quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

O que é a “caixa amarela” apreendida pela PF que poderá devastar Moro

A Polícia Federal retirou na quarta-feira (03/12), da 13ª Vara Federal de Curitiba, a famosa vara da Lava Jato, um objeto que já nasce como protagonista de uma das maiores celeumas envolvendo Sérgio Moro: uma caixa amarela de arquivos que, segundo o ex-deputado estadual Tony Garcia, guarda cerca de 400 horas de gravações clandestinas feitas a mando do então juiz.

Foi exatamente Tony Garcia quem entregou a pista decisiva às autoridades. Em suas denúncias, ele afirma que, ainda em 2004, ao assinar acordo de colaboração no caso Banestado, foi obrigado por Moro a gravar ilegalmente políticos, juízes, doleiros e até governadores ao longo de quase duas décadas (de 2005 a 2021). Todas essas gravações, segundo ele, ficavam armazenadas em disquetes dentro dessa caixa amarela arquivada na própria vara.

O ministro Dias Toffoli, do STF, não deixou margem para erro na decisão que autorizou a operação: determinou busca específica à caixa amarela e ao material relacionado a Tony Garcia e a outros sete investigados, a maioria doleiros. Os policiais também levaram documentos de 18 processos diferentes, todos do período em que Moro era o titular da 13ª Vara, além de terem tido acesso irrestrito a computadores e mídias da secretaria.

As denúncias de Tony Garcia contra o ex-juiz são públicas desde 2023 e ganharam força a ponto de a Procuradoria-Geral da República abrir inquérito em 2024 para apurar se Moro realmente transformou o colaborador em uma espécie de espião particular, sem autorização judicial.

A apreensão da caixa amarela representa, portanto, o primeiro passo concreto para que o conteúdo dessas gravações possa finalmente ser confrontado com as acusações que o ex-deputado paranaense vem fazendo há quase dois anos. Se confirmadas, as fitas podem trazer à tona provas materiais de práticas que o STF já considerou ilegais em diversos julgamentos da Lava Jato.

•        Moro 'esconde' de suas redes operação da PF que pode levá-lo à cadeia

O senador Sergio Moro (União-PR), que diariamente faz publicações nas redes sociais sobre temas envolvendo política, segurança pública e corrupção, resolveu "esconder" uma dos principais fatos políticos da semana: o de que a 13ª Vara Federal de Curitiba, unidade judicial que comandava em seus tempos de juiz da Lava Jato, foi alvo de uma operação de busca e apreensão da Polícia Federal (PF) no âmbito de um inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF).

Relatado pelo ministro Dias Toffoli, o inquérito tem como base denúncias feitas contra Moro pelo empresário e ex-deputado estadual Tony Garcia. Conhecido como "agente secreto" da Lava Jato, Garcia afirma ter sido usado por Moro para ações clandestinas que envolviam espionagem e chantagem contra políticos e magistrados.

Apesar de ser peça central no inquérito e alvo de acusações graves que, em última instância, podem até mesmo levá-lo à prisão, Moro vem, ao menos para seus seguidores nas redes sociais, fingindo que nada aconteceu. Em seus perfis na internet, não há nenhuma publicação, nem mesmo para se defender, sobre a operação da PF desta quarta-feira (3) na 13ª Vara Federal de Curitiba. Em vez disso, o ex-juiz fez postagens criticando a decisão do ministro Gilmar Mendes, do STF, que limita a atuação do Senado na abertura de processos de impeachment contra integrantes da Corte.

A única manifestação de Moro sobre a devassa da PF em sua antiga unidade judicial se deu apenas através de uma nota protocolar redigida por sua defesa e distribuída a imprensa.

“A defesa do senador Sergio Moro não teve acesso aos autos do inquérito, instaurado com base em um relato fantasioso de Tony Garcia. Não houve qualquer irregularidade no processo de quase 20 anos atrás que levou à condenação de Tony Garcia por ter se apropriado de recursos de consorciados do Consórcio Garibaldi. Como o próprio PGR afirmou, não há causa para competência do STF no inquérito, já que não há sob investigação ato praticado por Sergio Moro na condição de senador ou ministro. O senador não tem qualquer preocupação com o amplo acesso pelo STF aos processos que atuou como juiz. Essas diligências apenas confirmarão que os relatos de Tony Garcia são mentirosos", diz o comunicado.

<><> Entenda

Agentes da Polícia Federal (PF), cumprindo ordens do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), realizaram nesta quarta-feira (3) uma operação de busca e apreensão na 13ª Vara Federal de Curitiba, no Paraná. Segundo fontes ouvidas pela Fórum com conhecimento sobre o caso, a ação seria "devastadora" para o senador e ex-juiz da Lava Jato, Sergio Moro (União-PR), um dos principais pivôs do lawfare que levou à prisão de Lula por 580 dias na Superintendência da Polícia Federal (PF) da capital paranaense.

Toffoli determinou a operação após a 13ª Vara se negar a fornecer informações sobre processo instaurado a partir de  denúncias feitas pelo empresário e ex-deputado estadual Tony Garcia, que acusa Moro de ter conduzido investigações ilegais e clandestinas quando era responsável por processos do caso Banestado.

A ação tem como base o despacho emitido em 6 de outubro atendendo às solicitações da PF no contexto das denúncias apresentadas por Tony Garcia, que acusa Sergio Moro de ter conduzido investigações clandestinas relacionadas ao caso Banestado. Os relatos do ex-deputado estadual são o ponto de partida da operação hoje conduzida pela Justiça: Garcia afirma que, sob um acordo firmado com o então juiz, recebeu instruções para cumprir diversas “missões”.

Conhecido como “agente infiltrado” da Lava Jato, o ex-deputado afirma ter sido obrigado por Moro a realizar gravações ilegais em 2004, quando firmou um acordo de colaboração após ser preso por fraudes ligadas ao Consórcio Nacional Garibaldi. Segundo Garcia, o então juiz o teria instruído a espionar autoridades que possuíam foro privilegiado, entre elas o ex-governador Beto Richa e ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Parte das provas que podem comprovar essas acusações estariam arquivadas na própria 13ª Vara Federal, o que motivou o pedido de diligências, segundo ele. Em sua decisão, Toffoli afirmou: “Defiro sejam empreendidas pela autoridade policial as diligências propugnadas, visando autorizar o exame in loco dos processos ali relacionados, documentos, mídias, objetos e afins relacionados às investigações".

Em 2023, Garcia relatou ter colaborado com a Lava Jato por dois anos e meio, com direito a proteção policial e acesso a recursos da inteligência da PF. Ele também afirmou ter participado de ações de espionagem e chantagem que teriam mirado desembargadores do TRF-4, instância responsável por revisar as decisões da Lava Jato.

“Eu fui agente infiltrado do Ministério Público, trabalhei por dois anos e meio, com segurança e interceptações à disposição. Me fizeram de funcionário", disse Garcia em entrevista.

A gravidade das acusações fez com que o caso fosse levado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e reacendeu o debate sobre o lawfare – o uso político do sistema judicial – que marcou o período da Lava Jato. Segundo o advogado e jurista Kakay, ouvido pela TV Fórum, o inquérito aberto no STF com base nas denúncias de Garcia “pode desestruturar completamente a Lava Jato” e abrir caminho para a revisão de antigas delações.

<><>  "Ele chegou ao Supremo, mas não como queria"

Em entrevista ao programa Fórum Onze e Meia do dia 17 de outubro, o advogado criminalista não economizou palavras sobre Sérgio Moro. Para o jurista, a imprensa brasileira não vem dando a devida atenção à decisão do ministro Dias Toffoli.

“Um ministro do Supremo mandou fazer uma busca e apreensão, e essa busca e apreensão chama-se Sérgio Moro”, resumiu Kakay. Para ele, a medida é um passo crucial para revelar “questões gravíssimas” sobre o funcionamento da força-tarefa que marcou a história política do país.

“Pra onde foi o dinheiro dele? Ninguém sabe. A 13ª vara, existe um sumidouro, é muito importante essa busca e apreensão que está sendo feita agora”, afirmou.

Segundo Kakay, a falta de transparência nas movimentações financeiras e processuais daquela vara foi um dos elementos mais obscuros da operação. Ele afirma que a Lava Jato criou um sistema paralelo de poder, com juízes, procuradores e delegados atuando fora dos limites da legalidade. "Ele coordenava o que eu chamo de procuradores adestrados e parte da Polícia Federal”, disse.

Kakay acredita que a decisão de Toffoli abre caminho para uma devassa sobre a real extensão das irregularidades cometidas em Curitiba. “É importantíssima uma investigação que pode, de certa forma, mostrar ao Brasil quem realmente eram aqueles que determinavam os destinos do país”, afirmou.

Vale relembrar o relatório do Conselho Nacional de Justiça contra Sérgio Moro e assinado pelo juiz Luis Felipe Salomão, que apontou inúmeras regularidades nas práticas da Lava Jato.

O advogado também ironizou o atual momento político de Sérgio Moro, que deixou a magistratura para virar ministro da Justiça de Jair Bolsonaro (e chegou a ser cotado para o posto de ministro do Supremo Tribunal Federal), e hoje enfrenta uma série de investigações.

Além da busca e apreensão, o ex-juiz também é réu em um processo no STF por declarações ofensivas ao ministro Gilmar Mendes. Kakay considera inevitável uma condenação.

“É muito grave um juiz federal falar que ia comprar um habeas corpus. Mesmo de forma jocosa, isso é inaceitável. Eu acho que ele será condenado”, disse.

A consequência política, porém, não o entusiasma. “Essa condenação vai torná-lo inelegível, mas eu preferia vê-lo fora da disputa por uma condenação criminal referente à Lava Jato”, comentou. Para Kakay, os crimes que marcaram aquele período ainda não foram devidamente apurados.

“Ele chegou ao Supremo, mas não como queria”, provocou. "Ele precisa prestar contas sobre o que acontecia na 13ª Vara", completa.

Do outro lado, Sergio Moro nega todas as acusações. Em nota enviada à imprensa, o senador afirmou:

“A defesa do senador Sergio Moro não teve acesso aos autos do inquérito, instaurado com base em um relato fantasioso de Tony Garcia. Não houve qualquer irregularidade no processo de quase 20 anos atrás que levou à condenação de Tony Garcia por ter se apropriado de recursos de consorciados do Consórcio Garibaldi. Como o próprio PGR afirmou, não há causa para competência do STF no inquérito, já que não há sob investigação ato praticado por Sergio Moro na condição de senador ou ministro.

O senador não tem qualquer preocupação com o amplo acesso pelo STF aos processos que atuou como juiz. Essas diligências apenas confirmarão que os relatos de Tony Garcia são mentirosos".

•        Relembre as acusações do "agente infiltrado" da Lava Jato

Tony Garcia foi preso em 2004, em uma investigação envolvendo o Consórcio Nacional Garibaldi, e firmou um acordo de colaboração premiada com Moro, à época titular da 13ª Vara Federal de Curitiba. Segundo o empresário, contudo, esse acordo foi distorcido para transformá-lo em um funcionário de Moro responsável por ações clandestinas.

Garcia diz que Moro lhe impunha tarefas ilegais, inclusive fora de sua jurisdição, e que atuou durante anos como um informante secreto a serviço da Lava Jato — com supervisão direta de Moro e integrantes do Ministério Público.

“Eu fui agente infiltrado do Moro e Ministério Público, trabalhei por dois anos e meio, com segurança e interceptações à disposição. Me fizeram de funcionário”, afirmou.

Documentos já enviados ao STF apontam 30 tarefas atribuídas por Moro a Garcia, como buscar fitas comprometedores, produzir relatos sobre desembargadores, monitorar advogados e fornecer informações “sensíveis” que, segundo o ex-deputado, serviriam para pressionar cortes superiores.

Um dos documentos diz de maneira inequívoca:

 "O beneficiário [Tony Garcia] procurará obter a fita cassete junto a Nego Scarpin, onde constaria tal fato, podendo, neste caso, realizar escutas externas".

<><> Espionagem, grampos e chantagem contra magistrados

As denúncias mais graves apontam que Moro teria usado Garcia para coletar material comprometedor sobre desembargadores do TRF-4 e ministros do STJ — cortes responsáveis por revisar as decisões da Lava Jato.

Garcia afirma ter participado de operações para recuperar vídeos feitos na chamada “festa da cueca”, um encontro envolvendo desembargadores e prostitutas em um hotel de luxo em Curitiba. Ele relata que as gravações foram localizadas, mas nunca encaminhadas oficialmente a ninguém, o que o levou a concluir que poderiam ter sido usadas para chantagear magistrados.

O empresário também detalha  como seus depoimentos eram manipulados pelo próprio Moro:

“Quando eu dizia algo que não estava de acordo com o que ele queria ouvir, ele desligava o gravador, apagava o trecho e sugeria que eu conversasse um pouco com meus advogados para reformular a história".

Além disso, Garcia diz ter sido submetido a anos de prisões intermitentes, multas elevadas e ameaças para que continuasse obedecendo. Durante mais de duas décadas, afirma ter vivido como um “prisioneiro” do ex-juiz.

<><> Manipulação e interferência política

As denúncias incluem ainda episódios de uso político de depoimentos. Garcia conta que, em 2006, foi orientado por Moro a atender às demandas de um repórter da revista Veja, inventando acusações contra José Dirceu, Lula e o PT. O conteúdo da reportagem, diz, foi “forjado” e moldado às necessidades do momento.

Relata também ter participado, a mando de aliados da Lava Jato, de articulações relacionadas à crise que antecedeu o impeachment de Dilma Rousseff — e pediu desculpas públicas à ex-presidenta por isso.

<><> PGR, PF e STF enxergam indícios de crime

A gravidade das acusações levou a PF e a Procuradoria-Geral da República a pedirem a abertura de investigação no STF, alegando indícios de coação, chantagem, constrangimento ilegal e organização criminosa relacionados a Moro e a procuradores da Lava Jato. Segundo a PGR, “o acordo de colaboração foi utilizado como instrumento de constrangimento ilegal”. Já a PF afirma que a delação foi “desvirtuada de forma a funcionar como instrumento de chantagem e de manipulação probatória”.

<><> Moro nega

Moro afirma que as acusações são falsas e motivadas por vingança. Em nota anterior à operação da PF, declarou:

“A defesa do senador Sergio Moro não teve acesso aos autos do inquérito, instaurado com base em um relato fantasioso de Tony Garcia. (...) O senador não tem qualquer preocupação com o amplo acesso pelo STF aos processos que atuou como juiz. Essas diligências apenas confirmarão que os relatos de Tony Garcia são mentirosos".

Após a operação da PF desta quarta-feira, Moro divulgou a seguinte nota:

“A defesa do senador Sergio Moro não teve acesso aos autos do inquérito, instaurado com base em um relato fantasioso de Tony Garcia. Não houve qualquer irregularidade no processo de quase 20 anos atrás que levou à condenação de Tony Garcia por ter se apropriado de recursos de consorciados do Consórcio Garibaldi. Como o próprio PGR afirmou, não há causa para competência do STF no inquérito, já que não há sob investigação ato praticado por Sergio Moro na condição de senador ou ministro.

O senador não tem qualquer preocupação com o amplo acesso pelo STF aos processos que atuou como juiz. Essas diligências apenas confirmarão que os relatos de Tony Garcia são mentirosos".

 

Fonte: Fórum

 

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