A OMS propõe uma economia voltada à saúde
para todos
A 154ª reunião do
Conselho Executivo (EB154) da Organização Mundial da Saúde (OMS) começou em 22
de janeiro de 2024, com uma nova agenda intitulada “Economia e Saúde para
Todos”. Desde então, os membros da OMS estão deliberando sobre propostas
delineadas em um primeiro relatório publicado pelo Conselho da OMS sobre a
Economia da Saúde para Todos, em maio de 2023.
Estabelecido no final
de 2020, o conselho, liderado pela renomada economista professora Mariana
Mazzucato, é composto por outras 10 mulheres economistas e especialistas em
saúde, que passaram dois anos desenvolvendo um plano estratégico para priorizar
a “Saúde para Todos” nas considerações econômicas. A criação deste Conselho se
deve, evidentemente, à crise socioeconômica sem precedentes desencadeada pela
pandemia de covid-19. Esta crise desafiou a estabilidade e a unidade globais,
escancarando a ligação inseparável entre saúde e economia. Uma abordagem
renovada da economia global era urgentemente necessária.
·
O que consta no relatório?
O relatório do
Conselho enfatiza a priorização do bem-estar humano e planetário sobre o
crescimento econômico, reestruturando sistemas de inovação e financiamento para
um acesso equitativo à saúde, e fortalecendo a capacidade governamental para
que possa oferecer cuidados de saúde de maneira eficaz. Esses são os pilares
para as 13 recomendações descritas no documento, destinadas a remodelar
práticas econômicas para alcançar metas universais de saúde por meio de
esforços colaborativos entre setores, reconhecendo a interdependência da saúde
e economia em todos os níveis.
As treze recomendações
defendem: valorizar a saúde como um investimento de longo prazo; fazer cumprir
a saúde como um direito humano; priorizar a saúde planetária; adotar abordagens
de financiamento estáveis; assegurar financiamento e governança adequados para
a OMS; redesenhar a arquitetura financeira para equidade, usando métricas mais
amplas que vão além do PIB; fomentar alianças público-privadas; projetar
governança do conhecimento para acesso equitativo; alinhar a inovação com os
objetivos de saúde; promover abordagens integradas de governo; investir em
capacidades do setor público; e fomentar transparência e engajamento público
para responsabilidade.
·
Recomendações promissoras, porém faltando
praticidade imediata
O lançamento do
relatório foi bem-sucedido e aclamado como uma “mudança radical” no pensamento
econômico. Embora ressalte a urgência de remodelar a percepção dos serviços de
saúde como investimentos, e não “gastos”, ele fica aquém em explorar
estratégias concretas de implementação. Reconhecendo a ligação intrincada entre
atividades econômicas e resultados de saúde, o relatório defende medidas
ousadas, como excluir investimentos em saúde dos déficits fiscais soberanos e
suspender pagamentos de dívidas durante crises de saúde.
No entanto, ele não
faz uma análise mais aprofundada das raízes das crises de saúde, desigualdade e
climáticas – correndo o risco de que suas recomendações permaneçam simbólicas
sem uma teoria clara de mudança. Embora proponha reformas como a regulação da
propriedade intelectual, o relatório carece de estratégias acionáveis para a
transformação social.
A ideia de um “Painel
para uma economia saudável” sugere otimismo no uso da informação para provocar
transformações, mas carece de um mecanismo real para alterar dinâmicas
políticas. O relatório do Conselho, e também o da Secretaria, não aborda os
obstáculos que limitam a capacidade da OMS de progredir – como as repetidas
negações do mandato da OMS pelos Estados Unidos e as políticas restritivas dos
países de alta renda.
Por exemplo, na semana
do lançamento do relatório do Conselho, surgiram documentos que alegam que os
EUA ameaçaram reter financiamento da OMS, a menos que suas exigências sobre
“destinação específica” das contribuições norte-americanas fossem integradas à
decisão sobre a proposta de reabastecimento. Essa ação minou o objetivo da
resolução de impulsionar a necessidade urgente da OMS por financiamento
flexível, crucial para o cumprimento de seus mandatos. É necessária uma análise
mais aprofundada das causas raízes das crises interconectadas, barreiras à
implementação das recomendações e construção de consenso para o alívio da
dívida internacional.
·
Perspectivas dos Estados Membros
Durante o EB154, o
relatório da Secretaria (EB154/26) estabeleceu a base para as respostas
oficiais dos membros da OMS ao trabalho do Conselho. Embora muitos tenham
expressado apreço pelos esforços, outros abordaram o assunto com cautela.
Marrocos enfatizou a imperatividade de priorizar a justiça social. Togo elogiou
o foco em aumentar a capacidade pública nas recomendações, e o Brasil pediu por
mais consultas entre a OMS e seus membros. Os EUA manifestaram preocupações
sobre os potenciais altos custos associados à abordagem proposta. A China
aconselhou uma implementação cuidadosa para prevenir a exploração por entidades
comerciais e defendeu que a OMS tenha maior consideração das sugestões do Sul
Global.
Bélgica e Namíbia
fizeram contribuições notáveis para a discussão. A Bélgica elogiou o relatório
por desafiar a suposição de que a intervenção governamental inibe a inovação
farmacêutica, enquanto o Reino Unido advertiu a OMS contra o “perigo” de que
seja minado o arcabouço de direitos de propriedade intelectual. A Namíbia
enfatizou a necessidade urgente de confrontar a injustiça do sistema financeiro
global. Bangladesh sublinhou a necessidade de retificar o sistema econômico,
que perpetua a distribuição desigual de dividendos e amplia as disparidades de
saúde. A Namíbia destacou a alarmante duplicação das taxas de dívida nos países
da África Subsaariana em apenas uma década, instando a OMS a engajar-se com
instituições financeiras internacionais para enfrentar a crise da dívida e
reforçar o financiamento da saúde.
O relatório reconhece
a inevitabilidade da colaboração da OMS com instituições como o Fundo Monetário
Internacional e o Banco Mundial, mas ignora o histórico dessas duas entidades
em não prevenir ou abordar as crises de dívida e a degradação social e ambiental
resultante de seus programas de empréstimos e políticas neoliberais. Dada a
improvável perspectiva de essas instituições mudarem suas práticas, é
imperativo que o Conselho forneça orientações sobre como a OMS pode colaborar
com instituições financeiras internacionais para alcançar seus objetivos
ambiciosos sem comprometer seus princípios.
·
Há alinhamento com os objetivos ambiciosos
da Declaração de Alma Ata?
Em suas palavras
finais, o Dr. Bruce Aylward, Diretor-Geral Assistente da OMS, enfatizou a
missão do Conselho de unir economia e saúde para concretizar a saúde para
todos, conforme vislumbrado na Declaração de Alma Ata. Embora o relatório do
Conselho tenha representado um passo radical para a frente, ele ficou aquém da
resolução ambiciosa da Assembleia Geral da ONU de 1974, referenciada na
Declaração de Alma Ata, que mostrou o caminho para a saúde igualitária, e que
buscava transformar fundamentalmente o status quo no sistema econômico global.
Nela estavam contidas
uma série de propostas destinadas a melhorar a posição das nações em
desenvolvimento na economia global. Incluíam: conceder aos Estados controle
sobre seus recursos naturais, regulamentar as corporações transnacionais,
facilitar transferências de tecnologia sem condicionamentos do norte para o
sul, fornecer preferências comerciais aos países do sul, e perdoar certas
dívidas devidas pelos estados do sul aos contrapartes do norte.
Fonte: Por Dian Maria
Blandina, no People’s Health Dispatch | Tradução: Gabriela , em Outra Saúde
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