sábado, 30 de março de 2024

Fome em Gaza pode configurar crime de guerra, diz chefe da ONU para direitos humanos

Após meses de alerta, um relatório recente apoiado pela ONU apresentou evidências estatísticas concretas de que a catástrofe humanitária em Gaza está se transformando em uma situação de fome provocada pelo homem.

O relatório aumentou a pressão sobre Israel para que cumpra suas responsabilidades legais de proteger os civis palestinos — e permitir que fornecimentos adequados de ajuda humanitária cheguem às pessoas que necessitam.

Em entrevista à BBC, o alto comissário da ONU para direitos humanos, Volker Türk, disse que Israel tinha uma culpa significativa — e que era um caso "plausível" de que o país estava usando a fome como arma de guerra em Gaza.

Türk afirmou ainda que se a intenção for comprovada, equivaleria a um crime de guerra.

O ministro da Economia de Israel, Nir Barkat, um político importante do partido Likud, do premiê Benjamin Netanyahu, rejeitou as advertências de Türk, classificando-as como um “total disparate — uma coisa totalmente irresponsável de se dizer”.

Assim como seus colegas de gabinete, Barkat insistiu que Israel estava permitindo a entrada de toda a ajuda oferecida pelos EUA e pelo resto do mundo. Israel alega que a ONU não distribui o que resta depois que o Hamas se beneficia do que chega.

Mas uma longa fila de caminhões carregados com suprimentos de ajuda humanitária, dos quais a Faixa de Gaza precisa desesperadamente, está se acumulando no lado egípcio da fronteira com Rafah. Eles só podem entrar em Gaza por Israel, após uma série de verificações complexas e burocráticas.

A falta de abastecimento adequado forçou a Jordânia, e agora outros países, incluindo os EUA e o Reino Unido, a realizar lançamentos aéreos de suprimentos —a forma menos eficaz de entregar ajuda humanitária.

Palestinos que lutavam em solo para garantir uma parte da ajuda se afogaram enquanto tentavam nadar até pacotes que caíram no mar, ou foram atingidos pelos mesmos quando os paraquedas falharam.

A Marinha dos EUA também está enviando uma frota de engenharia pelo Atlântico para construir um cais temporário para desembarcar ajuda pelo mar.

Nada disso seria necessário se Israel concedesse acesso rodoviário total a Gaza — e acelerasse a entrega de suprimentos de ajuda humanitária pelo moderno porto de Ashdod, a apenas cerca de meia hora de carro da Faixa de Gaza.

Durante a entrevista, Türk disse que surgiram evidências de que Israel estava retardando ou retendo a entrega de ajuda humanitária.

O alto comissário da ONU condenou os ataques do Hamas contra civis e soldados israelenses em 7 de outubro, incluindo assassinatos, estupros e a tomada de reféns. Mas ele também disse que nenhum lado na guerra deve fugir da responsabilidade por suas ações, incluindo qualquer tentativa de reter o fornecimento de ajuda às pessoas que necessitam em Gaza.

Israel ignorou a resolução do Conselho de Segurança da ONU que exige um cessar-fogo imediato. Nir Barkat, o ministro da Economia israelense, disse que nada poderia ficar no caminho da meta de Israel de acabar definitivamente com o Hamas e libertar os reféns feitos pelo grupo em 7 de outubro.

Ele acrescentou que aliados em todo o mundo apoiaram o objetivo estratégico de Israel. Quando apresentado ao fato de que muitos dos amigos de Israel, a começar pelo presidente dos EUA, Joe Biden, não estavam gostando da forma como Israel estava travando a guerra, Barkat foi contundente.

"Isso é duro. Vamos acabar com a guerra. Vamos fazer tudo que pudermos para matar os terroristas do Hamas e minimizar os danos colaterais o máximo possível", afirmou.

"Com todo o respeito, estamos lutando contra o mal, e esperamos que o mundo nos ajude a combater o mal até eliminarmos o Hamas do mapa."

O alto comissário de direitos humanos da ONU deu uma resposta sucinta às duras críticas de Israel.

“A única coisa que posso dizer a eles é que existe um consenso internacional emergindo, e pode não ter existido antes, mas está claramente presente agora, inclusive com a resolução do Conselho de Segurança desta semana, sobre a situação humanitária”, disse Türk.

"A situação dos direitos humanos é tão trágica que é necessário um cessar-fogo imediato. Esta é a minha resposta a isso."

"Todos os meus colegas da área humanitária continuam a dizer que há muita burocracia. Existem obstáculos. Existem entraves... Israel é culpado de forma significativa", ele afirmou.

“Só posso dizer que os fatos falam por si só… Entendo que é algo que precisa ser controlado, mas não pode demorar dias para que isso seja feito."

"Quando você coloca na mesa todos os tipos de exigências que não são razoáveis em uma emergência... isso levanta o questionamento, diante de todas as restrições que vemos atualmente, se há uma alegação plausível a ser feita de que a fome está sendo, ou pode ser usada, como uma arma de guerra."

A preocupação com a catástrofe humanitária na Faixa de Gaza se aprofundou na semana passada com a divulgação de um estudo respaldado por uma série de mapas, gráficos e estatísticas. E suscitou mais alertas por parte de aliados de Israel de que o país deveria mudar a forma como está travando a guerra contra o Hamas para poupar civis da morte por explosivos ou pela fome.

O estudo é o mais recente relatório de uma respeitada rede internacional, conhecida como IPC (acrônimo em inglês para Classificação Integrada da Fase de Segurança Alimentar). A organização fornece aos governos, à ONU e às agências de ajuda humanitária dados apolíticos para medir a dimensão da fome. A manchete do relatório era forte: “Faixa de Gaza: a fome é iminente, à medida que 1,1 milhão de pessoas, metade de Gaza, enfrentam uma catastrófica insegurança alimentar”.

Os dados do relatório explicavam como uma grande fome poderia surgir a qualquer momento nas próximas oito semanas, se não houvesse um cessar-fogo e se a ajuda humanitária não chegasse à Faixa de Gaza.

Pais palestinos que conseguiram levar os filhos doentes e famintos até um dos poucos hospitais que ainda funcionam em Gaza depois do ataque de Israel não precisaram esperar pelas estatísticas. Durante semanas e meses, enquanto lutavam para alimentá-los, eles observaram de perto o declínio dos filhos.

Gaza não é um lugar para ficar doente. Uma menina internada no hospital, contactada por um jornalista freelancer palestino que trabalha para a BBC, estava deitada semiconsciente em uma cama.

Noora Mohammed tem fibrose pulmonar e hepática, duas condições que podem ser fatais mesmo em tempos de paz. Nos meses de fome desde o início da guerra, e sem os cuidados médicos adequados, o estado de saúde dela está se deteriorando rapidamente.

“Minha filha não consegue se mover”, diz a mãe. “Ela está anêmica, sempre dormindo, e não há nada nutritivo para comer.”

Pelo menos Noora conseguiu chegar ao hospital. A maior parte dos pouco mais de um milhão de habitantes de Gaza considerados em situação de extrema necessidade não vai ter essa opção.

As evidências da catástrofe humanitária em Gaza são avassaladoras. As fotos que tiramos no hospital mostram crianças com articulações inchadas, membros atrofiados e dermatite, todos sintomas clássicos de desnutrição aguda.

 

Ø  Principal tribunal da ONU determina entrada de ajuda médica e alimentos em Gaza

 

O mais alto tribunal da Organização das Nações Unidas (ONU) ordenou que Israel garanta o livre acesso de ajuda humanitária para Gaza, a fim de evitar a fome na região.

Em decisão unânime, a Corte Internacional de Justiça (CIJ), conhecida como Tribunal de Haia, afirmou que Israel precisa agir "sem demora" para permitir a "prestação... de serviços básicos e assistência humanitária urgentemente necessários".

A decisão se deu após alertas de que uma grande fome poder se instalar em Gaza em questão de semanas.

Israel classificou as acusações de que está impedindo a entrada de ajuda humanitária como "totalmente infundadas".

Em resposta à ordem judicial, o Ministério das Relações Exteriores de Israel disse que continuava "a promover novas iniciativas e a expandir as existentes" para permitir um fluxo contínuo de ajuda para Gaza "por terra, ar e mar", trabalhando com a ONU e outros.

E declarou que o Hamas era o culpado pela situação em Gaza e pelo início da guerra.

A decisão da Corte Internacional de Justiça se deu após a África do Sul ter pedido ao tribunal que reforçasse uma ordem emitida a Israel em janeiro para tomar todas as medidas para evitar atos genocidas em Gaza.

Embora as decisões da CIJ sejam juridicamente vinculativas, o tribunal não tem poder para garantir seu cumprimento.

Na semana passada, um relatório de uma respeitada rede internacional, conhecida como IPC (acrônimo em inglês para Classificação Integrada da Fase de Segurança Alimentar), que é gerida pelo Programa Mundial de Alimentos (PMA) e outros, alertou que uma situação “catastrófica” estava se desenvolvendo.

E afirmou que todas as 2,2 milhões de pessoas em Gaza "enfrentam elevados níveis de insegurança alimentar aguda" — e a previsão é de que uma grande onda de fome vai se instalar no norte do território antes do fim de maio.

Em sua decisão, o CIJ afirmou que Gaza "já não enfrenta apenas um risco de fome — de acordo com o tribunal, "a fome está se instalando" e, segundo observadores da ONU, 31 pessoas, incluindo 27 crianças, já haviam morrido de desnutrição e desidratação.

Também citou comentários de Volker Türk, alto comissário da ONU para os direitos humanos, que disse na semana passada que a situação de fome era "resultado das extensas restrições de Israel à entrada e distribuição de ajuda humanitária e mercadorias, do desalojamento da maior parte da população, assim como da destruição de infraestruturas civis cruciais".

O tribunal afirmou que Israel precisa "tomar todas as medidas necessárias e eficazes para garantir, sem demora, em plena cooperação com as Nações Unidas, o livre fornecimento em magnitude... de serviços básicos e assistência humanitária urgentemente necessários".

Entre os itens mais necessários, estão alimentos, água, eletricidade, combustível, abrigo e roupas, assim como produtos de higiene e suprimentos médicos, afirmou.

A decisão também destaca que Israel precisa garantir que “seus militares não cometam atos que constituam uma violação de qualquer um dos direitos dos palestinos em Gaza” sob a Convenção do Genocídio.

Nos últimos meses, assistimos repetidamente a longas filas de caminhões de ajuda humanitária se formando, enquanto os veículos esperam para entrar em Gaza a partir do Egito. Israel é acusado de estar submetendo as entregas a verificações complexas e arbitrárias.

Em um documento apresentado na semana passada, Israel solicitou à CIJ que não emitisse a recente decisão, dizendo que as acusações da África do Sul eram "totalmente infundadas em termos de fatos e juridicamente" e "moralmente repugnantes".

Também rejeitou o processo mais amplo que foi aberto contra ele sob a Convenção do Genocídio, classificando como "sem fundamento".

Israel afirmou ainda que o Hamas pega grande parte da ajuda humanitária que entra em Gaza — e acusou a ONU de não distribuir o que sobra à população civil.

O atual conflito começou após os ataques de 7 de outubro, em que homens armados liderados pelo Hamas cruzaram a fronteira com Israel, matando cerca de 1,2 mil pessoas e fazendo mais de 250 como reféns.

Das que foram feitas reféns, cerca de 130 permanecem desaparecidas, sendo que pelo menos 34 são dadas como mortas.

O Ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas, afirma que a campanha de retaliação de Israel matou pelo menos 32.552 pessoas. No início deste mês, o secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, disse que, dos mortos, mais de 25 mil eram mulheres e crianças.

 

Ø  Nota Pública Cebrapaz – Centro Brasileiro de Solidariedade ao Povo e Luta pela Paz

 

A Resolução do Conselho de Segurança da ONU impondo um cessar-fogo temporário em Gaza é um passo na direção certa.

O Conselho de Segurança das Nações Unidas tomou, nesta segunda-feira (25), uma decisão histórica. Com 14 votos favoráveis e apenas a abstenção dos Estados Unidos, decidiu aprovar um cessar-fogo temporário na guerra de extermínio que o estado sionista israelense move contra o povo palestino há quase seis meses.

Uma medida esperada ansiosamente pelo povo palestino e por toda a humanidade, que tem assistido horrorizada aos crimes de guerra. Semelhante resolução só não foi adotada anteriormente devido a três intransigentes vetos dos Estados Unidos, patrocinadores e cúmplices de Israel.

Apesar do tempo limitado de vigência estabelecido pela resolução – enquanto durar o mês sagrado do Ramadã – ela pode ter um forte impacto sobre o desenrolar dos acontecimentos, principalmente porque decisões do Conselho de Segurança da ONU são obrigatórias e o Estado que não as cumpre está sujeito a graves sanções, segundo as normas do Direito Internacional. Isto explica a reação destemperada do primeiro ministro israelense, principal executor do genocídio, demonstrando seu desespero.

O chefe do governo israelense protestou contra o “claro recuo” da posição dos Estados Unidos. Disse que o giro de Washington enfraquece os “esforços de guerra de Israel” e prejudica a tentativa de libertar “os mais de 130 reféns ainda em poder do Hamas”. Ato contínuo à votação do Conselho de Segurança, Netanyahu cancelou uma visita aos EUA de uma delegação de alto nível que deveria debater com seus aliados estadunidenses sobre os planos para realizar uma ofensiva militar generalizada contra a cidade de Rafah, no sul de Gaza.

O povo palestino e as forças amantes da paz no mundo recebem com sentimento de vitória e esperança a resolução do Conselho de Segurança, ainda que não se possa prever qual será a próxima ação de Israel nem o que poderá advir após o término do prazo de vigência do cessar-fogo, se este de fato for implementado.

A resolução é um passo no rumo certo e é preciso encarar este fato como um momento importante na luta por um cessar-fogo permanente. De imediato, ele pode assegurar a proteção da população civil, garantir a ajuda humanitária em alimentos, medicamentos e outros bens necessários para a sobrevivência da população martirizada da Palestina. É um passo para deter a agressão, parar o genocídio, interromper o cometimento impune de crimes  de  lesa-humanidade  pelo  exército  israelense.

Igualmente, é uma medida que deve se desdobrar necessariamente na interrupção de todo tipo de ação terrorista no conjunto do território palestino, incluídas a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, onde os  colonialistas  militarizados praticam  crimes  de todo tipo  e intensificam a construção de assentamentos ilegítimos.

O cessar-fogo estabelecido pelo Conselho de Segurança também deve ser encarado como um importante passo na acumulação de forças de todas as organizações de governo e de resistência da Palestina para a conquista da independência, do Estado nacional palestino com capital em Jerusalém.

Finalmente, a ONU deve tomar todas as medidas para assegurar a plena aplicação da resolução e punir o estado sionista se este, além de cometer crimes de guerra, tornar-se um infrator, caso em que ficará exposto a sanções e merecerá ter as relações cortadas com todos os países defensores da paz e da correta solução dos conflitos internacionais.

São Paulo, 25 de março de 2024,

José Reinaldo Carvalho  – Presidente do Cebrapaz

 

Fonte: BBC News Mundo

 

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