Alfredo Attié: Prender Bolsonaro não é
opção. É dever
Como fica o juízo de
cidadãos e cidadãs mais comuns diante da percepção de que a atuação da Polícia,
do Ministério Público e do Poder Judiciário – do Estado, portanto - segue dois
pesos e duas medidas? Sabem que o “8 de janeiro de 2023” tem
executores - uma imensa massa de pessoas raivosas querendo tomar e destruir
tudo - e arquitetos, insufladores, financiadores e mandantes – agentes públicos
civis e militares, civis influenciadores e empresários. Os primeiros estão
presos, sofrem processos, alguns condenados a penas pesadas de prisão e multa,
outros, aguardando julgamento. Os demais, finalmente investigados, mas tratados
com cautela, pretensamente política: nenhuma prisão, apenas medidas
fragmentárias de proibição de sair do País, conversar entre si. A grande
imprensa dá conta de opiniões de bastidores, inclusive de Ministros do STF,
afirma, e outros membros do que chamo de mainstream jurídico
(não digo “elite jurídica”, uma vez que nenhum deles recebeu
mandato por meio de eleições), que afirmariam ser necessário esperar por
momento adequado, tendo em vista a possível reação corporativista e
correlegionária a uma ordem de prisão cautelar.
Essa percepção do
senso comum decorre, claro, da apreciação da superfície dos eventos, daquilo
que é notícia. Muito embora acompanhe os comentários de jornalistas e editores
da grande mídia, e ouça a opinião de especialistas do direito, sabe muito bem
discernir que algo não está certo na aparente diferença de tratamento. Por que
o ex-presidente Bolsonaro, os militares e ex-ministros Heleno e Braga Netto, o
militar Garnier, por exemplo, não foram ainda indiciados, denunciados e
processados? Por que não estão presos como os que participaram da destruição do
patrimônio público no “8 de janeiro”? Eles só devem ser presos após
condenação? Podem ter vida política e civil normais, apesar de serem apontados,
em depoimentos prestados à Polícia Federal, como responsáveis pela destruição
da democracia, patrimônio público que se considera mais valioso do que o
mobiliário dos palácios brasilienses? Só devem ser processados coletivamente?
Vamos assistir a um novo espetáculo de julgamento penal pelo Supremo Tribunal
Federal, com dezenas de acusados, advogados e uma só sentença para todos? Ou
haverá uma lógica individual de acusação, com processos menos espetaculares e
decisões mais simples, compreensíveis e objetivas?
São dúvidas legítimas
de qualquer um do povo, que merecem respostas a um tempo objetivas, diretas e
claras, e fiéis ao que determina a Constituição e as demais Leis brasileiras. O
que dizem essas normas é o que procurarei definir aqui.
Estado Democrático de
Direito é o regime constitucional do Brasil. Em termos simples, significa que a
vida de todas as pessoas que vivem no País é regida pelas leis, não havendo
vontade de ninguém, nem das pessoas mais poderosas política, social, civil, militar,
economicamente, que se sobreponha às leis; e que essas leis são o resultado da
elaboração do próprio povo, na maioria esmagadora das vezes, por meio da ação
de representantes eleitos. Dois dispositivos constitucionais, entre muitos
outros, resumem isso: “ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer
a não ser em virtude de lei” e “todo poder pertence ao povo,
que o exerce por meio de representantes eleitos” - império da lei
(Estado de Direito) e poder do povo (Estado Democrático).
É esse o bem protegido
pelo Código Penal, quando fala dos crimes praticados contra o Estado
Democrático de Direito e das penas aplicáveis a quem os comete. Entre tais
crimes está o de tentativa de golpe de estado, isto é, de acabar com o regime
constitucional, passando por cima das leis e do poder do povo, que se expressam
na “Constituição Cidadã” (uma expressão muito feliz do
político, já falecido, que presidiu o Congresso Constituinte de 1987/88,
Ulysses Guimarães.
Quando há evidências de que esse crime foi praticado, além de investigar para
identificar provas de sua materialidade – abundantes, no “8 de Janeiro”:
acampamentos em torno de quartéis, sem reação das autoridades, pedindo
intervenção militar, contestação do caráter eletrônico da votação, inclusive em
reunião com representantes estrangeiros, falta de reconhecimento do resultado
eleitoral, incentivo a sua desobediência, minuta de decreto inconstitucional de
estado de sítio ou emergência, convite a comandantes militares e a
subordinados, convocando à participação de atos golpistas, bloqueio de
estradas, ataque a sede policial, incêndio de ônibus, tentativa de ataque
terrorista na proximidade de aeroporto, trocas de mensagens em redes sociais,
encontros e reuniões públicas e privadas, inclusive na sede de Governo federal,
falsificação de certificados de vacinas, inclusive de menor, saída do País de
presidente e assessores, inclusive ex-ministro, na função de guardar a
segurança do espaço em que ocorreu a invasão e destruição do dia oito de
janeiro, entre outros fatos demonstrados – e de sua autoria – além daquelas
pessoas que participaram de todos esses atos, as que redigiram, corrigiram e
debateram a minuta golpista, seriam beneficiárias da eventual consecução do
golpe, trocaram mensagens, determinaram atos e comunicações, seriam
responsáveis pela falsificação de certificado de vacina e responsáveis por
menor que teve o certificado falsificado - , além dessa identificação, o
indiciamento, a denúncia e o processo contra essas pessoas, respeitado o direito
de defesa e todas as garantias processuais previstas na Constituição, para ao
final ser proferido julgamento de condenação ou absolvição.
Esses deveres estão
submetidos a regras e a valores também constitucionais, dentre os quais está o
princípio da igualdade de tratamento a todas as pessoas submetidas à mesma
situação jurídica. Quer dizer, a igualdade deve preencher a interpretação e a
aplicação das leis que falam do crime contra o Estado Democrático de Direito. E
ela exige que o mesmo espírito de proteção desse bem jurídico – talvez o mais
importante da vida política – seja posto em ação em relação a todas as pessoas
envolvidas.
Nesse caso, como em
todos os casos, a interpretação da necessidade de prisão determina um dever de
decidir. Não há uma opção hamletiana de quem julga: prender ou não prender, eis
a questão. A lei especifica as condições e determina que se perfaça a ordem,
quando estiverem preenchidas. Essas condições são especificadas no Código de
Processo Penal, a lei que regula o procedimento que deve ser adotado por todos
os envolvidos na aplicação da lei, no caso de cometimento de um crime.
Muito bem, essa lei
diz que qualquer medida cautelar, durante a apuração do crime (inquérito
policial) ou no curso da ação penal, propriamente dita (após a apresentação da
denúncia pelo Ministério Público e seu recebimento pelo Juiz da causa), deve
respeitar as garantias constitucionais e ser proporcional em relação à
gravidade do crime – assim do bem jurídico protegido pela norma penal -, às
condições da pessoa acusada e ao objetivo de resguardar a aplicação efetiva e
justa da lei penal. Esses são os cuidados jurídicos que devem ser observados na
decisão de decretar a prisão preventiva.
A prisão preventiva é,
então, modo de assegurar a eficácia do processo, resguardar a instrução da ação
pena e proteger as pessoas que são chamadas a colaborar para que essa instrução
se realize de modo eficiente e justo, sobretudo a vítima e as testemunhas, e
proteger a ordem pública e a ordem econômica.
Diante das condições e
com os cuidados previstos em lei, surge um dever à pessoa que julga a causa ou
preside sua instrução, que é a de decretar a prisão – satisfeitas a primeiras e
observados os últimos – ou de deixar de decretar – se não preenchidas as
condições ou não respeitados os cuidados. Não há discrição nem opção. As
condições e os cuidados determinam prender ou não prender, não a vontade
política ou a conveniência de quem instrui ou julga o processo. Num caso e
noutro, há necessidade de justificar a decisão, expor com clareza as razões da
decisão tomada, assim permitindo o controle das partes de acusação e de defesa,
e à fiscalização da sociedade, bem como possibilitando o manejo de recursos,
para reformar ou revogar a decisão.
Quando se fala em
proteção da ordem pública, refere-se a ordem pública constitucional, seus
valores, regras, direitos e deveres, enfim, aos bens materiais e imateriais que
alça a objetivos da vida comum, protege e realiza. Dentre esses, está o de
proibição de tratamento discriminatório, implícito na regra da igualdade e
decorrente dos tratados e convenções internacionais adotados no Brasil, com
força constitucional – dentre eles, a Convenção Americana contra toda forma de
Discriminação, aliás.
Aqui, em conclusão,
estamos diante de fortes evidências de materialidade e de autoria, diante da
necessidade de assegurar a instrução, de defender a ordem pública
constitucional, diante da gravidade do crime, diante, enfim, do comportamento
do ex-presidente, que, mesmo condenado à inelegibilidade, por exemplo, continua
a buscar atuar ativamente no universo da política, influenciar resultado
eleitoral, por em dúvida a autoridade das instituições constitucionais,
tentando desvalorizar atos graves de execução da tentativa de golpe de estado,
como minuta encontrada em duas versões, inclusive em seu gabinete partidário,
em sede de partido multado pela Justiça Eleitoral pela tentativa de por em
dúvida o resultado de eleição, e cujo líder também é investigado por
participação no mesmo crime
Essas as condições,
sendo os cuidados igualmente preenchidos ou observados, na forma de atender às
regras da igualdade e da proporcionalidade. Quem teria participação maior no
cometimento de um crime? O que o ordena ou aquele que meramente executa a ordem?
Claro que tudo isso
está sob o crivo do contraditório e se apresenta, como bem expressa a linguagem
jurídica e jornalística norte-americana, não como cometimento de crime, mas
como alegações de cometimento de crime.
Minha opinião,
contudo, é a de que a decretação de prisão se apresenta como dever jurídico.
Nesse aspecto, o senso comum, de quem experimenta os sofrimentos da vida
cotidiana, supera a presunção de superioridade dos que manejam os instrumentos
do poder e a impermeabilidade dos que se alienam apenas no saber de si mesmos,
esquecidos de que a vida política exige o reconhecimento da pluralidade, ou
seja, da presença efetiva do povo, na expressão de seu desejo de Constituição e
de sua preservação. Nós, o povo, que falamos múltiplas línguas e não a empolada
e distante linguagem da conveniência dos que pensam ter o poder em suas mãos,
ao ponto de acharem praticável destruir impunemente nosso laços de comunhão
democrática.
Ø
Interlocutor de Mauro Cid pode ser um
personagem acima de qualquer suspeita. Por Denise Assis
Enquanto a Polícia
Federal busca o “interlocutor” ou o destinatário das mensagens do
ex-ajudante-de-ordem, Mauro Cid (suspeitam que foram enviadas via WhatsApp), a
nós, desprovidos dos mecanismos de investigação dos profissionais, cabe atenção
e, – nesse caso -, conjecturas.
Olhando para o cenário
da semana passada, quando os áudios foram publicados pela Revista Veja, o que
se tinha era: Bolsonaro em desespero, tremendo a qualquer toque da campainha;
seus filhos dependurados dia e noite nas redes sociais detonando a PF, que na
visão deles perseguia o pai, e os seus aliados tentando emplacar versões nos
seus respectivos posts. Circulavam “verdades” como: Alexandre de Moraes está
transformando o processo “das mil e uma noites” (que é como eles se referem às
investigações do 8 de janeiro), em uma “Lava-Jato”.
Para os que se
detiveram a ouvi-las, não fica difícil concluir que suas falas cabem exatamente
na “narrativa” em voga no meio bolsonarista, quando vieram a público. Pura
coincidência? O conteúdo reforça o “autoritarismo” do ministro Alexandre de
Moraes, a PF como a “malvada” que ignora o que ele fala e conduz o seu
depoimento para “onde quer” e, de quebra, o “interlocutor” ouve algumas queixas
sobre a sua piora de vida e o enriquecimento do ex-presidente, sem olhar por
ele, tão desvalido... (Nada que comprometa a biografia de alguém. Seria mais ou
menos como xingar Bolsonaro de: “feio e bobo”).
Há quem especule se
Mauro Cid não teria dado uma de esperto, tentando, tal como na peça de Carlo
Goldoni: “Arlequim, servidor de dois amos”, servir a dois senhores. No caso, à
Polícia e à ala bolsonarista. (O texto de Goldoni retrata as confusões criadas
por Arlequim, um criado que, para viver e comer melhor, trabalha, ao mesmo
tempo, sem que um saiba do outro, para dois patrões).
Mas, depois de ter
ganho o rótulo de “delator”, o que no meio militar é ser condenado em vida,
outra hipótese que se coloca é a de ele ter caído em uma cama-de-gato. E com
alguém muito importante do outro lado da linha. Chamado a se explicar na PF,
Cid respondeu – da forma mais cândida -, que não se lembrava com quem havia
falado ou, no dizer de seu advogado, “desabafado”.
Como alguém que está
em isolamento, proibido de conversar com outras pessoas que não sejam as
filhas, a mulher e o pai, pode se esquecer com quem falou na semana passada?
Impossível. A menos que... Esse alguém seja um alguém tão alguém que não possa
nunca ser mencionado. É aqui que entram as conjecturas.
Vamos supor que o
“destinatário” ou o “interlocutor”, fosse uma pessoa acima do bem e do mal para
as tropas. Bingo!
Pensem em alguém
respeitado, isolado, sem voz, mas com ajudantes à disposição para servir-lhe,
inclusive, em missões de contrainformação ou “guerra psicológica adversa”. Como
por exemplo, entregar na Veja uma gravação considerada “útil” à sua causa. Imaginem
nessa pessoa, aquele líder intocável pelos grandes serviços prestados nos
últimos anos, a quem todos respeitam, atendem e, se pedir para você ligar,
porque precisa ouvi-lo, e tal como na canção de Isolda, “saber da sua vida” ...
Claro que Cid fragilizado iria ligar e dizer o que - ele sabe -, essa pessoa
gostaria de ouvir.
Suponham alguém com
ascendência paterna sobre ele, Bolsonaro e os demais que passaram pela Aman!
Pensem em alguém que, guardado em casa, é um poço de ressentimento e não
hesitaria em colher a espinafração de Cid e, num último ato de coragem, lançar
na mídia, assim, como quem envia um post para o X, as lamúrias e ataques de
Mauro Cid. Estaria, ao mesmo tempo, passando um “corretivo” no delator e
“salvando” os seus companheiros de farda, melando um processo que, certamente,
aponta para Bolsonaro e seus golpistas, o caminho da prisão.
Sem dúvida, um
personagem acima de qualquer suspeita...
Fonte: Brasil 247
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