sábado, 30 de março de 2024

Por que fumar maconha dá fome?

É amplamente conhecido que o consumo de maconha pode induzir à sensação de fome, conhecida no Brasil como "larica". Agora, novas pesquisas nos Estados Unidos revelam mais detalhes sobre como a cannabis estimula o apetite e para que esse conhecimento pode ser usado.

Os pesquisadores da Universidade Estadual de Washington expuseram ratos e camundongos ao vapor de cannabis para estimular áreas específicas do cérebro associadas ao apetite. Eles também analisaram o padrão alimentar desses roedores, incluindo a frequência com que se alimentavam.

A DW ouviu especialistas independentes, ou seja, que não fizeram parte do estudo, para saber mais sobre o tema. Para Donald Abrams, oncologista da Universidade da Califórnia, em São Francisco, as descobertas representam uma contribuição valiosa para as pesquisas já existentes sobre o uso medicinal da cannabis.

"Ratos não são pessoas", afirmou Abrams. "Mas, como alguém que frequentou a faculdade nos anos 1960, [eu] sei que a cannabis estimula o apetite".

E isso pode ser útil para ajudar pessoas em tratamento contra o câncer, por exemplo, que têm falta de apetite, mas precisam comer mesmo assim para manter a força.

·        Cannabis ativa neurônios relacionados ao apetite

Na pesquisa, os cientistas submeteram ratos e camundongos a doses moderadas de vapor de cannabis, em quantidades equivalentes, aproximadamente, às que as pessoas fumam em média.

Inicialmente, os pesquisadores observaram os hábitos alimentares dos ratos e camundongos, constatando que os animais buscavam comida com maior regularidade após serem expostos ao vapor de cannabis.

Em seguida, analisaram a atividade neural nos camundongos e descobriram que a cannabis ativava um pequeno grupo de neurônios específicos no hipotálamo mediobasal.

O hipotálamo é conhecido por regular o apetite, além de desempenhar funções em outras áreas, como a temperatura corporal e o estado de ânimo.

Ao ativar esses neurônios específicos, desencadeia-se uma sequência de sinais neurais ligados à motivação e ao movimento. Em humanos, é esse processo que nos motiva a sair do sofá e procurar por biscoitos e doces nos armários da cozinha.

·        Como os componentes químicos da cannabis afetam o apetite

Os pesquisadores investigaram como os compostos químicos da cannabis interagem com a atividade cerebral relacionada ao apetite e à alimentação.

A cannabis libera substâncias químicas conhecidas como canabinoides: delta-9-tetrahidrocanabinol (THC) e canabidiol (CBD).

THC e CBD ativam neurônios no hipotálamo que possuem uma proteína chamada receptor de canabinoide-1 (CB1). Esse receptor é conhecido por aumentar o apetite e estimular a alimentação.

No entanto, a nova pesquisa descobriu que, assim que os ratos em seu estudo avistavam comida, o hipotálamo ativava significativamente mais células contendo o receptor CB1.

Eles testaram isso desativando os neurônios relevantes em alguns ratos e observaram que a cannabis estimulava significativamente menos o apetite.

·        Uso medicinal da maconha para aumentar o apetite

Cientistas têm estudado as propriedades estimulantes de apetite da cannabis há algum tempo. A expectativa é usar a cannabis medicinal para ajudar a estimular a vontade de comer em pessoas em tratamento de quimioterapia ou que estão enfrentando anorexia.

Medicamentos sintéticos foram desenvolvidos para imitar o efeito da cannabis. No entanto, em alguns estudos - como aqueles voltadas ao tratamento da anorexia - os medicamentos não funcionaram de maneira confiável.

Michelle Sexton, pesquisadora da Universidade da Califórnia, em São Diego, nos Estados Unidos, acredita que isso pode ter ocorrido devido à administração oral dos medicamentos, o que poderia não ser tão eficaz quanto fumar cannabis. No entanto, Sexton disse à DW, por e-mail, que "as evidências sobre os efeitos da cannabis vaporizada no apetite são pouco estudadas."

Abrams disse à DW que, há 40 anos, sugere o uso de cannabis a seus pacientes com câncer, embora não tenha permissão para prescrevê-la.

“A cannabis é o único tratamento anti-náusea que também estimula o apetite. Além disso, é eficaz para lidar com dor, insônia, ansiedade e depressão. Por isso, é algo que eu frequentemente recomendo para pessoas que vivem com e além do câncer.” — Donald Abrams, oncologista da Universidade da Califórnia

 

Ø  Mitos e verdades sobre a maconha

 

Em meio à discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a descriminalização do porte de maconha para consumo pessoal, algumas questões ressurgem: afinal, a maconha vicia? Pode ser porta de entrada para drogas mais pesadas? Qual a diferença entre fumar um cigarro de maconha e o uso medicinal da cannabis?

O g1 consultou médicos especialistas para explicar, em 9 tópicos, o que é mito e o que é verdade sobre a maconha.

👉 Antes, é preciso esclarecer o que está em jogo no STF: os ministros decidem se o porte de maconha para uso pessoal é crime – o placar até agora é de 5 a 1 para que não seja crime. Eles também vão deliberar se é possível diferenciar o usuário do traficante com base na quantidade de droga encontrada – o placar é de 6 a 0, e já há maioria para definir uma quantidade-limite. O julgamento foi suspenso após um pedido de vista.

>>>> Confira abaixo mitos e verdades sobre a maconha:

1. Maconha pode queimar os neurônios?

MITO! Não há qualquer indício de que a maconha possa queimar neurônios, segundo o médico Claudio Lottenberg, presidente do Conselho da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein.

Ele lembra, porém, que a droga age no sistema nervoso central, e o uso recreativo pode, sim, causar danos cerebrais.

“O uso indiscriminado e sem controle da maconha, evidentemente, traz uma série de riscos ao sistema nervoso central.” — Claudio Lottenberg, médico

 Alerta! Entre os mais jovens, o consumo de maconha pode ter um fator agravante: na adolescência, o córtex pré-frontal, área do cérebro que ajuda a tomar decisões, não está totalmente formado, e o uso excessivo de maconha pode afetar o seu desenvolvimento.

Lottenberg ressalta que a questão de eventual dano cerebral não se aplica à utilização da cannabis para fins terapêuticos. "O uso medicinal é com acompanhamento, com doses seguras", afirma o médico, que também atua no mercado da cannabis medicinal.

👉 Mas qual a origem do mito de que a maconha "queima neurônios"? A crença surgiu após a divulgação de um estudo feito nos Estados Unidos em 1974 que colocou macacos para respirarem a fumaça de cigarros de maconha ininterruptamente. Eles morreram em três meses e, na análise do cérebro dos animais, foi constatada a redução no número de células nervosas. Depois, descobriu-se que a ação foi resultado da intoxicação pela fumaça, que reduziu a oxigenação no cérebro dos macacos.

2. Maconha pode viciar?

✔️ VERDADE! A maconha é uma droga e pode, sim, viciar. No entanto, os especialistas explicam que, entre as drogas, ela é a com menor potencial de risco para o vício.

"No vício, o metabolismo fica estimulado sistematicamente para que você tenha vontade de consumir aquilo do qual você está dependente. Essa não é a resposta do corpo humano à cannabis", explica Lottenberg, acrescentando que há exceções, como fatores genéticos, ambientais e comportamentais.

Ele afirma que o THC, substância presente na cannabis responsável pelos efeitos psicoativos e neurotóxicos, afeta o sistema que regula funções como humor, apetite e memória. (Entenda mais abaixo sobre o THC.)

O uso repetido da maconha pode levar à tolerância, exigindo doses maiores para alcançar os mesmos efeitos.

Segundo a médica Carolina Nocetti, que é diretora do comitê que representa o Brasil na Associação Pan-Americana de Medicina Canabinoide, ao contrário da cannabis medicinal, em que os níveis de THC são pequenos, no cigarro de maconha, esses níveis não são controlados e, por isso, podem ser muito altos, o que aumenta o risco de viciar.

“A gente tem parâmetro suficiente para dizer que, em produtos ricos em CBD com até 0,2% de THC, não há incidência de dependência química e tolerância”, explica Carolina.

3. Maconha é 'porta de entrada' para outras drogas?

MITO! A maconha é a droga ilegal mais usada por ser a mais barata. Então, quando uma pessoa passa a experimentar drogas, é provável que comece por ela. No entanto, não há qualquer indício de que a maconha cause no corpo alguma reação química que leve a pessoa a desejar ou necessitar de drogas mais fortes - até pelo seu menor potencial de vício.

O médico Luís Fernando Tófoli, professor do Departamento de Psiquiatria da Unicamp e pesquisador sobre políticas de drogas, alerta, porém, que é preciso, além do fator químico, observar as questões sociais do usuário.

“A porta de entrada para drogas é a biqueira [ponto de venda de drogas]. É o tráfico quem faz a gestão de que droga a pessoa experimenta. Desenvolver o vício não diz respeito apenas ao impacto que a droga tem no organismo, mas com as condições da pessoa. Precisamos desfocar da substância e olhar para a pessoa. Ela está em vulnerabilidade social? Tudo isso importa.” — Luís Fernando Tófoli, médico psiquiatra

A médica Carolina Nocetti explica que a maconha vem, inclusive, sendo usada em políticas de controle, como "porta de saída" para pessoas em tratamento de dependência química em drogas mais pesadas.

"Há recomendações de controle de danos que indicam o uso da maconha como alternativa a outras drogas em pessoas em tratamento de dependência química. Isso porque os efeitos colaterais e potencial de vício são menores", afirma.

Exemplo disso acontece no Centro de Atenção Psicossocial de Itajaí, em Santa Catarina. Em julho, o trabalho deles viralizou com a divulgação da entrega de kits com folhas de seda – usadas em cigarros de maconha – a pessoas em tratamento de dependência química. De acordo com a prefeitura, a ação fazia parte do programa de redução de danos.

4. O efeito de fumar maconha é o mesmo para todos?

MITO! Vários fatores vão interferir em como a pessoa irá se sentir após usar maconha.

O médico Claudio Lottenberg explica que cada metabolismo é único e, da mesma forma que o álcool pode provocar efeitos diferentes em cada pessoa a depender do metabolismo, a maconha também.

“Isso é da fisiologia do corpo humano, assim como para o álcool as pessoas respondem de forma eufórica ou depressiva, os limiares comportamentais respondem de forma individualizada. É uma droga psicoativa, ela tem respostas individualizadas e os estudos não são tão seguros sobre como age em cada tipo de metabolismo.” — Claudio Lottenberg

De acordo com Tófoli, o tipo de reação vai depender de três pontos:

  1. A variação de cada flor da maconha: como um produto natural, não há como padronizar e controlar a quantidade de substâncias psicoativas em cada erva.
  2. O local onde a pessoa faz o consumo: em uma festa, por exemplo, há mais chance de a pessoa ficar eufórica.
  3. Estado emocional da pessoa: se estiver triste ou deprimida, a droga pode potencializar esses pontos.

5. É possível ter overdose e morrer por consumo exagerado?

MITO! Segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), não há evidências de morte por overdose pelo uso de maconha. Ou seja, não é possível morrer diretamente pelo consumo de maconha.

No entanto, a médica Carolina Nocelli alerta para as causas indiretas, reforçando que a maconha é uma droga e possui contraindicações.

“A maconha pode baixar a glicemia e a pressão. Quem tem esses índices baixos e faz o uso, pode ter uma queda maior e isso impactar a saúde. Ou quem toma a medicação para controle e soma isso com a maconha, também. O que precisa ter em mente é que não há quantidade segura sem acompanhamento médico e que há contraindicações”, explica.

6. A maconha pode causar transtornos mentais?

✔️ VERDADE! Segundo o pesquisador Luis Fernando Tófoli, há estudos que indicam uma tendência à psicose, principalmente em pessoas que usam maconha antes dos 21 anos e com frequência de, pelo menos, três cigarros de maconha ao dia.

“Apesar da estatística, ainda não há como dizer de forma absoluta se as pessoas que depois vão desenvolver psicose têm tendência a procurar maconha ou se elas procuram maconha e isso desencadeia a psicose. Um jovem de 21 anos que usa maconha em alta frequência é um sinal de problema de saúde”, diz.

7. Maconha pode agravar um quadro de depressão?

✔️ VERDADE! O professor de psiquiatria da Unicamp afirma que não há estudos que indiquem depressão como efeito, mas que há dados que mostram que pessoas com depressão podem ter mais dificuldade de sair do estado depressivo com o uso da substância.

“A maconha tem um efeito muito individual. O que temos de informação é que há pessoas que, se aumentam o consumo da maconha já em um quadro de depressão, têm dificuldade de sair desse estado depressivo. A maconha pode se tornar algo a que a pessoa recorre para tentar se acalmar ou dormir e isso dificulta a busca por ajuda e recuperação.” — Luís Tófoli

8. O cigarro é mais prejudicial que a maconha?

✔️ VERDADE! O cigarro tem potencial de vício e de morte maior que a maconha. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o tabaco mata mais de 8 milhões de pessoas por ano. Sobre a maconha, não há casos de morte pelo uso.

No vício, o corpo tem uma necessidade constante daquela substância. No caso da maconha, o corpo não responde dessa maneira na maior parte dos casos.

A médica Carolina Nocetti explica que o risco de vício é de 9% entre os usuários da droga. Já no caso do cigarro, a nicotina tem uma resposta de vício em 90% dos usuários.

Ela lembra que a maconha, frente ao cigarro, é avaliada como redução de danos, mas sem levar em consideração os riscos, como procedência da droga e forma de uso.

“Como é uma droga ilícita, não se tem controle do que há em um cigarro de maconha, por exemplo. Há outras substâncias que são incluídas, algumas delas tóxicas e que podem sim causar problemas de saúde. Outra coisa é que fumar a maconha também tem um potencial de risco para o câncer.” — Carolina Nocetti

9. A maconha recreativa e maconha medicinal são a mesma coisa?

MITO! A quantidade e a forma de uso são totalmente diferentes.

  • Maconha para uso recreativo: o usuário, geralmente, fuma um cigarro com as flores da planta Cannabis sativa, mas também é possível consumi-la de outras maneiras, como ingerindo no meio de alimentos.
  • Cannabis para uso medicinal: o paciente usa óleos, pomadas, extratos ou medicamentos (alguns já disponíveis em farmácias) feitos a partir de substâncias presentes na maconha. Serve para tratar de sintomas de condições como epilepsia, Parkinson e dores crônicas.

👉 A planta Cannabis sativa é composta por diversas substâncias químicas chamadas de canabinoides. Os mais conhecidos são o tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD). A diferença entre os dois é que:

  • O THC é o responsável pelos efeitos psicoativos e neurotóxicos.
  • O CBD possui diversas possibilidades terapêuticas e até efeitos protetores contra os danos do próprio THC, incluindo efeitos antipsicóticos.

A médica Carolina Nocetti explica que a diferença entre o uso recreativo e medicinal é a quantidade, forma de uso e o propósito.

"Na medicina, usamos em óleo e o paciente consome a substância via oral. Não se fuma maconha para tratamento. Com a prescrição, essa substância é controlada, a gente sabe quanto de cada substância tem nesse extrato. A proposta medicinal é usar o efeito como tratamento para doenças", explica.

No caso do CBD, por exemplo, ele tem um efeito relaxante, sedativo e é usado na medicina para o tratamento da dor crônica.

Lottemberg ainda reforça que o uso medicinal tem segurança e o recreativo, não. “Não se pode confundir as duas coisas. No uso medicinal, há segurança de dose, pois há acompanhamento. É como qualquer substância: se você usar de forma indiscriminada, sem saber o que tem ali, pode ter consequências. É preciso lembrar que a maconha é um psicotrópico com contraindicações”, explica.

 

Fonte: Deutsche Welle/g1

 

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