Delegado suspeito de atrapalhar Justiça
disse em 2022 que ‘se apaixonou’ por trabalho de Marielle
O delegado Giniton
Lages, primeiro a ser designado para investigar o assassinato da vereadora
Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes na Delegacia de Homicídios da
Capital, foi alvo de busca e apreensão realizada pela Polícia Federal (PF)
neste domingo, 24, por “atrapalhar” as investigações. Ele também foi afastado
da Polícia Civil do Rio de Janeiro por ordem do ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) Alexandre de Moraes. Giniton Lages lançou, em 2022, o livro “Quem
Matou Marielle?”, no qual diz que “se apaixonou” pela atuação da vereadora.
O comissário de
polícia Marco Antônio de Barros Pinto também foi afastado das funções públicas.
Segundo as investigações, os dois atuaram para “embaraçar” a investigação,
segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), e terão que usar tornozeleiras
eletrônicas. O porte de armas e os passaportes deles foram suspensos.
Giniton Lages divulgou
nota no início da noite deste domingo. Ele afirma que enquanto comandou a
investigação tomou todas as providências para resolver o caso “em sua
integridade” o que, segundo ele, só não foi possível porque foi retirado do
caso no dia seguinte às prisões de Ronnie Lessa, autor dos disparos, e Élcio de
Queiroz., que dirigiu o veículo utilizado na execução.
“A partir da prisão,
houve decisão conjunta das instituições de desmembrar a investigação para, na
segunda fase, buscar os mandantes. E, friso, que em nenhum momento qualquer
suspeito ou linha de investigação foi afastada. E jamais seria”, disse o delegado.
“Ressalto que minha atuaçao sempre foi realizada de forma ativa junto ao
Ministerio Publico e Poder Judiciário, cumprindo todos os protocolos de atuação
de um delegado de policia”, continuou ele.
A PF deflagrou a
Operação Murder Inc. que prendeu o deputado Chiquinho Brazão (União Brasil), o
conselheiro do Tribunal de Contas do Rio, Domingos Brazão, e o ex-chefe da
Polícia Civil, Rivaldo Barbosa. Os irmãos são suspeitos de terem ordenado o
assassinato, enquanto Rivaldo Barbosa é suspeito de ter planejado o crime. As
defesas dos três negam o envolvimento deles nos crimes.
Além das prisões, a PF
cumpriu 12 mandatos de busca e apreensão, entre eles os que tiveram como alvo
Giniton Lages e o comissário Barros Pinto. Horas após o crime em março de 2018,
Lages foi nomeado por Rivaldo Barbosa para conduzir a investigação. Segundo a
PGR, tanto ele quanto o comissário atuaram posteriormente ao assassinato para
“embaraçar as investigações” e proteger os reais mandantes.
Eles teriam criado a
rotina de receberem informações anônimas para desviarem as investigações. Uma
das tentativas foi incriminar o miliciano Orlando Curicica e o vereador
Marcello Siciliano, o que foi descartado posteriormente por uma investigação da
Polícia Federal.
“A posição dos dois na
cadeia hierárquica da organização criminosa indica que, apesar de não terem
participado do ajuste prévio do homicídio, ambos foram fundamentais para o
sucesso da empreitada que garantiu a impunidade do crime até os dias atuais,
visto que eram os responsáveis diretos pela apuração nas horas de ouro,
fundamentais para qualquer investigação de homicídio”, disse a PGR em trecho
citado na decisão de Moraes.
“Neste sentido, a
dupla foi responsável direta pela orquestração da desídia na captação das
imagens de circuito interno de TV do local, especialmente do Centro de
Convenções Sulamérica e dos estabelecimentos adjacentes ao Quebra-Mar, ocasião
na qual rememoramos a esfarrapada justificativa do defeito de codec lançada por
Giniton em plena audiência de instrução e julgamento, o que demonstra seu
desvio de caráter e cinismo”, continua o parecer.
• Delegado escreveu livro sobre o caso
Giniton Lages tocou a
primeira parte da investigação, que resultou nas prisões do sargento reformado
da Polícia Militar, Ronnie Lessa, e do também ex-policial militar Élcio Queiroz
em março de 2019. Giniton foi afastado do caso no mesmo dia das prisões. À
época, o então governador do Rio Wilson Witzel disse que convidou o delegado
para fazer um intercâmbio na Itália porque o policial estava “esgotado”.
Queiroz disse em
delação premiada no ano passado que Lessa foi o responsável por efetuar os
disparos que mataram Marielle e Anderson. Ele também confessou que dirigia o
carro em que estava o executor do crime. Ronnie Lessa também delatou e apontou
o envolvimento dos irmãos Brazão como mandantes do crime. A delação premiada
foi homologada no último dia 19 pelo STF.
A Polícia Federal
afirma em seu relatório que Rivaldo Barbosa e Giniton Lages, mesmo tentando
desviar o rumo das investigações, prenderam os executores do assassinato devido
à pressão da imprensa e da sociedade que estava insustentável. Porém, tentaram
adotar a tese de que foi crime de ódio para encerrar a investigação sem apontar
os mandantes.
“Desta feita, com o
fim de estancarem a pressão imposta pela sociedade civil e pela mídia, Rivaldo
e Giniton, de supetão, conforme será visto adiante, jogaram os executores do
delito aos leões e imputaram-lhes a tese do ‘crime de ódio’, com o fim de fechar
a tampa da apuração e preservar os autores intelectuais”, sustenta a PF.
O delegado Giniton
Lages concedeu duas entrevistas ao Estadão nos últimos anos. Na primeira, em
2022, após o lançamento do livro “Quem Matou Marielle?”, ele disse que ouviu
horas de conversas pessoais da vereadora que gravava as ligações que fazia e
recebia em seu celular.
“Era uma pessoa
absolutamente ética, com objetivos, uma excelente filha, uma mãe dedicada,
apaixonada pelo seu mister, que acreditava que estava transformando as pessoas.
A relação dela com os assessores, ela cuidava de cada um deles, a relação com a
filha, com a companheira. Então, realmente, não tinha como não se apaixonar por
ela”, declarou Giniton na ocasião.
A segunda entrevista
foi concedida em julho do ano passado, quando o caso já estava com a Polícia
Federal. Na ocasião, Élcio Queiroz havia acabado de fechar o acordo de delação.
Questionado sobre o motivo da delação ter ocorrido somente após a entrada da PF
no caso e quatro anos depois da prisão, Giniton Lages afirmou que isso poderia
ter ocorrido em qualquer momento e que os policiais federais souberam
aproveitar uma “janela de oportunidade”, ou seja, o enfraquecimento do elo de
lealdade entre Queiroz e Lessa.
“É preciso ter
fidelidade intelectual com a vida real; isso não é um filme de Hollywood em que
a gente aperta um botão e as coisas vão acontecendo. O elo entre os dois era
muito robusto e só se quebrou agora, às vésperas do julgamento, e a Polícia
Federal, de forma perspicaz, soube perceber a janela de oportunidade. Mas
também não podemos deixar de dar a devida relevância a tudo que foi produzido
pela operação Lume (que resultou na prisão dos dois indiciados em 2019), feita
pela Polícia Civil e pelo MPRJ”, disse.
A operação Murder Inc.
também teve a participação da Procuradoria-Geral da República e do Ministério
Público do Rio de Janeiro, além do apoio da Secretaria de Polícia Civil do Rio
e da Secretaria Nacional de Políticas Penais, órgão do Ministério da Justiça e
Segurança Pública.
• Nota na íntegra do delegado Giniton
Lages
“Durante o tempo em
que presidi o Inquérito Policial que apurou as mortes da vereadora Marielle e
do motorista Anderson, realizei todas as diligências necessárias à elucidação
do caso.
De março de 2018 até
março de 2019, foram produzidas: 5.700 páginas, distribuídas por 29 volumes;
230 testemunhas/investigados foram ouvidos; 33.329 linhas telefônicas foram
analisadas, através de quebra de sigilo judicial; 318 linhas telefônicas foram
objeto de interceptação telefônica, através de ordem judicial, alem de varias
operações realizadas e acompanhadas por mim e pela minha equipe.
O resultado desse
trabalho foi a prisao dos executores, que está todo documentado nos autos do
processo, e faz prova de toda a minha dedicação e profissionalismo. Ressalto
que minha atuaçao sempre foi realizada de forma ativa junto ao Ministerio
Publico e Poder Judiciário, cumprindo todos os protocolos de atuação de um
delegado de policia.
A partir da prisão,
houve decisao conjunta das instituições de desmembrar a investigação para, na
segunda fase, buscar os mandantes. E, friso, que em nenhum momento qualquer
suspeito ou linha de investigação foi afastada. E jamais seria.
Nosso compromisso
inegociável sempre foi resolver o caso em sua integridade o que só não foi
possível porque fui tirado da investigação, no dia seguinte à realização das
prisões.”
Brazão vai poder ir se defender na
Câmara? Saiba como Moraes decidiu em caso semelhante
A decisão de manter ou
não o deputado federal Chiquinho Brazão (União-RJ) preso por suspeitas de ser
um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco caberá ao plenário
da Câmara dos Deputados, como prevê a Constituição Federal.
Um rito específico
para apreciar o caso será deflagrado pelo presidente da Câmara, deputado Arthur
Lira (PP-AL). A tendência é a de sejam repetidos os procedimentos adotados em
casos semelhantes, como por exemplo quando os deputados mantiveram a prisão do
deputado Daniel Silveira, em março de 2021.
No caso do ex-deputado
Silveira, ele pediu ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal
Federal (STF) para ir presencialmente ao plenário apresentar a sua defesa aos
pares. O magistrado negou o pedido, mas determinou que fossem criadas as
condições para que ele falasse por videoconferência.
Daniel Silveira foi
preso depois de publicar um vídeo defendendo a ditadura militar e com ameaças e
xingamentos contra ministros do STF.
Ainda não há uma
definição sobre como será a apresentação da defesa de Chiquinho Brazão. No
mesmo dia em que foi confirmado como o mandante do crime de Marielle, ao lado
do irmão, o conselheiro do Tribunal de Contas do Rio, Domingos Brazão, começou
a ser abandonado pelos deputados.
O partido dele, União
Brasil, já aprovou a expulsão sumária com cancelamento da filiação. O PSOL
emitiu comunicado no qual afirma que pedirá a cassação do parlamentar. A
bancada mais bolsonarista, da qual Brazão fazia parte, também não demonstrou
empenho em salvar a pele do deputado.
• Próximos passos dependem de notificação
do preso sobre votação
Os próximos passos
para a decisão da Câmara deverão começar pela notificação do STF à Câmara, nas
próximas 24 horas. Em seguida, Chiquinho Brazão será comunicado pelo parlamento
de que prisão dele será analisada na próxima sessão do plenário.
O passo seguinte é a
elaboração de um parecer sobre a prisão pela Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ) da Câmara. O texto é apresentado diretamente ao plenário.
A defesa do deputado
pode, conforme os últimos precedentes que deverão ser replicados, falar por
três vezes durante a análise do caso pelos deputados. Antes da leitura do
parecer da CCJ, após a leitura e depois da discussão. Cada oportunidade de fala
deve ter duração de 15 minutos.
Para que a prisão seja
confirmada e mantida pela Câmara será preciso o apoio da maioria absoluta dos
parlamentares, o correspondente a 257 votos. A votação é aberta.
AGU irá investigar fake news envolvendo
Dino e família Brazão
O ministro-chefe da
Advocacia Geral da União (AGU), Jorge Messias, anunciou na tarde deste domingo,
24, que acionou “imediata atuação” da Procuradoria Nacional da União de Defesa
da Democracia (PNDD) para desmentir uma notícia falsa que associa os suspeitos
de terem mandado matar a ex-vereadora do Rio Marielle Franco ao ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino.
No vídeo divulgado nas
redes sociais e aplicativos de mensagem, Dino aparece celebrando com o então
governador eleito do Maranhão, Carlos Brandão (PSB), a vitória do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, no segundo turno — os dois usam camisas com o nome
do vencedor do pleito ao Palácio do Planalto.
“Incorretamente,
pessoas dizem que Dino está sendo filmado com uma pessoa da família Brazão.
“Determinei imediata atuação da PNDD. Chegaremos aos responsáveis por mais uma
fake news”, afirmou Messias, em publicação na rede social X (ex-Twitter).
O deputado federal
Chiquinho Brazão e Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado
do Rio de Janeiro (TCE-RJ), são irmãos e foram presos ao lado do ex-chefe da
Polícia Civil fluminense, Rivaldo Barbosa pela suspeita de participação no assassinato
de Marielle, morta em 2018.
Os irmãos são
apontados pela investigação como mandantes do crime, enquanto o delegado é
suspeito de agir para proteger os dois e é acusado de participação no
planejamento do assassinato.
O advogado Ubiratan
Guedes, que representa Domingos Brazão, e o advogado Alexandre Dumans, que
representa o ex-chefe da Polícia Civil do Rio, negam a participação deles no
crime. No início da semana, Chiquinho Brazão também negou qualquer relação com
o caso.
Como noticiou o
Estadão, a PNDD foi criada por Lula para representar o governo no combate à
“desinformação sobre políticas públicas”, e nasceu sob críticas por causa de
riscos de avaliações arbitrárias, já que a AGU defende interesses do governo
junto ao Poder Judiciário.
Fonte: Agencia Estado
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