EUA e golpe
militar no Brasil: 'luta' contra avanço comunista ou medo de nova potência nas
Américas?
Era março de 1964
quando o então presidente João Goulart foi deposto do cargo por militares que
deram fim ao curto período democrático no Brasil. Até 1985, país enfrentava
ditadura marcada pela repressão, violação dos direitos humanos e política
autoritária, assim como toda a América Latina. Especialistas analisam
influência dos EUA no processo.
Um dos períodos mais
turbulentos da história recente do Brasil, o início da década de 1960 foi
marcado pela eleição de duas figuras opostas no xadrez político: com a votação
em separado para os dois cargos, o país elege Jânio Quadros como presidente e
João Goulart, o Jango, para vice-presidente.
Em uma tentativa de
autogolpe para conseguir apoio do Congresso e das Forças Armadas, Jânio
apresenta a renúncia meses após a posse, o que seria o primeiro ingrediente
para um prato cheio que levou ao golpe militar em 1964.
Na época, João Goulart
estava em Cingapura, após uma extensa agenda na China, e só soube da renúncia
no dia seguinte. Em setembro de 1961, há a tentativa de um golpe militar para
impedir a posse de Jango, que só conseguiu assumir por conta da rede de "legalidade"
montada pela liderança de Leonel Brizola — porém em um cenário de grave crise
política.
Em entrevista ao
podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, o historiador e professor de economia
política internacional da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Marcos
Cordeiro Pires conta que no ano seguinte, com as eleições para o Congresso
Nacional, "começa a atuação da CIA [agência de inteligência
norte-americana] no Brasil".
Com isso, aponta o
especialista, o governo norte-americano ajuda a financiar a consolidação de uma
bancada de deputados conservadora através do Instituto Brasileiro de Ação
Democrática (IBAD), entidade anticomunista fundada em 1959. "Ali foi
despejado muito dinheiro para eleger deputados no Congresso, o que acaba
inclusive influenciando depois a aceitação, sem base legal, da vacância de
poder do Jango em 1º de abril de 1964. A outra questão é que às vésperas do
golpe, através da operação Brother Sam, os Estados Unidos começam a se
articular com militares e grupos de direita no Brasil", acrescenta.
Paralelamente à
atuação norte-americana, as políticas de Jango voltadas para a nacionalização
da indústria de petróleo, reforma agrária e reforma trabalhista, colocadas pela
elite brasileira como um caminho inicial para "implantar o comunismo no
país", são usadas como massa de manobra para grandes manifestações tomarem
conta das ruas — como a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que em março
de 1964 reuniu entre 300 mil e 500 mil pessoas em São Paulo. Tudo levava a um
cenário ideal para a tomada do poder pelos militares apoiados pelos EUA, pontua
o especialista.
·
Por que os militares tomaram o poder em
1964?
Mas bem antes da
tomada de poder pelos militares apoiados pelos EUA e pela elite brasileira, os
norte-americanos intensificaram a intervenção na política do país, aponta o
professor da Unesp. "A propósito, em novembro do ano passado foram
comemorados, ou não, 200 anos da Doutrina Monroe, em que os americanos colocam
a América e o Caribe como o quintal norte-americano. Apesar de [a intervenção]
ser menor no Brasil, em comparação com Cuba, Nicarágua, Haiti, República
Dominicana e Venezuela, os EUA prestam mais atenção no país a partir da Segunda
Guerra Mundial, com a aproximação muito forte com parcelas significativas das
Forças Armadas", resume.
De acordo com o
especialista, exemplos não faltaram nas décadas de 1940 e 1950, como a
influência na elaboração da Constituição de 1946 e a criação da Comissão Mista
Brasil-Estados Unidos em 1951, para planejar investimentos no país, além das
pressões para derrubar o governo de Getúlio Vargas em 1954. "Ou seja, é
atuação norte-americana no que considera o seu quintal. E ela é feita para não
surgir nenhum rival dentro da América Latina e evitar que qualquer outra
potência estrangeira possa estabelecer relações prioritárias e estratégicas na
região."
E assim também foi
feito durante a gestão Jango, quando os EUA ajudaram a reduzir drasticamente os
investimentos no Brasil, o que ajudou a estrangular o governo.
Imediatamente após a
posse de Humberto Castelo Branco, em abril de 1964 e que inaugurava
oficialmente a ditadura brasileira, é oferecido ao país um "empréstimo
enorme", que seria como um "milagre" para alavancar a economia
da época.
"Esse apoio
norte-americano se consolida principalmente a partir de 1968, com o AI-5 [o ato
institucional mais repressivo do regime militar], quando o governo dos
militares brasileiros passa a integrar o interesse norte-americano contra a
emergência de qualquer governo nacionalista ou socialista na América
Latina", enfatiza o especialista.
Conforme Marcos
Cordeiro Pires, o Brasil chegou a treinar militares chilenos que reprimiram a
guerrilha no país andino, além de ensinar técnicas de tortura e ameaçar invadir
o Uruguai por conta dos resultados das eleições de 1971 — o episódio ficou
conhecido como "operação 30 horas" e seria colocado em prática pelo
governo do general Emílio Garrastazu Médici, o mais ferrenho da ditadura, caso
a coalizão de esquerda vencesse o pleito.
Apesar de não ter
feito nenhuma incursão militar, o Brasil ajudou a fraudar os resultados que
deram a vitória a Juan María Bordaberry, que em 1973 deu o golpe de Estado em
Montevidéu.
·
Até quando durou o golpe militar?
Quase uma década antes
do fim do regime militar, com a eleição indireta que levou de volta um civil ao
poder em 1985, o governo norte-americano dava apoio quase incondicional ao
país. Porém o historiador explica que em 1976, já no governo do general Ernesto
Geisel, é iniciada uma tentativa de buscar maior autonomia em relação aos EUA.
"O governo brasileiro reconheceu a independência de Angola, Moçambique,
Cabo Verde e Guiné-Bissau, estabeleceu relações diplomáticas com a China e fez
um acordo nuclear com a Alemanha Ocidental da época, contra o interesse
norte-americano. E nesse período, o governo Geisel tenta criar a lógica do
Brasil potência, com o desenvolvimento de tecnologia e setores industriais,
inclusive a capacidade nuclear", argumenta.
O ápice foi o início
das negociações brasileiras com o Iraque de Saddam Hussein para o
desenvolvimento compartilhado de armas atômicas entre os dois governos, o que
levou ao fim definitivo do apoio norte-americano ao regime militar. "E
durante a administração [Jimmy] Carter, o governo norte-americano, que sempre
foi cúmplice de todos os assassinatos e torturas na América Latina, passa a
adotar uma política específica para o governo brasileiro relacionada aos
direitos humanos […]. Você tem não só a retirada do apoio, mas também a
ascensão do movimento redemocratizador", conclui.
·
Como o Brasil ficou após a ditadura
militar?
Após mais de 20 anos
de ditadura militar, em 1984 cresce a pressão da opinião pública para a
retomada da democracia no país, principalmente com o movimento Diretas Já, cujo
comício reuniu 1,5 milhão de pessoas nas ruas.
Mesmo assim, a emenda
que determinava o voto popular para a Presidência da República não passou no
Congresso Nacional, que escolheu o nome que ocuparia o cargo após João
Figueiredo, o último do regime.
"A transição
brasileira em 1984 não se deu por ruptura, se deu por negociação […]. A outra
questão que foi pactuada era a de não ter nenhuma punição, e o primeiro
presidente civil, com a morte do Tancredo Neves, que era da direita do MDB, foi
justamente José Sarney, que um ano antes era o chefe do Partido Democrático
Social [PDS], sigla que era a continuação da Arena, o partido de sustentação da
ditadura militar", pontua o especialista.
Já o professor de
relações internacionais do Ibmec Pedro Hudson Cordeiro acrescenta que, apesar
da pressão pela abertura política no país, parte do governo militar não
concordava com a transição de poder.
"Temos os
registros de atentados, tentativas de atos antidemocráticos, em especial na
época dos comícios das Diretas Já, para sabotar o processo. Também nos anos
1980 o Brasil começa a viver uma crise econômica, período em que a América
Latina viveu grandes dificuldades e avanço da inflação", diz.
·
'Direito ao esquecimento' da ditadura
militar no Brasil
Por fim, o professor
do IBMEC considera que a redemocratização brasileira veio com uma proposta de
"pacificação e direito ao esquecimento". Isso por conta do fim do
regime militar sem qualquer tipo de punição aos diversos crimes cometidos, como
tortura, assassinatos políticos e até corrupção. "Não se pune um militar
que tenha participado de um possível ato de tortura, não se pune um civil que
tenha participado de um possível ato classificado como terrorista pelo governo.
E assim, graças a esse direito de esquecimento, esse direito do silêncio, você
buscava fazer uma transição pacífica, sem causar mais ruptura, sem tentar
polarizar e incentivar os ânimos entre civis e militares", enfatiza.
E, segundo Cordeiro, o
pacto pelo silêncio também foi adotado de forma geral pela sociedade
brasileira. "Não é à toa que hoje já se fala que, por exemplo, nesse ano
de 2024 quando o golpe de 1964 completa seus 60 anos, o governo federal e os
militares têm ali uma, entre aspas, aliança informal em que nenhum dos lados
vai se manifestar, até mesmo para evitar a piora da polarização que o Brasil já
vive no momento. E assim vai se construindo esse silêncio", finaliza.
Ø
Milei anuncia corte de 70 mil empregos
públicos e diz que 'há muito mais motosserra' para economia
Durante um discurso no
Fórum Econômico Internacional das Américas (IEFA) na terça-feira (26), o
presidente argentino Javier Milei comunicou sobre seu planejamento para
despedir 70 mil funcionários públicos nos próximos meses.
Além dos cortes de
empregos, Milei se vangloriou de ter congelado obras públicas, cortado parte do
financiamento aos governos provinciais e encerrado mais de 200 mil planos de
bem-estar social, o qual ele classificou como "corruptos", relata a Bloomberg.
Segundo a mídia, todas
essas medidas fazem parte da sua estratégia para alcançar um equilíbrio fiscal
a qualquer custo neste ano.
"O ajuste fiscal
que fizemos tem muito de liquidificador. Há muito mais motosserra",
afirmou o presidente no IEFA, referindo-se à erosão dos salários e pensões pela
inflação anual de 276%.
A mídia analisa que
embora representem apenas uma pequena fração dos 3,5 milhões de trabalhadores
do setor público da Argentina, os cortes de empregos deverão enfrentar mais
resistência por parte dos poderosos sindicatos do país e poderão pôr em risco
os seus elevados índices de aprovação.
Rodolfo Aguiar,
presidente do sindicato Associação dos Trabalhadores do Estado (ATE), anunciou
no X (antigo Twitter) ontem (26) uma greve nacional sem fornecer mais detalhes.
Um relatório do
governo detalhou que os trabalhadores do setor privado sofreram a pior perda
salarial em um mês em pelo menos três décadas depois que Milei assumiu a
presidência do país em dezembro, escreveu a Bloomberg.
·
Opositores de Maduro estão 'abrigados' em
embaixada argentina em Caracas, informa Buenos Aires
O governo argentino
informou nesta terça-feira (26) que abriga em sua embaixada em Caracas
dirigentes opositores que solicitaram asilo diplomático ao manifestar ao
governo de Nicolás Maduro sua preocupação com a suposta situação de perseguição
e assédio de figuras políticas no país.
"A República
Argentina […] recebeu os líderes políticos da oposição na residência oficial da
embaixada argentina em Caracas", afirma o comunicado do Gabinete da
Presidência de Javier Milei na plataforma X.
Ainda de acordo com o
governo argentino, houve corte no fornecimento de energia à embaixada do país
na capital venezuelana.
O texto afirma que a
decisão argentina conta com "respaldo da inviolabilidade consagrada no
artigo 22 da Convenção de Viena sobre relações diplomáticas, da qual Argentina
e Venezuela são signatárias".
A nota também alerta a
Caracas que evite "qualquer ação deliberada que coloque em perigo a
segurança do pessoal diplomático argentino e dos cidadãos venezuelanos sob
proteção".
Mais cedo, os
ministérios das Relações Exteriores brasileiro e colombiano lançaram notas
declarando preocupação com o processo eleitoral na Venezuela. Em resposta,
Caracas chamou o comunicado do Itamaraty de "cinzento" e que parecia
ter sido escrito "pelo Departamento de Estado dos EUA".
Em nota publicada no
site do Itamaraty, a chancelaria brasileira disse que "esgotado o prazo de
registro de candidaturas para as eleições presidenciais venezuelanas […], o
governo brasileiro acompanha com expectativa e preocupação o desenrolar do processo
eleitoral naquele país".
Segundo o ministro das
Relações Exteriores brasileiro, a candidata da oposição indicada pela
Plataforma Unitaria Democrática (PUD), "sobre a qual não pairavam decisões
judiciais, foi impedida de se registrar, o que não é compatível com os acordos
de Barbados".
Fonte: Sputnik Brasil
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