Suprema Corte dos EUA analisa caso sensível
sobre pílula abortiva
A Suprema Corte dos
Estados Unidos examinará um caso sensível sobre a pílula abortiva, que poderia
restringir seu acesso e minar a autoridade do órgão regulador de saúde, com
consequências imprevisíveis, segundo especialistas.
Embora o caso trate
especificamente da mifepristona - medicamento usado em quase dois terços dos
abortos -, uma decisão mais ampla do tribunal poderia colocar em risco o acesso
a outros medicamentos usados para tratar diferentes doenças, concordam os especialistas
consultados pela AFP.
A pílula mifepristona,
autorizada pela Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA) em 2000, é
considerada segura e prescrita em dezenas de países.
A FDA flexibilizou
algumas regras sobre sua distribuição em 2016: autorizou sua prescrição até a
décima semana de gravidez (antes era até a sétima), permitiu que enfermeiras e
outros profissionais de saúde a receitassem, além dos médicos, e reduziu de três
para apenas uma a quantidade de consultas prévias para ter acesso ao
medicamento.
Depois, durante a
pandemia de covid, o órgão autorizou consultas online e o envio das pílulas
pelo correio.
Mas após uma ação
movida por um grupo de médicos e organizações antiaborto, que alegaram que a
pílula é insegura e seu processo de aprovação tem falhas, um tribunal de
apelações ordenou no ano passado voltar aos padrões anteriores a 2016.
Essa decisão foi
suspensa, aguardando a análise do caso pela Suprema Corte. A decisão deve ser
conhecida em alguns meses.
"É inapropriado
que um juiz questione uma decisão técnica da FDA, não tem precedentes, e é
extremamente perigoso", disse à AFP Liz Borkowski, especialista em saúde
pública e saúde da mulher na Universidade George Washington.
"Pode haver
início de ações frívolas contra todo tipo de medicamentos que têm sido usados
de forma segura por anos", incluindo contraceptivos, vacinas ou terapias
hormonais, pelo simples fato de algumas organizações serem contrárias a eles,
acrescentou.
- Juízes vs.
cientistas -
Desde sua criação, a
FDA é responsável por determinar a segurança e eficácia de novos medicamentos,
em um meticuloso processo de regulamentação e revisão para o qual costuma
consultar especialistas independentes. E suas decisões servem de referência
para outros países.
A justiça questionou
algumas decisões da FDA no passado, especialmente sobre patentes, afirma o
advogado Lewis Grossman, que apresentou um relatório à Suprema Corte no caso.
Mas "impor
restrições à disponibilidade de um medicamento com base em discordâncias com os
especialistas científicos da FDA" seria algo "sem precedentes".
"Interpretar a
ciência", disse, não é "uma tarefa da justiça".
Os demandantes
antiaborto argumentam que ao revisar as regras em 2016, a FDA deveria ter
avaliado o impacto de implementar todas as mudanças ao mesmo tempo, uma
abordagem que, segundo Grossman, é "uma invenção".
"Há décadas de
evidências sobre a segurança e eficácia da mifepristona", acrescentou
Borkowski.
"Se a
mifepristona não puder continuar no mercado, com todas as evidências que temos
sobre ela, então nenhum medicamento é seguro", concluiu.
- Farmacêuticas e
especialistas preocupados -
A indústria
farmacêutica se opõe firmemente à intervenção da justiça no assunto.
Se a decisão do
tribunal de apelações for confirmada, isso traria "um nível intolerável de
incerteza ao processo de aprovação de medicamentos", afirmaram
dezenas de empresas
farmacêuticas em um relatório apresentado à corte.
E isso, de acordo com
o documento, provocaria um "enfraquecimento do desenvolvimento de
medicamentos e dos investimentos, e paralisaria a inovação".
A decisão poderia até
mesmo abrir a porta para que os laboratórios recorram à justiça para tentar
bloquear seus concorrentes e ficar com o monopólio em alguns tratamentos,
afirmam especialistas.
Para Borkowski, a
Suprema Corte deveria se posicionar firmemente na direção oposta, deixando
claro que "nunca é correto que juízes interfiram na ciência". Mas ela
admite que está preocupada com o resultado, dado o histórico recente de
decisões conservadoras na corte.
Especialmente, a
anulação de uma decisão que desde 1973 garantia o direito ao aborto, dando a
cada estado a liberdade de legislar sobre o assunto. Desde então, cerca de 15
estados governados pelos republicanos proibiram o aborto voluntário.
Fonte: AFP
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