamente, a situação no Rio e Janeiro tem particularidades
que a tornam única.
Aqui, observa, a
presença de traficantes e milicianos na política é “muito mais forte” do que em
outros Estados.
O pesquisador ressalta
que, em território fluminense, ocorre a confluência da política institucional
com a dominação de territórios por milicianos e a influência desses grupos no
aparelho de Estado, fortalecendo-os.
Para ele, as
investigações do caso Marielle Franco desvendaram uma grande vulnerabilidade do
sistema político e partidário local.
“Não se pode
naturalizar que uma das pessoas presas tivesse influência na Polícia Civil”,
afirmou. “O outro [preso] é deputado federal… Não se pode achar tudo isso
natural ou normal.”
Além de Chiquinho e
Domingos Brazão, o ex-chefe de polícia do Estado do Rio Rivaldo Barbosa também
foi preso preventivamente neste domingo (24/3).
Os Brazão negam
qualquer participação no caso. A BBC News Brasil ainda não conseguiu contato
com a defesa de Barbosa.
·
Estado e prefeitura
dizem apoiar investigações
Procurados pela BBC
News Brasil, o governo do Rio e a prefeitura da capital responderam com notas
de apoio às investigações do caso Marielle.
Sem comentar o
discurso de apoio de Cláudio Castro a Chiquinho Brazão na campanha de 2022, o
governo estadual divulgou o seguinte texto:
“O Governo do Estado
vem desde cedo acompanhando a operação da Polícia Federal, inclusive três
delegados da Subsecretaria de Inteligência da Polícia Civil, escolhidos em
comum acordo com a PF, acompanharam as diligências que envolvem dois delegados
e um comissário.”
“O desfecho do brutal
assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes é um
passo importante para enfrentarmos o crime organizado em nosso estado. A
participação, seja qual for, de agentes públicos neste crime, será
rigorosamente apurada para que sejam punidos exemplarmente.”
“A Corregedoria Geral
Unificada, sob a liderança do desembargador Antônio José Ferreira Carvalho, vai
apurar a conduta destes policiais com o devido rigor necessário. Continuamos
apoiando as instituições para o desfecho final desse crime!”
Já a prefeitura do
Rio, também sem comentar a presença de Eduardo Paes no evento de Kaio Brazão,
afirmou, por escrito, o seguinte:
"A Prefeitura do
Rio informa que o Partido Republicanos, ao estabelecer aliança com a
administração municipal, escolheu no final de 2023 o deputado federal Chiquinho
Brazão como representante da legenda para ocupar a Secretaria de Ação
Comunitária. Quando surgiram especulações sobre o caso, foi solicitada ao
partido a indicação de um nome para substituí-lo e ele foi exonerado no início
de 2024. A Prefeitura do Rio reforça seu apoio às investigações sobre o
assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes e espera que o caso seja
elucidado pela Justiça."
¨ Miliciano infiltrado no PSol ajudou a planejar morte de Marielle
O planejamento da
morte de Marielle Franco, assassinada em 14 de março de 2018, envolveu um
miliciano infiltrado no Partido Socialismo e Liberdade (PSol). De acordo com
relatório final da Polícia Federal (PF), Laerte Silva de Lima se filiou à sigla
cerca de um ano antes da execução da vereadora e era responsável por “levantar
informações internas” da legenda.
Segundo delação
premiada de Ronnie Lessa, um dos executores de Marielle, Laerte alertou
Domingos Brazão, um dos mandantes do crime preso neste domingo (24/3), de que a
vereadora estaria pedindo para a população das regiões de atuação dos irmãos
Brazão que não aderissem a “novos loteamentos situados em áreas de milícia”.
Durante as
investigações, a PF constatou que, no período em que antecede a morte de
Marielle, Laerte manteve “intensa comunicação” com o Major Ronald, miliciano
indicado como um dos autores intelectuais do assassinato. Laerte é membro da
milícia de Rio das Pedras e tinha ligação estreita com o Escritório do Crime —
quadrilha de matadores de aluguel que atua na Zona Oeste do RJ.
A motivação para matar
Marielle teria surgido de informações fornecidas por Laerte, que indicavam que
a vereadora teria se tornado em um “obstáculo” aos interesses dos mandantes do
crime. Isso porque o miliciano se infiltrou no PSol, inicialmente, para levantar
dados gerais sobre os políticos do partido, já que os irmãos Brazão têm
histórico de rivalidade com parlamentares da sigla.
Meses após a
infiltração, Laerte começou a municiar os Brazão com informações sobre a
atuação política de Marielle e o nome da vereadora se tornou alvo dos
milicianos. “Domingos Brazão passou a ser mais específico sobre os obstáculos
que a vereadora poderia representar. São feitas referências a reuniões que a
vereadora teria mantido com lideranças comunitárias da região das Vargens, na
Zona Oeste Rio de Janeiro, para tratar de questões relativas a loteamentos de
milícia”, destaca o relatório da PF.
“Mencionou-se que, por
conta de alguma animosidade, haveria um interesse especial da vereadora em
efetuar este combate nas áreas de influência dos Brazão, dado que seria oriundo
das ações de infiltração de Laerte”, relatou Lessa na delação. Os irmãos Brazão
chegaram a ser alertados da possibilidade de Laerte estar inventando
informações para “prestar contas” de sua infiltração no PSol, o que poderia
levar a um “superdimensionamento das ações políticas de Marielle” em relação ao
combate aos loteamentos ilegais.
Ø
"Sensação de dever cumprido", diz
Cidinha após prisão de Domingos Brazão
Cidinha Campos
comentou nesta segunda-feira (25), no Show do Clóvis Monteiro, da Super Rádio
Tupi, a prisão de Domingos Brazão. A comunicadora da Tupi e ex-deputada teve
uma série de confrontos com Brazão ao longo dos anos, sempre apontando a
ligação dele com o crime.
O conselheiro do TCE
foi preso no domingo (24) com seu irmão, o deputado federal Chiquinho Brazão, e
o ex-chefe da Polícia Civil, Rivaldo Barbosa. Eles são apontados como mentores
intelectuais do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson
Gomes, em 2018.
“Sensação de dever
cumprido. Durante todo meu período na Alerj sempre me opus a ele (Brazão). A
primeira denúncia que fiz foi em 2004. Já tinha perdido as esperanças, pensei
que nunca fosse vencer apesar das minhas denúncias de que ele era um bandido
perigoso e matador. Marielle não é a única pessoas que ele mandou matar”,
afirmou em entrevista ao comunicador Clóvis Monteiro.
Cidinha sempre
apresentou relatórios sobre ações criminosas de Brazão, mas nunca conseguiu que
casos de corrupção e assassinatos fossem apurados.
·
Ameaça de morte contra
Cidinha
O relatório final da
Polícia Federal que detalha a investigação, inclusive, cita a ex-deputada
Cidinha Campos ao falar sobre ameaças públicas de morte de Domingos Brazão a
rivais.
A comunicadora chegou
a registrar boletim de ocorrência contra Brazão, na Polícia Civil do Rio de
Janeiro, por ameaça. Em 2014, Cidinha acusou Brazão de, numa reunião, ter dito
que a mataria.
“Ele me chamou de
puta, vagabunda e disse que mandava matar vagabundo, mas vagabunda, não. Mas
que tinha vontade de me matar”, disse Cidinha Campos, à época, no plenário da
Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
Ø
Deputados bolsonaristas não se comprometem
com defesa de Chiquinho Brazão no plenário da Câmara
Parlamentares
bolsonaristas afirmam que ainda não têm definição sobre como vão votar na
sessão que deve decidir sobre a manutenção da prisão do deputado federal Chiquinho Brazão na Câmara dos Deputados. O deputado é suspeito de ser um dos
mandantes do assassinato da vereadora do
Rio de Janeiro Marielle
Franco e do motorista Anderson Gomes, em 2018, e foi preso neste domingo, 24.
A defesa de Chiquinho
Brazão foi procurada neste domingo, mas não se manifestou. No último dia 20, em
nota, ele se disse “surpreendido por especulações que buscam lhe envolver no
crime”.
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem o prazo de 24 horas para comunicar oficialmente a
prisão de Brazão à Câmara, e então a Casa deve analisar a situação em plenário
na próxima sessão legislativa, que ocorre na terça-feira, 26.
A líder da minoria na
Câmara, deputada Bia Kicis (PL-DF), disse
que antes de decidir sobre o voto, a oposição ao governo Lula precisa analisar
os “requisitos constitucionais”. Ao Estadão, a deputada afirmou ainda que,
para ela, “parece que ele não poderia ser preso”.
A deputado Carla Zambelli (PL-SP)
disse que está “estudando o caso”, “verificando como se deu a prisão, pois não
foi em flagrante”.
A prisão preventiva
foi adiantada para este domingo, segundo a PF, por indícios de que a família
dos investigados planejava deixar o País nos próximos dias.
O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG)
disse que ainda está analisando e “não formou convencimento” sobre o voto.
Já o deputado Junio
Amaral (PL-MG) citou o caso do deputado Daniel Silveira, dizendo
que naquela ocasião, que, segundo ele, “nem crime foi”, o Congresso “abriu mão
da Constituição para assinar uma prisão de parlamentar”e que, agora, no que
qualifica como “um crime gravíssimo”, votará para manter a prisão.
O ex-deputado, conhecido por quebrar a
placa com o nome de Marielle, foi condenado por defender pautas golpistas. Em um vídeo publicado nas redes sociais, em fevereiro de 2021,
ele atacou e ofendeu ministros, falou em dar uma “surra” nos magistrados,
defendeu o golpe militar de 1964 e o AI-5 (ato mais duro da ditadura).
Em post na rede social
X (antigo Twitter), o senador Flávio Bolsonaro disse
que “a polícia parece ter dado passos importantes para solucionar a morte de
Marielle Franco” e deseja que “a Justiça possa continuar com seu trabalho e que
dê uma solução definitiva para o caso”.
O irmão, o
deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP),
que terá voto na Casa para decidir sobre a manutenção da prisão, usou a rede
social para postar um vídeo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em que o petista associa Bolsonaro a milicianos
“responsáveis diretos por morte de Marielle”.
Para que a Câmara
confirme a prisão do deputado, é preciso o apoio da maioria absoluta dos
parlamentares da Casa, ou seja, 257 votos. A votação é aberta, e a resolução
com o que for decidido é promulgada na própria sessão.
Devido à urgência, um
parecer deverá ser apresentado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da
Câmara sobre a prisão, e a manutenção decidida diretamente no plenário. A
defesa do deputado fala por três vezes durante a análise – antes da leitura do
parecer, após a leitura e depois da discussão. Cada manifestação da defesa dura
15 minutos.
A regra sobre os
deputados decidirem sobre a prisão está prevista no artigo 53, inciso 2º da
Constituição Federal, que diz que a partir da expedição do diploma, “os membros
do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime
inafiançável, nem processados criminalmente sem prévia licença de sua Casa”.
Caso Chiquinho Brazão
também perca o mandato de deputado federal, quem assume a vaga na Câmara é o
suplente Ricardo Abrão (União-RJ). Na noite deste domingo, Brazão foi expulso no União Brasil.
Fonte: BBC News Brasil/Correio
Braziliense/Agencia Estado
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