Paulo Nogueira Batista Jr: O Brasil não
cabe no jardim da Europa
O leitor ou leitora
que me acompanhe um pouco não estranhará o título deste artigo, uma variante do
título do meu livro mais recente, “O Brasil não cabe no quintal de ninguém”. Se
não cabe no quintal de ninguém, como caberia no jardim da Europa? Quando a
primeira edição do livro foi lançada, em 2019, Helena, a minha neta mais velha,
na época com oito anos, disse que o livro se chamava “O Brasil não cabe no
jardim de ninguém”. Helena atirou no que viu e acertou no que não viu. Hoje, o
importante é lembrar que o Brasil não cabe, especificamente, no jardim da
Europa.
Por que “jardim da
Europa”? E por que dizer que o Brasil não cabe aí? Vamos por partes, como faria
Jack, o Estripador.
O sr. Josep Borrell,
que vem a ser nada mais nada menos que “o alto representante da União Europeia
para os negócios estrangeiros”, declarou que a Europa é um “jardim” e o resto
do mundo “majoritariamente uma selva”. O sentido desse tipo de afirmação é, como
se sabe, argumentar que os europeus precisam proteger o seu “jardim”, isto é, a
sua sociedade ultra confortável e privilegiada, do assédio dos estrangeiros de
várias origens, destacadamente os imigrantes oriundos da África e do Oriente
Médio, de um lado, e o imperialismo da Rússia expansionista, de outro. É
duvidoso que os imigrantes sejam prejudiciais à Europa e que a Rússia seja, de
fato, expansionista. Mas é assim que pensa atualmente a maioria dos europeus,
ainda que nem todos sejam francos como Borrell.
Pois bem. Vejam vocês
a contradição. Os europeus, tão ciosos do seu espaço e da sua soberania, dão-se
o direito de continuarem imperialistas no trato com países em desenvolvimento
pouco conscientes dos seus interesses nacionais. A Comissão Europeia continua
lutando por um acordo de tipo neoliberal e neocolonial com o Mercosul. Como boa
parte das camadas dirigentes brasileiras cabe, sim, no quintal (ou jardim) de
qualquer um, não tivemos até agora, mesmo no governo atual, a clareza e a
coragem de abandonar essa negociação problemática, para dizer o mínimo
Aqui há um aparente
paradoxo. Se o acordo Mercosul/União Europeia é realmente tão favorável à parte
europeia, como explicar que uma parte expressiva dos europeus se oponha
ferrenhamente a esse acordo? Tento explicar sinteticamente.
Um dos traços centrais
do acordo com a União Europeia, e daí o seu caráter neocolonial, é ajudar a
perpetuar uma divisão internacional clássica do trabalho, que reserva às nações
desenvolvidas, como as europeias, a produção e exportação de bens industriais e
às nações em desenvolvimento, como as sul-americanas, o papel de exportadoras
de produtos agrícolas e minerais. O acordo abre os mercados de bens industriais
do Mercosul à livre entrada de produtos da União Europeia – uma concorrência
desigual dada a superioridade das corporações alemãs e outras. As concessões
que nos são feitas, ainda que limitadas, beneficiam sobretudo as exportações
agrícolas do Mercosul. No entanto, por causa, das resistências de países como a
França, Polônia, Bélgica e Irlanda, cujos agricultores temem a competição livre
com os sul-americanos, o acordo mantém um regime protecionista na agricultura,
baseado em quotas por produtos. Dentro desse regime, o acordo proporciona pouco
acesso adicional para o Mercosul.
Não é surpreendente,
assim, que a Alemanha seja muito favorável ao acordo, que aumenta o mercado
externo para suas corporações industriais. Nem que a França e os outros países
se mostrem muito resistentes. As parcas concessões feitas ao Mercosul em matéria
de acesso adicional para suas exportações agrícolas têm impacto concentrado nos
países cujos agricultura não consegue enfrentar de peito aberto a concorrência
do Brasil e da Argentina nessa área. Mesmo limitadas, as concessões que
obtivemos são vistas como perigosas por esses países.
Vive la France,
portanto. Graças fundamentalmente a ela, pode ser que esse acordo desigual não
seja concluído. O presidente francês, Emmanuel Macron, estará em breve em
visita oficial ao Brasil, dos dias 26 a 28 de março. Vamos recebê-lo
efusivamente, por favor! Já que os negociadores do Mercosul não conseguem
defender os interesses nacionais adequadamente, contemos pelo menos com os
franceses para barrar algo que não nos convém.
Podemos contar com o
presidente Lula? Espero que esteja errado, mas parece que não. Por ocasião da
vinda ao Brasil do presidente da Espanha, Pedro Sánchez, outro defensor do
acordo, Lula decepcionou. Vejam o que ele disse: “"Nós ainda vamos assinar
esse acordo para o bem do Mercosul e para o bem da União Europeia. A União
Europeia precisa desse acordo. O Brasil precisa desse acordo. Não é mais uma
questão de querer ou não querer, de gostar ou não gostar. Precisamos
politicamente, economicamente e geograficamente fazer esse acordo, precisamos
dar um sinal para o mundo de que queremos andar para frente. Por isso estou
otimista."
Francamente! Não foi
para isso que fizemos o “L”. Pelos motivos acima mencionados, mas também por
vários outros que já expliquei em artigos anteriores, o acordo não nos serve e,
pior, nos prejudica gravemente. Destaco os seguintes problemas adicionais.
1. As condições ambientais introduzidas
pelos europeus, uma forma de “protecionismo verde”, restringem ainda mais o
acesso ao mercado europeu. Chega-se ao ponto de pretender que as limitadas
concessões feitas a nossos produtos agrícolas possam ser suspensas ou
retiradas, se as cláusulas ambientais forem desrespeitadas por nós.
2. O acordo não proporciona efetivo acesso adicional
aos mercados europeus para nossos produtos industriais. As tarifas sobre
importações industriais já são muito baixas na União Europeu; zerá-las não
faria grande diferença. E, de qualquer modo, nossas indústrias muito raramente
se mostram competitivas com as europeias.
3. A abertura tarifária do Mercosul atinge
não só a indústria, mas também a agricultura familiar, que terá dificuldade de
competir sem barreiras com produtos europeus.
4. O acordo proíbe impostos de exportação,
com algumas poucas exceções que os negociadores brasileiros estariam tentando
assegurar. Esse é um instrumento de política econômica que hoje podemos usar
livremente e que ficaria restringido, caso o acordo seja concluído.
5. O acordo força a abertura das compras
governamentais a produtores europeus, em muitos casos mais competitivos que os
nossos. O governo atual teria conseguido abrandar esse aspecto problemático do
acordo, mas não se sabe se resolveu a questão inteiramente.
Faço uma ressalva. As
negociações foram conduzidas desde 2023 sem transparência. Não sabemos
exatamente o que o Mercosul conseguiu alterar no péssimo acordo negociado por
Bolsonaro e Macri em 2019. Note-se, entretanto, que o governo Lula se limitou a
controlar estragos, propondo ajustes pontuais no acordo herdado do governo
anterior.
A pergunta que não
quer calar, repito, é a seguinte: O que ganhamos com esse acordo? As nossas
exportações aumentarão com o acordo? Já sabemos que não, pois as concessões
europeias foram limitadas na área agrícola em que somos competitivos.
Aumentarão os investimentos estrangeiros aqui? O acordo fará pouca ou nenhuma
diferença nesse terreno. Um possível efeito positivo sobre investimentos de uma
“melhora da confiança” é, como sempre, mera conjectura. O acordo pode,
inclusive, reduzir investimentos europeus no Mercosul. Para que produzir aqui,
se eles podem abastecer o nosso mercado livremente a partir do seu território?
Fica difícil, assim,
entender a insistência do governo em concluir essa negociação. Uma explicação
possível é que se considere politicamente importante a aproximação com a
Europa. Se é isso mesmo, há um equívoco fundamental. Aproximação, sim.
Subordinação, não. Não era para ser soberana a integração internacional da
economia brasileira?
Além disso, é preciso
ter claro que abandonar esse acordo não significa de modo algum romper com a
União Europeia ou distanciar-se dela. A Europa continuará a ser um dos
principais parceiros econômicos e políticos do Brasil e do Mercosul. As
relações com eles continuarão fortes e poderão até ser aprofundadas,
independentemente de acordos desiguais desse tipo.
Ø
Após ter passaporte apreendido, Bolsonaro
passa duas noites em embaixada da Hungria
Uma apuração de um
jornal norte-americano revelou, nesta segunda-feira (25), que o ex-presidente
Jair Bolsonaro (PL) estaria tentando se esconder após ter o passaporte
apreendido.
No dia 8 de fevereiro,
a Polícia Federal confiscou o passaporte do ex-presidente e prendeu dois de
seus ex-assessores sob acusações de terem planejado um golpe de Estado depois
que Bolsonaro perdeu as eleições presidenciais de 2022.
Quatro dias depois,
conforme imagens obtidas pelo New York Times, Bolsonaro estava na entrada da
Embaixada da Hungria no Brasil, esperando para entrar e, segundo o veículo,
conseguir abrigo. Na Hungria, inclusive, o presidente é tido como um ditador de
extrema direita e aliado do ex-presidente brasileiro.
Conforme mostrou a
filmagem obtida pelo veículo, o ex-presidente pareceu ter passado cerca de dois
dias na embaixada acompanhado por dois seguranças e servido pelo embaixador
húngaro e por membros da equipe.
Jair Bolsonaro, alvo
de diversas investigações criminais, não pode ser preso em uma embaixada
estrangeira, já que o que funciona naquele ambiente é a regra do país que o
acolhe — neste caso, seria de responsabilidade das forças policiais
internacionais.
Fonte: Brasil 247/Sputnik
Brasil
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