Lula
após a ONU: o soft power que define o século XXI
Na ONU,
Lula não falou apenas ao mundo: inscreveu o Brasil no centro da disputa do
século. Ao defender democracia e soberania como inegociáveis, oferecer recursos
concretos para o clima e dialogar até com adversários, ele transformou-se na
voz que o planeta escuta — talvez o maior líder político do nosso tempo.
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Introdução — O século XXI encontra sua voz
O
discurso de Lula na 80ª Assembleia Geral da ONU foi mais do que um ato
protocolar: foi a inscrição de um país e de um líder em uma narrativa
histórica. Em um mundo atravessado por crises simultâneas — guerras regionais,
degradação climática, desinformação em escala industrial e um fascismo em
mutação digital —, a fala de Lula ecoou como raramente ecoam as palavras de um
estadista. Ele não se limitou a representar o Brasil; falou como quem
reivindica um espaço de enunciação global, elevando democracia e soberania à
condição de princípios universais, não de bandeiras partidárias ou nacionais.
Na
liturgia anual de Nova York, muitos líderes falam e poucos são lembrados. Lula,
ao contrário, entrou para o rol daqueles que marcam época. Sua retórica direta,
carregada de biografia e legitimidade, rompeu o ruído das relações
internacionais contemporâneas e ofereceu um norte ético e político num sistema
fragmentado. Mais que um discurso, foi a materialização de duas décadas de
construção simbólica: do “combate à fome como arma de destruição em massa” em
2003 ao “democracia e soberania são inegociáveis” de 2025.
Esse
arco narrativo não é coincidência. É o resultado de um acúmulo de credenciais,
erros e vitórias que fizeram de Lula não apenas um político resiliente, mas um
líder global capaz de dialogar com polos opostos sem abdicar de sua coerência.
O século XXI, órfão de referências democráticas capazes de unir diferentes
povos e projetos, encontrou no presidente brasileiro uma voz singular, que fala
com a autoridade de quem sobreviveu ao lawfare, resistiu a golpes híbridos e
retornou legitimado pelo voto.
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Da fome à soberania — 20 anos de discursos na ONU
O
percurso de Lula na ONU é a história de uma coerência rara na política
internacional. Quando subiu pela primeira vez à tribuna em 2003, sua denúncia
de que “a fome é a maior arma de destruição em massa” soou como ruptura em um
ambiente acostumado a tecnocratas e ao cinismo diplomático. A frase ressoou não
apenas como denúncia, mas como convocação ética, colocando a fome no mesmo
patamar das guerras e das armas nucleares. O Brasil se apresentava como
potência moral, não pela força militar, mas pelo imperativo da justiça social.
Em
2006, Lula ampliou a ambição. Defendeu a reforma do Conselho de Segurança e um
multilateralismo “com resultados”. Era o Brasil cobrando voz real em uma
governança internacional cristalizada no pós-guerra. O recado era claro: não se
trata apenas de discursar, mas de transformar o sistema. Em 2009, no auge da
crise financeira, Lula advertiu sobre a tríade mortal que ameaçava a
humanidade: crise econômica, desigualdade e mudança climática. Foi a
antecipação de um colapso civilizacional que só se agravaria na década
seguinte.
Depois
de mais de uma década fora do cargo, Lula retornou em 2023 como sobrevivente
político, retomando a bandeira contra a fome e pela reforma da ordem global. Em
2024, ousou mais: denunciou o genocídio em Gaza, defendeu a regulação das
plataformas digitais e reivindicou um multilateralismo para a era da
inteligência artificial. Esse caminho desemboca em 2025, quando o fio condutor
amadurece: democracia e soberania tornaram-se, em sua voz, não apenas
princípios constitucionais, mas cláusulas universais que deveriam orientar a
convivência entre nações.
A
trajetória é clara: da fome à soberania, da desigualdade ao clima, da denúncia
da guerra ao combate à desinformação. Em duas décadas, Lula deixou de ser o
presidente operário que emocionava plateias com sua história de vida para
tornar-se o estadista que oferece ao mundo uma narrativa alternativa à
hegemonia do Ocidente em crise. Seus discursos, longe de serem apenas memória
diplomática, compõem hoje uma cartografia da resistência democrática no século
XXI.
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O ato pela democracia — Contra o fascismo em ascensão
Se o
discurso na tribuna da ONU deu o tom normativo — democracia e soberania como
princípios universais —, o encontro paralelo “Em Defesa da Democracia,
Combatendo Extremismos” foi a encarnação prática desse compromisso. Ali, diante
de líderes globais, representantes da sociedade civil e organismos
multilaterais, Lula falou não apenas como presidente do Brasil, mas como
sobrevivente de um projeto global de destruição democrática. Falou como quem
viveu na pele o lawfare, a prisão política, as campanhas de ódio digital e a
tentativa de golpe. E essa biografia transformou sua fala em testemunho, não em
retórica.
Ao
denunciar o extremismo, a desinformação e o uso da tecnologia como armas de
guerra psicológica, Lula deu nome ao inimigo do século XXI: o fascismo
reconfigurado em rede, alimentado por algoritmos, financiado por oligarquias
digitais e legitimado por uma retórica de ódio. Enquanto muitos líderes ainda
tratam a desinformação como um problema técnico, Lula a apresentou como ameaça
existencial à democracia global. Esse enquadramento não é detalhe: reposiciona
o debate, oferecendo ao mundo uma narrativa que combina lucidez diagnóstica e
autoridade política.
Mais do
que denunciar, Lula convocou. O tom foi de alerta e de mobilização: a defesa da
democracia não é luxo nem capricho, mas questão de sobrevivência diante da
escalada autoritária. Essa convocação, ecoada por representantes africanos,
latino-americanos e europeus, colocou o Brasil no centro de uma frente global
que ainda busca se consolidar contra o avanço da extrema-direita. O ato
funcionou como extensão simbólica do discurso da plenária e como ensaio para
uma coalizão democrática transnacional.
Nesse
espaço, Lula não foi apenas orador: foi liderança. Sua fala reverberou porque
não nasceu de abstrações acadêmicas nem de tecnocracia distante, mas da
experiência concreta de quem enfrentou e venceu as trincheiras da guerra
híbrida. O ato pela democracia deu a Lula a condição de testemunha e de guia —
a figura política capaz de traduzir, no cenário internacional, o drama vivido
por milhões de cidadãos em suas democracias ameaçadas.
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O clima como poder de atração — o TFFF e a COP 30
Nenhum
soft power se sustenta apenas em palavras. Para transformar prestígio em
liderança real, é preciso oferecer instrumentos concretos. Foi exatamente o que
Lula fez ao anunciar, na tribuna da ONU, a contribuição inicial de 1 bilhão de
dólares ao Tropical Forests Forever Facility (TFFF) — um fundo inovador
destinado à preservação das florestas tropicais. Esse gesto, de imediato,
reposicionou o Brasil como first mover climático, não apenas denunciando a
urgência ambiental, mas colocando dinheiro e compromisso político na mesa.
O TFFF
é mais que uma promessa: é a tradução em recursos de um conceito de soberania
que ultrapassa fronteiras nacionais. Ao aportar fundos próprios, o Brasil
assume riscos e cobra reciprocidade, invertendo a lógica histórica em que o Sul
Global mendigava por migalhas de financiamento verde. Dessa vez, é o Sul que
lidera e oferece, enquanto o Norte é convocado a corresponder. A mensagem é
clara: não há como enfrentar a crise climática sem reconhecer o protagonismo
dos países que abrigam as maiores florestas e reservas de biodiversidade.
Esse
movimento se conecta diretamente à COP30, em Belém, que se aproxima como um
palco estratégico para consolidar a centralidade brasileira no debate
climático. O TFFF é a carta de apresentação que legitima Lula a convocar
governos africanos, asiáticos e insulares, alinhando-os a uma frente que exige
justiça climática. Para esses países, a fala de Lula não é apenas retórica
diplomática: é uma oportunidade real de construir uma arquitetura de
financiamento alternativa às velhas promessas não cumpridas do Ocidente.
No
campo do soft power, a diplomacia climática opera como poder de atração em
estado puro. Ela permite que Lula dialogue com a juventude global mobilizada,
com ONGs ambientalistas, com universidades e até com atores do mercado
financeiro que já veem risco reputacional em ignorar o colapso climático. Ao
transformar o Brasil em epicentro do debate, Lula não só reforça a imagem de
liderança progressista e democrática, mas também oferece ao mundo uma causa
concreta pela qual se engajar.
Em
2025, o soft power de Lula ganha uma dimensão verde e planetária. O TFFF não é
um detalhe do discurso: é a senha de entrada para o Brasil no futuro da
governança climática global. E é, sobretudo, um lembrete de que a soberania
informacional, política e ambiental estão entrelaçadas — sem autonomia
climática, não há independência para nenhum povo.
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Diplomacia de portas abertas — O líder multipolar
Poucos
líderes vivos conseguem o que Lula faz: atravessar trincheiras geopolíticas sem
perder legitimidade. Na ONU de 2025, isso ficou evidente. Ele trocou gestos
cordiais com Donald Trump, mesmo sob o peso de tarifas punitivas e sanções
contra autoridades brasileiras. Abriu um canal com Volodymyr Zelensky, propondo
o cessar-fogo como primeiro passo para a paz na Ucrânia, enquanto mantinha
interlocução fluida com a Rússia e a China no âmbito dos BRICS. E ainda falou a
africanos, árabes e latino-americanos em uma linguagem que ressoa como própria:
a da soberania e da dignidade nacional.
Essa
plasticidade não é contradição, mas essência do soft power. Ao contrário de
chefes de Estado que se encastelam em blocos, Lula mantém portas abertas em
todos os polos estratégicos. Ele não se apresenta como mediador neutro, mas
como líder com história, que fala de dentro da experiência de um país do Sul
Global e que, justamente por isso, é ouvido com respeito mesmo pelos
adversários. Essa capacidade de dialogar sem se submeter é um recurso político
raro em tempos de polarização e alinhamentos rígidos.
Enquanto
os Estados Unidos e a União Europeia falam muitas vezes de cima para baixo, e a
China se coloca como alternativa pragmática, Lula surge como síntese humanista:
um presidente que não nega os conflitos, mas se oferece como ponte. E não é
ponte ingênua — é ponte com peso específico, capaz de trazer ao debate o
respaldo de milhões de pessoas e de uma nação que é laboratório das disputas do
século XXI.
No
tabuleiro multipolar, Lula não é árbitro distante nem vassalo de potências. É
um ator central, que circula com a legitimidade de quem venceu a guerra híbrida
em casa e que, por isso, pode falar com propriedade sobre o risco do fascismo,
a urgência do clima e a necessidade de soberania. Diplomacia de portas abertas
não significa fraqueza: significa estar em posição de quem pode, sem pedir
licença, falar com todos e ser escutado.
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Repercussão internacional — Norte cético, Sul entusiasmado
A
reverberação do discurso de Lula e do ato pela democracia expôs a assimetria do
sistema internacional. No Norte Global, a reação foi ambígua: veículos
institucionais como Reuters, AP e Financial Times destacaram a firmeza na
defesa da democracia e a ousadia climática do aporte brasileiro ao TFFF. Mas,
em paralelo, jornais conservadores nos EUA e think tanks alinhados ao
establishment atacaram a fala sobre Gaza e criticaram a defesa da regulação das
plataformas digitais, enquadrando-a como “censura” e “ameaça à liberdade de
expressão”. O mesmo rótulo — “populismo autoritário” — reapareceu em colunas de
opinião, revelando o desconforto de elites ocidentais diante de uma liderança
do Sul que não se curva.
Já no
Sul Global, o eco foi imediato e entusiasmado. Na África, líderes elogiaram o
aporte ao TFFF e ressaltaram o papel do Brasil como aliado na justiça
climática. No Oriente Médio, especialmente no mundo árabe-islâmico, a denúncia
de genocídio em Gaza e o chamado ao cessar-fogo foram recebidos como ato de
coragem, em contraste com o silêncio cúmplice de potências ocidentais. Na Ásia,
Índia e China enxergaram no discurso um reforço da narrativa multipolar,
alinhado à ampliação dos BRICS. Na América Latina, o tom soberano de Lula
ressoou como afirmação regional, reforçando o Brasil como contraponto ao
ultraliberalismo de Milei e ao trumpismo em expansão.
Esse
contraste revela mais do que diferentes leituras: mostra a divisão estrutural
entre um Ocidente que resiste a perder o monopólio da narrativa e um Sul que
enxerga em Lula a voz de seus dilemas e aspirações. Enquanto no Norte a
retórica sobre democracia pode ser recebida com ceticismo ou cinismo, no Sul
ela é entendida como experiência vivida e prova concreta de resiliência. É
justamente nesse hiato que o soft power de Lula cresce: ele ocupa o espaço que
as potências tradicionais abandonaram, transformando-se em referência para
países que buscam alternativas de futuro fora da tutela do Ocidente.
No fim,
a repercussão internacional confirma a centralidade simbólica conquistada em
Nova York. Para uns, Lula é ameaça; para outros, esperança. Mas para todos,
tornou-se incontornável.
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A recuperação na opinião pública — efeito ONU
O soft
power de Lula não se mede apenas no plano internacional. Ele tem um reflexo
interno imediato, e as pesquisas divulgadas nos últimos dias confirmam isso. O
discurso de Nova York coincidiu com uma inflexão na curva da opinião pública: o
IPESPE mostrou que a aprovação do governo voltou a superar a desaprovação,
enquanto o Datafolha, dias antes, já indicava crescimento da imagem positiva do
presidente e queda nos índices de rejeição. Em linguagem simples: o país voltou
a olhar para Lula com mais confiança, no mesmo momento em que o mundo o
consagrava como voz da democracia e da soberania.
Esse
alinhamento entre projeção externa e recuperação interna é raro na política
brasileira. Normalmente, a diplomacia é um campo distante do cotidiano das
pessoas. Mas em tempos de guerra híbrida, tarifas, sanções e ataques à
democracia, a ONU deixa de ser abstrata: torna-se vitrine da luta nacional em
escala global. Quando Lula, diante de chefes de Estado, afirmou que “democracia
e soberania são inegociáveis”, milhões de brasileiros se viram representados.
Foi mais do que diplomacia: foi afirmação de identidade.
A
recuperação nas pesquisas mostra que o soft power de Lula tem efeito reflexo
sobre a política doméstica. Sua narrativa ressoa tanto nos corredores
multilaterais quanto nas periferias urbanas, onde soberania significa comida na
mesa e democracia significa a liberdade de viver sem medo da violência
política. Esse é um ativo que nenhum adversário interno pode comprar com fake
news ou operações psicológicas.
Se no
Norte Global ainda há ceticismo, no Brasil Lula colhe dividendos de sua
projeção internacional. A ONU funcionou como palco de consagração externa e
também como espelho interno, reforçando sua legitimidade no exato momento em
que enfrenta o cerco de tarifas, sanções e narrativas de desestabilização. É a
prova de que o soft power, quando autêntico, retroalimenta a política nacional
e fortalece a democracia.
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Lula e o século XXI — Entre história e futuro
O
século XXI ainda busca seus símbolos políticos universais. As antigas
referências do Ocidente, outrora celebradas como guardiãs da democracia
liberal, se perderam entre nacionalismos estreitos, tecnocracia apática e
crises de legitimidade. Foi nesse vácuo que Lula se projetou, não apenas como
presidente de um país do Sul Global, mas como uma das vozes mais consistentes
na defesa de valores universais: soberania, democracia, justiça social e
proteção climática.
Sua
trajetória é mais que política: é pedagógica. Lula fala ao mundo com a
autoridade de quem emergiu da pobreza, enfrentou o cárcere, sobreviveu ao
lawfare e voltou pelo voto popular. Essa biografia é insubstituível porque
converte experiência em legitimidade, e legitimidade em poder de atração. Ao
defender a democracia na ONU, não o fez em nome de abstrações: falou como quem
resistiu às engrenagens mais perversas da guerra híbrida e como quem compreende
que a defesa da soberania não é uma questão ideológica, mas de sobrevivência
nacional.
Se a
política global está marcada pelo avanço de uma extrema-direita articulada com
big techs e pela erosão de instituições multilaterais, Lula oferece o
contraponto: liderança que combina pragmatismo e visão histórica, com a
capacidade rara de transitar entre Washington, Pequim, Bruxelas, Moscou e
Pretória sem perder coerência. É essa habilidade de estar em todos os polos,
sem ser capturado por nenhum, que o transforma em figura única.
Ao sair
da ONU em 2025, Lula não era apenas o representante de um país em disputa. Ele
era o estadista que falava por um mundo fragmentado em busca de rumo. Talvez
não seja exagero dizer que, naquele palco, emergiu como o maior líder político
do século XXI — não pelo poder militar ou econômico que carrega, mas pela
capacidade de articular causas comuns que falam à maioria da humanidade. Entre
história e futuro, Lula se tornou a voz que o planeta precisa ouvir.
Fonte:
Por Reynaldo José Aragon Gonçalves, em
Brasil 247

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