Pega na mentira! Governo baiano ignora
apelo dos professores e mantém há dois meses portaria de aprovação em massa
As reações negativas à
portaria da aprovação em massa, como ficou conhecida a portaria 190/2024, não
foram suficientes, até o momento, para o governo Jerônimo Rodrigues (PT) recuar
e revogar o texto. Há exatos dois meses, no dia 27 de janeiro deste ano, a
Secretaria de Educação da Bahia (SEC) editava a medida que estimula os
professores a aprovarem os alunos, mesmo sendo reprovados em disciplinas e com
baixa frequência nas aulas.
O governador até
admitiu publicamente a possibilidade de ajustar ou revogar a portaria, mas não
deu nenhum passo nesta direção. Por enquanto, houve apenas uma reunião entre o
sindicato dos docentes e a SEC para tratar do assunto. O encontro, que ocorreu no
dia 21 de fevereiro, encerrou sem acordo. Os professores exigiram o
cancelamento da medida, mas a secretária de Educação, Adélia Pinheiro, ficou
incomodada com o posicionamento da categoria e resistiu em retirar o texto. A
APLB-Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia pediu à
Secretaria de Educação uma nova reunião para discutir o texto da aprovação
automática, mas, segundo a assessoria de comunicação da pasta, não tem “até
agora nada na agenda”.
A revogação, que é
defendida por educadores tanto da Bahia quanto de fora do estado, não causará
prejuízos para estudantes reprovados que avançaram nas séries escolares por
causa da portaria, segundo especialistas ouvidos pela reportagem. Isso porque
portaria não retroage. Entretanto, se a medida for cancelada, evitará que novos
alunos sejam aprovados mesmo após ter pedido em disciplinas e sem frequentar
aulas.
Ao defender a
portaria, interlocutores do governo dizem que houve “erro” na comunicação do
texto. Para minimizar o desgaste causado pela medida, a secretária de Educação
chegou a conceder entrevistas a rádios na capital baiana e defendeu que, com a
portaria, se busca a progressão contínua. Disse ainda que os estudantes
“vulneráveis” têm direito em avançar nas séries.
Coordenador da APLB-
Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia, Rui Oliveira
criticou a relutância da gestão petista em retirar o texto. “Nós estamos aqui
para contribuir. O governo sabe que teve uma repercussão ruim, e nós temos uma
posição de revogar poque a gente sabe que abre brecha para aprovação em massa”,
ressaltou.
O CEO do AtlasIntel,
Andrei Roman, atribuiu a queda de popularidade de Jerônimo em Salvador, em
parte, à portaria. A desaprovação do petista subiu, na capital baiana, de 46%
para 53% entre dezembro de 2023 e março deste ano. Além do texto, as
declarações do governador contribuíram para aumentar a rejeição a ele, conforme
Andrei Roman.
"(O
analfabetismo) é como se nós tivéssemos uma doença. Para mim, o analfabetismo é
uma doença da ignorância, de não poder ler, não pode escrever, não pode
criticar" - Jerônimo Rodrigues, Governador da Bahia
Na defesa da medida,
Jerônimo Rodrigues disse que, ao reprovar os alunos, escolas agem de forma
“autoritária”. Também comparou o analfabetismo a uma doença. Segundo ele, o que
seu governo quer, com o texto, é evitar que o aluno deixe os colégios para “o crime,
a droga ou para o analfabetismo”.
"A escola que
reprova é uma escola autoritária, é uma escola preconceituosa" - Jerônimo
Rodrigues, Governador da Bahia
A oposição vê a
portaria como uma tentativa da administração petista no estado de “maquiar” os
baixos índices de Educação. Em setembro de 2022, o Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) apontou que a Bahia
voltou a ficar nas últimas posições do ranking do Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (Ideb), principal indicador de qualidade na área.
Os dados mostram que o
estado caiu da 22ª para a penúltima colocação em aprendizagem de português e
matemática e possui a quarta pior pontuação no índice geral do Ensino Médio
oferecido na rede estadual. No ano de 2019, a Bahia havia obtido uma pontuação
de 4,1 na aprendizagem das duas disciplinas mais importantes, o que a
posicionava em 22º lugar. No entanto, em 2021, esse índice caiu para 3,96,
resultando na queda para a 26ª posição, ficando a frente apenas do Maranhão
(3,92).
Já no índice geral do
Ideb, a nota do Ensino Médio da rede estadual foi a quarta pior do Brasil
(3,5), na frente apenas do Rio Grande do Norte (2,8), Pará (3,0) e Amapá (3,1).
¨ Aprovação em massa: professores dizem que portaria afetará
entrada de baianos no ensino superior
A Bahia já amarga a
pior porcentagem de estudantes ativos entre 18 e 24 anos no Ensino Superior no
Brasil, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua
(PNADC), divulgada nesta sexta-feira (22) pelo IBGE. Para educadores do estado,
no entanto, não há mal que não possa piorar. Com a portaria estadual 190/2024,
que possibilitou que estudantes avançassem mesmo reprovados em disciplinas e
com faltas em aulas, os professores acreditam que, sem preparo para progredir
no ensino e permanecer no âmbito estudantil, os dados divulgados na pesquisa
tendem a ser ainda mais negativos.
Professor na rede
estadual de ensino, Josemiran Marques afirma que, ao “maquear” a situação do
aluno, a portaria editada pela Secretaria de Educação da Bahia não favorece a
chegada dos jovens ao Ensino Superior. "A gente só retém esse aluno para
ajudá-lo, para que ele realmente ganhe e crie as condições necessárias para
passar para o próximo ano. Sem maquear a realidade do aprendizado", diz.
"A portaria
atrapalha e pode contribuir para piorar esse número (do PNADC) que já é
negativo. As políticas têm que ser inclusivas, mas elas também têm que ter
critérios técnicos objetivos. Tem que ver a realidade de quem está lá no chão
da escola. A gente precisa também fazer esse diálogo com a família, mas não
aprovar de qualquer jeito", acrescenta ele.
Coordenador da
APLB-Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia, Rui Oliveira
também acredita que a portaria fará com que menos jovens baianos ingressem nas
universidades.
"Ela (a portaria)
impacta porque possibilita aprovação automática sem o aluno ter desenvolvido
sua autonomia no percurso escolar. Assim, dificilmente, esse aluno terá
condições de fazer o Enem de forma qualificada e vai desistir. Por isso,
continuamos defendendo a revogação da 190. Estamos à disposição para a
construção de um instrumento que de fato possa combater a reprovação, e garanta
a permanência com qualidade dos alunos", declara Rui.
Doutora em Educação,
Catarina de Almeida Santos corrobora com o discurso de Rui Oliveira e adiciona
que a aprovação em massa é um atestado de falha em oferecer educação de
qualidade. "O nosso foco tem que ser garantir as condições para que todos
os estudantes possam aprender. A lógica da aprovação automática significa que o
Estado está admitindo que ele não está garantindo as condições para que os
estudantes estejam aprendendo", analisa ela, que é professora da
Universidade Federal de Brasília (UnB).
Catarina Santos, assim
como os outros educadores, destacam que a escola não tem como objetivo
reprovar, mas garantir o processo de ensinar e aprender.
A reportagem procurou
a Secretaria de Educação do Estado da Bahia (SEC) para comentar os números do
IBGE e responder sobre a possibilidade de piora nos dados com a portaria da
aprovação em massa, mas não recebeu retorno da pasta até o fechamento desta reportagem.
Fonte: Correio da
Bahia
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