terça-feira, 30 de setembro de 2025

Quando a Saúde deixa de ser um direito universal: RFK Jr. e Eduardo Pazuello

Robert F. Kennedy Jr., herdeiro de um dos sobrenomes mais célebres da política norte-americana, parecia destinado a ocupar um lugar de destaque na vida pública dos Estados Unidos. Ambientalista, advogado e ativista em causas progressistas, chegou a ser visto como figura promissora, capaz de carregar adiante parte do legado de seu tio John F. Kennedy e de seu pai Robert Kennedy. Mas, em vez disso, transformou-se em um dos principais porta-vozes do negacionismo científico no campo da saúde.

Nos últimos anos, Kennedy Jr. se notabilizou por atacar vacinas, lançar dúvidas sobre o trabalho do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA) e espalhar teorias da conspiração em meio à pandemia de Covid-19. Hoje, convertido em político alinhado à extrema direita, sua retórica se tornou combustível para desinformação, minando a confiança nas instituições de saúde e colocando em risco políticas públicas vitais.

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Sua ascensão ao cargo de secretário de Saúde no governo Trump 2.0 representa a captura de áreas estratégicas por figuras que não defendem a ciência, mas agendas políticas e ideológicas.

<><> A “bagunça” na saúde americana

O alerta de Debra Houry, ex-médica-chefe do CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças), publicado no The Washington Post, dá a dimensão do estrago. Ela pediu demissão e apontou três pontos que resumem o caos criado por RFK Jr.:

# Saúde em risco

– Programas de prevenção de doenças crônicas, que economizavam bilhões ao sistema de saúde, estão sendo desmontados. A prevenção contra tabagismo, hipertensão e diabetes perde espaço em nome de uma agenda obscura.

# Preparação para crises enfraquecida

– Bases de dados sobre gripe, covid-19 e até poliomielite foram reduzidas ou suspensas. A capacidade de reação dos EUA diante de novas emergências sanitárias está comprometida.

# Transparência corroída

– A suspensão de relatórios fundamentais do CDC alimenta desinformação e mina a confiança pública. Não se trata apenas de burocracia: trata-se de vidas em jogo.

Em vez de fortalecer o sistema de saúde após a pandemia, Kennedy Jr. prefere repetir a cartilha do negacionismo e da improvisação.

A imprensa norte-americana tem reiteradamente exposto os danos de sua atuação. O The Washington Post descreveu seu discurso como uma “campanha sistemática contra a ciência”, enquanto o New York Times destacou a forma como ele utiliza o peso simbólico do sobrenome Kennedy para atrair eleitores descontentes. O paradoxo é gritante: alguém que poderia ter sido um defensor das causas sociais transformou-se em porta-voz de teses que enfraquecem a saúde pública e, por consequência, a democracia.

<><> O Brasil e o laboratório do negacionismo

Se a atuação de RFK Jr. nos Estados Unidos já representa um ataque frontal à ciência e à saúde pública, o Brasil conhece de perto os efeitos mortais de políticas semelhantes. Durante a pandemia, o general Eduardo Pazuello, à frente do Ministério da Saúde de Jair Bolsonaro, protagonizou uma das páginas mais trágicas da nossa história recente.

Sob Bolsonaro, o país se tornou laboratório de um negacionismo oficializado: atrasou-se a compra de vacinas eficazes, promoveu-se um “kit Covid” sem qualquer comprovação científica e transformou-se a saúde pública em campo de batalha ideológica. Enquanto médicos, pesquisadores e organismos internacionais alertavam que a cloroquina e a ivermectina eram ineficazes, o governo brasileiro gastava milhões de reais em remédios inúteis e procrastinava a chegada ao Brasil de vacinas.

O caso de Manaus, em janeiro de 2021, é emblemático. Sem oxigênio nos hospitais e com famílias desesperadas, o Ministério da Saúde insistia em receitar medicamentos ineficazes, enquanto a população morria asfixiada. A ciência foi silenciada, e a dor do povo transformou-se em espetáculo político.

Assim como Kennedy Jr. nos EUA, Bolsonaro e Pazuello venderam a ilusão de que havia soluções mágicas, alternativas “antissistema”, capazes de substituir a ciência. Essa manipulação não apenas atrasou a resposta à pandemia, como também corroeu a confiança da sociedade em suas instituições. O resultado foi devastador: centenas de milhares de mortes evitáveis.

<><> Uma ameaça global

O paralelo entre RFK Jr. e o bolsonarismo mostra que não se trata de fenômenos isolados, mas de uma lógica global de extrema direita que converte a saúde pública em instrumento de poder. Trump, Bolsonaro e Kennedy Jr. compartilham uma mesma gramática: relativizar a ciência, manipular o medo da população e transformar a desinformação em capital político.

Esse é o verdadeiro perigo. A saúde deixa de ser um direito universal e passa a ser moeda de troca eleitoral. A morte se banaliza, e o pacto civilizatório que sustenta a vida em comum se fragiliza.

<><> A lição e o alerta

O Brasil já conheceu o abismo de ter a saúde sequestrada por interesses autoritários. Os Estados Unidos o revivem agora, com Kennedy Jr. em sua cruzada anticiência. Ambos os países mostram ao mundo que o negacionismo não é apenas uma opinião controversa. É uma ameaça concreta à vida, à democracia e à dignidade humana.

A lição que se impõe é clara: quando a ciência é atacada, não é apenas a saúde que adoece, mas também a democracia. Contra falsos profetas da liberdade que pregam a morte em nome da política, é preciso reafirmar, sem hesitação, o valor da ciência, da vida e da solidariedade entre os povos.

 

Fonte: Por Maria Luiza Falcão Slva, em Brasil 247

 

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