Ministro diz que é possível enfrentar
avanço do crime sobre o Estado
O ministro dos
Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, disse neste domingo (24) que a
prisão dos suspeitos pelo assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes é uma
importante resposta para os familiares das vítimas, e também de crucial
relevância para todo o povo brasileiro.
“O atentado contra
Marielle e Anderson representou um dos marcos da decadência civilizatória que
tomaria conta do país nos anos seguintes ao crime. O total desrespeito pela
vida, a brutalidade tratada como algo natural, a misoginia e o racismo
escancaradamente saindo da boca de autoridades, tudo isso se intensificou desde
então.”
Almeida acrescentou
que, por isso, é preciso “dizer em alto e bom som” que é possível e urgente
enfrentar o avanço do crime organizado entranhado nas estruturas do Estado
Brasileiro.
“E reafirmar o dever
do Estado de proteger os defensores de direitos humanos, pois são eles a voz
dos que ainda resistem contra a barbárie”, concluiu.
• Sociedade civil
O Comitê Brasileiro de
Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH), que reúne 48 organizações
da sociedade civil de direitos humanos, também se pronunciou sobre a operação
deste domingo e disse que a prisão dos suspeitos da autoria intelectual do
crime é uma ação simbólica e histórica para a democracia brasileira.
“Um ponto essencial do
caso diz respeito à elucidação da pergunta: por que Marielle Franco foi
brutalmente assassinada? O esclarecimento da motivação do crime é essencial
para o fortalecimento da democracia brasileira e para proteção de defensoras e
defensores de direitos humanos (DDH) no Brasil”, diz o comitê.
Para a instituição, a
impunidade desse tipo de crime tem historicamente contribuído para a
perpetuação das diferentes formas de violência contra dos direitos humanos em
todo país, “notadamente, a violência política contra mulheres negras como
Marielle Franco”.
Posso ter sido ludibriado, como toda a
sociedade foi, diz general que nomeou delegado preso
O general Richard
Fernandez Nunes, que era Secretário de Segurança Pública do RJ na época do
assassinato de Marielle Franco e nomeou como chefe da Polícia Civil o delegado
Rivaldo Barbosa, se disse "perplexo" com a prisão dele como um dos
arquitetos da execução e considera que pode ter sido ludibriado, "como
toda a sociedade foi".
"Lógico que essa
prisão me deixou perplexo. Como é que pode um negócio assim? É impressionante.
É um negócio de deixar de queixo caído. Naquela época, não havia nada que
sinalizasse uma coisa dessas, uma coisa estapafúrdia", declarou Nunes à Folha
de S.Paulo.
O general fez menção a
um trecho do relatório da PF segundo o qual "é possível inferir que a
trama encabeçada por Rivaldo Barbosa (...) teve o condão de ludibriar,
inclusive, um general quatro estrelas do Exército Brasileiro" na verdade, na época Richard tinha três estrelas.
"Eu nunca
percebi, e eles até acham que me ludibriaram. Eu posso ter sido ludibriado,
como a sociedade inteira, né? A sociedade inteira foi ludibriada."
Nunes relatou que na
época havia elementos para achar que Rivaldo e o delegado Giniton Lages, que
conduziu o caso Marielle na Delegacia de Homicídios e é investigado como
participante do esquema para matá-la (foi afastado das funções e terá de usar
tornozeleira eletrônica), estavam no caminho correto da elucidação do crime.
"É isso que está
estranho para a minha cabeça até o momento. Se realmente houve essa
procrastinação de cinco anos, não foi do Rivaldo e do Giniton. Porque eles, com
um ano, prenderam os caras [os executores do crime]."
"Ah, mas depois
se passaram cinco anos? Mas cinco anos com outra estrutura, com outras pessoas,
não foram eles. Então, tem que pesar isso aí um pouquinho. Eu não consegui
ainda, sinceramente, destrinchar essa história na minha cabeça. Se os camaradas
realmente estavam dispostos a não investigar, a procrastinar, então por que
chegaram aos executores?", questionou Nunes.
O general considera
que Giniton teve "passos muito cuidadosos para prender sem dar margem a
que os caras depois pudessem alegar qualquer ilegalidade na prisão, tanto que
estão presos até hoje". "Agora que eu estou lendo que ele enrolou aqui
e enrolou lá. Mas na época não era perceptível", disse.
Nunes foi escolhido
como secretário pelo interventor federal na segurança, general Walter Braga
Netto, que mais tarde seria ministro do governo Bolsonaro, candidato a vice na
chapa dele em 2022 e hoje é um dos investigados pelas tentativas de golpe para impedir
a posse de Lula.
Neste domingo, Braga
Netto, por meio de seu advogado, emitiu uma nota para dizer que coube a
Richard, e não a ele, a nomeação de Rivado.
"A escolha foi
minha, eu nunca disse nada em contrário. Não sei por que ele sentiu necessidade
de colocar uma nota acerca disso. Para quem conhece os meandros da
administração pública, sabe que isso é uma coisa natural", disse Richard.
No mês anterior ao seu
assassinato, Marielle criticou a escolha de Nunes como secretário de Segurança
da Intervenção. O general tinha comandado uma operação do Exército no complexo
da Maré, onde a política nasceu e foi criada.
Nunes ficou na função
de fevereiro de 2018 a dezembro do mesmo ano. Quando estava de saída, deu uma
entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, em que afirmou que Marielle foi
morta por milicianos por ser um entrave à grilagem de terras na zona oeste do Rio.
"A milícia atua
muito em cima da posse de terra e assim faz a exploração de todos os recursos.
E há no Rio, na área oeste, na baixada de Jacarepaguá, problemas graves de
loteamento, de ocupação de terras. Essas áreas são complicadas. [E Marielle fazia]
uma conscientização daquelas pessoas sobre a posse da terra. Isso causou
instabilidade e é por aí que nós estamos caminhando. Mais do que isso eu não
posso dizer."
O general reafirmou o
que disse em depoimento à PF no ano passado: que seu preferido para chefiar a
Polícia Civil era outro (delegado Delmir, que recusou), e Rivaldo era o segundo
da lista. E que nomeou Rivaldo apesar de contraindicação da subsecretaria de
inteligência porque "é normal que sempre tenha aquele consta que, olha, parece que em determinado
caso não se portou como
deveria, talvez tenha cometido algum tipo de deslize. Se eu fosse levar em consideração todo tipo de contraindicação, não sobrava quase ninguém".
Nunes alega que, se
houve à época algo de concreto contra Rivaldo, "alguma coisa estava muito
errada, porque ele era o delegado chefe da Divisão de Homicídios. Eu não o
tirei do ostracismo. Ele era um cara conceituado, reconhecido, tanto que,
quando foi indicado, a repercussão foi muito favorável. Esse era o Rivaldo de
março de 2018".
O general diz que
nunca foi especialista em segurança. "Eu fui colocado lá para cumprir uma
missão. Agora, eu nunca investiguei caso nenhum na minha vida, nunca fui
policial." Um dos referenciais em que diz ter se baseado para referendar o
nome de Rivaldo foi o comportamento da família de Marielle e do então deputado
Marcelo Freixo (na época no PSOL, hoje no PT). "Quando eu vi a confiança
que o Freixo e a família depositavam nele, eu falei, pô, é um sinal."
"O caso Amarildo,
o caso da juíza Patrícia Acioli, isso tudo tinha passado por ele. Era um cara
que navegava muito bem junto a esse segmento também da sociedade. Então eu
estava muito tranquilo. Não é que eu estava tranquilo, mas eu tinha indicadores
que diziam, olha, esse caminho aqui está adequado, porque não havia nenhuma
suspeita."
Nunes nega que a
nomeação de Rivaldo tenha ocorrido na véspera do assassinato de Marielle, o que
ocorreu naquele dia foi a posse o nome fora escolhido dias antes.
O general afirmou ter
a impressão de que a Polícia Federal "obteve uma delação que vai muito
além do caso Marielle. Então, é um caso de maior envergadura em termos de
envolvimento dessa questão de polícia com política e tudo mais. Acho que o caso
Marielle em si é parte desse todo aí que é muito mais amplo. Porque, na
verdade, eu nunca percebi".
Richard Nunes é atual
chefe do Departamento de Educação e Cultura do Exército e integrante do Alto
Comando da corporação. No início do mês que vem, assumirá a chefia do
Estado-Maior do Exército, o segundo posto mais importante da força terrestre.
• Indicação de Rivaldo Barbosa para a
polícia do Rio partiu da inteligência do Comando de Braga Netto
A sugestão do nome do
delegado Rivaldo Barbosa para a chefia da Polícia Civil do Rio de Janeiro, em
2018, foi feita pelo setor de inteligência do Comando Militar do Leste (CML). A
organização era comandada desde 2016 pelo general Walter Braga Netto, que permaneceu
no posto até 2019. Enquanto chefe do CML, ele foi nomeado interventor na
segurança do Rio pelo então presidente Michel Temer (MDB), para o período entre
fevereiro e dezembro de 2018.
A informação sobre a
indicação do delegado pela inteligência militar está no depoimento do general
Richard Nunes prestado à Superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro
em outubro de 2023. Em 2018, Nunes foi designado secretário estadual de Segurança
Pública durante a intervenção federal na segurança pública do estado e foi quem
efetivamente deu o cargo ao delegado.
Richard Nunes
respondia a Braga Netto, apresentado na página oficial da intervenção no Rio
como “Interventor Federal e Comandante Militar do Leste”. Os advogados de Braga
Netto afirmam que ele não tinha qualquer ingerência na definição da Polícia
Civil e que o general não pediu nem buscou sugestões junto à inteligência do
CML sobre possíveis indicados (leia mais abaixo).
No depoimento, Nunes
contou que a primeira missão à frente da pasta era exatamente escolher os novos
chefes das duas polícias. Para auxiliá-lo na tarefa, recebeu nomes indicados
pela inteligência do Exército. O nome de Rivaldo Barbosa estava entre eles.
“Para ambos os cargos
recebi uma lista de cinco nomes oriunda da inteligência do Comando Militar do
Leste. Tal lista não era vinculante e se tratava somente de uma sugestão de
nomes que não tinham fatos que os desabonassem”, disse.
O general secretário
disse não ter encontrado dificuldades para escolher o chefe da Polícia Militar.
Para dirigir a Civil, porém, ele optou, primeiro, por um nome de fora da lista
da inteligência do Comando Militar do Leste.
“Ia fazer a escolha
apesar do nome do delegado Delmir não constar na lista encaminhada pela
inteligência do CML, mas ele não aceitou o convite. Assim, escolheu o nome de
Rivaldo Barbosa para tal cargo, nome esse que constava em tal lista”, afirmou
aos investigadores.
Em seguida, a
inteligência da secretaria chefiada por Richard Nunes contraindicou Rivaldo
Barbosa. O general avaliou que as ressalvas não se “pautavam em dados
objetivos” e bancou a nomeação do delegado para comandar a Polícia Civil.
Na conclusão da
apuração, a polícia apontou a “passiva gestão dos militares à frente da
Segurança Pública do Rio de Janeiro”, a “falta de traquejo para manejar as
vicissitudes do jogo de poder fluminense” e a “manutenção de Rivaldo mesmo após
a contraindicação” como fatores que indicam a gerência de Richard Nunes na
nomeação do delegado.
Barbosa assumiu o
cargo na véspera do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista
Anderson Gomes. No dia seguinte, ele recebeu familiares e amigos das vítimas,
manifestou solidariedade e disse que resolver o caso era “questão de honra”.
Neste domingo, a Polícia Federal revelou que ele planejou o crime e agiu para
atrapalhar as investigações e blindar os mandantes.
De acordo com o
relatório final da polícia, o crime foi encomendado pelo deputado Chiquinho
Brazão (União-RJ) e pelo conselheiro Domingos Brazão, do Tribunal de Contas do
Rio.
Os investigadores
colheram depoimento de Richard Nunes no fim do ano passado em busca de
informações sobre a ascensão de Rivaldo Barbosa e do também delegado Giniton
Lages na polícia, também suspeito de ter atuado para embaçar as investigações.
Os advogados do
general Braga Netto divulgaram uma nota por meio da qual afirmam que o militar
não tinha influência sobre a Polícia Civil durante a intervenção. O texto diz
que “a Polícia Civil era diretamente subordinada à Secretaria de Segurança
Pública” e que “seleção e indicação para nomeações eram feitas, exclusivamente,
pelo então secretário de Segurança Pública”, o general Richard Nunes.
A reportagem pediu uma
manifestação específica sobre a sugestão de Rivaldo Barbosa pela inteligência
do Comando Militar do Leste. O advogado Marcus Vinícius de Camargo Figueiredo
afirmou que Braga Netto não teve papel na escolha do chefe da polícia e que não
recomendou nem pediu nenhum relatório à inteligência militar sobre possíveis
indicados.
“O general não teve
ingerência na nomeação deste delegado. Coube exclusivamente à secretaria de
Segurança. No que toca a este fato de que houve uma busca na inteligência do
CML, essa busca não foi realizada pelo general Braga Netto e nem a pedido do
general Braga Netto. Repito: não teve nenhuma ingerência”, acrescentou.
Fonte:
IstoÉ/FolhaPress/Agencia Estado
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