Educação é principal foco de projetos de
lei conservadores na Câmara
A educação é o tema
mais recorrente dos projetos de lei apresentados por políticos considerados
católicos ou evangélicos, na Câmara dos Deputados. No ano passado, 322
proposições tiveram esse foco, segundo monitoramento do legislativo feito pelo
Instituto de Estudos da Religião (ISER), ao qual a Agência Pública teve acesso.
Ao todo, o ISER mapeou
1,9 mil PLs assinados por políticos católicos ou evangélicos. As propostas
foram classificadas em dez temas mais recorrentes, entre eles crimes e
segurança pública; direitos da mulher; direitos humanos; família e ameaças ao
estado democrático de direito. Os parlamentares de direita são autores da maior
parte das propostas relacionadas à educação, 167 ao todo, e a segurança nas
escolas é o subtema principal.
A maior parte dos
projetos de lei estabelece mais vigilância nas escolas públicas e privadas, com
instalação de câmeras, segurança privada e detector de metais – uma reação aos
ataques violentos em escolas, no ano passado. O PL 2207/2023, do deputado Cabo
Gilberto Silva (PL-PB), vai além. Ele quer autorizar o “uso de arma de fogo
para professores e demais agentes da Educação nas escolas”. O projeto está na
Comissão de Educação.
Propostas que focam em
gênero e sexualidade também são recorrentes. O teor delas quase sempre visa
“proibir o ensino de questões de gênero”, a “educação sexual” e “proibir a
instalação de banheiros de gênero nas escolas”. Ao menos cinco projetos, os PLs
198, 450, 466, 467 e 601 tentam alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
para proibir linguagem neutra nas escolas.
>>>> Por
que isso importa?
• Os debates sobre o novo Plano Nacional
de Educação estão acirrados no Congresso Nacional, onde a proposta será votada.
A educação tem sido disputada por frentes conservadoras, que apresentaram uma
enxurrada de projetos de lei na Câmara dos Deputados e mobilizam uma rede
articulada de grupos de WhatsApp
Lívia Reis,
pesquisadora à frente do monitoramento do legislativo do ISER, diz que temas
relacionados à educação se tornaram um eixo fundamental da atuação de grupos
conservadores desde a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE), em 2010.
“Quando o PNE, naquela época, tentou colocar educação sexual nas escolas,
surgiu uma ofensiva conservadora em reação, com a criação do Escola sem
Partido, que nunca deixou de existir, mas se transformou em outras pautas, como
o combate à uma suposta ‘ideologia de gênero’, por exemplo”. O Escola sem
Partido é um movimento político conservador de extrema direita, que influencia
a tramitação de PLs para combater uma suposta “doutrinação ideológica e
política” da esquerda nas salas de aula.
Com o debate em torno
do novo PNE 2024-2034, as discussões sobre educação se acirraram no Congresso
Nacional. Atualmente, a ofensiva para fazer avançar uma agenda conservadora na
educação tem o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) como uma das figuras
centrais. Eleito presidente da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, o
parlamentar bolsonarista só apresentou uma proposta legislativa na área da
educação, no ano passado. Ele é coautor do PL 186/2023, que susta um decreto de
revogação do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares. Quando era
vereador em Belo Horizonte (MG), Nikolas conseguiu aprovar uma lei que proíbe
linguagem neutra nas escolas.
• Nikolas Ferreira e a ofensiva
conservadora contra o novo PNE
No comando da Comissão
de Educação, o deputado federal Nikolas Ferreira já pautou uma investigação
contra manifestação artística na Universidade Federal do Rio Grande (UFRGS), um
debate sobre “fascismo de esquerda” em faculdades e se comprometeu a regulamentar
o ensino domiciliar (homeschooling), que se tornou uma agenda conservadora.
Atualmente, o PL do homeschooling está no Senado.
Nikolas tem
demonstrado que vai fazer resistência ao texto do novo PNE, aprovado na
Conferência Nacional de Educação (Conae), em janeiro. Ele quer submeter o plano
ao colegiado da Câmara antes que o PL seja levado ao plenário. Também tem
ajudado a mobilizar audiências públicas nos estados para discutir as propostas
aprovadas na Conae, com mais de dois mil representantes da sociedade civil.
Um vídeo em que ele
convida a população a participar de um debate sobre o novo PNE na Assembleia
Legislativa de Rondônia circulou massivamente em grupos de WhatsApp da chamada
“Força Tarefa Conae”. Ele está ao lado do deputado federal Thiago Flores (MDB-RO)
e orienta que assembleias legislativas de outros estados também promovam o
debate.
Na última quinta-feira
(21), esses mesmos grupos foram abastecidos com uma cartilha sobre o novo PNE,
que será enviado ao Congresso Nacional. O material afirma que, se o plano for
aprovado, crianças serão, entre outras coisas, “estimulados à iniciação precoce
da sexualidade”. “É essa Agenda ideológica para exatamente tirar dos pais esse
protagonismo, para que eles dominem a mente das crianças para servir ao
‘sistema do governo’”, comentou o participante de um dos ao menos 49 grupos da
Força Tarefa Conae mapeados pela reportagem.
Os grupos do WhatsApp
se mobilizaram um pouco antes da Conae, em dezembro do ano passado, como uma
articulação conservadora para barrar o que chamam de “ideologização da
educação”. Mesmo depois que a conferência foi encerrada, com a aprovação do
texto base do PNE 2024-2034, eles permaneceram ativos.
Alguns dos grupos da
Força Tarefa Conae chegam a reunir mais de 150 pessoas de vários estados
brasileiros. Entre janeiro e março deste ano, a Pública acompanhou as mensagens
em dez desses grupos. Quase sempre elas trazem um tom alarmista com relação a
temas como educação sexual e de gênero.
Mas a atuação da Força
Tarefa Conae não se restringe ao ambiente online. Administradores das
comunidades no WhatsApp também ajudam a mobilizar audiências públicas nos
estados e se articulam com parlamentares do Congresso Nacional.
Entre os
administradores dos grupos de WhatsApp da Força Tarefa Conae estão Luciane
Pereira, uma administradora de escola no Rio de Janeiro, a Oásis Brasil, uma
loja de roupas e artigos nacionalistas e o professor, advogado, jornalista e
pastor João Alberto da Cunha. Ele foi candidato a deputado federal da Paraíba,
pelo PRTB, nas últimas eleições, mas não se elegeu. É um dos mais ativos na
divulgação das consultas públicas.
João Alberto tem mais
de 150 mil seguidores no Instagram, onde defende “uma educação pautada por
valores conservadores, assegurados pela família e pela fé”. Ele convocou
audiências na Câmara Municipal de João Pessoa, para discutir o PNE. Também em
Brasília, Anápolis (GO) e Curitiba. Na capital do Paraná, a audiência pública
foi proposta por nove vereadores, entre eles a Sargento Tânia Guerreiro (PSL),
que defende, assim como o governador do Paraná, Ratinho Júnior, a retirada do
livro O avesso da pele dos colégios públicos estaduais do estado. Neste mês, o
livro, que debate racismo, foi censurado por secretarias de Educação do Mato
Grosso do Sul e do Paraná.
À Pública, o professor
e administrador dos grupos da Força Tarefa Conae disse que não criou os grupos,
mas, como administrador, participa de reuniões quase todos os dias para definir
os temas que serão foco dos debates. Ele é um articulador ativo da agenda
conservadora no Congresso Nacional. Na última semana, esteve em Brasília
conversando com 14 deputados federais e suas assessorias sobre o novo PNE. João
Alberto disse que tem “articulação direta com a bancada evangélica” na Câmara
dos Deputados e que “está ajudando a bancada a elaborar PLs sobre educação”. “A
proposta, disse, é uma lei que “revogue vários artigos da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação”, mas ele não detalhou os pontos específicos das
proposições.
“A gente se espelha
muito no que a esquerda fez nos últimos anos, ocupando espaço nos debates, nas
comunidades de base. Estive na Conae, fui hostilizado, chamado de fascista.
Falaram de inclusão de disciplinas LGBT, eu como professor não sei como isso entraria.
Conservadores defendem o que eles entendem que é correto”, disse.
A Associação Nacional
de Juristas Evangélicos (Anajure) também participou do debate sobre o PNE em
Curitiba. A presidente da associação, Edna Zilli, disse que o “documento
redigido durante a Conae é repleto de menções às questões de gênero” e que
impede “a manifestação da liberdade religiosa, sobretudo cristã, nas escolas”.
Na última quinta-feira
(21), a Anajure publicou um parecer sobre o documento final da Conae para
elaboração do novo PNE. A Anajure destaca trechos que considera problemáticos,
entre eles alguns que citam “golpe de 2016”, “freio ao avanço de processos e tentativas
de descriminalização da educação domiciliar (homeschooling)” e “intervenções do
movimento Escola Sem Partido”.
No posicionamento, a
entidade ressalta preocupação com as diretrizes apresentadas “especialmente no
que se refere aos apontamentos contrários à liberdade religiosa das escolas
confessionais e à tentativa de adoção e institucionalização de teorias críticas
e pós-estruturalistas de gênero no sistema educacional brasileiro”. A entidade
“convoca os representantes do Congresso Nacional à mobilização” e “revisão dos
trechos problemáticos destacados na manifestação”.
Outros debates
mobilizados com atuação da Força Tarefa Conae e políticos conservadores já
aconteceram no Distrito Federal, Paraná, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e São
Paulo. Em Ribeirão Preto (SP), a ofensiva conservadora conseguiu a aprovação de
um Plano Municipal de Educação alternativo ao que está previsto no novo PNE. A
maior diferença entre ambos é que o plano municipal para a cidade retira
qualquer termo que preveja “superar o preconceito sobre sexualidade e
identidade de gênero”.
A mobilização para
aprovar o plano municipal em Ribeirão Preto contou com apoio de figuras
políticas como Camilo Calandreli, assessor da deputada federal Carla Zambelli
(PL-SP) e pré-candidato à prefeitura de Ribeirão Preto pelo PL. “A tática do
bolsonarismo e da extrema direita é justamente essa: trazer à tona assuntos que
nos pareciam já superados. Por isso, as articulações na Câmara por meio de um
apelo moralista. O debate que importa fica enxuto e a gente não discute
assuntos tão necessários, como o analfabetismo, a gravidez na adolescência e as
discriminações de gênero e raça nas escolas”, diz a vereadora Duda Hidalgo
(PT), um dos quatro votos contrários ao novo plano municipal de Ribeirão Preto.
Fonte: Por Danilo
Queiroz, da Agencia Pública
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