quarta-feira, 27 de março de 2024

O que é o Estado Islâmico-Khorasan, que assumiu autoria do atentado em Moscou

Apesar das tentativas do presidente Vladimir Putin e da mídia controlada pelo Estado russo de atribuir a culpa pelo ataque mortal ao teatro de Moscou na sexta-feira à Ucrânia, mais detalhes estão surgindo sobre o grupo jihadista IS-K, que afirmou estar por trás do incidente.

·        O que é IS-K?

O IS-K é uma abreviação de Estado Islâmico-Khorasan - uma filial regional do grupo Estado Islâmico, que foi designado como uma organização terrorista por governos em todo o mundo. Ele está focado no Afeganistão, Irã, Paquistão e na Ásia Central.

O grupo se autodenominou Khorasan em referência a uma parte de um califado islâmico histórico que abrangia partes dos atuais Irã, Afeganistão, Tajiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão.

O IS-K existe há nove anos, mas nos últimos meses emergiu como a filial mais perigosa do grupo Estado Islâmico, com um alcance longo e uma reputação de extrema brutalidade e crueldade. Junto com o que resta da liderança mais ampla do grupo na Síria e no Iraque, o IS-K aspira a um califado islâmico pan-nacional governado por uma interpretação ultra-estrita da Sharia, a lei islâmica.

No Afeganistão, o grupo está travando uma insurgência esporádica, mas ainda mortal, contra os governantes do país, o Talebã, aos quais se opõe por motivos ideológicos.

·        O IS-K já realizou ataques antes?

Em 2021, o grupo foi responsável pela evacuação caótica do aeroporto de Cabul com um atentado suicida, matando 170 afegãos e 13 militares dos EUA. No ano seguinte, o alvo foi a embaixada russa em Cabul, matando pelo menos seis pessoas e ferindo outras.

O grupo realizou ataques indiscriminados em uma maternidade, estações de ônibus e policiais. Em janeiro deste ano, o IS-K realizou um atentado duplo em um santuário em Kerman, no Irã, matando quase 100 iranianos.

Na Rússia, realizou inúmeros ataques de pequena escala, sendo o mais recente em 2020 - e já neste ano o FSB, o serviço de segurança interna da Rússia, afirma ter impedido vários planos terroristas.

·        Quem são os responsáveis pelo ataque em Moscou?

De acordo com a mídia estatal russa, os quatro homens capturados e acusados são todos tadjiques da república da Ásia Central do Tajiquistão, que costumava fazer parte da União Soviética.

É evidente pela aparência machucada e contundida deles no tribunal que foram interrogados de forma especialmente cruel, chegando ao ponto de tortura.

O problema disso é que, de acordo com as normas internacionais, suas confissões serão inúteis - as pessoas dizem qualquer coisa para fazer a dor parar, inclusive confessar uma narrativa que simplesmente não é verdadeira.

Relatos indicam que um dos homens foi visto realizando vigilância do local no início de março, por volta do momento em que os EUA alertaram a Rússia sobre uma ameaça iminente de ataque terrorista em um espaço público - um aviso que o Kremlin descartou na época como "propaganda".

Outro relatório afirma que pelo menos dois dos agressores chegaram recentemente à Rússia, sugerindo que se tratava de um "grupo de ataque" enviado pelo IS-K, em vez de uma célula adormecida de residentes.

·        Por que eles atacaram a Rússia?

O IS-K considera a maior parte do mundo como seus inimigos. A Rússia está entre os principais, juntamente com os Estados Unidos, Europa, Israel, judeus, cristãos, muçulmanos xiitas, Talebã e todos os governantes dos estados de maioria muçulmana, que eles consideram "apóstatas".

A hostilidade do Estado Islâmico contra a Rússia remonta às guerras chechenas nos anos 1990 e início dos anos 2000, quando as forças de Moscou devastaram a capital chechena, Grozny.

Mais recentemente, a Rússia entrou na guerra civil síria ao lado de seu aliado, o presidente Bashar al-Assad, e a força aérea russa realizou inúmeros bombardeios contra posições rebeldes e civis, matando um grande número de combatentes do grupo Estado Islâmico e ligados à Al-Qaeda.

No Afeganistão, o IS-K vê a Rússia como aliada do Talebã, razão pela qual atacaram a embaixada russa em Cabul em 2022. Eles também guardam ressentimento pelos 10 anos de brutal ocupação soviética daquele país de 1979 a 1989.

Há também a situação dentro da própria Rússia. O IS-K considera a Rússia muito cristã e em um vídeo postado após o ataque em Moscou, fala sobre matar cristãos.

Os trabalhadores migrantes tadjiques e de outras partes da Ásia Central às vezes são alvo de assédio e suspeita pelo FSB, enquanto o serviço busca evitar ataques terroristas.

Por fim, a Rússia - uma nação atualmente distraída por sua guerra em larga escala com seu vizinho Ucrânia - pode simplesmente ter sido um alvo conveniente de oportunidade para o IS-K, um local onde as armas estavam disponíveis e a guarda de seu inimigo estava baixa.

·        O que ainda não sabemos sobre o ataque a Moscou?

Ainda há várias perguntas sem resposta sobre todo esse episódio. Por exemplo, por que os agressores puderam circular livremente por quase uma hora pelo Crocus Hall sem nenhum senso aparente de urgência?

Em um país onde a polícia e os serviços especiais, especialmente o FSB, são onipresentes, esses atiradores se comportaram como se soubessem que não seriam interrompidos por uma equipe de elite da polícia.

Além disso, há as armas - não apenas pistolas, mas poderosos fuzis automáticos modernos. Como eles conseguiram adquiri-los e contrabandeá-los sem serem detectados para o local?

Sua rápida captura também é surpreendente. Ao contrário de muitos atiradores jihadistas em um ataque como esse, esses homens não estavam usando coletes ou cintos suicidas, no estilo daqueles que preferem a morte à captura. E mesmo assim, não demorou muito para as autoridades russas - as mesmas autoridades russas que falharam em impedir o pior plano terrorista em 20 anos se desenrolando debaixo de seus narizes - prenderem os suspeitos e levá-los a julgamento.

Tudo isso está levando alguns analistas a especularem sobre algum tipo de suposto "trabalho interno" do Kremlin, ou uma "operação de bandeira falsa" para angariar apoio popular para a guerra na Ucrânia. No entanto, não há evidências concretas para apoiar essa teoria e os serviços de inteligência dos EUA confirmaram que, em sua visão, o Estado Islâmico esteve por trás desse ataque horrendo.

 

Ø  Quem são os 4 homens que a Rússia acusa de 'atos de terrorismo'

 

Eles chegaram curvados, com sinais evidentes de terem sido espancados — um deles estava, inclusive, em uma cadeira de rodas. Foi assim que os quatro homens que a Rússia acusa de serem os autores do ataque a uma casa de shows, que matou pelo menos 139 pessoas, compareceram perante um tribunal de Moscou.

Todos foram acusados ​​de cometer ato de terrorismo.

Na última sexta-feira (22/3), homens armados invadiram o Crocus City Hall, em Krasnogorsk, um subúrbio ao norte de Moscou, e abriram fogo contra o público. Cerca de 6 mil pessoas assistiam a um show de rock no momento do ataque.

Eles também provocaram incêndios no local — o fogo se espalhou pela área e causou o desabamento do teto.

Além das mortes, as autoridades russas informaram que mais de 100 pessoas ficaram feridas.

O grupo extremista autodenominado Estado Islâmico afirmou ter realizado o ataque, embora as autoridades russas inicialmente tenham dito que a declaração da organização era “falsa”.

O presidente russo, Vladimir Putin, reconheceu pela primeira vez na segunda-feira (25/3) que “islamistas radicais” estavam por trás do atentado, mas sugeriu que o ataque faz parte de uma campanha mais ampla de intimidação liderada pela Ucrânia.

A FSB, a agência de segurança russa, informou que prendeu os quatro homens na região de Bryansk, a cerca de 400 quilômetros a sudoeste de Moscou, 14 horas após o ataque.

Os suspeitos compareceram perante o tribunal no domingo (24/3), e as autoridades russas os identificaram como: Dalerdzhon Mirzoyev, Saidakrami Murodali Rachabalizoda, Shamsidin Fariduni e Muhammadsobir Fayzov.

Segundo a agência de notícias estatal russa Tass, eles são do Tajiquistão, país ao norte do Afeganistão.

Um comunicado do tribunal, divulgado no Telegram, informou que Mirzoyev havia “admitido totalmente sua culpa”, e que Rachabalizoda também havia "admitido culpa".

Os quatro vão permanecer em prisão preventiva até pelo menos até 22 de maio, acrescentou o tribunal.

Outras sete pessoas foram presas na Rússia sob suspeita de ajudar no ataque.

·        Sinais de espancamento

Em um vídeo, policiais com os rostos cobertos podem ser vistos levando os réus ao tribunal do distrito de Basmanny, na capital russa.

Durante a permanência no tribunal, os quatro ficaram dentro de uma cabine envidraçada, sendo vigiados por policiais que estavam com os rostos cobertos.

Nas imagens, é possível ver sinais de espancamento nos detidos.

Quando questionado sobre a suposta tortura, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, se recusou a comentar durante uma entrevista coletiva para a imprensa na segunda-feira.

Os homens que o tribunal identificou como Mirzoyev e Rachabalizoda estavam com hematomas nos olhos, e a orelha do último estava enfaixada, supostamente porque teria sido parcialmente cortada durante sua prisão.

Mirzoyev também parecia ter um saco plástico rasgado em volta do pescoço.

O rosto do suspeito identificado como Fariduni estava muito inchado, enquanto Fayzov parecia ter perdido a consciência — ele foi levado ao tribunal em uma cadeira de rodas, vestindo uma camisola de hospital.

Dava a impressão de que ele tinha perdido um olho, segundo a agência de notícias Reuters.

·        Investigação em andamento

O Estado Islâmico assumiu a responsabilidade pelo ataque em seu canal Telegram — e publicou como evidência um vídeo dos atiradores disparando contra a multidão dentro da casa de shows.

A BBC verificou que o vídeo é autêntico.

Peskov disse na segunda-feira que não era apropriado fazer comentários a respeito até que a investigação fosse concluída.

No entanto, as autoridades russas sugeriram que a Ucrânia teria ajudado os autores do ataque. Putin afirmou que Kiev havia “preparado uma janela” para permitir que eles cruzassem a fronteira e escapassem para o território ucraniano.

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, rejeitou no domingo as acusações — e sua diretoria de inteligência militar disse que é “absurdo” sugerir que os homens estavam tentando cruzar uma fronteira altamente minada, repleta de centenas de milhares de soldados russos, para escapar.

Adrienne Watson, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos, afirmou que o Estado Islâmico é "o único responsável por este ataque. Não houve de maneira alguma envolvimento ucraniano".

·        Rússia na mira do Estado Islâmico

Os Estados Unidos alertaram Moscou no início deste mês sobre um possível ataque na Rússia visando grandes aglomerações. Posteriormente, emitiu um aviso público aos seus cidadãos no país.

alerta foi desconsiderado pelo Kremlin como propaganda — e uma tentativa de interferir nas eleições presidenciais.

Washington disse após o ataque que não tinha motivos para duvidar da afirmação do Estado Islâmico.

Não seria a primeira vez que o Estado Islâmico e seus aliados atacam a Rússia ou seus interesses no exterior.

O grupo assumiu a responsabilidade pela explosão de um avião russo sobre o Egito em 2015, com 224 pessoas a bordo, a maioria cidadãos russos. Também reivindicou o crédito pelo atentado a bomba em 2017 no metrô de São Petersburgo, que matou 15 pessoas.

Analistas de segurança dizem que o Estado Islâmico considera a Rússia um alvo por várias razões, incluindo o papel do país na destruição da base de poder do grupo na Síria, enquanto apoiava o governo do presidente Bashar al-Assad.

Também pelas duas guerras brutais de Moscou na Chechênia, de maioria muçulmana, entre 1994 e 2009, e pela invasão do Afeganistão na era soviética.

O ataque à casa de shows é atribuído à célula afegã do Estado Islâmico que se originou na província de Khorasan, no leste do Afeganistão, conhecida como ISIS-K.

Este grupo opera principalmente no Afeganistão e em partes da Ásia Central — e seu nome remete a um antigo termo para a região.

Está entre os braços regionais mais capazes e ativos do Estado Islâmico — e foi responsável por ataques suicidas mortais no aeroporto de Cabul, capital afegã, durante a caótica retirada dos EUA em agosto e setembro de 2021.

Eles criticam frequentemente o presidente Vladimir Putin em seu material de propaganda.

 

Fonte: BBC News Mundo

 

Nenhum comentário: