quarta-feira, 27 de março de 2024

Número zero: como surgiram os fasci italiani di combattimento

Entender a gênese do movimento desvela que não é de um dia para o outro que uma ideologia totalitária nasce

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Por ressentimento entendemos uma manifestação emotiva descrita pela mistura de medo, repugnância, decepção e ódio, quase sempre desencadeada por frustrações. Com a participação fracassada da Itália na Primeira Guerra Mundial, instaurou-se a insatisfação, devido à quantia que foi gasta durante o confronto e às inúmeras vidas perdidas.  

Com a eclosão da Primeira Guerra, nasce, em Milão, no final de 1914, o chamado Fascio d’azioni Rivoluzionaria, um pequeno movimento iniciado por intervencionistas, no intuito de organizá-los independentemente do partido pertencente. Dentre eles estava um jovem jornalista chamado Benito Mussolini, recém expulso do jornal socialista Avanti!, do qual era editor e escritor. Com o apoio de alguns anarco-sindicalistas e de membros de outros partidos, além de outros exs-militantes do Partito Socialista Italiano, o movimento desenvolveu-se ativamente durante o ano de 1915, patrocinado por Alceste De Ambris, Angelo Olivetti e Benito Mussolini. Com o fim da guerra, em 1918, o grupo cessou suas atividades – porém, seus membros não pretendiam mais voltar ao ostracismo político.

No dia 2 de março de 1919, um comunicado foi anunciado no jornal Il Popolo d’Italia – fundado por Benito Mussolini – marcando uma reunião geral para o dia 23 do mesmo mês. O comunicado foi reafirmado uma semana depois, contendo a seguinte descrição: “em 23 de março, será criado o ‘anti-partido’, ou seja, surgirá o Fasci di Combattimento, que enfrentará dois perigos: o misoneísta da direita e o destrutivo da esquerda”. O intuito do futuro grupo seria opor tanto a direita italiana, acusada de covardia e avessa às mudanças, quanto a esquerda, considerada como responsável pelas catástrofes sociais e econômicas – sintoma também da narrativa anticomunista que começara a proliferar-se.  

Dois dias antes do 23 de março, uma reunião preliminar ocorreu nas instalações da Associação de Comerciantes e Lojistas em Milão, formando uma junta denominada Fasci di Combattimento di Milano, como resposta aos diversos rumores, nos dias anteriores, de que o grupo de defesa proletária conhecida como “Guarda Vermelha” iria impedir a reunião. Estavam presentes Benito Mussolini, Enzo Ferrari, Ferruccio Vecchi e Michele Bianchi. No dia seguinte, alguns participantes começaram a se reunir em Milão, quase todos ex-combatentes de guerra.  

A reunião principal do dia 23 de março foi realizada na sala de reuniões do Círculo da Aliança Industrial no Palazzo Castani, disponibilizada pelo presidente da Aliança Industrial, o intervencionista e maçom Cesare Goldmann, que, curiosamente, havia financiado anteriormente o jornal Il Popolo d’Italia. Na publicação do dia 24 de março, foram enfatizados três pontos por Benito Mussolini, sendo o terceiro deles um prenúncio dos tempos que viriam pairar na Itália: “o comício de 23 de março empenha os fascistas a sabotar por todos os meios as candidaturas dos neutros de todos os partidos”.  

O propósito de criar uma chamada “terceira via” entre os dois polos políticos fica evidente nos discursos apresentados por Mussolini no dia da reunião, quando ele se coloca como uma alternativa no enfrentamento aos desafios apresentados pelo pós-guerra: a grave crise socioeconômica e o sentimento de vergonha causada pelas ambições frustradas. É importante salientar que, mesmo que seja óbvio, aos olhos atuais, qual perfil seria construído pelo movimento, no início, sua conduta político-ideológica não assumia sinais de radicalismo. Porém, como disse Mussolini: “não temos uma doutrina constituída: nossa doutrina é a ação!”. Essa frase, sem o mínimo de dúvida, já prenunciava possíveis tendências radicais ao incorporar uma semiótica da “construção contínua”, ou seja, de adequar-se às circunstâncias para impor seu plano de dominação através da violência. Não havia uma doutrina constituída, obviamente, o grupo estava aberto a ideologias perniciosas e autoritárias, desde que elas fundamentassem suas ações.  

Em 6 de julho de 1919, seria publicado o chamado Manifesto dei Fasci di Combattimento Italiano, um programa político desenvolvido a partir das declarações feitas durante a fundação do movimento em março daquele ano, propondo resoluções para a questão política, para as demandas sociais, para a ordem militar e para a questão financeira. 

Podemos listar as principais medidas em cada área: a extinção do senado; a alteração no projeto de lei sobre o seguro invalidez e velhice, reduzindo o limite de idade; a criação de uma milícia nacional com serviços educacionais; a apreensão de todos os bens de congregações religiosas e um forte imposto de caráter progressivo.    

Nas eleições de 1919, as primeiras a usarem leis eleitorais adequadas para uma democracia representativa, o grupo sofreu uma derrota pesada. O Partito Socialista (esquerda) e o Partito Popolare (democracia cristã) alcançaram uma grande margem de eleitos, pondo fim na hegemonia parlamentar do liberalismo. Porém, isso não significou o fim dos fasci ou do projeto de poder iniciado por Mussolini meses antes: dois anos depois, o Fasci di Combattimento, que contava com aproximadamente 321.000 membros, reestruturou-se. No III Congresso em Roma, em novembro de 1921, o movimento foi dissolvido e o Partito Nazionale Fascista foi criado. O nome permaneceu, não obstante, para indicar as estruturas territoriais locais do novo partido, incluindo a Federazione dei Fasci di Combattimento em nível provincial. 

Guiado por Mussolini, em 1922, após a manifestação fascista conhecida como “Marcha sobre Roma”, o partido assume o poder – até 1943. A raiz ideológica finca-se no nacionalismo italiano e no desejo de restauração e de expansão territorial, que obrigaria seus líderes a seguirem sordidamente tudo o que os ajudasse a conquistar tais objetivos. O totalitarismo, o controle, a aniquilação a qualquer manifestação de oposição e o culto à personalidade egocêntrica do Duce se tornaram o norte dos adeptos do movimento e da própria nação italiana.  

Entender a gênese do movimento desvela que não é de um dia para o outro que uma ideologia totalitária nasce.  


Afinal, o que foi o Nazifascismo? Entenda seus impactos. Por Marlon Martineli


Dentre os diversos debates sobre política que ocorrem na atualidade, ainda existem dúvidas para entender o que foi o Nazifascismo.

Mas isso é normal que aconteça, já que vemos o Nazifascismo no foco de debates e pesquisas, que em muitas das vezes, buscam explicar sua complexidade, como também, demonstrar de que modo essas ideologias influenciaram determinadas questões políticas, sociais e econômicas na contemporaneidade.

Mas, vamos entender o que é Nazifascismo?

A origem do nazifascismo na história

O termo Nazifascismo é utilizado para retratar duas doutrinas totalitárias, que tiveram suas origens influenciadas através dos resultados da Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

Os países derrotados, principalmente a Alemanha e a Itália, foram afetados neste período por crises territoriais, sociais, econômicas e políticas, que favoreciam o surgimento de ideologias extremistas totalitárias.

Dentro deste contexto, na Alemanha vemos a origem do Nazismo, difundido pelo Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (1920-1945) por meio da liderança de Adolf Hitler (1889-1945).

Já no contexto da Itália, vemos a ascensão do Fascismo, tendo seus ideais espalhados pelo Partido Nacional Fascista (1921-1943) na liderança de Benito Mussolini (1883-1945).

As características do nazifascismo

Em meio ao Nazifascismo, são diversas as características que os relacionam, especialmente em torno das questões que envolvem suas origens, já que foram formados mediante aos resultados da Primeira Guerra Mundial.

Esse contexto trouxe consigo o crescimento dos ideais extremistas e de suas células partidárias, possibilitando a formação e expansão de ideologias radicais nas sociedades europeias, formando caminhos que possibilitaram suas ascensões na política, criando uma nova realidade política, social e econômica, que afetaria o contexto mundial.

Totalitarismo

A base do estado totalitário em ideologias extremistas, como no Nazifascismo, pode ser entendida como uma das relações mais evidentes criadas entre o Nazismo e o Fascismo.

Este líder, sendo conhecido na Alemanha Nazista como Führer e na Itália como Duce, tem a responsabilidade de exercer a decisão final nas diversas situações que compõem o futuro da nação, sendo unânime sua participação na esfera econômica, social e militar.

Vemos que por meio deste papel atribuído ao líder que se compreende sua intensa influência na sociedade, a direcionando direta ou indiretamente em acordo com os ideais radicais difundidos por sua ideologia.

É fortalecida também a sua adequação a coletividade, para que o apoie de maneira incondicional, afirmando suas decisões, principalmente em torno do apoio popular, como as pertinentes em situações bélicas e expansionistas.

Expansionismo e militarismo

Devemos entender que ao se analisar os processos expansionistas neste período, é necessário que se leve em consideração o Totalitarismo, pois fazem são elementos que constituem um mesmo objetivo.

É em meio aos discursos e atividades propagandísticas, que vemos a disseminação do Expansionismo.

A busca por objetivar o crescimento da nação, durante um governo totalitário, serve como um robusto mecanismo para a manutenção do poder, já que o Nazifascismo fundamenta suas origens sobre aspectos extremos, criando rivalidades contra povos e nações, fomentando que sejam subjugados.

Assim, para alcançar os objetivos expansionistas, o Militarismo surge sendo uma maneira de adequar a sociedade aos costumes, métodos e conceitos militares, trazendo consigo um olhar militarizado ao cotidiano da nação.

Um dos eventos mais conhecidos na contemporaneidade, que se originou como consequências do Expansionismo, ocorreu por meio da Alemanha Nazista, que utilizando-se de sua força militar deu início a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) mediante a invasão e anexação de territórios fronteiriços e principalmente de regiões polonesas.

Antissemitismo

Em união ao crescimento do Antissemitismo na política e sociedade europeia, o Nazifascismo criou suas primeiras raízes.

Devemos entender que, por meio da disseminação do preconceito étnico, religioso e cultural, principalmente contra o povo judeu, o Nazismo se tornava cada vez mais turbulento, atraindo novos adeptos, sendo o foco de discussões e debates do cotidiano alemão.

Entende-se que o Antissemitismo no contexto da Alemanha Nazista é na atualidade a principal fonte de referências para se entender como funcionou a repressão e a perseguição do povo judeu e demais minorias durante o século XX.

Em meio ao Nazismo, vemos a constituição das primeiras políticas criadas estritamente para repressão e cárcere do povo judeu, como também de comunistas, adversários políticos e quaisquer reconhecidos como contrários as regras do regime nazista.

Por meio destas leis e projetos, originou-se também as políticas de extermínio, conhecidas como Solução Final, dando inicio ao Holocausto.

As políticas exerciam o papel da imediata exclusão do povo judeu em guetos, como também, criavam a urgência na criação de campos de concentração.

Essas estruturas tinham o propósito de serem voltadas para a realização de trabalhos forçados, como também, para a realização de execuções de prisioneiros por meio de câmaras de gás, ocasionando ao todo, na morte de mais de seis milhões de pessoas.

Propaganda e censura

Dentre todos os pontos que compõem o Nazifascismo, a propaganda e a censura detém sua participação notória na durabilidade do regime totalitário.

É pertinente destacar que a difusão propagandística é um elemento indiscutível de êxito, pois é por meio dela que ocorre a maior parte da propagação dos ideais extremistas, atraindo novos adeptos e influenciando nas decisões da sociedade.

Na Alemanha Nazista em particular, o Ministério da Propaganda Nazista (1933-1945) sobre a liderança de Joseph Goebbels (1933-1945) foi responsável por abranger uma acalorada influência na repressão antissemita do povo judeu, a ampliando não só no contexto nacional, mas também de forma internacional.

A propaganda em um regime totalitário e durante a guerra serviu não só para gerar apoio do povo, mas teve também seu papel para inflamar a queda de movimentos de resistência, como foi no caso da França, que após sua rendição, a propaganda nazista serviu para atrair novos adeptos, usados em maioria em prol da anexação.

Mas devemos entender que juntamente a propaganda, a censura age com sua importância no Nazifascismo.

No contexto da Itália Fascista, a censura foi capaz de encerrar e restringir a participação de diversos meios de comunicação, levando por terra diversos programas de rádios, jornais e revistas.

Por meio desse bloqueio à informação, a criação de novos meios se deu por inevitáveis e logicamente em sua totalidade, foram foram criados e destinados especialmente para o apoio ao partido e principalmente a figura do líder fascista.

O nazifascismo na atualidade

Devemos entender que o Nazifascismo, após o fim da Segunda Guerra Mundial, deixou inúmeras marcas profundas em nossa história.

Mas dentre estes impactos criados, a presença dos ideais extremistas na atualidade, cada vez se tornam mais visíveis, mesmo com leis especificamente destinadas para combater, proibir e fragmentar este tipo de ideologia.

Mas mesmo com a existência destas leis, por meados dos anos de 1970 e 1980, ocorre o surgimento de núcleos ideológicos adeptos ao Nazismo e ao Fascismo.

Neste aspecto, tais ideais manifestam-se por meio do Neonazismo, onde utilizam de discursos de ódio e do antissemitismo para transmitir seus ideais em diversos países, inclusive no Brasil.

Na atualidade, principalmente com os avanços constantes das tecnologias e dos meios de comunicação, esses grupos se tornaram mais nítidos, usando de redes sociais para divulgar seus ideias extremistas.

Dentro desses grupos são abordados temas desde o negacionismo do Holocausto, como também, discursos que fomentam o apoio a intolerância e perseguição do povo judeu e minorias.


Fonte: Por Railson Barboza, para o Le Monde/Politize


 

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