terça-feira, 26 de março de 2024

Dura lex, sed lex, Cid perde o topete

Despido da farda desde a prisão em maio de 2023, por determinação do ministro Alexandre de Moraes, que conduz os inquéritos das fraudes de vacinação de sua família e do ex-presidente Jair Bolsonaro e sua filha Laura, de participação nas negociações de joias e relógios recebidos pelo presidente, além do insucesso da tentativa do golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023, transformada em liberdade provisória em 9 de setembro, quando Moraes homologou sua delação premiada junto à Polícia Federal, o tenente-coronel Mauro Lorena Cid, que comandou a Ajudância de Ordens da Presidência da República no governo Bolsonaro, mais gordo, voltou a ser preso na 6ª feira, 22 de março, no Supremo Tribunal Federal, por ordem de Alexandre de Moraes, após confirmar os termos de uma conversa com um amigo, obtida pela revista “Veja”, na qual fez pesadas críticas “à intransigência da Polícia Federal”.

No acordo de delação que resultou em sua prisão domiciliar, com uso de tornozeleira, Mauro Cid, que quando envergava, garboso, a farda de tenente-coronel, ostentava um topete tipo "pega rapaz", caindo sobre a testa, era obrigado a cumprir, rigidamente, várias determinações cautelares impostas por Moraes: uso de tornozeleira eletrônica; limitação para sair de casa aos finais de semana e à noite; afastamento das funções no Exército; apresentação em 48 horas à comarca de origem e, posteriormente, de forma semanal às segundas-feiras; proibição de sair do país e entrega do passaporte; suspensão de porte de arma e de registro CAC (Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador); proibição de uso das redes sociais; e proibição de se comunicar com demais investigados no caso, com exceção para a mulher, sua filha e seu pai.

Pois foi exatamente o descumprimento da proibição de uso das redes sociais (a conversa queixosa - vazada - com um amigo foi feita via celular) que levou à suspensão da liberdade provisória. Além da suspensão (temporária) dos benefícios da delação premiada, a apreensão de seus celulares, que passarão por rigorosa escuta da PF, pode levar a novas provas e complicar mais sua vida. Vale lembrar que a prisão de Mauro Cid pela falsificação de atestados de vacina, com a apreensão de seus celulares e computadores, abriu a caixa de pandora da trama golpista. Todo o quebra-cabeças que une os três episódios, aparentemente sem nexo, foram mapeados pela Polícia Federal. Restam poucas peças a serem descobertas e confirmadas.

Nos tempos em que seu pai, o general Lourena Cid, era jovem cadete e serviu, como colega de Jair Bolsonaro, na Academia Militar das Agulhas Negras, não havia a profusão de cremes e gel para o cabelo. No lugar da gordurosa brilhantina, surgiu o Gumex para garantir um topete duradouro. E logo o comercial do produto dizia: “Dura Lex, Sed Lex, no cabelo só Gumex”. A tradução é: a Lei é dura, mas é lei, no cabelo só Gumex. Sem Gumex, Mauro Cid está conhecendo a dureza da Lei (que queria afrontar com o ex-chefe).

•        Desmaio ante o perigo

E toda a imagem de intrépido auxiliar ruiu por terra logo ao chegar à sede do STF, onde seria ouvido pelo juiz instrutor que trabalha no gabinete do ministro Alexandre de Moraes, desembargador Airton Vieira. Cid desmaiou tão logo foi cientificado de que seria preso. Por isso, sua oitiva no STF levou 1h30, pois foi preciso mais de 15 minutos para recuperar os sentidos e a serenidade para confirmar os termos da conversa do celular. Entretanto, por dizer logo de cara que não sabia com quem conversara ao celular, recebeu ordem de prisão, por suspeita de obstruir a Justiça. É curioso, mas outro militar que fazia parte da tropa dos “kids pretos” recrutados pelo general Augusto Heleno, para operar o golpe, o tenente-coronel, Guilherme Marques Almeida, também teve um piti e desmaiou ao receber voz de prisão da Polícia Federal, no quartel onde servia, em Goiás, na operação “Tempus Veritatis”, em 8 de fevereiro de 2024. Mais curioso ainda é o fato de Almeida ser líder do Batalhão de Operações Psicológicas do Exército, em Goiânia.

A amizade cultivada desde os tempos da caserna de seu pai, que foi colega na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) de Jair Messias Bolsonaro, permaneceu mesmo que os dois tenham tomado caminhos diversos. Lourena Cid ascendeu a general na carreira. Enquanto Jair Bolsonaro, por grave indisciplina, foi passado à reserva, no posto de capitão, motivo que o levou a entrar na política – primeiro como vereador na Câmara do Rio de Janeiro, caminho seguido pelo filho 02, Carlos Bolsonaro (PL-RJ), e depois como deputado federal, cargo exercido pelo filho 03, Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Quando Jair Bolsonaro se elegeu para a presidência da República, em 2018, procurou se cercar dos amigos dos tempos da Aman. Bolsonaro-presidente nomeou o general para dirigir o escritório da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) em Miami, com alto salário, e requisitou o filho Mauro Cid para servir como Ajudante de Ordens do gabinete da Presidência da República. Pai e filho serviram fielmente ao amigo-presidente. Acionando pelo filho, que virou um faz-tudo de Bolsonaro e família, e na trama golpista do ex-presidente, o general atuou como corretor de relógios no escritório da Apex em Miami. E o filho se enrolou em vários inquéritos.

•        Verdades interesseiras

Comprometido até a medula, o tenente-coronel, que está com a carreira congelada no Exército, topou fazer uma delação premiada para eximir a responsabilidade da mulher Gisela e a filha na falsificação de cartões de vacinação da Covid para poderem entrar nos Estados Unidos, assim como a atuação vexaminosa do pai como negociador de mercadorias desviadas do acervo da Presidência da República. Mas ele resolveu desabafar de que é dos “poucos que está pagando o pato com o sacrifício da carreira, enquanto o ex-presidente está milionário”: o PIX que Cid ajudou a divulgar para pagar multas do governo paulista de João Dória Jr, arrecadou R$ 17 milhões para Bolsonaro.

No entorno dos mais atuantes golpistas alinhados com Jair Bolsonaro, muitos sonham usar o vazamento do desabafo de Mauro Cid para contestar todas as delações premiadas em curso no inquérito do 8 de janeiro de 2023. Trata-se de uma quimera pretender equiparar os queixumes de Mauro Cid às irregularidades manifestas da lava-jato, no que toca à decisão do então juiz federal de Curitiba Sérgio Moro, de atrair para si qualquer eventual denúncia de suspeita que envolvesse a Petrobras. Foi a declaração de que o foro de Curitiba era incompetente para arrolar para si denúncias contra Lula em São Paulo que acabou levando à anulação, pelo Supremo Tribunal Federal, das ações e oitivas empreendidas por Sérgio Moro que levaram à prisão de Lula. Só em abril de 2021, com a anulação das ações conduzidas por Moro, Lula foi solto e entrou no páreo para concorrer e vencer as eleições de 2022.

Não há brechas nos inquéritos conduzidos por Moraes no STF e que serão denunciados pelo procurador geral da República, Paulo Gonet. O próprio acordo de delação de Cid não foi anulado de forma definitiva. Está em suspenso, para averiguar vários fatos. Para começo de conversa, a Polícia Federal quer saber para quem Cid dirigiu a mensagem de seu celular. Dependendo do destinatário, ficaria circunscrito a um desabafo, ou teria intenções de comprometer o inquérito. Intenção vazia, pois o teor dos celulares e a memória dos computadores e os depoimentos do general Freire Gomes, ex-comandante do Exército, e do brigadeiro Baptista Jr, ex-comandante da Aeronáutica, confirmaram as provas e indícios já arrolados pela PF...

•        Cascas de banana a torto e à direita

A banana foi das frutas que mais subiram de preço este ano, só superada pela manga e pela laranja pera. As produções foram afetadas pelo fenômeno El Niño. Mas, mesmo custando por volta de R$ 10 a dúzia nos supermercados, ou a penca, na feira, todo cuidado é pouco porque as calçadas estão, a torto e à direita, com cascas de banana que podem levar a tombos dolorosos.

Lula já atravessou a rua duas vezes, pelo menos, para pisar em cascas de banana nas calçadas de Gaza e da Venezuela, com grande desgaste de popularidade. O mundo gira e a Lusitana roda. E não é que os Estados Unidos, que vetaram a proposta do Brasil no Conselho de Segurança da ONU para um cessar-fogo humanitário, no fim de outubro, para evitar uma carnificina em Gaza (a Rússia, que teme decisões da ONU para cessar-fogo na Ucrânia, se absteve, assim como o Reino Unido), passados cinco meses e com mais de 30 mil mortes em Gaza, a maioria de mulheres e crianças, propôs esta semana no Conselho da ONU um cessar-fogo? A proposta não passou, por vetos da Rússia e da China. Por isso, é preciso transformar o Conselho de Segurança.

Pois Jair Bolsonaro, que quando era presidente da República trocava de lado da calçada para escorregar em cascas de banana, acaba de passar o maior recibo das ligações perigosas dele e de seus filhos com as milícias e segmentos da contravenção. Com tantos locais para lançar a candidatura do ex-diretor geral da Abin, deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), à Prefeitura do Rio de Janeiro, Bolsonaro e a cúpula do bolsonarismo carioca se reuniram há uma semana numa esvaziada cerimônia na sede da escola de Samba Unidos de Padre Miguel, à margem da Avenida Brasil, na Zona Oeste do Rio. A escola, que lançou o caju como tema do samba-enredo que não pegou no sambódromo e a deixou fora do desfile das campeãs, tem como patrono o bicheiro Rogério Andrade. Sobrinho do contraventor Castor de Andrade, que também bancava a escola, Rogério Andrade usa tornozeleira eletrônica em prisão domiciliar, e não deu o ar de presença no evento político.

A prisão, esta semana, pela Polícia Federal, de um verdadeiro batalhão de PMs e policiais civis e bombeiros que atuavam na guarda de segurança do bicheiro (a operação da PF levou o nome de “Guarda Pretoriana”, lembrando a atuação das tropas de choque dos imperadores romanos), veio reavivar a teia de negócios e de pactos do crime organizado com a política carioca. Na mesma semana, a remessa do inquérito sobre a delação dos dois matadores da vereadora Marielle Franco, ao Supremo Tribunal Federal, pela suspeita de que autoridade com foro no STF foi o mandante, esquenta o ambiente político do Rio. Seis anos se passaram desde o assassinato, em março de 2018.

Muitas investigações foram interrompidas e anuladas, a exemplo do que ocorreu com o inquérito da prática de “rachadinhas” no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro na Alerj. Eleito senador (PFL-RJ), em 2018, o inquérito ficou travado, devido ao foro especial adquirido. O tráfico de influência na polícia carioca e no Tribunal de Justiça-RJ acabaram levando à destruição das provas já colhidas dos depósitos em dinheiro.

Só com a entrada em cena da Polícia Federal, na gestão Flávio Dino no Ministério de Justiça e Segurança Pública, em janeiro de 2023, a investigação andou. A vizinhança do matador Ronnie Lessa, que andou operando para Rogério Andrade, com o clã Bolsonaro no condomínio “Vivendas da Barra”, amplia o mistério que a PF precisa desvendar.

•        A ética dos advogados

Meu pai era advogado e procurador. Mas, como meu irmão e sobrinhos, jamais atuou na área criminal. Eram ligados à Vara de Família e questões comerciais. Por isso, estranho a ética dos advogados que resolveram abandonar a defesa de Ronnie Lessa quando o ex-PM fez um acordo de delação premiada, alegando “questão de ética processual”.

Defender um assassino que acabou confessando vários outros crimes, pode; se fizer delação premiada, fica manchada a atuação dos causídicos? Manchada para quem? Perante outros criminosos que temem a delação premiada e receiam ser mortos na cadeia? É o avesso do avesso.

•        'The Economist' adverte Israel

Enquanto governadores brasileiros vão fazer proselitismo político barato em Israel, posando com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, mais interessados nas repercussões junto a igrejas evangélicas ditas “cristãs” que abraçaram a estrela de Davi e se guiam por textos do Antigo Testamento, com o claro interesse subalterno de fustigar o presidente Lula, declarado “persona non grata” em Israel por Netanyahu, a respeitada revista britânica “The Economist” fez importante alerta, esta semana, à pátria sob o comando da extrema-direita liderada pelo belicoso primeiro-ministro.

“Ainda há um caminho estreito para sair da paisagem infernal de Gaza. Um cessar-fogo temporário e a libertação de reféns poderiam provocar uma mudança no governo de Israel; a retaguarda dos combatentes do Hamas no sul de Gaza poderia ser contida ou desaparecer; e a partir dos escombros, poderiam começar negociações sobre uma solução de dois Estados, subscrita pelos Estados Unidos e pelos seus aliados do Golfo”.

“É igualmente provável, no entanto, que as negociações de cessar-fogo fracassem. Isso poderia deixar Israel preso na trajetória mais sombria dos seus 75 anos de existência, caracterizada por ocupação interminável, política de extrema-direita e isolamento. Hoje, muitos israelitas negam isto, mas eventualmente chegará um acerto de contas político. Determinará não só o destino dos palestinos, mas também se Israel prosperará nos próximos 75 anos”.

“Se você é amigo de Israel, este é um momento profundamente desconfortável. Em outubro, lançou uma guerra justificada de autodefesa contra o Hamas, cujos terroristas cometeram atrocidades que ameaçam a ideia de Israel como uma terra onde os judeus estão seguros. Agora Israel destruiu talvez metade das forças do Hamas. Mas em aspectos importantes a sua missão falhou”, conclui a sombria advertência do editorial da revista, antes do veto à proposta de cessar-fogo dos EUA prolongar a agonia na faixa de Gaza.

 

Fonte: Por Gilberto Menezes Côrtes, no Jornal do Brasil

 

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