Dura lex, sed lex, Cid perde o topete
Despido da farda desde
a prisão em maio de 2023, por determinação do ministro Alexandre de Moraes, que
conduz os inquéritos das fraudes de vacinação de sua família e do ex-presidente
Jair Bolsonaro e sua filha Laura, de participação nas negociações de joias e
relógios recebidos pelo presidente, além do insucesso da tentativa do golpe de
Estado em 8 de janeiro de 2023, transformada em liberdade provisória em 9 de
setembro, quando Moraes homologou sua delação premiada junto à Polícia Federal,
o tenente-coronel Mauro Lorena Cid, que comandou a Ajudância de Ordens da
Presidência da República no governo Bolsonaro, mais gordo, voltou a ser preso
na 6ª feira, 22 de março, no Supremo Tribunal Federal, por ordem de Alexandre
de Moraes, após confirmar os termos de uma conversa com um amigo, obtida pela
revista “Veja”, na qual fez pesadas críticas “à intransigência da Polícia
Federal”.
No acordo de delação
que resultou em sua prisão domiciliar, com uso de tornozeleira, Mauro Cid, que
quando envergava, garboso, a farda de tenente-coronel, ostentava um topete tipo
"pega rapaz", caindo sobre a testa, era obrigado a cumprir, rigidamente,
várias determinações cautelares impostas por Moraes: uso de tornozeleira
eletrônica; limitação para sair de casa aos finais de semana e à noite;
afastamento das funções no Exército; apresentação em 48 horas à comarca de
origem e, posteriormente, de forma semanal às segundas-feiras; proibição de
sair do país e entrega do passaporte; suspensão de porte de arma e de registro
CAC (Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador); proibição de uso das redes
sociais; e proibição de se comunicar com demais investigados no caso, com
exceção para a mulher, sua filha e seu pai.
Pois foi exatamente o
descumprimento da proibição de uso das redes sociais (a conversa queixosa -
vazada - com um amigo foi feita via celular) que levou à suspensão da liberdade
provisória. Além da suspensão (temporária) dos benefícios da delação premiada,
a apreensão de seus celulares, que passarão por rigorosa escuta da PF, pode
levar a novas provas e complicar mais sua vida. Vale lembrar que a prisão de
Mauro Cid pela falsificação de atestados de vacina, com a apreensão de seus
celulares e computadores, abriu a caixa de pandora da trama golpista. Todo o
quebra-cabeças que une os três episódios, aparentemente sem nexo, foram
mapeados pela Polícia Federal. Restam poucas peças a serem descobertas e
confirmadas.
Nos tempos em que seu
pai, o general Lourena Cid, era jovem cadete e serviu, como colega de Jair
Bolsonaro, na Academia Militar das Agulhas Negras, não havia a profusão de
cremes e gel para o cabelo. No lugar da gordurosa brilhantina, surgiu o Gumex
para garantir um topete duradouro. E logo o comercial do produto dizia: “Dura
Lex, Sed Lex, no cabelo só Gumex”. A tradução é: a Lei é dura, mas é lei, no
cabelo só Gumex. Sem Gumex, Mauro Cid está conhecendo a dureza da Lei (que
queria afrontar com o ex-chefe).
• Desmaio ante o perigo
E toda a imagem de
intrépido auxiliar ruiu por terra logo ao chegar à sede do STF, onde seria
ouvido pelo juiz instrutor que trabalha no gabinete do ministro Alexandre de
Moraes, desembargador Airton Vieira. Cid desmaiou tão logo foi cientificado de
que seria preso. Por isso, sua oitiva no STF levou 1h30, pois foi preciso mais
de 15 minutos para recuperar os sentidos e a serenidade para confirmar os
termos da conversa do celular. Entretanto, por dizer logo de cara que não sabia
com quem conversara ao celular, recebeu ordem de prisão, por suspeita de
obstruir a Justiça. É curioso, mas outro militar que fazia parte da tropa dos
“kids pretos” recrutados pelo general Augusto Heleno, para operar o golpe, o
tenente-coronel, Guilherme Marques Almeida, também teve um piti e desmaiou ao
receber voz de prisão da Polícia Federal, no quartel onde servia, em Goiás, na
operação “Tempus Veritatis”, em 8 de fevereiro de 2024. Mais curioso ainda é o
fato de Almeida ser líder do Batalhão de Operações Psicológicas do Exército, em
Goiânia.
A amizade cultivada
desde os tempos da caserna de seu pai, que foi colega na Academia Militar das
Agulhas Negras (Aman) de Jair Messias Bolsonaro, permaneceu mesmo que os dois
tenham tomado caminhos diversos. Lourena Cid ascendeu a general na carreira. Enquanto
Jair Bolsonaro, por grave indisciplina, foi passado à reserva, no posto de
capitão, motivo que o levou a entrar na política – primeiro como vereador na
Câmara do Rio de Janeiro, caminho seguido pelo filho 02, Carlos Bolsonaro
(PL-RJ), e depois como deputado federal, cargo exercido pelo filho 03, Eduardo
Bolsonaro (PL-SP). Quando Jair Bolsonaro se elegeu para a presidência da
República, em 2018, procurou se cercar dos amigos dos tempos da Aman.
Bolsonaro-presidente nomeou o general para dirigir o escritório da Apex
(Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) em Miami, com
alto salário, e requisitou o filho Mauro Cid para servir como Ajudante de
Ordens do gabinete da Presidência da República. Pai e filho serviram fielmente
ao amigo-presidente. Acionando pelo filho, que virou um faz-tudo de Bolsonaro e
família, e na trama golpista do ex-presidente, o general atuou como corretor de
relógios no escritório da Apex em Miami. E o filho se enrolou em vários
inquéritos.
• Verdades interesseiras
Comprometido até a
medula, o tenente-coronel, que está com a carreira congelada no Exército, topou
fazer uma delação premiada para eximir a responsabilidade da mulher Gisela e a
filha na falsificação de cartões de vacinação da Covid para poderem entrar nos
Estados Unidos, assim como a atuação vexaminosa do pai como negociador de
mercadorias desviadas do acervo da Presidência da República. Mas ele resolveu
desabafar de que é dos “poucos que está pagando o pato com o sacrifício da
carreira, enquanto o ex-presidente está milionário”: o PIX que Cid ajudou a
divulgar para pagar multas do governo paulista de João Dória Jr, arrecadou R$
17 milhões para Bolsonaro.
No entorno dos mais
atuantes golpistas alinhados com Jair Bolsonaro, muitos sonham usar o vazamento
do desabafo de Mauro Cid para contestar todas as delações premiadas em curso no
inquérito do 8 de janeiro de 2023. Trata-se de uma quimera pretender equiparar
os queixumes de Mauro Cid às irregularidades manifestas da lava-jato, no que
toca à decisão do então juiz federal de Curitiba Sérgio Moro, de atrair para si
qualquer eventual denúncia de suspeita que envolvesse a Petrobras. Foi a
declaração de que o foro de Curitiba era incompetente para arrolar para si
denúncias contra Lula em São Paulo que acabou levando à anulação, pelo Supremo
Tribunal Federal, das ações e oitivas empreendidas por Sérgio Moro que levaram
à prisão de Lula. Só em abril de 2021, com a anulação das ações conduzidas por
Moro, Lula foi solto e entrou no páreo para concorrer e vencer as eleições de
2022.
Não há brechas nos
inquéritos conduzidos por Moraes no STF e que serão denunciados pelo procurador
geral da República, Paulo Gonet. O próprio acordo de delação de Cid não foi
anulado de forma definitiva. Está em suspenso, para averiguar vários fatos. Para
começo de conversa, a Polícia Federal quer saber para quem Cid dirigiu a
mensagem de seu celular. Dependendo do destinatário, ficaria circunscrito a um
desabafo, ou teria intenções de comprometer o inquérito. Intenção vazia, pois o
teor dos celulares e a memória dos computadores e os depoimentos do general
Freire Gomes, ex-comandante do Exército, e do brigadeiro Baptista Jr,
ex-comandante da Aeronáutica, confirmaram as provas e indícios já arrolados
pela PF...
• Cascas de banana a torto e à direita
A banana foi das
frutas que mais subiram de preço este ano, só superada pela manga e pela
laranja pera. As produções foram afetadas pelo fenômeno El Niño. Mas, mesmo
custando por volta de R$ 10 a dúzia nos supermercados, ou a penca, na feira,
todo cuidado é pouco porque as calçadas estão, a torto e à direita, com cascas
de banana que podem levar a tombos dolorosos.
Lula já atravessou a
rua duas vezes, pelo menos, para pisar em cascas de banana nas calçadas de Gaza
e da Venezuela, com grande desgaste de popularidade. O mundo gira e a Lusitana
roda. E não é que os Estados Unidos, que vetaram a proposta do Brasil no Conselho
de Segurança da ONU para um cessar-fogo humanitário, no fim de outubro, para
evitar uma carnificina em Gaza (a Rússia, que teme decisões da ONU para
cessar-fogo na Ucrânia, se absteve, assim como o Reino Unido), passados cinco
meses e com mais de 30 mil mortes em Gaza, a maioria de mulheres e crianças,
propôs esta semana no Conselho da ONU um cessar-fogo? A proposta não passou,
por vetos da Rússia e da China. Por isso, é preciso transformar o Conselho de
Segurança.
Pois Jair Bolsonaro,
que quando era presidente da República trocava de lado da calçada para
escorregar em cascas de banana, acaba de passar o maior recibo das ligações
perigosas dele e de seus filhos com as milícias e segmentos da contravenção.
Com tantos locais para lançar a candidatura do ex-diretor geral da Abin,
deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), à Prefeitura do Rio de Janeiro,
Bolsonaro e a cúpula do bolsonarismo carioca se reuniram há uma semana numa
esvaziada cerimônia na sede da escola de Samba Unidos de Padre Miguel, à margem
da Avenida Brasil, na Zona Oeste do Rio. A escola, que lançou o caju como tema
do samba-enredo que não pegou no sambódromo e a deixou fora do desfile das
campeãs, tem como patrono o bicheiro Rogério Andrade. Sobrinho do contraventor
Castor de Andrade, que também bancava a escola, Rogério Andrade usa
tornozeleira eletrônica em prisão domiciliar, e não deu o ar de presença no
evento político.
A prisão, esta semana,
pela Polícia Federal, de um verdadeiro batalhão de PMs e policiais civis e
bombeiros que atuavam na guarda de segurança do bicheiro (a operação da PF
levou o nome de “Guarda Pretoriana”, lembrando a atuação das tropas de choque
dos imperadores romanos), veio reavivar a teia de negócios e de pactos do crime
organizado com a política carioca. Na mesma semana, a remessa do inquérito
sobre a delação dos dois matadores da vereadora Marielle Franco, ao Supremo
Tribunal Federal, pela suspeita de que autoridade com foro no STF foi o
mandante, esquenta o ambiente político do Rio. Seis anos se passaram desde o
assassinato, em março de 2018.
Muitas investigações
foram interrompidas e anuladas, a exemplo do que ocorreu com o inquérito da
prática de “rachadinhas” no gabinete do então deputado estadual Flávio
Bolsonaro na Alerj. Eleito senador (PFL-RJ), em 2018, o inquérito ficou
travado, devido ao foro especial adquirido. O tráfico de influência na polícia
carioca e no Tribunal de Justiça-RJ acabaram levando à destruição das provas já
colhidas dos depósitos em dinheiro.
Só com a entrada em
cena da Polícia Federal, na gestão Flávio Dino no Ministério de Justiça e
Segurança Pública, em janeiro de 2023, a investigação andou. A vizinhança do
matador Ronnie Lessa, que andou operando para Rogério Andrade, com o clã
Bolsonaro no condomínio “Vivendas da Barra”, amplia o mistério que a PF precisa
desvendar.
• A ética dos advogados
Meu pai era advogado e
procurador. Mas, como meu irmão e sobrinhos, jamais atuou na área criminal.
Eram ligados à Vara de Família e questões comerciais. Por isso, estranho a
ética dos advogados que resolveram abandonar a defesa de Ronnie Lessa quando o
ex-PM fez um acordo de delação premiada, alegando “questão de ética
processual”.
Defender um assassino
que acabou confessando vários outros crimes, pode; se fizer delação premiada,
fica manchada a atuação dos causídicos? Manchada para quem? Perante outros
criminosos que temem a delação premiada e receiam ser mortos na cadeia? É o avesso
do avesso.
• 'The Economist' adverte Israel
Enquanto governadores
brasileiros vão fazer proselitismo político barato em Israel, posando com o
primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, mais interessados nas repercussões junto
a igrejas evangélicas ditas “cristãs” que abraçaram a estrela de Davi e se guiam
por textos do Antigo Testamento, com o claro interesse subalterno de fustigar o
presidente Lula, declarado “persona non grata” em Israel por Netanyahu, a
respeitada revista britânica “The Economist” fez importante alerta, esta
semana, à pátria sob o comando da extrema-direita liderada pelo belicoso
primeiro-ministro.
“Ainda há um caminho
estreito para sair da paisagem infernal de Gaza. Um cessar-fogo temporário e a
libertação de reféns poderiam provocar uma mudança no governo de Israel; a
retaguarda dos combatentes do Hamas no sul de Gaza poderia ser contida ou desaparecer;
e a partir dos escombros, poderiam começar negociações sobre uma solução de
dois Estados, subscrita pelos Estados Unidos e pelos seus aliados do Golfo”.
“É igualmente
provável, no entanto, que as negociações de cessar-fogo fracassem. Isso poderia
deixar Israel preso na trajetória mais sombria dos seus 75 anos de existência,
caracterizada por ocupação interminável, política de extrema-direita e
isolamento. Hoje, muitos israelitas negam isto, mas eventualmente chegará um
acerto de contas político. Determinará não só o destino dos palestinos, mas
também se Israel prosperará nos próximos 75 anos”.
“Se você é amigo de
Israel, este é um momento profundamente desconfortável. Em outubro, lançou uma
guerra justificada de autodefesa contra o Hamas, cujos terroristas cometeram
atrocidades que ameaçam a ideia de Israel como uma terra onde os judeus estão seguros.
Agora Israel destruiu talvez metade das forças do Hamas. Mas em aspectos
importantes a sua missão falhou”, conclui a sombria advertência do editorial da
revista, antes do veto à proposta de cessar-fogo dos EUA prolongar a agonia na
faixa de Gaza.
Fonte: Por Gilberto
Menezes Côrtes, no Jornal do Brasil
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