A ascensão da extrema-direita no 50º
aniversário da Revolução dos Cravos: a morte da esquerda portuguesa?
No marco dos 50 anos
da Revolução dos Cravos, Portugal se vê com a eleição de 50 deputados de
extrema-direita, um deputado eleito para cada ano desde a Revolução. Uma
eleição significativa, refletindo uma derrota notável para as forças de
esquerda, e que foi amplamente reportada pela mídia europeia como o momento em
que a extrema-direita consolidou sua presença no poder legislativo do último
país da Europa onde ainda não havia conseguido uma expressiva representação
política. Apesar das motivações variadas do eleitorado, mais de um milhão e cem
mil pessoas votaram no partido Chega. É um sinal de alarme.
Para entender melhor o
contexto, é preciso ter em mente que essas eleições foram conduzidas de forma
acelerada, em resposta a uma fase especialmente turbulenta da política
nacional: a dissolução do governo, pela segunda vez, em menos de dois anos. É
um cenário que segue um roteiro característico já bem conhecido por aqueles que
estudam a ascensão da extrema-direita: estabelece-se uma atmosfera de
instabilidade governamental, propicia-se a formação de “governos técnicos”
distantes da identificação popular, desembocando na proeminência de figuras da
extrema-direita, apresentadas como alternativas “outsider” ao sistema
estabelecido, culminando em suas eleições.
Este padrão não é
exclusivo de Portugal, assemelhando-se às experiências de Itália e Brasil, onde
a destituição de governos – justificada pelo combate à corrupção, alegações de
incapacidade de governança e a judicialização da política – contribuíram para a
erosão progressiva da confiança da população nas instituições governamentais.
Conjuntura que favoreceu o surgimento de figuras que se apresentam como
alternativas ao establishment. Esse caos, muitas vezes manipulado,
propiciou o fortalecimento de um expressivo bloco de direita, que gradualmente
ajudou a minar e marginalizar ainda mais a esquerda. É fundamental reconhecer
claramente que a ascensão da extrema-direita é um fenômeno organizado em escala
internacional, mas que seu desenvolvimento ocorre de maneira distinta em cada
país.
Quanto ao resultado
destas últimas eleições, é inegável que a esquerda enfrentou um revés
significativo, especialmente ao observar que, juntos, o Bloco de Esquerda (BE)
e o Partido Comunista Português (PCP) não alcançaram sequer a marca de 10
deputados eleitos dos 230 assentos parlamentares, o que gerou intensos debates
sobre o futuro da esquerda em Portugal. Reflexões similares às de pensadores
como Vladimir Safatle sobre o espectro político brasileiro começaram a surgir,
levantando a hipótese de uma “morte da esquerda”. Contudo, declarar a morte da
esquerda lusitana é prematuro. Embora seja verdade que a esquerda portuguesa
enfrente desafios, marcada por uma série de ataques visando sua diminuição, ela
não está extinta. Existe uma erosão clara de sua influência e poder de ataque,
mas, apesar dessas “mil tentativas de assassinato”, a esquerda permanece viva,
ainda que convalescendo.
Para termos uma ideia,
ao longo da campanha eleitoral, a representação dos partidos políticos na mídia
tornou-se um visível campo de disputa ideológica, atingindo pontos críticos
muitas vezes com o silenciamento e a exclusão, por exemplo, de Paulo Raimundo,
atual secretário-geral do PCP. Apenas para citar um caso, em um dos principais
jornais nacionais em que mostrava os concorrentes ao governo, o candidato
comunista foi o único a “convenientemente” não aparecer. Também um podcast
chamado “Lei da Paridade”, veiculado por um renomado jornal nacional e
apresentado por três mulheres com menos de 25 anos, oriundas de diversos
partidos políticos, gerou grande revolta nos militantes comunistas. A
indignação não veio apenas pela exclusão dos comunistas da “paridade”, mas
também pela justificativa esdrúxula de que o Partido Comunista não seria
“feminista”. Isso ignora não apenas o histórico do PCP na luta pela
descriminalização do aborto, mas também inadmissível em um ano em que até a
Fundação Gulbenkian celebra a vida de Maria Lamas, uma comunista cuja obra em
prol dos direitos das mulheres é extremamente reconhecida. Essa exclusão na
mídia evidencia a marginalização mais ampla do partido no cenário político e na
narrativa pública portuguesa. Além disso, muitas propostas de leis que
beneficiam os trabalhadores, aprovadas em governos anteriores, passaram a ser
atribuídas ao “governo de situação”, omitindo-se frequentemente o mérito de que
muitas melhorias foram propostas pelo PCP. Voltaremos a isso mais à frente.
Argumentar que a
diminuição da capacidade ofensiva da esquerda é a única explicação para o
crescimento da extrema-direita, contudo, seria uma simplificação. Dentre outros
fatores, é preciso entender o caráter sui generis de Portugal,
situado na semiperiferia do sistema capitalista; a disputa pelo imaginário da
memória coletiva, oscilando entre os ideais revolucionários do 25 de Abril e
uma idealização remanescente do período colonial – aliada a uma ofensiva global
da extrema-direita, como já falamos. Também é importante lembrar do impacto das
políticas de austeridade que facilitaram o ressurgimento da direita em um
momento tão singular.
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Portugal: imigração e ascensão da extrema
direita na semiperiferia do capitalismo
A ascensão da
extrema-direita é sintomática da crise estrutural do capitalismo. Portugal
situa-se numa posição intermediária no sistema capitalista, conectando os
países desenvolvidos, que dominam o cenário econômico e financeiro global, com
as nações em desenvolvimento ou subdesenvolvidas, muitas vezes posicionadas à
margem desse sistema. Isso implica uma relação de dependência e influência
mútua com as economias centrais, seja por meio de investimentos recebidos, a
adoção de políticas econômicas alinhadas ou a participação em fluxos de
comércio internacional.
Frequentemente
descrito como o “quintal da Europa”, o país enfrenta a exploração econômica
pelas nações mais poderosas, enquanto simultaneamente compete com países menos
desenvolvidos por investimentos estrangeiros. Essa competição ocorre às custas
da qualidade de vida e das condições de trabalho dos que moram em Portugal. A
gentrificação e a conversão de áreas residenciais em destinos turísticos de
elite, principalmente para visitantes do norte da Europa, tornaram-se
manifestações visíveis dessas dinâmicas: processos que exacerbaram as
desigualdades sociais e têm contribuído para o deslocamento das comunidades
locais.
De acordo com uma
análise do Instituto Italiano de Estudos de Política Internacional (ISPI),
Portugal era o destino número um para aposentados italianos, em 2022.
Especialmente devido às vantagens fiscais que oferecia, permitia desfrutar de
um padrão de vida superior em comparação a outros países europeus. Essa
tendência foi intensificada pela ascensão do trabalho remoto, atraindo
moradores que, recebendo salários de países com economias mais fortes, optaram
por viver em Portugal, onde o custo de vida era inicialmente mais baixo.
Contudo, para os residentes locais, cujo salário médio rondava os 700 euros,
esse influxo foi uma armadilha que resultou em um aumento significativo do
custo de vida e das despesas habitacionais, tornando as cidades progressivamente
mais caras. Entretanto, quando se fala de impactos de “invasão de estrangeiros”
geralmente a comunicação social não se refere a estes europeus do Norte, mas
aos trabalhadores de países do Sul Global, criando um “inimigo comum” com um
recorte de classe específico: o imigrante é, antes de tudo, um pobre.
Maurizio Ambrosini,
professor italiano especialista em estudos sobre imigração, gosta de notar,
aliás, que a categorização de “imigrante” não se refere meramente à origem
geográfica, mas está intrinsecamente ligada à sua condição econômica. Nesse
sentido, a retórica tanto da extrema-direita quanto de setores liberais revela
uma distinção clara: indivíduos vindos do Norte Global frequentemente são
isentos da conotação negativa associada ao termo “imigrante”, sendo em vez
disso descritos como “nômades digitais” ou expatriados. Por outro lado, essa
mesma consideração raramente se aplica a pessoas oriundas de regiões mais
pobres ou do Sul Global, que experimentam uma marginalização significativa, em
especial com o avanço da uberização.
O uso
instrumentalizado do tema da “migração” pela extrema-direita – tanto ao falar
de jovens portugueses que saem do país em busca de melhores condições como
aqueles estrangeiros que chegam pelos mesmíssimos motivos – reflete a
complexidade das dinâmicas de classe no contexto da globalização neoliberal, em
que as políticas econômicas e a mobilidade internacional são filtradas através
das lentes da desigualdade e da hierarquia imperialista. Mobilidade que
recorda, de modo inequívoco, as continuidades e rupturas nas relações de poder
e identidade que foram moldadas por séculos de história colonial, quebradas a
partir do 25 de Abril. Aliás, a questão da memória também é um aspecto
importante para entender a ascensão da extrema direita no aniversário importante
da queda do fascismo e da descolonização.
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Memória do 25 de abril neutralizada pela
mentalidade colonial?
A memória é uma
salvaguarda contra a tentativa das classes dominantes de reescrever a história
em seu favor, apagando as lutas e resistências dos oprimidos. É verdade,
parafraseando Walter Benjamin, que, ao preservar as memórias das lutas
passadas, constrói-se um contraponto essencial às narrativas históricas
dominantes que legitimam o status quo. No entanto, é curioso
observar que, apesar da frequente menção nos meios de comunicação portugueses,
a memória dos avanços sociais conquistados pela Revolução dos Cravos, não
parece ser suficientemente forte para inspirar e mobilizar a nova geração de
jovens em Portugal.
Desde abril de 1974,
uma consequência direta da política de conciliação pós-Revolução tem sido a
batalha em curso pela memória histórica e pela hegemonia ideológica, em
Portugal. A glorificação do colonialismo fascista e o esvaziamento da memória
histórica sobre o período pré-Revolução dos Cravos (25 de Abril) constituem um
esforço para reescrever o passado e influenciar a percepção pública sobre o
presente e o futuro. Em outras palavras, sempre existiu um esforço narrativo
contínuo no qual o saudosismo pelo colonialismo de segmentos de direita tem
neutralizado as lembranças e os ideais revolucionários de Abril.
Assim, vemos que a
crescente adoção de ideologias negacionistas, incentivada pela globalização e
pelo fortalecimento da extrema-direita, tem sido exacerbada por essa nostálgica
idealização do período colonial. Uma visão que enaltece o país como uma nação
de heróis, perpetuada tanto pelos monumentos que enfeitam a rede metropolitana
da capital quanto pelo próprio hino nacional, que, apesar das transformações
pós-revolucionárias e do processo de descolonização, permaneceu e evoca o
passado colonial como um legado glorioso. Este panorama desafia a tentativa de
vincular os princípios democráticos e progressistas da Revolução dos Cravos às
preocupações atuais dos jovens, em um ambiente caracterizado pelo ressurgimento
de discursos ultranacionalistas e pela saudade do império. O “Cumprir Abril”
passou a ser percebido apenas como retórica por grande parte dos jovens,
seduzidos pelos discursos da direita.
Esta aparente
neutralização da “memória de Abril” é preocupante, especialmente quando
consideramos a análise de Antonio Gramsci sobre o papel crucial da hegemonia
cultural na consolidação do poder pelas elites, que se valem de instituições
educacionais e culturais para disseminar sua ideologia e validar sua
supremacia. O espírito da Revolução de Abril se encontra em oposição direta aos
esforços de enaltecimento do colonialismo. Estes esforços, manifestados através
de monumentos pós-revolução e narrativas que glorificam o passado colonial e
fascista, acabam por atuar como instrumentos de controle ideológico cotidianos
e contínuos. Eles buscam solidificar uma identidade nacional que omite as
conquistas das lutas pela liberdade e os princípios democráticos e progressistas,
fundamentais para o legado de Abril.
Além disso, a esquerda
muitas vezes minimizou o potencial do Chega, uma subestimação que não antecipou
os perigos evidenciados pelo crescimento de 38% nos crimes de ódio contra
imigrantes, apenas em 2023. Estes crimes, erroneamente justificados pelo argumento
de que os imigrantes seriam um obstáculo ao progresso nacional, já indicavam o
rumo problemático destas eleições. Esse aumento está intrinsecamente ligado a
uma mentalidade colonial e à exploração acentuada desses grupos vulneráveis,
tornando imperativo fomentar uma compreensão crítica da história que ultrapasse
a simples celebração memorial e insira os acontecimentos históricos no contexto
das lutas de classes e das relações de poder. A mera recordação de uma
revolução nunca será suficiente sem uma análise crítica das condições materiais
que facilitaram o renascimento da extrema-direita, como, por exemplo, a Troika.
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Troika: a austeridade na via para o retorno
ao fascismo
Como lembra Clara E.
Mattei, em A ordem do capital: como economistas inventaram a austeridade e
abriram caminho para o fascismo, a
austeridade acentua as contradições inerentes ao capitalismo e facilita o
caminho às forças de direita. A resposta neoliberal à crise financeira, na
forma de austeridade, visa sempre preservar o sistema capitalista às custas da
classe trabalhadora e abre a estrada para o fascismo.
As políticas de
austeridade, implementadas em muitos países europeus como resposta à crise
financeira global de 2008, tiveram efeitos significativos no tecido social e
econômico dessas nações. No caso de Portugal, essas políticas foram impostas
pela Troika – um termo que se refere à Comissão Europeia, ao Banco Central
Europeu e ao Fundo Monetário Internacional. A intervenção da Troika, em 2011,
foi condicionada à adoção de um rigoroso programa de austeridade em troca de um
pacote de resgate financeiro destinado a estabilizar a economia portuguesa.
Como resultado, as condições precárias de vida foram exacerbadas por políticas
neoliberais que promoveram a desregulamentação econômica, a privatização de
serviços públicos e a erosão dos direitos laborais, contribuindo para o
aprofundamento da desigualdade social e econômica. Essa deterioração
socioeconômica ajudou a criar um terreno fértil para discursos populistas de
direita, que oferecem sempre soluções simplistas para problemas complexos,
frequentemente culpando minorias e imigrantes pelas dificuldades econômicas
enfrentadas pela população.
As medidas de
austeridade incluíram cortes profundos nos gastos públicos, como saúde,
educação e segurança social, aumento de impostos e a implementação de reformas
trabalhistas que visavam tornar o mercado de trabalho mais flexível, mas que
também resultaram na precarização do emprego. Essas políticas tiveram como
consequência uma recessão econômica, aumento do desemprego, emigração em massa,
especialmente entre os jovens e uma crescente desigualdade social.
As políticas de
austeridade intensificaram a insatisfação geral e minaram ainda mais a
confiança na elite política tradicional e nos “partidos centristas”, percebidos
como os principais responsáveis pela crise financeira e pelas severas medidas
impostas pela Troika. Essa situação criou um terreno fértil para o avanço de
movimentos de extrema-direita, que se aproveitaram do descontentamento popular,
adotando discursos nacionalistas e anti-globalização e, novamente, atribuindo a
imigrantes e minorias a culpa pelos desafios econômicos enfrentados pelo país.
Assim, muitos eleitores viram e veem o apoio ao Chega como um “voto de
protesto” contra uma classe política acusada de falhar na resolução dos
problemas enfrentados pela sociedade.
No entanto, apesar de
sua retórica contra o establishment, a extrema-direita propõe
soluções que não desafiam as bases do capitalismo, desviando a atenção das
verdadeiras causas da desigualdade e da exploração para questões de identidade
nacional e cultural. Essa estratégia atua como uma cortina de fumaça, afastando
o foco da necessidade de uma autêntica transformação socialista, que almeja uma
mudança radical na organização da sociedade.
E qual o papel da
esquerda nisso? Ela ainda existe mesmo?
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A esquerda não morreu, apesar de quererem
matá-la
A dinâmica atual de
distração em relação à luta por uma transformação socialista aponta para uma
manobra que visa desviar a atenção das massas da busca por uma reorganização verdadeira
da sociedade e da economia, que atenderia às necessidades da maioria, em vez de
apenas perpetuar o poder e a riqueza nas mãos de uma elite. Nesse contexto, a
esquerda, longe de estar morta apesar dos esforços para silenciá-la, continua a
ser uma força vital na luta contra a hegemonia contrarrevolucionária. Esta
hegemonia busca não apenas enfraquecer a esquerda partidária, mas suprimir os
movimentos populares de resistência radical.
A campanha persistente
contra o comunismo, tanto na mídia tradicional quanto por parte de diversos
grupos políticos em Portugal, é evidente. Um exemplo claro dessa postura é a
posição de Paulo Rangel, vice-presidente do Partido Social Democrata (PSD), que
apoiou a inclusão do Centro Democrático e Social-Partido Popular (CDS-PP) no
futuro governo, uma escolha que descreveu como “natural”. Em contrapartida,
Rangel excluiu o PCP dessa configuração, rejeitando qualquer diálogo com o
partido, ao qual sustenta ser “não-democrático”, na Assembleia da República.
Não se pronunciando sobre o caráter e a presença massiva do Chega, na formação
da próxima legislatura. Ou seja, a rejeição ao comunismo parece sobrepor-se à
defesa dos princípios democráticos fundamentais, abrindo espaço para a
normalização e até a legitimação de ideologias de extrema-direita no espectro
político português.
A redução do número de
parlamentares do Partido Comunista Português (PCP) tem sido associada por
alguns analistas às suas posturas em temas internacionais, como a situação na
Ucrânia. Contudo, mesmo uma observação superficial sublinha que essa interpretação
é parte de um esforço mais abrangente para enfraquecer a legitimidade da
esquerda, impulsionado pelo pensamento neoliberal. Isso se evidencia não só
pela manipulação das declarações e posicionamentos do PCP, mas também pela
criação de uma narrativa voltada a isolar e diminuir o impacto político da
esquerda. Um dos exemplos mais notórios dessa abordagem foi a cobertura
mediática do posicionamento do PCP sobre Putin. A despeito de Jerónimo de
Sousa, o antigo secretário-geral do partido, ter repetidamente expressado em
discursos e aparições na TV a oposição ao apoio a Putin, a grande mídia
frequentemente apresentou o partido sob uma perspectiva distorcida.
É importante
reconhecer que essa não é apenas uma questão de viés midiático, mas que reflete
uma estrutura de poder mais profunda na sociedade portuguesa, em que predominam
os interesses capitalistas e neoliberais que moldam o discurso público. As
mídias tradicionais, que se alinham com esses interesses, tendem a se opor a
qualquer grupo político que apresente alternativas viáveis ao sistema vigente.
A ausência de uma rede de mídia alternativa robusta, capaz de oferecer um
contraponto a essa narrativa dominante e de retratar as perspectivas da
esquerda radical de forma precisa e contextualizada, representa um desafio
significativo. Essa lacuna deixa partidos como o PCP em uma posição vulnerável,
refém e estrangulado, diante das mídias convencionais. Apesar dessas
adversidades, o partido comunista mantém sua atividade política ofensiva,
posicionando-se claramente contra o programa do governo de direita da Aliança
Democrática (AD), anunciando uma moção de rejeição antes mesmo da posse do novo
governo, após as recentes eleições.
As redes sociais e
outras formas de mídia digital oferecem algum espaço para essa contraposição,
mas enfrentam seus próprios desafios, incluindo algoritmos que limitam o
alcance de conteúdos políticos, a proliferação de desinformação e os ataques de
“ciber milícias”. A luta por uma representação justa e precisa na esfera
pública, portanto, não é apenas uma questão de correção de narrativas, mas uma
batalha na frente ideológica contra as forças do capital empenhadas em
silenciar e enfraquecer as perspectivas da esquerda. Ultrapassar esse obstáculo
demanda a criação de plataformas de mídias alternativas, ao mesmo tempo que
exige um esforço coletivo para educar e mobilizar a base trabalhadora, criando
uma contra hegemonia que desafie e eventualmente supere as narrativas impostas
pelo neoliberalismo.
Além disso, a ideia de
que a esquerda está morta é claramente desmentida pela realidade dos fatos.
Movimentos sociais ativos, particularmente nas áreas periféricas urbanas, como
o “Vida Justa” entre outros grupos, partidários ou não, têm exibido uma energia
e perseverança notáveis, marcando presença nas ruas de Lisboa quase todo fim de
semana, ao longo do último ano. Essas mobilizações organizam-se em torno de
reivindicações por políticas que atendam às necessidades da classe
trabalhadora, evidenciando um potencial considerável para intensificar a
pressão social por mudanças.
Esses movimentos
sociais emergem como autênticas forças de resistência ao fascismo e ao avanço
da extrema-direita, demonstrando a capacidade de mobilização e ação direta
característica da esquerda revolucionária. Um momento emblemático dessa atuação
foi observado durante uma manifestação em outubro do ano passado, marcada por
um episódio em que um membro do movimento “Vida Justa” confrontou e expulsou
deputados do partido de extrema-direita Chega, numa manifestação contra a grave
crise habitacional que assola o país. A presença dos deputados foi exposta como
oportunista, especialmente no que diz respeito à questão da falta de moradia,
um problema crítico que requer soluções concretas e não apropriações políticas
superficiais.
Este confronto,
amplamente divulgado nas redes sociais e meios de comunicação, ilustra como os
movimentos sociais podem efetivamente desafiar e desmascarar as tentativas da
extrema-direita de capitalizar sobre as crises sociais para avançar sua agenda.
Além disso, reflete a importância desses movimentos na construção de uma
resistência coletiva e na articulação de alternativas políticas que
genuinamente busquem atender às necessidades da população, em contraste com
propostas populistas e divisionistas.
A luta contínua e a
organização destes movimentos – nas ruas de Lisboa e além – demonstram que a
esquerda, longe de estar morta, está ativamente engajada na construção de uma
sociedade mais justa. Ela continua a inspirar e mobilizar indivíduos e coletivos
na busca por direitos, dignidade e soluções efetivas para os desafios
enfrentados pelas classes trabalhadoras, constituindo um elemento crucial na
luta contra o avanço de ideologias autoritárias e regressivas.
Fonte: Por Marcela
Magalhães, no Blog da Boitempo
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