'A essência da inteligência é ver o futuro
e não saber das coisas': as previsões do físico visionário Michio Kaku
O físico e escritor
americano Michio Kaku está convencido de que a era quântica será a que vai
determinar o nosso futuro.
Kaku, 77 anos,
destacou-se no campo da física teórica, mas também como um renomado divulgador
científico.
Kaku analisa como a
era quântica, e seus computadores, resolverão radicalmente alguns dos
principais desafios da humanidade, desde erradicar doenças até alimentar uma
população que só cresce.
“O futuro nos trará a
cura do câncer, porque o câncer é uma doença que opera a nível molecular. Como
o Alzheimer, como o Parkinson. E com a nossa tecnologia digital hoje não a
entendemos”, explica Kaku.
"Mas com os
computadores quânticos que estamos desenvolvendo, vamos entender como (o
câncer) funciona e como podemos pará-lo", diz.
O físico de
ascendência japonesa adianta que embora a inteligência artificial coloque-se
como uma ameaça à humanidade, ainda há tempo para controlá-la.
Em conversa com Kaku
em sua casa em Nova York, a BBC Mundo (o serviço em espanhol da BBC) buscou
entender as previsões sobre o futuro trazidas em seu livro Supremacia Quântica.
• Uma das coisas que mais chamou a atenção
em seus trabalhos é a ideia de que o cérebro humano é, na verdade, três
cérebros. Pode explicar?
Michio Kaku - Quando
você analisa o cérebro humano, você percebe que existem três elementos que o
compõem, tudo como parte de seu processo evolutivo: a parte de trás, que é o
que chamamos de cérebro reptiliano, que é a parte que governa, digamos, os padrões
de caça. Depois vem a parte média, o centro do cérebro, que conhecemos como o
cérebro primata ou do macaco, que lida com a socialização, os temas de
hierarquização. E depois temos a parte frontal, o córtex pré-frontal. E é aqui
que surge a grande diferença: essa parte do cérebro é uma máquina do tempo. É
uma máquina que pode ver o futuro, está constantemente fazendo simulações do
que pode nos acontecer mais adiante.
Agora, se você não
acredita em mim, convido você a fazer uma experiência: esta noite, ensine o
conceito de amanhã ao seu cachorro. Não dá, é impossível. Os animais não
entendem a ideia do amanhã.
E isso sempre me
chamou a atenção.
• Mas todos podemos ter a mesma
capacidade de ver o futuro?
Kaku - Não. O que
distingue um cérebro comum de um com um nível notavelmente superior? Poderíamos
chamar o cérebro de uma pessoa comum de oportunista. Olha somente para as
oportunidades que estão à sua frente. Nada de planejar coisas. Um ladrão ruim,
por exemplo, só leva aquilo que está na sua frente. Os grandes pensadores
exercitam essa máquina do tempo constantemente. Eles simulam o futuro. Conhecem
as leis da natureza e são capazes de aplicá-las para projetar como pode ser o
futuro.
O exército dos EUA
percebeu isso durante a Guerra do Vietnã. Eles estavam tentando entender quem
dentro da tropa poderia se tornar líder e estrategista e quem era apenas
seguidor, cumpridor de ordens. Ao entrevistar esses soldados, depararam-se com
algo que surpreendeu: que as pessoas comuns, que não se consideravam gênios,
simulavam constantemente o que aconteceria depois, prevendo coisas, pensando em
como escapar se fossem capturados ou como proteger a base em caso de um ataque
surpresa.
O que acontece é que
começamos a entender que nosso conceito de inteligência é apenas parcialmente
correto. Pensamos que alguém é inteligente por saber coisas, mas isso não é a
essência da inteligência. A essência da inteligência é ver o futuro. Estimular
a criação de um futuro que não existe.
• Dentro dessa ideia de olhar para o
futuro, qual será a grande descoberta dos próximos 100 anos?
Kaku - Para responder
isso, vamos pensar primeiro nas grandes descobertas do passado. Essas grandes
descobertas se deram ao analisar também coisas pequenas, não apenas as muito
grandes.
Quando falamos de
coisas pequenas falamos de genética, do cérebro humano; por coisas grandes me
refiro à teoria do Big Bang, à qual agora estamos aplicando a teoria quântica
do universo, por exemplo.
Pois bem, o próximo
grande passo será a união dessas duas ideias: usar a teoria quântica para
entender a genética e o cérebro humano.
E é aqui que entram os
computadores quânticos. A mãe natureza é de alguma forma um computador
quântico. Atualmente, os processadores digitais computam em uns e zeros. Essa
não é a linguagem da mãe natureza.
A mãe natureza tem uma
mente quântica que entende de átomos, elétrons, fótons. Essa é a linguagem do
universo. Esse será o nosso grande passo para o futuro.
• E o grande passo será no campo da
física, ou também em outras áreas, como a Medicina?
Kaku - Vejamos o caso
da Medicina. A Medicina atual, tal como praticada, é tentativa e erro. Testamos
um medicamento: se funcionar, ótimo, e se não funcionar testamos outro. Os
medicamentos, de fato, são encontrados quase por acidente. Foi assim que descobrimos
a penicilina e outras drogas fascinantes.
Agora, se aplicarmos a
teoria quântica, você pode ver a molécula. Você pode analisá-la. Você pode ver
como os átomos funcionam. As substâncias. Os medicamentos podem ser criados a
partir do zero. Isso significa que não vamos mais precisar de químicos? Não.
Os químicos do futuro
vão usar os computadores quânticos para entender as reações químicas. Os
biólogos do futuro vão usá-los para entender como o DNA funciona. Os médicos e
cientistas que usam apenas a química ou a biologia para fazer seu trabalho vão
ficar no caminho, porque o futuro será a mecânica quântica para criar os
medicamentos.
• Nós nos tornaremos imortais... não
haverá câncer então?
Kaku - Com a ajuda dos
computadores poderemos curar o câncer. Antes que o tumor apareça, vamos prever
a doença cancerosa do paciente. Só com uma ida ao banheiro, por exemplo, será
possível ler seu DNA e como ele estará no futuro. Vai te dizer o DNA cancerígeno
dentro de dez anos, antes que o tumor apareça, antes que ele se desenvolva.
Nos Estados Unidos, é
possível fazer um exame de sangue para diagnosticar o câncer. Um exame de
sangue desse tipo revelará se há câncer ou não de forma cada vez mais concreta.
A palavra tumor desaparecerá da nossa linguagem. O mesmo acontecerá com o câncer.
• Você diz, também, que a internet será
algo obsoleto, que vamos nos conectar através da mente, do cérebro...
Kaku - Uma coisa é
certa: a internet do futuro não será digital. O digital é muito lento, muito
cru. A internet do futuro será quântica e se fundirá com o cérebro. Vamos
chamá-la de "brainet" (um jogo de palavras entre brain, que significa
cérebro em inglês, e internet).
Você vai pensar algo e
esse pensamento será transferido pelo mundo, interagindo com outras coisas.
Pode ser que não utilizemos cabos ou dispositivos. Vamos simplesmente pensar e
essa brainet vai fazer o resto.
Há dois lados nesse
desafio. Um bom, que é aprendermos como está conectado (este sistema), e outro
ruim: vai levar um tempo.
Por exemplo, se você
analisar o cérebro de um inseto, pronto, você já tem a imagem de como o cérebro
funciona. Já temos o mapa: cerca de 100.000 neurônios.
Agora, o cérebro
humano tem 100 bilhões de neurônios. Portanto, temos um longo caminho pela
frente no que chamamos de "Projeto Conector", que conseguirá
desvendar a fiação interna do cérebro humano.
Assim como temos o
projeto do genoma humano, que tentou decifrar nosso código genético, esse
revelará os segredos do cérebro e mudará tudo: as pessoas simplesmente vão
pensar e seus pensamentos vão circular pelo mundo.
• Muitos cientistas já advertiram sobre os
perigos da inteligência artificial e os danos que ela pode causar...qual é a
sua visão sobre isso?
Kaku - Acredito que
atualmente temos três grandes perigos para enfrentar: a guerra nuclear, a
ameaça das armas biológicas e o aquecimento global. E agora podemos acrescentar
também a inteligência artificial.
Há duas ameaças claras
que a inteligência artificial traz e que são bastante diferentes.
A primeira é imediata:
por exemplo, que os drones possam reconhecer um rosto humano e que por acidente
esse drone mate de forma indiscriminada dezenas de pessoas. Ou seja, que
tenhamos criado uma arma para matar automaticamente. Uma máquina que também pode
voar, que pode monitorar uma determinada área, identificar formas humanas. E
algumas nações podem ser tentadas, em alguns anos, a usar essas armas contra as
pessoas, não apenas em tanques de guerra.
Mas isso é uma ameaça
no curto prazo. A maior ameaça da IA é a longo prazo.
A maior ameaça será
quando a IA começar a se aproximar da (inteligência) do ser humano. Mas falta
muito para chegar nesse ponto.
Por exemplo, quão
inteligente é o nosso robô mais inteligente? Se você colocar um inseto em uma
floresta, o inseto conseguirá se alimentar e encontrar um abrigo.
Se você colocar um
robô agora, é possível que sobreviva.
Mas com o tempo nossos
robôs vão ter a inteligência de um rato.
Depois disso, eles
conseguirão ser inteligentes como um coelho. Nesse momento, eles serão
potencialmente uma ameaça.
Não sei, talvez em
cerca de 100 anos tenhamos robôs que não poderemos distinguir de humanos. E
teremos que nos certificar, nesse momento, de que esses robôs não tenham
consciência e de alguma forma se voltem contra nós.
Vamos ter que colocar
um chip na mente deles para desligá-los no exato momento em que tiverem
pensamentos assassinos. Mas realmente acho que ainda falta muito para isso. E
acho que a principal ameaça é o uso de drones que podem matar de forma
indiscriminada.
• Os computadores quânticos vão nos
permitir decifrar os segredos da vida, do universo, da matéria", você
escreveu. Como vão definir o nosso futuro?
Kaku - Atualmente os
computadores são baseados em informação digital, que pode ser codificada em
séries de 1 e 0. Ou seja, a capacidade é reduzida ao número de estados (de 1 e
0) que você tem no seu computador.
Os computadores
quânticos são baseados em princípios que podem ser ilimitados. Por exemplo, os
computadores quânticos que estão sendo produzidos (um pelo Google e outro na
China) são 2¹00 vezes mais poderosos do que os supercomputadores atuais.
E acredito que com
essa capacidade eles serão capazes de resolver, em algum momento, o problema do
envelhecimento. No futuro, penso eu, não vamos necessariamente morrer de
velhice.
O problema é que os
computadores quânticos não vão nos salvar, por causa da forma como os humanos
interagem entre si. Precisamos unir as pessoas de outra maneira para vivermos
em paz.
Lembro-me de uma
estranha conversa entre o ex-presidente dos EUA Ronald Reagan e o líder
soviético Mikhail Gorbachev, em que Reagan pergunta ao colega soviético se
quando chegasse o momento de os marcianos invadirem a Terra seus países seriam
amigos. Ou seja, eles lutariam juntos contra os marcianos? Gorbachev achou que
Reagan estava louco, especialmente por estarem lidando com armas nucleares.
Mas o que eu acho é
que Reagan estava se dando conta de algo. De que podíamos estar cada vez mais
unidos. Ou seja, a grande solução é que estivéssemos unidos diante de algo. Que
essa seria a grande solução. E essa será a grande solução.
• Considerando que a internet estará
obsoleta e os computadores digitais serão inúteis, e de acordo com o que você
aponta em seu livro "o mundo vai ser mais científico, não menos
científico", como você acha que a educação para o futuro deve ser?
Kaku - A verdade é que
algumas pessoas temem a tecnologia porque dizem que vai substituir os
trabalhadores. E isso é algo que não está certo.
Mas dou um exemplo: os
ferreiros foram muito importantes. Se você tivesse um cavalo, tinha que pagar
um ferreiro. No entanto, com o surgimento do carro, cada vez menos os ferreiros
foram necessários. E eles ficaram sem trabalho. Quem substitui os ferreiros?
Bem, apareceram os mecânicos ou os técnicos que trabalham na indústria
automotiva.
Um emprego é fechado.
Um emprego é criado.
Agora estamos
discutindo se os robôs vão substituir os humanos. Sim e não.
Acho que há três tipos
de trabalhos que os robôs não poderão fazer: reparar coisas. Eles não vão ser
encanadores ou jardineiros. Os robôs não podem recolher o lixo. Esses trabalhos
exigem reconhecer padrões. Cada lixo é diferente, cada banheiro é diferente,
então aqueles trabalhos que não são repetitivos vão sobreviver na era dos
robôs.
Os outros empregos são
aqueles que requerem relações pessoais, como os professores. Os robôs não
entendem a natureza humana. Eles não podem ser professores de uma criança. Eles
não podem cuidar de um bebê.
E a terceira classe de
empregos são aqueles que requerem bom senso, como os advogados. A base do
trabalho é interpretar a lei, que é basicamente compreender a natureza humana.
Nesse sentido, também poderíamos falar de líderes, de papéis de liderança. As decisões
corporativas ou em um grupo humano são baseadas no mesmo princípio de conhecer
a natureza do ser humano.
Então a educação pode
ir nesse caminho, das áreas que primam a natureza do ser humano e de trabalhos
que não podem ser substituídos pelo exercício de uma máquina.
• Em um tom mais pessimista, quais são os
desafios que não serão resolvidos pela era quântica?
Kaku - Estou
convencido de que os computadores quânticos nos ajudarão a resolver problemas
como o aquecimento global - permitirão que a energia nuclear seja totalmente
limpa. Eles vão criar novas formas de riqueza, é claro. Como eu disse, eles vão
ajudar a curar doenças como o câncer e o Alzheimer.
No entanto, o que as
máquinas não vão resolver serão temas como a guerra e a inveja.
Ou seja, vamos estar
livres de câncer e Alzheimer, mas a guerra sinto que vai continuar.
E isso tem a ver com o
fato de que a evolução nos dá a capacidade de proteger o que é nosso. E a
evolução nos dá muitas coisas que são em benefício da humanidade, e outras que
não.
A evolução só quer
seres humanos que sobrevivam. E se sobreviver significa matar os outros seres
humanos, assim será feito. Dessa forma, estamos cheios de imperfeições dentro
da raça humana. E os computadores quânticos não vão resolver os problemas que derivam
deles.
Mas não é o fim da espécie:
à medida que os humanos prosperam, haverá menos necessidade de lutar pelos
recursos que temos.
E, nesse sentido, os
computadores quânticos vão nos dar a resposta para produzir alimento suficiente
para uma população em constante crescimento. Ou seja, a capacidade de análise
dessas ferramentas - a nível molecular - nos permitirá replicar efetivamente as
formas como os alimentos são produzidos naturalmente no mundo. E isso é apenas
um exemplo do que virá.
Fonte: BBC News Brasil
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