sábado, 30 de março de 2024

Ibama sofre corte de 19% em recurso para combate ao fogo às vésperas do período seco

Passados três meses sem chegar a um acordo com os servidores do Ibama, que cobram reestruturação da carreira, melhores condições de trabalho e novo concurso, o governo federal decidiu fazer cortes pesados de orçamento em ações cruciais de fiscalização ambiental, as quais ajudaram a derrubar os níveis de desmatamento na Amazônia no ano passado.

Dados levantados pela Agência Pública apontam que os recursos do Ibama previstos neste ano para serem usados, especificamente, na prevenção e controle do desmatamento e de incêndios florestais sofreram agora em março uma redução de 19,6%, em meio aos bloqueios gerais feitos no orçamento federal.

Dos R$ 62,5 milhões previstos inicialmente para serem aplicados nessas ações, foram cortados R$ 12,3 milhões. Restaram, portanto, R$ 50,2 milhões para lidar com incêndios e combate ao desmatamento, quando o valor ideal estimado internamente pelo próprio Ibama seria de R$ 120 milhões.

<<< Por que isso importa?

  • Os avanços ambientais do ano passado, em especial a redução no desmatamento, se deram em boa medida pelo empenho dos servidores; com a chegada da temporada seca, risco de derrubadas e fogo aumenta
  • Sem solução por parte do governo federal, servidores ambientais mantêm mobilização por reestruturação da carreira, o que vem afetando a fiscalização, o licenciamento e as importações

O arrocho nos valores destinados ao controle do desmatamento e incêndios florestais fica mais evidente quando comparados a anos anteriores. Em 2023, ano em que, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), os alertas de desmatamento na Amazônia caíram 49,9%, o Ibama aplicou R$ 89,3 milhões nessas ações, ou seja, 70% a mais do que pretende gastar neste ano.

A cifra atual chega a ser menor, inclusive, que a liberada para essas mesmas ações em 2021 e 2022, quando as operações tiveram orçamento disponível de R$ 57,3 milhões e R$ 60 milhões, respectivamente, conforme os dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop).

A medida ocorre no momento em que se aproxima o período de seca para a maior parte dos estados da Amazônia Legal (entre maio e novembro). Se considerada a redução geral de orçamento realizada em todas as áreas do órgão federal, o Ibama viu seu caixa cair de R$ 611 milhões previstos originalmente, para os R$ 559 milhões atuais, uma queda de R$ 51,8 milhões (8,5%).

Entre especialistas em meio ambiente e servidores do Ibama, a avaliação é de que o governo, depois de ter colhido bons resultados no ano passado, corre agora o risco de ver seus indicadores piorarem em meio ao corte generalizado do orçamento, mas principalmente pela falta de um acordo trabalhista com os servidores ambientais.

O impasse que envolve a reestruturação da carreira e pedido de reajuste salarial desses profissionais completa três meses neste fim de março, sem que haja uma sinalização efetiva de entendimento. Já se fala, inclusive, na possibilidade de a “operação padrão” atual descambar para uma paralisação generalizada no setor.

·        Impactos na fiscalização e no licenciamento

O Ibama tem mantido algumas operações mais urgentes em campo, como acontece no combate a incêndios em Roraima, mas muitas ações previstas pelo órgão ambiental estão completamente paralisadas.

Na área de licenciamento ambiental, dezenas de projetos de grande porte estão atrasados, muitos deles ligados à Petrobras. São empreendimentos que envolvem desde a instalação de infraestrutura em blocos do pré-sal até autorizações para prospecção dos poços e perfuração.

No setor de energia estão parados quatro processos de termelétricas que somam 5.970 megawatts de potência, além de três parques eólicos de mais 934,8 megawatts. Há ainda 13 processos de linhas de transmissão aguardando emissão de licenças ambientais, além de requerimentos para construção de gasodutos.

A mineração concentra projetos de grande porte que estão parados, como empreendimentos da Vale no Complexo Serra Norte de Carajás e seu plano de reprocessamento de rejeito da Barragem do Gelado, também no Pará.

Dados internos do Ibama apontam uma queda de 59% no volume de multas emitidas em janeiro e fevereiro deste ano, na comparação com primeiro bimestre do ano passado. Há reflexos, também, na importação e exportação de bens nos principais portos do país.

Na queda de braço com o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) – ao qual cabe autorizar as demandas –, os servidores do Ibama, do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), do Serviço Florestal Brasileiro e do Ministério do Meio Ambiente (MMA) cobram a reestruturação da carreira do setor.

Um dos pontos principais da proposta é a equiparação salarial com a carreira da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), onde o teto salarial hoje é de R$ 21 mil. No Ibama, esse valor é de R$ 17 mil.

Eles pedem também medidas para diminuir a diferença salarial entre cargos de diferentes níveis de escolaridade (auxiliar, médio e superior) e a incorporação de uma gratificação por atividade de risco (GAR). Várias reuniões já foram realizadas, mas ainda não se chegou a um acordo.

“As medidas são imprescindíveis para promover a valorização da política ambiental federal, para reter servidores qualificados nesses órgãos públicos e para conter a evasão funcional. Até o momento, a proposta inicialmente apresentada pelo governo foi recusada pela categoria por unanimidade, uma vez que é muito distante do reivindicado e das prioridades apontadas”, afirmou à reportagem a Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef).

A Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema Nacional) declarou que ainda espera uma nova sinalização do governo. “Temos a expectativa de que o governo possa dar uma resposta à altura do que tem sido feito a respeito da retomada da governança ambiental, de diversos programas ambientais e a reconstrução das políticas públicas”, afirmou.

“Vimos a diminuição do desmatamento, o combate ao garimpo ilegal e diversas atividades que o governo retomou, graças também ao empenho dos servidores. Esperamos que o governo possa, minimamente, demonstrar que está valorizando os servidores ambientais”, complementou a entidade.

O Ibama, que hoje tem 2.900 servidores, tem cerca de mil funcionários previstos para se aposentar até 2026. O governo prometeu realizar concurso público no ano passado, para renovar o quadro, mas nada aconteceu, nem há previsão para isso.

Questionado sobre o assunto pela reportagem, o MGI declarou por meio de nota que, em fevereiro, o governo reafirmou a proposta de reajuste geral de 9% em duas parcelas, para os próximos dois anos, sendo a primeira em maio de 2025 e a segunda em maio de 2026. Não haveria reajuste salarial neste ano, portanto.

“Com essa proposta, mais os 9% de aumento já concedidos no ano passado, os servidores terão um reajuste acumulado nos 4 anos de mais de 18%. Também foi formalizada proposta, para este ano de 2024, de reajuste no auxílio-alimentação de R$ 658 para R$ 1 mil (51,9% a mais); de aumento em 51% nos recursos destinados à assistência à saúde suplementar (“auxílio-saúde”); e, ainda, de acréscimo na assistência pré-escolar (“auxílio-creche”) de R$ 321 para R$ 484,90”, afirmou a pasta.

Os servidores afirmam que o último reajuste salarial da categoria ocorreu em 2016. Nos dois anos seguintes, houve apenas ajustes sobre a inflação, com 5% de aumento em cada ano. Por isso, além da reestruturação da carreira e equiparação com os salários da ANA, cobram agora a recomposição salarial. Na prática, os servidores ambientais pedem um aumento de 10,34% ao ano, para ser feito em três parcelas, entre 2024 e 2026. Com o acúmulo de juros nesse período, o reajuste totalizaria 34,32%.

Sobre as negociações específicas de cada carreira, o ministério afirmou que “segue aberto ao diálogo com todas as carreiras”, mas não comenta processos de negociação dentro das mesas setoriais e específicas. “Os acordos, quando finalizados, são divulgados por nossos canais oficiais.”

Sob pressão, o MMA afirmou que “está empenhado para a rápida conclusão das negociações com os servidores ambientais”.

A pasta comandada por Marina Silva declarou que “atua para a reposição do corte orçamentário sofrido pelo instituto neste ano” e que “o combate ao desmatamento é prioridade para o governo federal desde a posse do presidente Lula”.

À Pública, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, disse que “a atual administração está buscando a melhor forma de valorizar seus profissionais” e que Marina Silva “tem atuado diretamente junto ao MGI para que saia um bom acordo e o Ibama possa voltar a trabalhar na sua plenitude”.

Por meio de nota, o Ibama declarou que “a mobilização dos servidores para reestruturação da carreira, liderados por suas instâncias de representação, é ação legítima, no contexto democrático, que deve respeitar os limites legais, sem colocar em risco a proteção ao meio ambiente”.

Segundo o Ibama, a atribuição legal do instituto é atuar na execução da Política Nacional do Meio Ambiente, no exercício do poder de polícia ambiental. “Portanto, a missão institucional seguirá existindo e sendo cumprida, independentemente do momento político que viva o Estado brasileiro”, afirmou.

O órgão ligado ao MMA relembrou que foi solicitado um novo concurso público para o Ibama e que, atualmente, “o pedido está em fase de análise” pelo MGI. “Conforme declaração da ministra do Ministério do Meio Ambiente, a expectativa é que o certame seja realizado em 2025, contemplando vagas imediatas e formação de cadastro reserva.”

 

       Em Carta Aberta, organizações e pastorais sociais se unem em apelo por ações contra queimadas em Roraima

 

Assinada por 33 organizações da sociedade civil e Pastorais Sociais da Diocese de Roraima, a Carta Aberta, lançada hoje, faz um forte apelo ao Estado para agir com seriedade diante da severa seca e os consequentes incêndios que assolam o estado já há vários meses.

“Manifestamos nosso apelo ao governo e à sociedade como um todo para reconhecer a gravidade da situação e se unir em prol de ações concretas que possam reverter este cenário desolador. É hora de agir com responsabilidade e compromisso com o futuro de Roraima, garantindo a proteção do meio ambiente e, sobretudo, a dignidade e o bem-estar de todas as comunidades que aqui vivem”, invocam as instituições, que também reivindicam seriedade nas políticas públicas que envolvem e resolvem os problemas ocasionados pela tragédia que assolou Roraima, afirma as entidades, em Carta.

Para as organizações, “é imperativo que o governo adote medidas urgentes e eficazes para mitigar os impactos da estiagem e das queimadas, bem como para combater a contaminação dos nossos rios”.

>>>> Confira abaixo a carta na íntegra:

•        Nota Pública de Movimentos Sociais e da Diocese de Roraima

Nós, representantes de pastorais, articulações e organizações da Diocese de Roraima, e de movimentos e organizações da sociedade civil em Roraima, vimos a público expressar profunda preocupação e indignação com o crescente descaso do governo do Estado de Roraima, em relação à grave crise ambiental que assola o nosso Estado. Roraima enfrenta uma das mais severas estiagens de sua história, resultando em secas devastadoras e queimadas constantes que ameaçam não apenas a biodiversidade local, mas, crucialmente, a vida e o sustento de nossas comunidades mais vulnerabilizadas.

As queimadas, intensificadas pela falta de políticas públicas quanto à emergência climática, aceleram o estopim do fogo no estado de Roraima. No mês de fevereiro de 2024, Roraima liderava o ranking de queimadas (INPE) no Brasil. Mesmo com esse quadro ambiental, marcado por forte estiagem e seca, o governo do Estado de Roraima emitiu 55 licenças ambientais para queimadas. Conforme dados da entidade Greenpeace, a maioria dessas licenças foram emitidas no dia 09 de fevereiro para pastagem de gado. Tais medidas tiveram como consequência o aumento dos focos de incêndio em diversos municípios do Estado, por meio de fortes ventos e seca. Não houve qualquer medida mais eficaz de prevenção e controle, tendo gerado uma quantidade alarmante de fumaça, afetando diretamente a saúde dos povos ribeirinhos, indígenas, moradores da cidade e do campo, que vivem no interior de Roraima. Essas comunidades, já marginalizadas, enfrentam agora uma situação ainda mais precária, tendo seu modo de vida, cultura e saúde postos em risco iminente pela falta de água. Sem água não é possível manter as plantações, os animais, o que tornou a escassez de alimentos produzidos pelas famílias uma realidade no nosso Estado.

A situação nos territórios indígenas é gritante e desesperadora. Muitas comunidades tiveram suas roças e casas, além de pastos queimados. Associado a forte estiagem, com igarapés, rios e poços secando, o quadro só não é mais grave, pois os próprios indígenas, a partir do Conselho Indígena do CIR, têm suas brigadas indígenas, que estão atuando, de forma dedicada, nos vários territórios para controlar o fogo. Se não fosse por essa iniciativa, o cenário seria muito pior.

Diante desse quadro, o governo do Estado de Roraima tem tido como resposta criminalizar os povos indígenas pelas queimadas, efetuando prisões de tuxauas, alegando que os mesmos são os responsáveis por esse quadro. Repudiamos tal ato de injustiça do Estado.

Além disso, a contaminação dos nossos rios com mercúrio – sendo os mais contaminados Uraricoera, Couto Magalhaes, Mucajai, os quais despejam no rio Branco, principal rio de Roraima -, resultado da mineração ilegal, é uma problemática que exige ação imediata. O garimpo ilegal, que assola nosso Estado, foi fortemente apoiado pelo atual governo, emitindo dois projetos de lei de apoio a essa atividade criminosa.

As consequências desta contaminação são desastrosas, afetando diretamente a saúde dos povos que dependem desses rios para sua subsistência, além de causar danos irreparáveis ao ecossistema aquático.

Além disso, não podemos nos esquecer dos impactos sobre a população urbana, especialmente na capital. O ar carregado de fumaça penetra nossas casas, escolas e hospitais, causando problemas respiratórios agudos e crônicos, afetando sobremaneira a saúde pública.

Diante desse cenário, é imperativo que o governo adote medidas urgentes e eficazes para mitigar os impactos da estiagem e das queimadas, bem como para combater a contaminação dos nossos rios. Reivindicamos a implementação de políticas públicas que priorizem:

1.       A criação e o fortalecimento de um plano estadual de prevenção e combate a incêndios florestais, com recursos suficientes e apoio técnico para sua efetivação.

2.       Apresentação e prestação de contas dos recursos estaduais e federais utilizados nas ações de combate às queimadas em Roraima.

3.       O apoio e fortalecimento das iniciativas de manejo sustentável dos recursos naturais pelas comunidades tradicionais, garantindo sua participação ativa na gestão ambiental.

4.       Investimentos em saúde pública para atender às necessidades emergenciais causadas pela inalação de fumaça e contaminação por mercúrio, especialmente nas comunidades mais afetadas.

5.       Ações concretas para o combate à mineração ilegal, a estrutura logística e financeira que dá suporte ao garimpo, incluindo a fiscalização efetiva e a responsabilização dos infratores.

6.       Programas de recuperação de áreas degradadas e reflorestamento, com ênfase na restauração de ecossistemas vitais para a manutenção da biodiversidade local.

7.       A promoção de um diálogo aberto, transparente e contínuo entre governo, entidades sem fins lucrativos, movimentos sociais, entidades religiosas e a população das áreas afetadas, visando estreitar a comunicação e garantir que as vozes dessas comunidades sejam ouvidas e consideradas na formulação e implementação de políticas públicas. Este diálogo deve ser estruturado de forma inclusiva e transparente, proporcionando um espaço seguro para o compartilhamento de experiências, preocupações e sugestões, e deve buscar construir soluções conjuntas que reflitam as reais necessidades e os desejos dessas comunidades, assegurando assim que as medidas adotadas sejam efetivas e respeitosas dos direitos e da cultura local.

8.       O fim de soluções apresentadas pela falsa economia verde azul (megaempreendimentos de energia e mineração) e fim da lógica mercantil sobre a terra e os territórios. Manifestamos nosso apelo ao governo e à sociedade como um todo para reconhecer a gravidade da situação e se unir em prol de ações concretas que possam reverter este cenário desolador. É hora de agir com responsabilidade e compromisso com o futuro de Roraima, garantindo a proteção do meio ambiente e, sobretudo, a dignidade e o bem-estar de todas as comunidades que aqui vivem.

No sonho, na luta e na teimosia, assinam esta nota:

•        Dom Evaristo Spengler- Bispo da Diocese de Roraima

•        Pastorais Sociais da Diocese de Roraima- REPAM

•        Articulação dos Serviços a Migrantes e Refugiados de Roraima- ASEMIR

•        Levante Popular da Juventude Comissão Pastoral da Terra – Regional Roraima

•        Conselho Indigenista Missionário- CIMI Norte 1 AM\RR

•        Cáritas Diocesana Pastoral Indigenista

•        Pastoral dos Migrantes Missão Scalabriniana

•        Grupo de Estudos Interdisciplinar sobre Fronteiras – GEIFRON/UFRR

•        Associação dos Povos Indígenas da Terra São Marcos- APITSM

•        Frente em Defesa do Rio Branco

•        Movimento Purake

•        Comitê Xapiri YY

•        Conselho Diocesano de Leigos e Leigas de Roraima

•        Frente Povo Sem Medo

•        RUA Juventude Anticapitalista

•        Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra- MST/RR

•        Diretório Central dos Estudantes- DCE

•        Núcleo de Mulheres de Roraima- NUMUR

•        União da Juventude Socialista

•        Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Fronteiras da UFRR- PPGSOF

•        Hutukara Associação Yanomami (HAY)

•        Instituto Humanitas Unisinos – IHU

•        Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida – OLMA

•        Comunidade Marista de Boa Vista Comunidade Eclesial de Base Missionária- CEBS

•        Pastoral Familiar Regional Norte 1

•        Pastoral Familiar Diocesana de Roraima

•        Pastoral da Pessoa Idosa

•        Comunidades Eclesiais de Base do Regional Norte 1

•        Pastoral da Juventude de Roraima

 

Fonte: Por André Borges, da Agencia Pública/Cimi

 

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