O Caso Marielle e a contaminação das
instituições do RJ
Uma doença maligna com
o crescimento desordenado de células agressivas, que formaram um tumor que
proliferou e invadiu tecidos da sociedade e do Estado. Agora, em estágio de
progressão, se espalha para mais regiões do corpo.
Sim, o Rio de
Janeiro é como um corpo doente com um câncer. A prisão de um deputado
federal, de um conselheiro do Tribunal de Contas do estado e de um ex-chefe da
Polícia Civil pelo brutal assassinato da vereadora Marielle Franco demonstra o
quadro de metástase.
O delegado Rivaldo
Barbosa, que ocupou diversos postos na área de segurança do estado, simboliza a
penetração do crime na cúpula das polícias. Ele não apenas obstruiu
investigações de diversos crimes (suspeita-se, inclusive, do caso
Amarildo em 2013), como dias antes de tomar posse planejou
meticulosamente o assassinato de Marielle, dando orientações em relação ao
momento e ao local do crime.
Os irmãos
Brazão simbolizam o poder político do crime no Rio de Janeiro. Chiquinho
foi vereador, secretário da prefeitura do Rio e exercia o mandato de deputado
federal. Domingos foi vereador, deputado estadual e atuava como conselheiro do
Tribunal de Contas do Estado, órgão responsável por julgar os gastos do
governador.
O caso Marielle Franco
desvela que o crime que toma as ruas do Rio de Janeiro fez uma simbiose com o
sistema político, a cúpula das polícias e a burocracia estatal. Não é possível
distinguir organização criminosa, governos e Estado, que formulam um “ecossistema
criminoso”, como classificou o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal)
Flávio Dino.
Assim, o Rio de
Janeiro chegou a uma situação dramática e vive uma barbárie. No ano passado,
registrou 4.257 casos de ocorrências de letalidade violenta, que englobam
homicídios dolosos, lesão corporal seguida de morte, latrocínio e morte por
intervenção policial, de acordo com o ISP (Instituto de Segurança Pública).
Os homicídios dolosos
somaram 3.283 casos, o equivalente a quase nove mortos por dia. Foram 869 casos
de mortes por intervenção policial. O número de pessoas desaparecidas ficou em
5.815 casos, enquanto o de ocorrências de extorsão chegou a 3.264.
No Rio de Janeiro, o
Estado não é apenas conivente com esse quadro de violência. É cúmplice das
organizações criminosas. Desde 2008, Barbosa é o quarto ex-chefe da Polícia
Civil do Rio de Janeiro preso por envolvimento em crimes, como corrupção,
formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e relação com o jogo do bicho.
As instituições
públicas estão contaminadas e não têm condições de combater essa situação. No
final das contas, fazem parte do esquema. Por isso, a investigação dos
mandantes do assassinato de Marielle só obteve êxito, depois de seis anos, pela
atuação firme de um órgão com comando fora do Rio de Janeiro, a Polícia
Federal, que entrou no caso em fevereiro de 2023, sob a direção do governo
Lula.
O aprofundamento das
investigações é fundamental não apenas para punir todos os envolvidos no
assassinato de Marielle, mas também para revelar as entranhas da engenharia do
crime que tomou o Rio de Janeiro. Com o esquadrinhamento do diagnóstico da
metástase, de células cancerígenas que se soltaram do tumor original, foram
para outras partes e formam novos tumores, será possível começar o tratamento
da doença e levá-lo até às últimas consequências.
Alguém acredita que o
governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, tem compromisso e força política
para fazer as transformações profundas necessárias? Ele tem alguma autonomia
para romper o nexo entre poder econômico, organizações criminosas, sistema político
e burocracia estatal?
O Rio de Janeiro
precisa de ajuda e terá que passar por um duro, pesado, desgastante e longo
tratamento. Não há saída com medidas cosméticas, pontuais ou paliativas. A cura
desse câncer com metástase depende, sobretudo, de uma intervenção do governo
federal e do Supremo Tribunal Federal no estado, sob o risco da doença se
espalhar para todo o país.
Ø
Braga Netto deu “Medalha do Pacificador” ao
delegado acusado por morte de Marielle
O general Walter Braga
Netto, um dos mais estrelados e destacados bolsonaristas durante o último
governo federal e candidato a vice-presidente de Jair Bolsonaro (PL) na eleição
em que foram derrotados por Lula (PT), em 2022, condecorou com a Medalha do
Pacificador, uma das mais altas honrarias do Exército Brasileiro, o delegado Rivaldo Barbosa, da Polícia Civil do Rio de Janeiro, acusado de ser um dos
mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco, ocorrido em 2018. A informação da Agência Pública, assinada
por Cleber Lourenço.
A homenagem a Rivaldo
foi no feita três meses após o crime que teve repercussão mundial, ocasião em
que Braga Netto estava na ativa e era o chefe do Comando Militar do Leste. Na
portaria do Diário Oficial em que consta o ato de condecoração do delegado aparece
ainda uma assinatura do também general Eduardo Villas Bôas, outro bolsonarista
convicto e considerado por muitos o “mentor intelectual” do movimento golpista
liderado pelo ex-presidente, que à época era comandante do Exército.
A Medalha do
Pacificador é uma comenda criada em 1953 e é uma honraria destinada a civis e
militares, brasileiros ou não, que tenham prestado serviços relevantes para o
Exército Brasileiro. No caso de Rivaldo, um delegado que acabara de assumir a chefia da
Polícia Civil fluminense durante uma intervenção
federal, decretada pelo então presidente golpista Michel Temer, aparentemente
não há qualquer justificativa para tal galardão.
O relatório final da
Polícia Federal sobre as investigações dos assassinatos da vereadora Marielle
Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, enviado à Justiça e à
Procuradoria-Geral da República mostra que o delegado acusado de ser um dos
três mandantes do crime, Rivaldo Barbosa, foi “bancado” para o cargo de Chefe da Polícia Civil do Rio de
Janeiro por um general do Exército, Richard Nunes, ligado a Walter Braga Netto, que à época do crime, no início de 2018, era o interventor
federal no Rio. Já havia relatórios da Subsecretaria de Inteligência da
Secretaria de Segurança do estado mostrando que Rivaldo era corrupto e
envolvido com milícias, que foram simplesmente ignorados.
Braga Netto ainda demitiu de forma direta o delegado federal
Fábio Falcão, que deu o aviso sobre a conduta criminosa de Rivaldo e insistiu ao máximo para que o general não permitisse sua
nomeação.
¨
MP é acionado sobre suspensão de Braga
Netto do Exército
A deputada Luciene
Cavalcante, do PSol de São Paulo, pediu, nesta quinta-feira (28/3), que o Ministério
Público Militar cobre o afastamento do general da
reserva Walter Braga Netto, do
Exército, enquanto é investigado por ter nomeado o delegado Rivaldo Barbosa
como chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro um dia antes do assassinato de
Marielle Franco. Barbosa é o “autor intelectual” da morte da vereadora, segundo a PF, e foi preso no domingo (24/3).
Barbosa foi nomeado
por Braga Netto. Em 2018, ainda no governo Temer, Braga Netto era o interventor
federal na segurança pública fluminense. Após a operação da PF que prendeu o
ex-chefe da Polícia Civil subordinado a Braga Netto, o general alegou que assinou
a nomeação apenas por “questões burocráticas”.
Em manifestação citada
na decisão do ministro Alexandre de Moraes, a PF afirmou que Rivaldo Barbosa
planejou “meticulosamente” a execução de Marielle e teve “total ingerência”
para sabotar as investigações da polícia que comandava.
“É de extrema
importância e gravidade o contexto que levou à nomeação de Rivaldo Barbosa, uma
vez que se deu não só de forma discricionária e sem fundamentação, como também
em desacordo com a Inteligência da Polícia Civil do Rio de Janeiro, o que pode
representar uma violação à lei e à ordem pública”, afirmou a deputada Luciene
Cavalcante ao MPM.
Depois de ser
interventor federal, Braga Netto foi ministro da Defesa e da Casa Civil de Jair
Bolsonaro. Em 2022, foi seu vice na campanha de reeleição e participou de
articulações golpistas, também de acordo com a Polícia Federal.
Ø
Miliciano faz revelação que complica ainda
mais o delegado Rivaldo Barbosa
Preso na Penitenciária Federal de Mossoró (RN), de segurança máxima, o miliciano Orlando Curicica fez uma revelação em depoimento dado ao Ministério Público do Rio de Janeiro que irá complicar ainda mais a vida do delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil fluminense e apontado pela Polícia
Federal como um dos articuladores dos assassinatos de Marielle Franco e Anderson
Gomes.
A revelação foi feita
na última quarta-feira (27) pelo jornalista Rafael Soares, no jornal O
Globo. O profissional obteve uma cópia do depoimento.
Ao MP-RJ, Curicica
revelou que foi alvo de uma operação de busca e apreensão da Polícia Civil em
2013 que encontrou, em sua casa, uma arma irregular. Como o miliciano não
estava presente, sua esposa acabou acusada do crime.
A seguir, Curicica
revelou que Rivaldo chefiava a investigação à época e que sua equipe pediu uma
propina de R$ 20 mil para liberar a mulher da acusação. O miliciano então
chegou a vender um carro, mas só obteve R$ 18 mil, que repassou aos policiais. “Ele
nunca mais mexeu no inquérito”, revelou.
O depoimento não tem
relação direta com o assassinato de Marielle Franco. No entanto, se refere a um
Procedimento Investigatório Criminal (PIC) aberto em 2018 que apura casos de
corrupção na Delegacia de Homicídios, onde Rivaldo já trabalhou.
Além desse episódio,
Curicica também disse que havia um “sistema de pagamentos mensais” em que as
milícias compravam as delegacias. A Divisão de Homicídios, chefiada por Rivaldo
Barbosa à época, levantaria de R$ 60 mil a R$ 80 mil a cada mês.
Orlando Curicica é
ex-PM, integrante de milícias cariocas e chegou a ser apontado por uma falsa
testemunha implantada pelo clã Brazão, ao lado do ex-vereador Marcello
Siciliano, como um dos mandantes do assassinato de Marielle Franco.
No entanto, após a
delação premiada de Ronnie Lessa, o ex-PM e miliciano que confessou ter
efetuado os disparos contra Marielle, Domingos Brazão, Chiquinho Brazão e o delegado Rivaldo Barbosa foram formalmente acusados de
serem os mandantes do crime e estão presos desde o último domingo (24).
Rivaldo Barbosa
tornou-se o chefe da Polícia Civil às vésperas do crime. Foi nomeado pelo
general Walter Braga Netto que chegou a ser alertado pelo MP-RJ sobre suas
relações promíscuas com as milícias. Segundo o alerta, era justamente essa
relação com as milícias que teria conferido números fora de realidade ao
patrimônio pessoal do delegado. Barbosa foi o apontado como o responsável para
que o crime ficasse sem solução enquanto esteve à cargo das autoridades
estaduais.
Fonte: Por Igor
Felippe Santos, no Brasil de Fato/Fórum
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